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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62020CJ0238

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 27 de janeiro de 2022.
    «Sātiņi-S» SIA.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Augstākā tiesa (Senāts).
    Reenvio prejudicial — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 17.o — Direito de propriedade — Diretiva 2009/147/CE — Indemnização por prejuízos causados à aquicultura numa zona Natura 2000 por aves selvagens protegidas — Indemnização inferior aos danos efetivamente sofridos — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Auxílios de Estado — Conceito de “vantagem” — Requisitos — Regulamento (UE) n.o 717/2014 — Regra de minimis.
    Processo C-238/20.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2022:57

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    27 de janeiro de 2022 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 17.o — Direito de propriedade — Diretiva 2009/147/CE — Indemnização por prejuízos causados à aquicultura numa zona Natura 2000 por aves selvagens protegidas — Indemnização inferior aos danos efetivamente sofridos — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Auxílios de Estado — Conceito de “vantagem” — Requisitos — Regulamento (UE) n.o 717/2014 — Regra de minimis»

    No processo C‑238/20,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia), por Decisão de 4 de junho de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de junho de 2020, no processo

    «Sātiņi‑S» SIA,

    sendo interveniente:

    Dabas aizsardzības pārvalde,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: A. Prechal, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, J. Passer (relator), F. Biltgen, L. S. Rossi e N. Wahl, juízes,

    advogado‑geral: A. Rantos,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 3 de junho de 2021,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da «Sātiņi‑S» SIA, por A. Grigorjevs,

    em representação do Governo letão, inicialmente por K. Pommere, V. Soņeca e V. Kalniņa, depois por K. Pommere, na qualidade de agentes,

    em representação da Irlanda, por M. Browne, J. Quaney, M. Lane e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por S. Kingston, SC, e G. Gilmore, BL,

    em representação do Governo neerlandês, por M. de Ree, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, inicialmente por V. Bottka, C. Hermes e I. Naglis, depois por V. Bottka e C. Hermes, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 9 de setembro de 2021,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 17.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), dos artigos 107.o e 108.o TFUE, bem como do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 717/2014 da Comissão, de 27 de junho de 2014, relativo à aplicação dos artigos 107.o e 108.o [TFUE] aos auxílios de minimis no sector das pescas e da aquicultura (JO 2014, L 190, p. 45).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a «Sātiņi‑S» SIA à Dabas aizsardzības pārvalde (Autoridade de Proteção do Ambiente, Letónia) a respeito da recusa de esta última lhe conceder uma indemnização pelos prejuízos causados à sua exploração de aquicultura numa zona Natura 2000 por aves selvagens pelo facto de já ter obtido o montante máximo das quantias que lhe podiam ser concedidas à luz da regra de minimis em matéria de auxílios de Estado.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva 92/43/CEE

    3

    O artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7) (a seguir «Diretiva “Habitats”»), dispõe:

    «Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objetivos da presente diretiva.»

    Diretiva 2009/147/CE

    4

    O artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2009/147/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativa à conservação das aves selvagens (JO 2010, L 20, p. 7) (a seguir «Diretiva “Aves”»), tem a seguinte redação:

    «Os Estados‑Membros tomam as medidas adequadas para evitar, nas zonas de proteção referidas nos n.os 1 e 2, a poluição ou a deterioração dos habitats, bem como as perturbações que afetam as aves, desde que tenham um efeito significativo a propósito dos objetivos do presente artigo. Para além destas zonas de proteção, os Estados‑Membros esforçam‑se igualmente por evitar a poluição ou a deterioração dos habitats

    5

    O artigo 5.o desta diretiva prevê:

    «Sem prejuízo dos artigos 7.o e 9.o, os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias à instauração de um regime geral de proteção de todas as espécies de aves referidas no artigo 1.o e que inclua nomeadamente a proibição:

    a)

    De as matar ou de as capturar intencionalmente, qualquer que seja o método utilizado;

    b)

    De destruir ou de danificar intencionalmente os seus ninhos e os seus ovos ou de colher os seus ninhos;

    c)

    De recolher os seus ovos na natureza e de os deter, mesmo vazios;

    d)

    De as perturbar intencionalmente, nomeadamente durante o período de reprodução e de dependência, desde que essa perturbação tenha um efeito significativo relativamente aos objetivos da presente diretiva;

    e)

    De deter as aves das espécies cuja caça e cuja captura não sejam permitidas.»

    Regulamento n.o 717/2014

    6

    O considerando 15 do Regulamento n.o 717/2014 prevê:

    «Para efeitos de transparência, igualdade de tratamento e controlo efetivo, o presente regulamento só deve aplicar‑se aos auxílios de minimis relativamente aos quais seja possível calcular com precisão, ex ante, o seu equivalente‑subvenção bruto, sem qualquer necessidade de proceder a uma apreciação de risco (“auxílio transparente”). Este cálculo pode realizar‑se com exatidão, por exemplo, no caso das subvenções, bonificações de juros, isenções fiscais sujeitas a limites ou outros instrumentos que prevejam um limite que garanta que o limite máximo pertinente não é excedido. O facto de prever um limite significa que, enquanto o montante preciso do auxílio não for ou não for ainda conhecido, o Estado‑Membro tem de assumir que esse montante é igual ao limite, a fim de assegurar que várias medidas de auxílio em conjunto não excedem o limite máximo estabelecido no presente regulamento e para aplicar as regras em matéria de cumulação.»

    7

    O artigo 1.o deste regulamento, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe:

    «1.   O presente regulamento é aplicável aos auxílios concedidos a empresas do sector das pescas e da aquicultura, com as seguintes exceções:

    a)

    Auxílios cujo montante é fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos ou colocados no mercado;

    b)

    Auxílios concedidos a atividades relacionadas com a exportação para países terceiros ou Estados‑Membros, nomeadamente os auxílios concedidos diretamente em função das quantidades exportadas, da criação e funcionamento de uma rede de distribuição ou de outras despesas correntes atinentes às atividades de exportação;

    c)

    Auxílios subordinados à utilização de produtos nacionais em detrimento de produtos importados;

    d)

    Auxílios à compra de navios de pesca;

    e)

    Auxílios para a modernização ou substituição de motores principais ou auxiliares de navios de pesca;

    f)

    Auxílios para operações que aumentem a capacidade de pesca de um navio ou para equipamentos que aumentem a capacidade de um navio para localizar o peixe;

    g)

    Auxílios para a construção de novos navios de pesca ou para a importação de navios de pesca;

    h)

    Auxílios para a cessação temporária das atividades de pesca, salvo se expressamente previstos no Regulamento (UE) n.o 508/2014 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, relativo ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas e que revoga os Regulamentos (CE) n.o 2328/2003 (CE) n.o 861/2006 (CE) n.o 1198/2006 e (CE) n.o 791/2007 do Conselho e o Regulamento (UE) n.o 1255/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 149, p. 1)];

    i)

    Auxílios para a pesca exploratória;

    j)

    Auxílios para a transferência de propriedade de uma empresa;

    k)

    Auxílios para o repovoamento direto, salvo se expressamente previsto como medida de conservação num instrumento jurídico da União ou em caso de repovoamento experimental.

    2.   Sempre que uma empresa ativa no sector das pescas e da aquicultura também estiver ativa noutros sectores ou atividades abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento (UE) n.o 1407/2013 [da Comissão, de 18 de dezembro de 2013, relativo à aplicação dos artigos 107.o e 108.o [TFUE] aos auxílios de minimis (JO 2013, L 352, p. 1)], este é aplicável aos auxílios concedidos em relação a esses outros sectores ou atividades, desde que o Estado‑Membro em questão assegure, através de meios adequados, como a separação das atividades ou a distinção dos custos, que as atividades no sector das pescas e da aquicultura não beneficiam de auxílios de minimis concedidos em conformidade com o regulamento citado.

    3.   Sempre que uma empresa ativa no sector das pescas e da aquicultura também estiver ativa no sector da produção primária de produtos agrícolas abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento (UE) n.o 1408/2013 [da Comissão, de 18 de dezembro de 2013, relativo à aplicação dos artigos 107.o e 108.o [TFUE] aos auxílios de minimis (JO 2013, L 352, p. 9)], as disposições do presente regulamento são aplicáveis aos auxílios concedidos ao sector referido em primeiro lugar, desde que o Estado‑Membro em questão assegure, através de meios adequados, como a separação das atividades ou a distinção dos custos, que a produção primária de produtos agrícolas não beneficia de auxílios de minimis concedidos em conformidade com o presente regulamento.»

    8

    O artigo 3.o do referido regulamento, com a epígrafe «Auxílios de minimis», prevê, nos seus n.os 1 a 3:

    «1.   Considera‑se que as medidas de auxílio não preenchem todos os critérios estabelecidos no artigo 107.o, n.o 1, [TFUE], pelo que estão isentas da obrigação de notificação prevista no artigo 108.o, n.o 3, [TFUE], se reunirem as condições estabelecidas no presente regulamento.

    2.   O montante total do auxílio de minimis concedido por um Estado‑Membro a uma empresa única no sector das pescas e da aquicultura não pode exceder 30000 [euros] durante um período de três exercícios financeiros.

    3.   O montante cumulado dos auxílios de minimis concedidos por Estado‑Membro a empresas do sector das pescas e da aquicultura durante um período de três exercícios financeiros não pode exceder o limite máximo nacional estabelecido no anexo.»

    9

    O artigo 4.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Cálculo do equivalente‑subvenção bruto», dispõe:

    «1.   O presente regulamento aplica‑se exclusivamente aos auxílios relativamente aos quais é possível calcular com precisão, ex ante, o equivalente‑subvenção bruto do auxílio, sem qualquer necessidade de proceder a uma apreciação de risco (“auxílios transparentes”).

    2.   Os auxílios incluídos em subvenções ou bonificações de juros são considerados como auxílios de minimis transparentes.

    […]

    7.   Os auxílios incluídos noutros instrumentos são considerados auxílios de minimis transparentes, se o instrumento previr um limite que garante que o limite máximo pertinente não é excedido.»

    Direito letão

    10

    O artigo 4.o do Sugu un biotopu aizsardzības likums (Lei Relativa à Conservação de Espécies e Biótopos), de 16 de março de 2000 (Latvijas Vēstnesis, 2000, n.o 121/122), com a epígrafe «Competência do Conselho de Ministros», dispõe, no seu n.o 6:

    «O Conselho de Ministros estabelece:

    […]

    6) Os procedimentos de determinação do montante dos prejuízos sofridos pelos utilizadores do solo em consequência de danos graves provocados por animais de espécies migratórias e de espécies não cinegéticas especialmente protegidas, bem como os requisitos mínimos que devem ser cumpridos pelas medidas de proteção destinadas a evitar danos;

    […]»

    11

    O artigo 10.o desta lei, com a epígrafe «Direito a indemnização dos proprietários ou utilizadores do solo», prevê:

    «1.   Os proprietários ou utilizadores do solo têm direito a receber uma indemnização a cargo dos fundos do orçamento de Estado previstos para esse efeito pelos danos graves causados por animais de espécies migratórias e de espécies não cinegéticas especialmente protegidas, desde que tenham adotado as medidas de proteção necessárias e tenham introduzido, de acordo com os seus conhecimentos, aptidões e capacidades práticas, métodos que respeitem o meio ambiente para prevenir ou minimizar os danos. Os proprietários ou utilizadores do solo não terão direito a uma indemnização se tiverem concorrido dolosamente para a produção ou agravamento do dano a fim de obterem uma indemnização.

    […]

    3.   A indemnização por danos graves causados por animais de espécies migratórias e de espécies não cinegéticas especialmente protegidas não é concedida se o proprietário ou o utilizador do solo tiver recebido outros pagamentos por parte do Estado, do município ou da União Europeia, previstos, direta ou indiretamente, para as mesmas limitações da atividade económica ou para os mesmos danos causados por animais de espécies migratórias e de espécies não cinegéticas especialmente protegidas, para os quais as disposições legais aplicáveis prevejam uma indemnização, ou se o requerente receber um auxílio ao abrigo do [Regulamento n.o 508/2014].»

    12

    O artigo 5.o da Lauksaimniecības un lauku attīstības likums (Lei Relativa à Agricultura e ao Desenvolvimento Rural), de 7 de abril de 2004 (Latvijas Vēstnesis, 2004, no 64), com a epígrafe «Apoio do Estado e da União Europeia», dispõe, no seu n.o 7:

    «O Conselho de Ministros aprova as regras de gestão e controlo dos auxílios concedidos pelo Estado e pela União Europeia à agricultura e as regras de gestão e controlo dos auxílios conferidos pelo Estado e pela União Europeia ao desenvolvimento rural e das pescas.»

    13

    Os Ministru kabineta noteikumi Nr. 558 «De minimis atbalsta uzskaites un piešķiršanas kārtība zvejniecības un akvakultūras nozarē» (Decreto n.o 558 do Conselho de Ministros, relativo às modalidades de contabilização e concessão de auxílios de minimis no sector das pescas e da aquicultura), de 29 de setembro de 2015 (Latvijas Vēstnesis, 2015, n.o 199), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, tinham a seguinte redação:

    «1. O presente decreto estabelece as regras de contabilização e concessão de auxílios de minimis no sector da pesca e da aquicultura, em conformidade com o [Regulamento n.o 717/2014].

    2. A fim de obter um auxílio de minimis nos termos do disposto nos artigos 3.o, 4.o e 5.o do Regulamento n.o 717/2014, o requerente do auxílio deve apresentar um pedido de auxílio de minimis (anexo 1) (a seguir “pedido”). O pedido deve indicar o auxílio de minimis recebido pelo requerente no ano em curso e nos dois exercícios fiscais anteriores e o auxílio de minimis previsto, independentemente da forma como o auxílio é concedido e de quem o concede. Em caso de acumulação de auxílios de minimis, o requerente do auxílio deve igualmente fornecer informações sobre os outros auxílios recebidos para o projeto em questão, relativamente aos mesmos custos elegíveis. Ao fornecer informações sobre os auxílios de minimis e os outros auxílios de Estado previstos, o requerente do auxílio deve indicar os auxílios que solicitou, mas sobre os quais o concedente do auxílio ainda não se pronunciou. Se o requerente de um auxílio de minimis nunca tiver recebido tal auxílio anteriormente, deve indicar as informações relevantes no seu pedido.»

    14

    Os Ministru kabineta noteikumi Nr. 353 «Kārtība, kādā zemes īpašniekiem vai lietotājiem nosakāmi to zaudējumu apmēri, kas saistīti ar īpaši aizsargājamo nemedījamo sugu un migrējošo sugu dzīvnieku nodarītajiem būtiskiem postījumiem, un minimālās aizsardzības pasākumu prasības postījumu novēršanai» (Decreto n.o 353 do Conselho de Ministros, relativo ao procedimento de determinação do montante dos prejuízos sofridos pelos proprietários ou utilizadores do solo em resultado de danos graves provocados por animais de espécies migratórias e de espécies não cinegéticas especialmente protegidas, bem como aos requisitos mínimos que devem ser cumpridos pelas medidas de proteção destinadas a evitar danos), de 7 de junho de 2016 (Latvijas Vēstnesis, 2016, n.o 111), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõem:

    «1. O presente decreto estabelece:

    1.1. O procedimento de determinação do montante dos prejuízos sofridos pelos proprietários ou utilizadores do solo em resultado dos danos graves provocados por animais de espécies migratórias e de espécies não cinegéticas especialmente protegidas (a seguir “prejuízos”);

    […]

    39. Ao adotar a decisão de concessão da indemnização, a administração deverá cumprir os seguintes requisitos:

    39.1. conceder a indemnização observando as limitações do sector e da atividade previstas no artigo 1.o, n.o 1, do [Regulamento n.o 1408/2013] ou no artigo 1.o, n.o 1, do [Regulamento n.o 717/2014];

    39.2. verificar se o montante da indemnização não aumenta o montante total dos auxílios de minimis recebidos no exercício fiscal em causa e nos dois exercícios fiscais anteriores para um nível superior ao limite de minimis estabelecido no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/2013 (empresas que operam na produção primária de produtos agrícolas) ou no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 717/2014 (empresas que operam no sector das pescas e da aquicultura […]). Ao determinar o montante da indemnização, o auxílio de minimis recebido será avaliado em relação a uma empresa única. Uma “empresa única” é uma empresa que preenche os critérios estabelecidos no artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/2013 e no artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento n.o 717/2014.

    40. No prazo de dois meses após a determinação do montante dos prejuízos, o funcionário [competente] tomará uma decisão favorável à concessão da indemnização fixando o seu montante, ou uma decisão de recusa da mesma.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    15

    Em 2002, a Sātiņi‑S adquiriu dois bens imóveis, com uma área total de 687 ha, dos quais 600,70 ha de lagoas, numa reserva natural protegida, que posteriormente, em 2005, foi incluída na rede Natura 2000 na Letónia.

    16

    Em 2017, a Sātiņi‑S apresentou um pedido à Autoridade de Proteção do Ambiente, solicitando que lhe fosse concedida uma indemnização pelos prejuízos causados à aquicultura por aves e outros animais protegidos. Esta autoridade indeferiu o referido pedido com o fundamento de que já tinha sido concedido à Sātiņi‑S um montante total correspondente à regra de minimis de 30000 euros durante um período de três exercícios fiscais, previsto no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 717/2014.

    17

    A Sātiņi‑S interpôs recurso dessa decisão alegando que, devido ao seu caráter compensatório, a indemnização pelos prejuízos causados à aquicultura por animais protegidos não constituía um auxílio estatal. Tendo o seu pedido sido julgado improcedente em primeira e segunda instância, a Sātiņi‑S interpôs recurso de cassação no órgão jurisdicional de reenvio, o Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia).

    18

    Esse órgão jurisdicional interroga‑se, antes de mais, sobre se o direito de propriedade garantido pelo artigo 17.o da Carta não se opõe a que uma indemnização a título dos prejuízos causados à aquicultura numa zona da rede Natura 2000 por aves protegidas ao abrigo da Diretiva «Aves» seja significativamente inferior aos prejuízos efetivamente sofridos pelo requerente. Em seguida, coloca‑se a questão de saber se a indemnização solicitada pela Sātiņi‑S constitui um «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Se for esse o caso, o referido órgão jurisdicional interroga‑se sobre se o limite dos auxílios de minimis de 30000 euros, previsto no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 717/2014, é aplicável.

    19

    Nestas condições, o Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    O direito a uma justa indemnização pela limitação do direito de propriedade consagrado no artigo 17.o da [Carta] permite que a indemnização concedida por um Estado pelos prejuízos causados à aquicultura numa zona da rede Natura 2000 por aves protegidas ao abrigo da [Diretiva “Aves”], seja significativamente inferior aos prejuízos efetivamente sofridos?

    2)

    A indemnização concedida por um Estado pelos prejuízos causados à aquicultura numa zona da rede Natura 2000 por aves protegidas ao abrigo da [Diretiva “Aves”], constitui um auxílio de Estado na aceção dos artigos 107.o e 108.o [TFUE]?

    3)

    Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, o limite máximo de 30000 euros dos auxílios de minimis previsto no artigo 3.o, n.o 2, do [Regulamento n.o 717/2014], é aplicável a uma indemnização como a que está em causa no processo principal?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    20

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.o da Carta deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a indemnização concedida por um Estado‑Membro pelos prejuízos sofridos por um operador económico em razão das medidas de proteção aplicáveis numa zona da rede Natura 2000 ao abrigo da Diretiva «Aves» seja significativamente inferior aos prejuízos efetivamente sofridos por esse operador.

    Quanto à competência do Tribunal de Justiça

    21

    A Comissão Europeia invoca a exceção da incompetência do Tribunal de Justiça para conhecer da primeira questão. Alega que o pagamento da indemnização em causa no processo principal não constitui uma aplicação do direito da União na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, uma vez que nem a Diretiva «Aves» nem a Diretiva «Habitats» preveem uma indemnização por prejuízos causados à propriedade privada, em particular aos tanques de aquicultura, no âmbito da sua aplicação. A Comissão considera que, no caso em apreço, deve prevalecer uma solução análoga à que o Tribunal de Justiça adotou no Acórdão de 22 de maio de 2014, Érsekcsanádi Mezőgazdasági (C‑56/13, EU:C:2014:352), na medida em que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou, em substância, que, uma vez que a obrigação de indemnização em causa no processo que deu origem ao referido acórdão não se baseava no direito da União, mas na legislação nacional, não tinha competência para apreciar essa legislação nacional à luz do direito a um recurso efetivo, do direito de propriedade, bem como da liberdade de empresa, garantidos pela Carta.

    22

    A este respeito, há que recordar que o âmbito de aplicação da Carta está definido no seu artigo 51.o, n.o 1, nos termos do qual, no que respeita à ação dos Estados‑Membros, as disposições da Carta têm estes por destinatários apenas quando apliquem o direito da União (Acórdão de 13 de junho de 2017, Florescu e o., C‑258/14, EU:C:2017:448, n.o 44 e jurisprudência referida).

    23

    Ora, os Estados‑Membros aplicam o direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, quando, em conformidade com as exigências das Diretivas «Aves» e «Habitats», adotam as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e as medidas necessárias para instituir um regime geral de proteção das espécies de aves abrangidas pela Primeira Diretiva.

    24

    Com efeito, por um lado, o artigo 5.o da Diretiva «Aves» impõe aos Estados‑Membros que tomem as medidas necessárias à instauração de um regime geral de proteção de todas as espécies de aves referidas no artigo 1.o desta diretiva.

    25

    Por outro lado, o artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva «Habitats» dispõe que os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objetivos desta diretiva.

    26

    Além disso, a transposição e a execução, pelos Estados‑Membros, dessas medidas destinadas a proteger as aves e os seus habitats têm inevitavelmente repercussões no direito de propriedade das pessoas às quais pertencem os bens imóveis situados nas zonas em causa, uma vez que, no mínimo, sofrem restrições à utilização desses bens.

    27

    Os Estados‑Membros aplicam igualmente o direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, quando instituem regimes que concedem pagamentos a título das Diretivas «Aves» e «Habitats».

    28

    A este respeito, o simples facto de essas diretivas não incluírem, por si só, um regime de indemnização ou de não obrigarem os Estados‑Membros a prever tal regime não pode ser interpretado no sentido de que o artigo 17.o da Carta não é aplicável (v., por analogia, Acórdão de 9 de junho de 2016, Pesce e o., C‑78/16 e C‑79/16, EU:C:2016:428, n.o 86).

    29

    Nestas condições, o Tribunal de Justiça tem competência para conhecer da primeira questão.

    Quanto ao mérito

    30

    Há que começar por salientar que resulta da redação do artigo 17.o da Carta que este só confere expressamente um direito a indemnização em caso de privação do direito de propriedade, como uma expropriação, o que manifestamente não se verifica no caso em apreço.

    31

    A este respeito, importa, nomeadamente, distinguir o litígio no processo principal daqueles que deram origem ao Acórdão de 9 de junho de 2016, Pesce e o. (C‑78/16 e C‑79/16, EU:C:2016:428), na medida em que estes últimos diziam respeito ao abate sistémico de árvores, a saber, de oliveiras, e, por conseguinte, à privação da propriedade destas enquanto tal. Ora, no caso em apreço, as obrigações regulamentares que entravam a liberdade dos proprietários de um bem abrangido pela rede Natura 2000 quanto à escolha e à execução de medidas de proteção da aquicultura em relação a aves selvagens protegidas não constituem uma privação do direito de propriedade desse bem, mas uma restrição à sua utilização, que pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral, em conformidade com o previsto no artigo 17.o, n.o 1, terceira frase, da Carta.

    32

    Quanto às restrições que podem assim ser impostas ao exercício do direito de propriedade, importa recordar, por outro lado, que o direito de propriedade garantido pelo artigo 17.o da Carta não é uma prerrogativa absoluta e que o seu exercício pode ser objeto de restrições justificadas por objetivos de interesse geral prosseguidos pela União (Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.o 69 e jurisprudência referida).

    33

    Resulta, assim, do artigo 52.o, n.o 1, da Carta que podem ser impostas restrições ao exercício do direito de propriedade, na condição de essas restrições corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos e não constituírem, à luz do objetivo prosseguido, uma intervenção desproporcionada e intolerável que atente contra a própria substância do direito assim garantido (Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.o 70 e jurisprudência referida).

    34

    Ora, por um lado, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a proteção do ambiente figura entre esses objetivos de interesse geral (v., neste sentido, Acórdão de 9 de março de 2010, ERG e o., C‑379/08 e C‑380/08, EU:C:2010:127, n.o 81 e jurisprudência referida). Por conseguinte, a proteção do ambiente é suscetível de justificar uma restrição ao exercício do direito de propriedade (Acórdão de 15 de janeiro de 2013, Križan e o., C‑416/10, EU:C:2013:8, n.o 114 e jurisprudência referida).

    35

    Por outro lado, sem prejuízo das eventuais verificações que incumbem a este respeito ao órgão jurisdicional de reenvio, não se afigura que medidas como as que estão em causa no processo principal, adotadas para proteção da natureza e do ambiente ao abrigo das Diretivas «Aves» e «Habitats» e que não impedem a prática da aquicultura nos terrenos em causa, regulando apenas as condições de exercício da referida atividade a fim de impedir que sejam prejudicados os interesses ambientais assim protegidos, constituam, na falta de uma compensação a favor dos proprietários em causa, uma intervenção excessiva e intolerável que atente contra a própria essência do direito de propriedade (v., por analogia, Acórdão de 10 de julho de 2003, Booker Aquaculture e Hydro Seafood, C‑20/00 e C‑64/00, EU:C:2003:397, n.o 70).

    36

    Embora seja certo que os Estados‑Membros podem eventualmente considerar, desde que atuem com observância do direito da União, que é indicado indemnizar, parcial ou totalmente, os proprietários das parcelas afetadas pelas medidas de conservação adotadas ao abrigo das Diretivas «Aves» e «Habitats», não se pode deduzir desta constatação a existência, no direito da União, de uma obrigação de concessão dessa indemnização (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2003, Booker Aquaculture e Hydro Seafood, C‑20/00 e C‑64/00, EU:C:2003:397, n.o 85).

    37

    Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 17.o da Carta deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que a indemnização concedida por um Estado‑Membro pelos prejuízos sofridos por um operador económico em razão das medidas de proteção aplicáveis numa zona da rede Natura 2000 ao abrigo da Diretiva «Aves» seja significativamente inferior aos prejuízos efetivamente sofridos por esse operador.

    Quanto à segunda questão

    38

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 107.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma indemnização concedida por um Estado pelos prejuízos sofridos por um operador económico em razão das medidas de proteção aplicáveis numa zona da rede Natura 2000 ao abrigo da Diretiva «Aves» constitui um «auxílio de Estado», na aceção da referida disposição.

    39

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma medida de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige que estejam preenchidos todos os seguintes requisitos. Primeiro, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou através de recursos estatais. Segundo, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Terceiro, deve conferir uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Quarto, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v., nomeadamente, Acórdão de 6 de março de 2018, Comissão/FIH Holding e FIH Erhvervsbank, C‑579/16 P, EU:C:2018:159, n.o 43 e jurisprudência referida). Além disso, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE não faz distinção consoante as causas ou os objetivos das intervenções estatais, mas define‑as em função dos seus efeitos (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF, C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.o 77 e jurisprudência referida).

    40

    No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre se a indemnização que a recorrente pretende no processo principal deve ser qualificada de auxílio de Estado tendo em conta o seu caráter compensatório, na medida em que se trata de uma indemnização pelos prejuízos causados à aquicultura por animais protegidos. Por conseguinte, a segunda questão visa, em substância, determinar se uma indemnização concedida através de recursos estatais, como a que está em causa no processo principal, confere ao seu beneficiário uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, tendo em conta o seu caráter alegadamente compensatório.

    41

    A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que são consideradas auxílios de Estado as intervenções que, independentemente da forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer direta ou indiretamente empresas ou devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (Acórdão de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona, C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.o 58 e jurisprudência referida).

    42

    Por outro lado, as vantagens concedidas podem abarcar não apenas prestações positivas, como subvenções, empréstimos ou tomadas de participação no capital de empresas, mas também intervenções que, sob formas diversas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa, pelo que, não sendo subvenções na aceção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (Acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.o 123 e jurisprudência referida). A este respeito, o conceito de «encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa» inclui, designadamente, os custos suplementares que as empresas devem suportar como resultado das obrigações de natureza legal, regulamentar ou convencional que se aplicam a uma atividade económica (v., neste sentido, Acórdão de 30 de junho de 2016, Bélgica/Comissão, C‑270/15 P, EU:C:2016:489, n.os 35 e 36).

    43

    Como salientou o advogado‑geral no n.o 40 das suas conclusões, daqui resulta que a existência de uma vantagem concedida através de uma medida estatal não é posta em causa pelo caráter compensatório dessa medida, pelo facto de se destinar a sanar os prejuízos sofridos por um operador económico na sequência da aplicação de uma obrigação decorrente de uma regulamentação da União ou, como é o caso no processo principal, a indemnizar esse operador pelos danos causados à sua empresa na sequência de acontecimentos naturais ocorridos no âmbito do exercício normal da sua atividade económica.

    44

    Com efeito, os custos associados ao cumprimento das obrigações regulamentares que visam a proteção do ambiente, nomeadamente a da fauna selvagem, e à assunção dos custos dos danos que esta pode causar a uma empresa do sector da aquicultura, como a que está em causa no processo principal, fazem parte dos custos normais de funcionamento dessa empresa. Deste modo, a concessão de uma indemnização pelos danos causados à sua empresa por animais protegidos constitui uma vantagem económica de que a empresa em causa não pode, em princípio, pretender beneficiar em condições normais de mercado.

    45

    Não obstante, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente sobre se a qualificação de auxílio de Estado não deve ser excluída no que respeita às indemnizações em causa no processo principal, com o fundamento de que estas se destinam a compensar um dano sofrido pelos operadores em causa pelo facto de deverem assumir obrigações de interesse público, fixadas pelo Estado‑Membro a que pertencem no âmbito da aplicação das normas do direito da União em matéria de proteção do ambiente, no presente caso, pela Diretiva «Aves».

    46

    A este respeito, importa recordar que, para excluir que uma vantagem de uma empresa responsável por obrigações de serviço público seja suscetível de constituir um «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, há que verificar se, na prática, estão preenchidos todos os quatro requisitos estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415).

    47

    Assim, primeiro, a empresa beneficiária deve efetivamente ser incumbida do cumprimento de obrigações de serviço público e essas obrigações devem estar claramente definidas. Segundo, os parâmetros com base nos quais será calculada a compensação ou indemnização devem ser previamente estabelecidos de forma objetiva e transparente. Terceiro, a compensação ou indemnização não pode ultrapassar o necessário para cobrir total ou parcialmente os custos gerados pelo cumprimento das obrigações de serviço público, tendo em conta as receitas obtidas, bem como um lucro razoável pela execução destas obrigações. Por último, quarto, quando a escolha da empresa a tornar responsável pelo cumprimento de obrigações de serviço público não for efetuada através de um processo de concurso público, o nível da compensação ou indemnização necessária deve ser determinado com base numa análise dos custos que uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada a fim de poder cumprir os requisitos de serviço público exigidos, teria suportado para cumprir estas obrigações, tendo em conta as respetivas receitas, bem como um lucro razoável relativo à execução destas obrigações.

    48

    Ora, o simples facto de um operador económico, como a Sātiņi‑S, estar obrigado a cumprir obrigações regulamentares nacionais decorrentes de uma aplicação do direito da União e, mais especificamente, das obrigações estabelecidas a título da rede Natura 2000, não é suscetível de demonstrar que esse operador foi incumbido do cumprimento de obrigações de serviço público claramente definidas, na aceção da primeira das quatro condições cumulativas enumeradas no número anterior.

    49

    Por outro lado, ao invocar o Acórdão de 27 de setembro de 1988, Asteris e o. (106/87 a 120/87, EU:C:1988:457), a Irlanda alega que não se pode considerar que uma indemnização como a que é pedida pela Sātiņi‑S concede uma vantagem.

    50

    A este respeito, importa, todavia, salientar que o processo principal deve ser distinguido do processo que deu origem a esse acórdão, na medida em que incide não sobre montantes devidos ou pagos com fundamento na responsabilidade extracontratual do Estado‑Membro em causa, mas sobre a indemnização dos custos — decorrentes de obrigações regulamentares ou de acontecimentos naturais — normalmente suportados pelas empresas em causa no âmbito da sua atividade económica. No caso em apreço, não está, assim, de forma nenhuma em causa uma indemnização destinada a compensar danos causados pelas autoridades nacionais.

    51

    Por último, como observou, com razão, a Comissão, uma indemnização como a pedida pela Sātiņi‑S no âmbito do processo principal não pode ser equiparada ao reembolso de taxas cobradas ilegalmente, como acontecia nos processos que deram origem ao Acórdão de 27 de março de 1980, Denkavit italiana (61/79, EU:C:1980:100), e ao Acórdão de 10 de julho de 1980, Ariete (811/79, EU:C:1980:195), nem ao pagamento de uma indemnização de expropriação, como no processo que deu origem ao Acórdão de 1 de julho de 2010, Nuova Terni Industrie Chimiche/Comissão (T‑64/08, não publicado, EU:T:2010:270). Nestes dois casos, em que se concluiu que o Estado‑Membro em causa não tinha concedido um «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, este último tinha sido obrigado a reembolsar montantes que cobrara indevidamente ou a pagar o contravalor de um bem do qual o proprietário tinha sido privado.

    52

    Por conseguinte, a indemnização concedida por um Estado‑Membro pelos prejuízos sofridos por um operador económico em razão das medidas de proteção aplicáveis numa zona da rede Natura 2000 ao abrigo da Diretiva «Aves» confere ao interessado uma «vantagem» suscetível de constituir um «auxílio de Estado» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, desde que estejam preenchidos os outros requisitos relativos a essa qualificação recordados no n.o 39 do presente acórdão, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

    53

    Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma indemnização concedida por um Estado‑Membro pelos prejuízos sofridos por um operador económico em razão das medidas de proteção aplicáveis numa zona da rede Natura 2000 ao abrigo da Diretiva «Aves» confere uma vantagem suscetível de constituir um «auxílio de Estado», na aceção desta disposição, desde que estejam preenchidos os outros requisitos relativos a essa qualificação.

    Quanto à terceira questão

    54

    Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 717/2014 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de uma indemnização como a descrita na segunda questão preencher os requisitos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, o limite dos auxílios de minimis de 30000 euros, previsto nesta disposição, é aplicável a essa indemnização.

    55

    O artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 717/2014 enumera os casos de exclusão do âmbito de aplicação deste último dos apoios concedidos às empresas do sector da pesca e da aquicultura.

    56

    Como salientou o advogado‑geral no n.o 56 das suas conclusões, nenhuma destas exceções se aplica a uma indemnização como a que está em causa no processo principal.

    57

    Por outro lado, resulta do artigo 4.o do Regulamento n.o 717/2014, lido à luz do seu considerando 15, evocado pelo órgão jurisdicional de reenvio, que o referido regulamento só se aplica aos auxílios ditos «transparentes», a saber, aqueles relativamente aos quais é possível calcular com precisão, ex ante, o equivalente‑subvenção bruto, sem necessidade de proceder a uma apreciação de risco. Ora, na medida em que uma indemnização como a pedida pela Sātiņi‑S no âmbito do processo principal consiste numa indemnização ex post e limitada, deve ser considerada transparente, uma vez que permite calcular com precisão, ex ante, o equivalente‑subvenção bruto.

    58

    Na medida em que o Regulamento n.o 717/2014 é aplicável, o Estado‑Membro em questão, se decidir, como no caso em apreço, limitar o auxílio em causa a 30000 euros, pode qualificá‑lo de «auxílio de minimis» e, consequentemente, abster‑se de notificar este auxílio à Comissão.

    59

    Por conseguinte, há que responder à terceira questão que o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 717/2014 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de uma indemnização como a descrita na segunda questão preencher os requisitos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, o limite dos auxílios de minimis de 30000 euros, previsto no referido artigo 3.o, n.o 2, é aplicável a essa indemnização.

    Quanto às despesas

    60

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 17.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que a indemnização concedida por um Estado‑Membro pelos prejuízos sofridos por um operador económico em razão das medidas de proteção aplicáveis numa zona da rede Natura 2000 ao abrigo da Diretiva 2009/147/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativa à conservação das aves selvagens, seja significativamente inferior aos prejuízos efetivamente sofridos por esse operador.

     

    2)

    O artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma indemnização concedida por um Estado‑Membro pelos prejuízos sofridos por um operador económico em razão das medidas de proteção aplicáveis numa zona da rede Natura 2000 ao abrigo da Diretiva 2009/147 confere uma vantagem suscetível de constituir um «auxílio de Estado», na aceção desta disposição, desde que estejam preenchidos os outros requisitos relativos a essa qualificação.

     

    3)

    O artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 717/2014 da Comissão, de 27 de junho de 2014, relativo à aplicação dos artigos 107.o e 108.o [TFUE] aos auxílios de minimis no sector das pescas e da aquicultura, deve ser interpretado no sentido de que, no caso de uma indemnização como a descrita no n.o 2 do presente dispositivo preencher os requisitos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, o limite dos auxílios de minimis de 30000 euros, previsto no referido artigo 3.o, n.o 2, é aplicável a essa indemnização.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: letão.

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