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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62020CJ0596

Acórdão do Tribunal de Justiça (Décima Secção) de 16 de junho de 2022.
DuoDecad Kft. contra Nemzeti Adó- és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Fővárosi Törvényszék.
Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigos 2.o, 24.o e 43.o — Lugar da prestação de serviços — Serviços de apoio técnico prestados a uma sociedade estabelecida noutro Estado‑Membro — Abuso de direito — Apreciação dos factos — Incompetência.
Processo C-596/20.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2022:474

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

16 de junho de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigos 2.o, 24.o e 43.o — Lugar da prestação de serviços — Serviços de apoio técnico prestados a uma sociedade estabelecida noutro Estado‑Membro — Abuso de direito — Apreciação dos factos — Incompetência»

No processo C‑596/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), por Decisão de 28 de setembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de novembro de 2020, no processo

DuoDecad Kft.

contra

Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Fellebviteli Igazgatósága,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: I. Jarukaitis (relator), presidente de secção, M. Ilešič e D. Gratsias, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação da DuoDecad Kft., por Z. Várszegi, ügyvéd,

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e G. Koós, na qualidade de agentes,

em representação do Governo português, inicialmente por L. Inez Fernandes, R. Campos Laires e P. Barros da Costa, e em seguida por R. Campos Laires e P. Barros da Costa, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por V. Uher e A. Tokár, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 10 de fevereiro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, n.o 1, do artigo 24.o, n.o 1, e do artigo 43.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a DuoDecad Kft. à Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága (Direção de Recursos da Administração Nacional Tributária e Aduaneira, Hungria) (a seguir «Direção de Recursos»), a propósito do pagamento do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) relativo a serviços prestados pela DuoDecad durante os anos de 2009 e 2011.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Por força do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, estão sujeitas ao IVA as prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

4

O artigo 24.o desta diretiva dispõe:

«1.   Entende‑se por “prestação de serviços” qualquer operação que não constitua uma entrega de bens.

2.   Entende‑se por “serviços de telecomunicações” os serviços que tenham por objeto a transmissão, emissão e receção de sinais, texto, imagem e som ou de informações de qualquer natureza através de fios, rádio, meios óticos ou outros meios eletromagnéticos, incluindo a cessão ou a concessão com eles relacionadas de direitos de utilização de meios para a transmissão, emissão ou receção, incluindo a disponibilização do acesso a redes de informação mundiais.»

5

Na versão em vigor de 1 de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2009, a referida diretiva previa, no seu artigo 43.o:

«O lugar da prestação de serviços é o lugar onde o prestador tem a sede da sua atividade económica ou dispõe de um estabelecimento estável a partir do qual é efetuada a prestação de serviços ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar onde tem domicílio ou residência habitual.»

6

A Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, que altera a Diretiva 2006/112 (JO 2008, L 44, p. 11), substituiu, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2010, os artigos 43.o a 59.o da Diretiva 2006/112. Esta última, na versão resultante da Diretiva 2008/8, prevê, no seu artigo 44.o:

«O lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade é o lugar onde esse sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a um estabelecimento estável do sujeito passivo situado num lugar diferente daquele onde este tem a sede da sua atividade económica, o lugar das prestações desses serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. Na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar das prestações dos serviços é o lugar onde o sujeito passivo destinatário tem domicílio ou residência habitual.»

7

Nesta versão, a Diretiva 2006/112 dispõe, no seu artigo 45.o:

«O lugar das prestações de serviços efetuadas a uma pessoa que não seja sujeito passivo é o lugar onde o prestador tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a partir de um estabelecimento estável do prestador situado num lugar diferente daquele onde o prestador tem a sede da sua atividade económica, o lugar das prestações desses serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. Na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar das prestações dos serviços é o lugar onde o prestador tem domicílio ou residência habitual.»

8

Na versão em vigor de 1 de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2009, esta diretiva previa, no artigo 56.o:

«1.   O lugar das prestações de serviços adiante enumeradas, efetuadas a destinatários estabelecidos fora da Comunidade [Europeia] ou a sujeitos passivos estabelecidos na Comunidade, mas fora do país do prestador, é o lugar onde o destinatário tem a sede da sua atividade económica ou dispõe de um estabelecimento estável para o qual foi prestado o serviço ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar onde tem domicílio ou residência habitual:

[…]

k)

Serviços prestados por via eletrónica, nomeadamente os referidos no Anexo II;

[…]»

9

Nesta versão, a Diretiva 2006/112 mencionava nomeadamente, no Anexo II, intitulado «Lista indicativa dos serviços prestados por via eletrónica a que se refere a alínea k) do n.o 1 do artigo 56.o», o «[f]ornecimento de sítios informáticos, domiciliação de páginas Web, manutenção à distância de programas e equipamentos» e o «[f]ornecimento de imagens, textos e informações, e disponibilização de bases de dados».

10

Na versão resultante da Diretiva 2008/8, a Diretiva 2006/112 prevê, no seu artigo 59.o:

«O lugar das prestações dos serviços a seguir enumerados, efetuadas a pessoas que não sejam sujeitos passivos e estejam estabelecidas ou tenham domicílio ou residência habitual fora da Comunidade, é o lugar onde essas pessoas estão estabelecidas ou têm domicílio ou residência habitual:

[…]

k)

Serviços prestados por via eletrónica, nomeadamente os referidos no Anexo II.

[…]»

Direito húngaro

11

Na sua versão aplicável aos factos do litígio no processo principal, a az általános forgalmi adóról szóló 2007. évi CXXVII. törvény [Lei n.o CXXVII de 2007, Relativa ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (Magyar Közlöny 2007/155) (XI. 16.)], previa, no artigo 37.o:

«(1)   No caso de prestações de serviços efetuadas a pessoas que sejam sujeitos passivos, o lugar da prestação de serviços é o lugar onde o destinatário do serviço está estabelecido para exercer uma atividade económica ou, na falta desse estabelecimento para fins económicos, o lugar onde tem domicílio ou residência habitual.

(2)   No caso de prestações de serviços efetuadas a pessoas que não sejam sujeitos passivos, o lugar da prestação de serviços é o lugar onde o prestador do serviço está estabelecido para exercer uma atividade económica ou, na falta desse estabelecimento para fins económicos, o lugar onde tem domicílio ou residência habitual.»

12

Nesta versão, esta lei dispunha, no artigo 46.o:

«(1)   Para os serviços enumerados no presente artigo, o lugar da prestação de serviços é o lugar onde, neste contexto, o destinatário que não é sujeito passivo está estabelecido ou, na falta de estabelecimento, o lugar onde tem domicílio ou residência habitual, desde que o mesmo seja fora do território da Comunidade.

(2)   Os serviços abrangidos pelo presente artigo são os seguintes:

[…]

k) serviços prestados por via eletrónica.

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13

A DuoDecad é uma sociedade registada na Hungria cuja atividade principal é a programação informática. Prestou serviços de apoio técnico à Lalib — Gestão e Investimentos Lda. (a seguir «Lalib»), uma sociedade estabelecida na Madeira (Portugal), que presta serviços de entretenimento por via eletrónica, que é o seu principal cliente. Emitiu a este título, para o período compreendido entre julho e dezembro de 2009, bem como relativamente a todo o ano de 2011, faturas no montante total de 8086829,40 euros.

14

Na sequência da inspeção efetuada à DuoDecad relativamente ao segundo semestre de 2009 e a todo o ano de 2011, a administração tributária de primeiro grau ordenou àquela, por Decisão de 10 de fevereiro de 2020, o pagamento de IVA atrasado num montante total de 458438000 forintes húngaros (HUF) (cerca de 1286835 euros), de uma coima fiscal de um montante de 343823000 HUF (cerca de 964767 euros) e de um acréscimo a título de juros de mora num montante de 129263000 HUF (cerca de 362841 euros), considerando que o destinatário real dos serviços prestados pela DuoDecad não era a Lalib, mas a WebMindLicences Kft. (a seguir «WML»), uma sociedade comercial registada na Hungria que detém o know‑how que permite a prestação de serviços de entretenimento por via eletrónica e que celebrou com a Lalib um contrato de licença para efeitos de exploração desse know‑how.

15

Tendo esta decisão sido confirmada, na sequência de uma reclamação da DuoDecad, por uma Decisão da Direção de Recursos de 6 de abril de 2020, a DuoDecad interpôs recurso da mesma no Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), o órgão jurisdicional de reenvio.

16

Em apoio desse recurso, a DuoDecad sustenta que se deve considerar que os serviços de apoio técnico em causa no processo principal foram prestados à Lalib, em Portugal, estando preenchidas todas as condições fixadas a este respeito pelo Tribunal de Justiça. A DuoDecad considera que a decisão da Direção de Recursos é errada, uma vez que esta decisão não identifica corretamente o conteúdo desses serviços, equiparando erradamente estes últimos ao facto de assegurar diretamente o funcionamento técnico dos sítios Internet em causa e ignorando assim que a Lalib dispunha dos meios humanos e materiais necessários à prestação dos serviços que fornece. Alega que prestou diretamente os seus serviços de assistência à Lalib, e não à WML, e que desempenhou um papel ativo em funções que não estavam abrangidas pelo contrato de licença de know‑how em causa. Para esse efeito, a Lalib controlou e monitorizou a DuoDecad, tendo‑lhe dado também instruções, ao passo que a WML não apareceu como cliente, pelo que não lhe pôde dirigir nenhum pedido ou dar algum tipo de instrução.

17

A DuoDecad alega igualmente que, segundo as respostas dadas pela autoridade tributária portuguesa em resposta ao pedido de cooperação internacional das autoridades húngaras efetuado no âmbito de um procedimento relativo à WML, as autoridades portuguesas indicaram claramente que a Lalib estava estabelecida em Portugal, onde exercia uma atividade económica efetiva por sua conta e risco, e que dispunha de todos os meios técnicos e humanos necessários à exploração do know‑how que tinha adquirido. Além disso, o lugar da prestação dos serviços de entretenimento em causa no processo principal não podia situar‑se na Hungria devido à existência de um obstáculo objetivo, a saber a inexistência de instituições financeiras que permitissem o pagamento por cartão bancário em sítios eletrónicos com conteúdo para adultos. A DuoDecad acrescenta que a Lalib aparecia, face ao mundo exterior, como a prestadora desses serviços de entretenimento, celebrava os contratos em seu próprio nome, dispunha de uma base de dados dos clientes que pagavam a contrapartida dos referidos serviços, dispunha igualmente das receitas geradas pelos mesmos serviços, controlava o desenvolvimento do know‑how em causa e decidia sobre a sua introdução. Por outro lado, a sede desta foi indicada como sendo o lugar físico da assistência ao cliente.

18

A Direção de Recursos expõe que levou a cabo um inquérito junto da WML, no decurso do qual se verificou que os serviços de entretenimento em causa no processo principal eram prestados não pela Lalib, mas pela WML a partir da Hungria, sendo o contrato de licença celebrado entre estas duas sociedades, em seu entender, «fictício».

19

O órgão jurisdicional de reenvio constata que o Tribunal de Justiça interpretou, em especial no Acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses (C‑419/14, EU:C:2015:832), as disposições pertinentes da Diretiva 2006/112, mas considera que é necessária uma interpretação suplementar no processo principal, uma vez que a autoridade tributária portuguesa e a autoridade tributária húngara, apesar desse acórdão, trataram a mesma operação de maneira diferente do ponto de vista fiscal.

20

Segundo este órgão jurisdicional, tendo em conta as indicações fornecidas no Acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses (C‑419/14, EU:C:2015:832), põe‑se a questão de saber se o lugar da prestação de serviços de entretenimento em causa no processo principal pode situar‑se na Hungria, sendo que a Lalib estava no centro de uma complexa rede contratual e de serviços indispensável a essa prestação de serviços, que assegurava as condições necessárias à referida prestação de serviços com a ajuda das suas próprias bases de dados, dos seus programas informáticos e por intermédio de fornecedores terceiros ou pertencentes ao grupo da Lalib ou ao grupo de empresas a que pertence a DuoDecad, e que, desta forma, assumia ela própria necessariamente o risco jurídico e económico, e isto mesmo que os subcontratantes pertencentes ao grupo de empresas da «proprietária» do know‑how em causa tivessem participado na execução técnica do mesmo, e que o «proprietário» tivesse tido influência na exploração desse know‑how. Põe‑se igualmente a questão de saber como apreciar se a Lalib dispunha, em Portugal, de instalações, infraestruturas e recursos humanos necessários.

21

Fazendo referência ao n.o 51 do Acórdão de 18 de junho de 2020, KrakVet Marek Batko (C‑276/18, EU:C:2020:485), o órgão jurisdicional de reenvio considera estar obrigado a submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, devido, principalmente, às qualificações fiscais divergentes efetuadas pelas autoridades tributárias húngara e portuguesa. Pede ao Tribunal de Justiça que precise se a constatação de uma obrigação tributária simultaneamente pela autoridade tributária húngara e pela autoridade tributária portuguesa é legal, se a operação em causa no processo principal pode ser validamente tributada pela primeira ou pela segunda e qual a importância suscetível de ser reconhecida aos diferentes critérios em causa.

22

Nestas condições, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os artigos 2.o, n.o 1, alínea c), 24.o, n.o 1, e 43.o da Diretiva 2006/112 do Conselho, ser interpretados no sentido de que a adquirente da licença do know‑how — sociedade estabelecida num Estado‑Membro da União [Europeia] (no caso do processo principal, em Portugal) — não presta os serviços disponíveis num sítio Web aos utilizadores finais, pelo que não pode ser a destinatária do serviço de apoio técnico do know‑how do sujeito passivo estabelecido noutro Estado‑Membro (no caso do processo principal, na Hungria) como subcontratante, mas sim que este último presta esse serviço à licenciante do know‑how estabelecida neste último Estado‑Membro, em circunstâncias em que a adquirente da licença:

a)

dispunha de escritórios arrendados no primeiro Estado‑Membro, da infraestrutura informática e de escritório, de recursos humanos próprios e de uma ampla experiência no domínio do comércio eletrónico, e tinha um proprietário com extensas relações internacionais e um administrador qualificado em matéria de comércio eletrónico;

b)

tinha obtido o know‑how que refletia os procedimentos de funcionamento dos sítios Web e as suas atualizações, dava pareceres a este respeito, sugeria alterações a esses procedimentos e os aprovava;

c)

era a destinatária dos serviços prestados pelo sujeito passivo com base nesse know‑how;

d)

recebia regularmente relatórios sobre as prestações efetuadas pelos subcontratantes (em especial no respeitante [ao volume de negócios] dos sítios Web e aos pagamentos realizados a partir da conta bancária);

e)

registou em seu nome os domínios Internet que permitiam o acesso aos sítios Web através da Internet;

f)

figurava nos sítios Internet como prestador do serviço;

g)

efetuava as diligências destinadas a preservar a popularidade dos sítios Web;

h)

celebrava ela própria, em seu próprio nome, os contratos com colaboradores e subcontratantes necessários à prestação do serviço (em especial, com os bancos que disponibilizavam o pagamento por cartão bancário nos sítios Web, com os criadores que forneciam o conteúdo acessível nos sítios Web e com os webmasters que promovem o conteúdo);

i)

dispunha de um sistema completo de receção das receitas provenientes da prestação do serviço em causa aos utilizadores finais, que incluía contas bancárias, a possibilidade de disposição exclusiva e completa dessas contas, uma base de dados dos utilizadores finais que permitia a emissão de faturas a estes últimos pela prestação do serviço e um programa informático de faturação próprio;

j)

indicava nos sítios Web a sua própria sede no primeiro Estado‑Membro como serviço físico de assistência ao cliente; e

k)

é uma sociedade independente quer do licenciante quer dos subcontratantes húngaros encarregados da realização de certos processos técnicos descritos no know‑how, tendo igualmente em conta:

i) que as circunstâncias acima referidas foram confirmadas pela autoridade correspondente do primeiro Estado‑Membro, na sua qualidade de órgão adequado à verificação dessas circunstâncias objetivas e comprováveis por terceiros; ii) que o facto de a sociedade desse Estado‑Membro não poder aceder a um prestador de serviços de pagamento que assegurasse a receção do pagamento por cartão bancário no sítio Web constituía um obstáculo objetivo à prestação do serviço noutro Estado‑Membro através dos sítios Web, de modo que a sociedade estabelecida nesse mesmo Estado‑Membro nunca realizou a prestação do serviço disponível nos sítios Web, nem antes nem depois do período analisado, e iii) que a sociedade adquirente da licença e as suas empresas coligadas obtiveram um benefício decorrente do funcionamento do sítio Web globalmente superior à diferença entre a aplicação da taxa do IVA no primeiro Estado‑Membro e no segundo?

2)

Devem os artigos 2.o, n.o 1, alínea c), 24.o, n.o 1, e 43.o da Diretiva [2006/112] ser interpretados no sentido de que a licenciante do know‑how — sociedade estabelecida noutro Estado‑Membro — presta os serviços disponíveis num sítio Internet aos utilizadores finais, pelo que é o destinatário do serviço técnico do know‑how do sujeito passivo, enquanto subcontratante, e que este último não presta esse serviço à adquirente da licença estabelecida no primeiro Estado‑Membro, em circunstâncias em que a sociedade comercial que concede a licença:

a)

tinha recursos próprios que consistiam apenas num escritório arrendado e num computador utilizado pelo seu administrador;

b)

tinha como únicos trabalhadores próprios um administrador e um consultor jurídico que trabalhava a tempo parcial durante algumas horas por semana;

c)

tinha como contrato único o contrato de desenvolvimento do know‑how;

d)

ordenou que os nomes de domínio de que era proprietária fossem registados pelo adquirente da licença em seu próprio nome, nos termos do contrato celebrado com este último;

e)

nunca compareceu como fornecedor dos serviços em questão em relação a terceiros, em especial utilizadores finais, bancos que disponibilizam o pagamento por cartão bancário nos sítios Web, criadores do conteúdo acessível nos sítios Web e webmasters que promovem o conteúdo;

f)

nunca emitiu documentos comprovativos relativos aos serviços disponíveis nos sítios Web, com exceção da fatura relativa aos direitos de licença, e

g)

não dispunha de um sistema (como, por exemplo, contas bancárias e outras infraestruturas) que permitisse a receção das receitas provenientes do serviço prestado nos sítios Web, tendo igualmente em conta que, segundo o Acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses (C‑419/14, EU:C:2015:832), não é decisivo em si mesmo o facto de o administrador e acionista único da sociedade comercial que concede a licença ser o criador do know‑how e de, além disso, essa mesma pessoa exercer influência ou controlo sobre o desenvolvimento ou exploração do referido know‑how e a prestação de serviços nele baseada, de modo que a pessoa singular que é administrador e/ou proprietário da sociedade comercial que concede a licença é igualmente administrador e/ou proprietário dessas sociedades comerciais subcontratantes — e, por conseguinte, da recorrente — que colaboram na prestação do serviço na qualidade de subcontratantes encarregadas pela adquirente da licença, desempenhando as funções indicadas que lhes correspondem?»

Quanto às questões prejudiciais

23

Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 1, alínea c), o artigo 24.o, n.o 1, e o artigo 43.o da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados, à luz de toda uma série de circunstâncias mencionadas nessas questões, no sentido de que não é a sociedade adquirente de uma licença de know‑how que permite a prestação de serviços de entretenimento por via eletrónica aquela que presta efetivamente esses serviços de entretenimento, pelo que não pode ser considerada a destinatária dos serviços de apoio técnico desse know‑how prestados por um sujeito passivo estabelecido noutro Estado‑Membro, sendo antes, na realidade, a empresa que concede essa licença de know‑how, estabelecida também nesse outro Estado‑Membro, o verdadeiro prestador dos referidos serviços de entretenimento, pelo que é esta última a destinatária desses serviços de apoio técnico.

24

Resulta do pedido de decisão prejudicial que, com as referidas questões, o órgão jurisdicional de reenvio procura determinar, na sequência do Acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses (C‑419/14, EU:C:2015:832), se é a Lalib ou se, embora o know‑how que permite a prestação desses serviços de entretenimento tenha sido objeto de um contrato de licença celebrado entre a WML e a Lalib, é a WML que deve ser considerada a verdadeira prestadora dos serviços de entretenimento em causa no processo principal.

25

Importa recordar que, interrogada no processo que deu origem ao Acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses (C‑419/14, EU:C:2015:832), sobre a pertinência de certos factos para apreciar se um contrato de licença, como o celebrado entre a WML e a Lalib, resultava de um abuso de direito que tinha por finalidade beneficiar do facto de a taxa do IVA aplicável aos serviços de entretenimento em causa ser menos elevada na Madeira do que na Hungria, o Tribunal de Justiça indicou, no n.o 34 desse acórdão, que cabia ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar os factos que lhe tinham sido submetidos e verificar se os elementos constitutivos de uma prática abusiva estavam reunidos, podendo, todavia, o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, fornecer dados que permitissem guiar esse órgão jurisdicional na sua interpretação.

26

No n.o 35 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça recordou, nomeadamente, que o princípio da proibição das práticas abusivas, aplicável em matéria de IVA, conduz a proibir as montagens puramente artificiais, desprovidas de realidade económica, efetuadas com o único fim de obter uma vantagem fiscal.

27

Após ter salientado, no n.o 43 do mesmo acórdão, que resultava dos autos de que dispunha que a Lalib era uma sociedade distinta da WML, não sendo uma sucursal, uma filial ou uma agência desta, e que tinha pagado o IVA em Portugal, o Tribunal de Justiça enunciou, no número seguinte desse acórdão, que, nessas circunstâncias, com vista a concluir que o contrato de licença em causa resultava de uma prática abusiva destinada a beneficiar de uma taxa de IVA menos elevada na Madeira, havia que provar que esse contrato constituía uma montagem puramente artificial que dissimulava o facto de a prestação de serviços em causa não ser realmente efetuada na Madeira, pela Lalib, mas na Hungria, pela WML.

28

No n.o 45 do Acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses (C‑419/14, EU:C:2015:832), o Tribunal de Justiça precisou que, para determinar se o referido contrato constituía uma montagem desse tipo, cabia ao órgão jurisdicional de reenvio analisar o conjunto dos elementos factuais que lhe foram submetidos, averiguando, nomeadamente, se a fixação da sede da atividade económica ou do estabelecimento estável da Lalib na Madeira não foi real ou se esta sociedade não possuía, para efeitos do exercício da atividade económica em causa, uma estrutura apropriada em termos de instalações, de recursos humanos e técnicos, ou ainda se a referida sociedade não exercia essa atividade económica em seu nome e por conta própria, sob a sua responsabilidade e risco.

29

Além disso, no n.o 46 desse acórdão, o Tribunal de Justiça referiu que, em contrapartida, o facto de o administrador e acionista único da WML ser o criador do know‑how da WML, de este exercer influência ou controlo sobre o desenvolvimento e exploração desse know‑how e a prestação de serviços nele baseada, de a gestão das operações financeiras, dos recursos humanos e dos instrumentos técnicos necessários à prestação desses serviços ser assegurada por subcontratantes, tal como as razões que possam ter levado a WML a alugar o know‑how em causa à Lalib em vez de o explorar ela mesma não eram decisivos em si mesmos.

30

Por outro lado, no n.o 54 do Acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses (C‑419/14, EU:C:2015:832), o Tribunal de Justiça declarou que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que, em caso de verificação da existência de uma prática abusiva destinada a fixar o lugar de uma prestação de serviços num Estado‑Membro diferente daquele em que a prestação devia ter sido efetuada se essa prática abusiva não se tivesse verificado, o facto de o IVA ter sido pago nesse outro Estado‑Membro nos termos da respetiva legislação não obsta a que se proceda à recuperação desse imposto no Estado‑Membro do lugar em que essa prestação de serviços foi realmente efetuada.

31

No n.o 59 desse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou, todavia, que o Regulamento (UE) n.o 904/2010 do Conselho, de 7 de outubro de 2010, relativo à cooperação administrativa e à luta contra a fraude no domínio do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2010, L 268, p. 1), deve ser interpretado no sentido de que a administração fiscal de um Estado‑Membro que aprecia a exigibilidade do IVA relativo a prestações que já foram sujeitas a este imposto noutros Estados‑Membros deve dirigir um pedido de informações às administrações fiscais desses outros Estados‑Membros quando esse pedido for útil, e até indispensável, para determinar se o IVA é exigível no primeiro Estado‑Membro.

32

Salientando que a autoridade tributária húngara e a autoridade tributária portuguesa trataram, na sequência do Acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses (C‑419/14, EU:C:2015:832), e apesar das informações fornecidas pela segunda dessas autoridades tributárias à primeira em resposta a um pedido de cooperação internacional, de maneira diferente uma mesma operação que conduziu à cobrança do IVA que lhe é aplicável tanto na Hungria como em Portugal, o órgão jurisdicional de reenvio indica que é necessária uma «interpretação suplementar» e que se considera obrigado a submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial devido, principalmente, às qualificações divergentes dos factos efetuadas pelas referidas autoridades tributárias.

33

No entanto, não se pode deixar de observar, por um lado, que o órgão jurisdicional de reenvio não expõe as razões pelas quais as precisões dadas no Acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses (C‑419/14, EU:C:2015:832), são insuficientes para determinar qual das duas, a WML ou a Lalib, deve ser considerada a verdadeira prestadora dos serviços de entretenimento em causa no processo principal. Além disso, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhuma análise dos elementos de facto recolhidos pela autoridade tributária húngara junto da autoridade tributária portuguesa nem de todos os elementos de facto referidos na Decisão da Direção de Recursos de 6 de abril de 2020, que esse órgão jurisdicional é chamado a apreciar, ou de outros elementos de que este último disponha.

34

Assim, o órgão jurisdicional de reenvio limita‑se a realçar um grande número de circunstâncias sem indicar de que modo suscitam uma dificuldade de interpretação das disposições da Diretiva 2006/112 que menciona nas suas questões, pelo que, na realidade, parece que este órgão jurisdicional não pede ao Tribunal de Justiça que interprete esta diretiva, mas que determine ele próprio, à luz dessas circunstâncias, se é a WML e não a Lalib que deve ser considerada a verdadeira prestadora dos serviços de entretenimento em causa no processo principal, situação da qual resultaria que o contrato de licença celebrado entre essas sociedades constituiria uma montagem puramente artificial.

35

Por outro lado, no n.o 51 do Acórdão de 18 de junho de 2020, KrakVet Marek Batko (C‑276/18, EU:C:2020:485)], é certo que o Tribunal de Justiça declarou que, quando constatem que uma mesma operação é objeto de um tratamento fiscal diferente noutro Estado‑Membro, os órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro chamados a pronunciar‑se sobre um litígio que levanta questões sobre a interpretação das disposições do direito da União que necessitam de uma decisão da sua parte têm a faculdade, e mesmo a obrigação, consoante as suas decisões sejam ou não suscetíveis de ser objeto de um recurso judicial no direito interno, de submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

36

Todavia, não decorre desse acórdão que, quando os órgãos jurisdicionais nacionais constatem que uma mesma operação foi objeto de um tratamento fiscal diferente noutro Estado‑Membro, têm a faculdade ou a obrigação de submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, não para efeitos de interpretação do direito da União, mas para efeitos de uma apreciação dos factos e de uma aplicação desse direito no processo principal.

37

De facto, no âmbito de um processo nos termos do artigo 267.o TFUE, que se baseia numa nítida separação de funções entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça, o juiz nacional tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos do litígio no processo principal. O Tribunal de Justiça não tem competência para aplicar as regras de direito a uma situação determinada, uma vez que o artigo 267.o TFUE apenas o habilita a pronunciar‑se sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições da União [v., neste sentido, Acórdãos de 21 de junho de 2007, Omni Metal Service, C‑259/05, EU:C:2007:363, n.o 17, e de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.os 78 e 132].

38

A este respeito, nos n.os 8 e 11 das Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2019, C 380, p. 1), recorda‑se que o pedido de decisão prejudicial não pode incidir sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal e que o próprio Tribunal de Justiça não aplica o direito da União a esse litígio.

39

Daqui resulta que, no caso em apreço, o Tribunal de Justiça não tem competência para responder às questões submetidas.

40

De resto, importa constatar que estas questões assentam na premissa de que o destinatário dos serviços de apoio técnico em causa no processo principal, a saber a Lalib, não pode ser considerado o destinatário desses serviços se não for essa sociedade, mas a WML, que prestava, na realidade, os serviços de entretenimento em causa, de modo que o contrato de licença celebrado entre a WML e a Lalib é uma montagem artificial resultante de um abuso de direito e que este último se repercute necessariamente na relação contratual entre a DuoDecad e a Lalib, bem como, consequentemente, nas obrigações e nos direitos destas últimas decorrentes da Diretiva 2006/112. Ora, como salientou a advogada‑geral, em substância, nos n.os 63 e 65 das suas conclusões, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se o contrato que vincula a DuoDecad e a Lalib resulta, ele próprio, de um abuso de direito em matéria de IVA, o que poderia ser o caso, nomeadamente, se se verificar que existe uma montagem puramente artificial, desprovida de realidade económica, que implique, nomeadamente, a WML, a Lalib e a DuoDecad, elaborada com o único objetivo de obter uma vantagem em matéria de IVA.

41

A este respeito, há que recordar que, como foi salientado no n.o 36 do Acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses (C‑419/14, EU:C:2015:832), a verificação da existência de uma prática abusiva em matéria de IVA exige, por um lado, que as operações em causa, apesar da aplicação formal dos requisitos previstos nas disposições pertinentes da Diretiva 2006/112 e da legislação nacional que a transpõem, tenham por resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão seja contrária ao objetivo prosseguido por essas disposições e, por outro, que resulte de um conjunto de elementos objetivos que a finalidade essencial das operações em causa se limita à obtenção dessa vantagem fiscal.

Quanto às despesas

42

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

 

O Tribunal de Justiça da União Europeia é incompetente para responder às questões prejudiciais submetidas pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), por Decisão de 28 de setembro de 2020.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: húngaro.

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