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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62020CJ0257

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 24 de fevereiro de 2022.
«Viva Telecom Bulgaria» EOOD contra Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno-osiguritelna praktika» – Sofia.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Varhoven administrativen sad.
Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Retenção na fonte dos juros fictícios relativos a um empréstimo sem juros concedido a uma filial residente pela sociedade‑mãe não residente — Diretiva 2003/49/CE — Pagamentos de juros entre sociedades associadas de Estados‑Membros diferentes — Artigo 1.°, n.° 1 — Isenção de retenção na fonte — Artigo 4.°, n.° 1, alínea d) — Exclusão de pagamentos — Diretiva 2011/96/UE — Imposto sobre as sociedades — Artigo 1.°, n.° 1, alínea b) — Distribuição de lucros por uma filial residente à sua sociedade‑mãe não residente — Artigo 5.° — Isenção de retenção na fonte — Diretiva 2008/7/CE — Reuniões de capitais — Artigo 3.° — Entradas de capital — Artigo 5.°, n.° 1, alínea a) — Isenção de impostos indiretos — Artigos 63.° e 65.° TFUE — Livre circulação de capitais — Tributação do montante bruto dos juros fictícios — Procedimento de recuperação com vista à dedução das despesas relacionadas com a concessão do empréstimo e um eventual reembolso — Diferença de tratamento — Justificação — Repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados‑Membros — Eficácia da cobrança do imposto — Luta contra a evasão fiscal.
Processo C-257/20.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2022:125

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

24 de fevereiro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Retenção na fonte dos juros fictícios relativos a um empréstimo sem juros concedido a uma filial residente pela sociedade‑mãe não residente — Diretiva 2003/49/CE — Pagamentos de juros entre sociedades associadas de Estados‑Membros diferentes — Artigo 1.o, n.o 1 — Isenção de retenção na fonte — Artigo 4.o, n.o 1, alínea d) — Exclusão de pagamentos — Diretiva 2011/96/UE — Imposto sobre as sociedades — Artigo 1.o, n.o 1, alínea b) — Distribuição de lucros por uma filial residente à sua sociedade‑mãe não residente — Artigo 5.o — Isenção de retenção na fonte — Diretiva 2008/7/CE — Reuniões de capitais — Artigo 3.o — Entradas de capital — Artigo 5.o, n.o 1, alínea a) — Isenção de impostos indiretos — Artigos 63.o e 65.o TFUE — Livre circulação de capitais — Tributação do montante bruto dos juros fictícios — Procedimento de recuperação com vista à dedução das despesas relacionadas com a concessão do empréstimo e um eventual reembolso — Diferença de tratamento — Justificação — Repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados‑Membros — Eficácia da cobrança do imposto — Luta contra a evasão fiscal»

No processo C‑257/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária), por Decisão de 4 de maio de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de junho de 2020, no processo

«Viva Telecom Bulgaria» EOOD

contra

Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno‑osiguritelna praktika» — Sófia,

sendo interveniente:

Varhovna administrativna prokuratura na Republika Bulgaria,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan (relator), presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quinta Secção, C. Lycourgos, presidente da Quarta Secção, I. Jarukaitis e M. Ilešič, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 30 de junho de 2021,

vistas as observações apresentadas:

em representação da «Viva Telecom Bulgaria» EOOD, representada inicialmente por D. Yordanov, M. Emanuilov e S. Hristozova‑Yordanova, e em seguida por Y. Kamburov, E. Emanuilov, V. Rangelov, T. Todorov e D. Dimitrova, advokati,

em representação do Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno‑osiguritelna praktika» — Sófia, por N. Kalistratov e M. Bakalova, na qualidade de agentes,

em representação do Governo búlgaro, por T. Tsingileva e L. Zaharieva, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por W. Roels e Y. Marinova, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de setembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.o 4, e do artigo 12.o, alínea b), TUE, do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), dos artigos 49.o e 63.o TFUE, do artigo 4.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/49/CE do Conselho, de 3 de junho de 2003, relativa a um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties efetuados entre sociedades associadas de Estados‑Membros diferentes (JO 2003, L 157, p. 49), do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), e n.o 3, bem como do artigo 5.o da Diretiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de novembro de 2011, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades‑mães e sociedades afiliadas de Estados‑Membros diferentes (JO 2011, L 345, p. 8), conforme alterada pela Diretiva (UE) 2015/121 do Conselho, de 27 de janeiro de 2015 (JO 2015, L 21, p. 1) (a seguir «Diretiva 2011/96»), do artigo 3.o, alíneas h) a j), do artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) e b), do artigo 7.o, n.o 1, e do artigo 8.o da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais (JO 2008, L 46, p. 11) (a seguir «Diretiva 2008/7»), do anexo VI, secção 6, ponto 3, do Protocolo relativo às condições e regras de admissão da República da Bulgária e da Roménia à União Europeia (JO 2005, L 157, p. 29; a seguir «Protocolo de Admissão») e do anexo VI, secção 6, ponto 3, do Ato relativo às condições de adesão da República da Bulgária e da Roménia e às adaptações dos tratados em que se funda a União Europeia (JO 2005, L 157, p. 203; a seguir «Ato de Adesão»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a «Viva Telecom Bulgaria» EOOD, sociedade com sede em Sófia (Bulgária), ao Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno‑osiguritelna praktika» — Sófia (Diretor da Direção «Recursos e procedimentos em matéria tributária e de segurança social» de Sófia, Bulgária) a respeito da tributação, mediante retenção na fonte, dos juros fictícios relativos a um empréstimo sem juros concedido à Viva Telecom Bulgaria pela sua sociedade‑mãe estabelecida noutro Estado‑Membro.

Quadro jurídico

Direito da União

Adesão da República da Bulgária à União Europeia

3

O artigo 20.o do Protocolo de Admissão e o artigo 23.o do Ato de Adesão, relativos às medidas transitórias, preveem que as medidas enumeradas nos respetivos anexos VI deste protocolo e deste ato se aplicam à República da Bulgária nas condições definidas nesses anexos.

4

Os referidos anexos, intitulados, respetivamente, «Lista a que se refere o artigo 20.o do Protocolo: medidas transitórias — Bulgária» e «Lista a que se refere o artigo 23.o do Ato de Adesão: medidas transitórias — Bulgária», mencionam, nos pontos 3 das suas secções 6, intituladas «Fiscalidade», a Diretiva 2003/49, conforme alterada pela Diretiva 2004/76/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004 (JO 2004, L 157, p. 106), e precisam, nos mesmos termos, o seguinte:

«A Bulgária está autorizada a não aplicar o disposto no artigo 1.o da [Diretiva 2003/49] até 31 de dezembro de 2014. Durante esse período transitório, a taxa de imposto aplicável ao pagamento de juros e royalties a uma sociedade associada de outro Estado‑Membro ou a um estabelecimento permanente situado noutro Estado‑Membro não pode ser superior a 10 % até 31 de dezembro de 2010 e a 5 % nos anos seguintes até 31 de dezembro de 2014.»

Diretiva 2003/49

5

Os considerandos 1 a 4 da Diretiva 2003/49 têm a seguinte redação:

«(1)

Num mercado único com as características de um mercado interno, as transações entre sociedades de Estados‑Membros diferentes não deveriam estar sujeitas a condições fiscais menos favoráveis que as condições que se aplicam às mesmas transações quando efetuadas entre sociedades do mesmo Estado‑Membro.

(2)

Este requisito não é atualmente satisfeito no que diz respeito aos pagamentos de juros e royalties. As legislações fiscais nacionais, conjugadas em certos casos com acordos bilaterais ou multilaterais, podem nem sempre assegurar a eliminação da dupla tributação e a sua aplicação acarreta frequentemente formalidades administrativas pesadas e problemas de liquidez para as sociedades envolvidas.

(3)

É necessário assegurar que os pagamentos de juros e royalties sejam sujeitos a uma única tributação num Estado‑Membro.

(4)

A abolição da tributação dos pagamentos de juros e royalties no Estado‑Membro em que estes últimos são gerados, quer a cobrança se efetue mediante retenção na fonte ou mediante liquidação, constitui a forma mais adequada de eliminar as formalidades e os problemas acima referidos e de assegurar a igualdade de tratamento fiscal entre transações nacionais e transações transfronteiras. É em especial necessário abolir esses impostos no que se refere aos pagamentos efetuados entre sociedades associadas de Estados‑Membros diferentes, bem como entre estabelecimentos permanentes dessas sociedades.»

6

O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Âmbito e procedimentos», prevê:

«1.   Os pagamentos de juros ou royalties gerados num Estado‑Membro estão isentos de todos os impostos incidentes sobre esses pagamentos no Estado em questão, quer mediante retenção na fonte quer mediante liquidação, desde que o beneficiário efetivo dos juros ou royalties seja uma sociedade de outro Estado‑Membro ou um estabelecimento permanente situado noutro Estado‑Membro de uma sociedade de um Estado‑Membro.

2.   Um pagamento efetuado por uma sociedade de um Estado‑Membro ou por um estabelecimento permanente situado noutro Estado‑Membro será considerado como tendo sido gerado nesse Estado‑Membro, a seguir designado “Estado fonte”.

[…]

4.   Uma sociedade de um Estado‑Membro só será considerada como beneficiário efetivo de juros ou royalties se receber esses pagamentos por conta própria e não como intermediário, tal como representante, administrador fiduciário ou signatário autorizado de terceiros.

[…]»

7

O artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Definição de juros e royalties», enuncia o seguinte:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

“Juros”: os rendimentos de créditos de qualquer natureza, garantidos ou não por hipoteca, e que confiram ou não o direito à participação nos lucros do devedor, e em particular os rendimentos de títulos e de obrigações que gozem ou não de garantia especial, incluindo os prémios e os lotes associados a esses títulos e obrigações; as penalizações por mora não serão consideradas juros;

[…]»

8

O artigo 4.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Exclusão de pagamentos como juros ou royalties», dispõe:

«1.   O Estado da fonte não tem de assegurar o benefício da aplicação da presente diretiva nos seguintes casos:

a)

Pagamentos equiparados a distribuições de lucros ou reembolsos de capital nos termos da legislação do Estado da fonte;

[…]

d)

Pagamentos de créditos que não impliquem o reembolso do capital ou em que o reembolso seja devido mais de 50 anos após a data de emissão.

2.   Quando, em virtude de uma relação especial entre o pagador e o beneficiário efetivo dos juros ou royalties, ou entre ambos e um terceiro, o montante em juros e royalties for superior ao montante que, na ausência de tal relação, teria sido acordado entre o pagador e o beneficiário efetivo, o disposto na presente diretiva apenas se aplica a este último montante, se existir.»

Diretiva 2008/7

9

Nos termos do artigo 3.o da Diretiva 2008/7, sob a epígrafe «Entradas de capital»:

«Para efeitos da presente diretiva, e sem prejuízo do disposto no artigo 4.o, são consideradas “entradas de capital” as seguintes operações:

[…]

h)

O aumento do ativo de uma sociedade de capitais através de prestações de serviços efetuadas por um sócio, que não impliquem o aumento do capital social, mas que tenham a sua contrapartida numa alteração dos direitos sociais ou que sejam suscetíveis de aumentar o valor das partes sociais;

i)

O empréstimo contraído por uma sociedade de capitais, se o credor tiver direito a uma quota‑parte dos lucros da sociedade;

j)

O empréstimo contraído por uma sociedade de capitais junto de um sócio, do cônjuge ou de um filho de um sócio, bem como o empréstimo contraído junto de um terceiro, quando seja garantido por um sócio, desde que os referidos empréstimos tenham a mesma função que o aumento de capital social.»

10

O artigo 5.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Operações não sujeitas a impostos indiretos», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indireto sobre:

a)

Entradas de capital;

b)

Empréstimos ou prestações de serviços, efetuadas no âmbito das entradas de capital;

[…]»

Diretiva 2011/96

11

Os considerandos 3 a 6 da Diretiva 2011/96 têm a seguinte redação:

«(3)

O objetivo da presente diretiva é isentar de retenção na fonte os dividendos e outro tipo de distribuição de lucros pagos pelas sociedades afiliadas às respetivas sociedades‑mãe, bem como suprimir a dupla tributação de tais rendimentos ao nível da sociedade‑mãe.

(4)

Os agrupamentos de sociedades de Estados‑Membros diferentes podem ser necessários para criar, na União, condições análogas às de um mercado interno e para garantir assim o bom funcionamento desse mercado interno. Essas operações não deverão ser dificultadas por restrições, desvantagens ou distorções decorrentes em especial das disposições fiscais dos Estados‑Membros. Importa, por conseguinte, estabelecer, para esses agrupamentos de sociedades de Estados‑Membros diferentes, regras fiscais neutras no que se refere à concorrência, a fim de permitir que as empresas se adaptem às exigências do mercado interno, aumentem a sua produtividade e reforcem a sua posição concorrencial no plano internacional.

(5)

Os agrupamentos em questão podem levar à criação de grupos de sociedades‑mães e afiliadas.

(6)

Antes da entrada em vigor da Diretiva 90/435/CEE [do Conselho, de 23 de julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades‑mães e sociedades afiliadas de Estados‑Membros diferentes (JO 1990, L 225, p. 6),] as disposições fiscais que regiam as relações entre sociedades‑mães e afiliadas de Estados‑Membros diferentes variavam sensivelmente de Estado‑Membro para Estado‑Membro e eram, em geral, menos favoráveis do que as aplicáveis às relações entre sociedades‑mães e afiliadas de um mesmo Estado‑Membro. Por esse facto, a cooperação entre sociedades de Estados‑Membros diferentes era penalizada em comparação com a cooperação entre sociedades de um mesmo Estado‑Membro. Tornava‑se necessário eliminar essa penalização através da instituição de um regime comum e facilitar assim os agrupamentos de sociedades à escala da União».

12

Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2011/96:

«Os Estados‑Membros aplicam a presente diretiva:

[…]

b)

À distribuição dos lucros efetuada por sociedades desse Estado‑Membro a sociedades de outros Estados‑Membros de que aquelas sejam afiliadas;

[…]»

13

O artigo 5.o desta diretiva tem a seguinte redação:

«Os lucros distribuídos por uma sociedade afiliada à sua sociedade‑mãe estão isentos de retenção na fonte.»

Direito búlgaro

14

O artigo 1.o, n.o 4, do Zakon za korporativnoto podohodno oblagane (Lei do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, DV n.o 105, de 22 de dezembro de 2006), em vigor desde 1 de janeiro de 2007 (a seguir «ZKPO»), dispõe:

«A presente lei regula a tributação dos rendimentos por ela abrangidos, auferidos na República da Bulgária por pessoas coletivas residentes ou não residentes.»

15

Nos termos do artigo 5.o, n.os 1 e 2, da ZKPO:

«(1)   Os lucros estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

(2)   Os rendimentos das pessoas coletivas residentes ou não residentes abrangidos pela presente lei estão sujeitos a imposto, que é retido na fonte.»

16

O artigo 12.o, n.o 5, da ZKPO enuncia:

«No caso de serem auferidos por pessoas coletivas residentes, empresários em nome individual residentes ou por pessoas coletivas não residentes ou empresários em nome individual não residentes, por intermédio de um estabelecimento permanente ou de um estabelecimento específico no país, ou se forem pagos a pessoas coletivas não residentes por pessoas singulares residentes ou por pessoas singulares não residentes que disponham de um estabelecimento específico no país, considera‑se que os seguintes rendimentos têm origem no território nacional:

1.

Os juros, incluindo os juros abrangidos pelos reembolsos no âmbito de contratos de locação financeira;

[…]»

17

Sob a epígrafe «Evasão fiscal», o artigo 16.o da ZKPO, na versão em vigor a partir de 1 de janeiro de 2010, prevê:

«(1)   […] Quando um ou vários negócios jurídicos, incluindo entre pessoas não associadas, são celebrados em condições que conduzam a evasão fiscal, o valor tributável é determinado independentemente desses negócios jurídicos, das suas condições específicas ou da sua forma jurídica; no entanto, é tido em conta o valor tributável que teria resultado da celebração de um negócio jurídico comum dessa natureza, em conformidade com os preços de mercado e destinado a alcançar o mesmo resultado económico, sem conduzir a evasão fiscal.

(2)   Considera‑se igualmente evasão fiscal:

[…]

3.

A obtenção ou a concessão de créditos a taxas de juro diferentes das praticadas no mercado no momento da celebração do negócio jurídico, incluindo os casos de empréstimos sem juros ou de outras ajudas financeiras gratuitas limitadas no tempo, bem como a anulação de créditos ou o reembolso por conta própria de créditos não relacionados com a atividade;

[…]»

18

O artigo 20.o da ZKPO, sob a epígrafe «Taxa de imposto», dispõe:

«A taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas é de 10 %.»

19

O artigo 195.o da ZKPO, sob a epígrafe «Imposto retido na fonte de pessoas não residentes», prevê, na versão em vigor desde 1 de janeiro de 2015:

«(1)   […] Os rendimentos auferidos pelas pessoas coletivas não residentes com origem no território nacional […] estão sujeitos a retenção de imposto na fonte, cujo pagamento extingue definitivamente a dívida fiscal.

(2)   […] O imposto referido no n.o 1 é retido pelas pessoas coletivas residentes […] que pagam os rendimentos às pessoas coletivas não residentes […]

[…]

(6)   […] Não estão sujeitos a retenção na fonte:

[…]

3.

Os rendimentos provenientes de juros, de remunerações de direitos de autor e de licenças, de acordo com os requisitos referidos nos n.os 7 a 12;

[…]

(7)   […] Os rendimentos resultantes de juros, de remunerações de direitos de autor e de licenças não estão sujeitos a retenção na fonte se estiverem preenchidos simultaneamente os seguintes requisitos:

[…]

(11)   […] Os n.os 7, 8, 9 e 10 não se aplicam a:

1.

Rendimentos que constituam uma distribuição de lucros ou um reembolso de capital;

[…]

4.

Rendimentos provenientes de créditos resultantes de uma dívida, relativamente aos quais não esteja previsto o reembolso do capital ou cujo reembolso seja devido mais de 50 anos após a data de emissão da dívida;

[…]

7.

Rendimentos provenientes de negócios jurídicos cujo motivo principal, ou um dos motivos principais, seja a evasão fiscal ou a eliminação da tributação.»

20

O artigo 199.o da ZKPO, sob a epígrafe «Valor tributável do imposto retido na fonte sobre os rendimentos de pessoas não residentes», enuncia, no seu n.o 1:

«O valor tributável que permite determinar o imposto retido na fonte sobre os rendimentos referidos no artigo 195.o, n.o 1, corresponde ao montante bruto desses rendimentos […]»

21

O artigo 200.o da ZKPO, sob a epígrafe «Taxa do imposto», dispunha, no seu n.o 2, na versão em vigor a partir de 1 de janeiro de 2011:

«[…] A taxa do imposto sobre os rendimentos referidos no artigo 195.o é de 10 %, salvo nos casos previstos no artigo 200.o‑A».

22

A partir de 1 de janeiro de 2015, esta disposição foi alterada do seguinte modo:

«[…] A taxa do imposto sobre os rendimentos referidos no artigo 195.o é de 10 %».

23

O artigo 200.o‑A da ZKPO, na versão em vigor a partir de 1 de janeiro de 2011, conforme alterado e completado a partir de 1 de janeiro de 2014, previa, até à sua revogação com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2015:

«(1)   […] A taxa do imposto sobre os rendimentos resultantes de juros, de remunerações de direitos de autor e de licenças é de 5 % se estiverem preenchidos simultaneamente os seguintes requisitos;

[…]

(5)   Os n.os 1 a 4 não se aplicam aos:

[…]

1.

Rendimentos que constituam uma distribuição de lucros ou um reembolso de capital;

[…]

4.

Rendimentos de créditos resultantes de uma dívida, relativamente aos quais não esteja previsto o reembolso do capital ou cujo reembolso seja devido mais de 50 anos após a data de emissão da dívida;

[…]»

24

O artigo 202.o‑A, n.os 1 a 4, da ZKPO, sob a epígrafe «Novo cálculo do imposto retido na fonte», na versão em vigor a partir de 1 de janeiro de 2010, dispunha:

«(1)   […] Uma pessoa coletiva não residente que seja residente fiscal de um Estado‑Membro da União Europeia ou de um outro Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu[, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3),] tem o direito de optar por um novo cálculo do imposto retido na fonte sobre os rendimentos referidos no artigo 12.o, n.os 2, 3, 5 e 8. Se a pessoa não residente optar por um novo cálculo do imposto retido na fonte, o novo cálculo abrange todos os rendimentos previstos no artigo 12.o, n.os 2, 3, 5 e 8, por ela auferidos durante o exercício em causa.

(2)   Se a pessoa não residente optar por um novo cálculo do imposto retido na fonte sobre rendimentos por ela auferidos, o imposto calculado de novo equivale ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas que seria devido sobre esses rendimentos caso tivessem sido auferidos por uma pessoa coletiva residente. Se a pessoa não residente tiver efetuado despesas relacionadas com os rendimentos, na aceção do primeiro período, sobre as quais seria devido um imposto se tivessem sido efetuadas por uma pessoa coletiva residente, o montante do imposto calculado de novo é acrescido desse imposto.

(3)   Se o montante da retenção na fonte prevista no artigo 195.o, n.o 1, ultrapassar o montante do imposto calculado de novo em conformidade com o n.o 2, a diferença deve ser reembolsada até ao montante da retenção na fonte previsto no artigo 195.o, n.o 1, não podendo a pessoa não residente deduzi‑lo do imposto devido no seu Estado de residência.

(4)   A declaração fiscal anual apresentada deve indicar se se optou por um novo cálculo do imposto retido na fonte. A pessoa não residente apresentará a sua declaração fiscal à Teritorialna direktsia na Natsionalna agentsia za prihodite — Sófia [Direção Territorial da Agência Nacional das Receitas Públicas de Sófia, Bulgária], até 31 de dezembro do ano seguinte ao ano em que auferiu os rendimentos.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

25

Em 22 de novembro de 2013, a «Viva Telecom Bulgaria» EAD, à qual sucedeu a «Viva Telecom Bulgaria» EOOD, celebrou, na qualidade de mutuária, um contrato de mútuo com o seu único acionista, a InterV Investment Sàrl, sociedade com sede no Luxemburgo, mediante o qual esta última, na qualidade de mutuante, lhe concedeu um empréstimo convertível sem juros, cujo vencimento ocorreria 60 anos a contar do início da produção de efeitos do contrato. O referido contrato previa que a obrigação da mutuária de reembolsar o empréstimo se extinguiria a qualquer momento após a data de concessão do empréstimo se a mutuária decidisse realizar uma entrada em espécie no seu capital correspondente ao montante do empréstimo a reembolsar, em conformidade com as condições previstas nesse contrato.

26

Por Decisão de 16 de outubro de 2017, a Teritorialna direktsia na Natsionalnata agentsia za prihodite (Direção Territorial da Agência Nacional de Receitas Públicas, Bulgária) (a seguir «Autoridade Tributária») procedeu a uma retificação fiscal relativamente à Viva Telecom Bulgaria, impondo‑lhe, no que se refere ao empréstimo que lhe tinha sido concedido pela InterV Investment, o pagamento de um imposto por retenção na fonte, ao abrigo do artigo 195.o da ZKPO, a respeito do período compreendido entre 14 de fevereiro de 2014 e 31 de março de 2015.

27

Tendo demonstrado que, à data da inspeção fiscal, o empréstimo não tinha sido convertido em capital e que a mutuária não tinha reembolsado este empréstimo nem pagado juros, a Autoridade Tributária concluiu pela existência de um negócio jurídico que conduz a evasão fiscal, na aceção do artigo 16.o, n.o 2, ponto 3, da ZKPO. Na sua decisão, a Autoridade Tributária fixou a taxa de juro de mercado a aplicar a este empréstimo para calcular os juros não pagos pela mutuária, antes de os sujeitar a uma retenção na fonte de 10 %.

28

Em 20 de dezembro de 2017, a recorrida no processo principal indeferiu a reclamação apresentada pela Viva Telecom Bulgaria contra essa decisão.

29

Por Sentença de 29 de março de 2019, o Administrativen sad Sofia (Tribunal Administrativo de Sófia, Bulgária) negou provimento ao recurso interposto por esta sociedade, com vista a impugnar a legalidade da Decisão de 16 de outubro de 2017, por considerar que o empréstimo em causa no processo principal era um ativo financeiro da referida sociedade que tinha gerado lucros devido ao não pagamento de juros, enquanto a mutuante, por seu turno, tinha sofrido danos patrimoniais por não ter auferido esses juros. Segundo esse órgão jurisdicional, o montante do empréstimo tinha sido utilizado para reembolsar certas obrigações financeiras da mutuária, enunciadas no contrato de mútuo, não constituindo, por conseguinte, um elemento do seu capital.

30

A Viva Telecom Bulgaria interpôs recurso de cassação para o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária) pedindo a anulação desta sentença.

31

Como fundamento deste recurso, a referida sociedade alega que a retenção na fonte foi efetuada sobre rendimentos de juros fictícios, sem ter em conta a existência comprovada de um interesse comercial na concessão de um empréstimo sem juros. Sustenta igualmente que não dispunha de meios para pagar os juros do empréstimo em causa no processo principal e que a InterV Investment era a única titular do capital à data da celebração do contrato de mútuo. Considera também que o artigo 16.o, n.o 2, ponto 3, da ZKPO é contrário à jurisprudência do Tribunal de Justiça, porquanto não permite às partes num empréstimo sem juros provar a existência de considerações económicas válidas para a concessão do empréstimo.

32

A título subsidiário, a Viva Telecom Bulgaria alega que, dado que a República da Bulgária exerceu a faculdade, prevista no artigo 4.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/49, que permite aos Estados‑Membros excluírem do âmbito de aplicação desta diretiva os juros sobre os empréstimos que tratam fiscalmente como rendimentos resultantes de instrumentos de fundos próprios, é aplicável a Diretiva 2011/96, que diz respeito a este tipo de rendimentos. Ora, por força do artigo 5.o desta diretiva, os lucros distribuídos por uma sociedade afiliada residente à sua sociedade‑mãe não residente estão isentos de retenção na fonte. Sustenta igualmente que o empréstimo em causa no processo principal constitui uma entrada de capital, na aceção do artigo 3.o, alíneas h) a j), da Diretiva 2008/7, a qual, em conformidade com o artigo 5.o desta diretiva, não deve estar sujeita a nenhuma forma de imposto indireto.

33

O Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) pergunta, em primeiro lugar, se o artigo 16.o, n.o 2, ponto 3, da ZKPO respeita o princípio da proporcionalidade, referido no artigo 5.o, n.o 4, e no artigo 12.o, alínea b), TUE, bem como o direito à ação, consagrado no artigo 47.o da Carta. Com efeito, esta disposição nacional prevê uma presunção inilidível de evasão fiscal em caso de concessão de um empréstimo sem juros, seja entre pessoas associadas ou não, sem que o mutuante ou o mutuário possam ilidir esta presunção. Ora, no caso de sociedades coligadas, a celebração de um empréstimo desta natureza pode ser justificada por considerações económicas relacionadas com os interesses do grupo em causa.

34

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto ao alcance das Diretivas 2003/49 e 2011/96. Com efeito, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/49, implementado pela República da Bulgária, antes de 1 de janeiro de 2015, em substância, no artigo 200.o‑A, n.o 1, e n.o 5, ponto 4, da ZKPO e, posteriormente, no artigo 195.o, n.o 6, ponto 3, e n.o 11, ponto 4, da ZKPO, o Estado‑Membro da fonte não tem de assegurar o benefício da aplicação desta diretiva em caso de pagamentos de créditos que não impliquem o reembolso do capital ou em que o reembolso seja devido mais de 50 anos após a data de emissão. Consequentemente, coloca‑se a questão de saber se estes pagamentos devem ser considerados uma distribuição de lucros que, se for efetuada por uma filial residente à sua sociedade‑mãe não residente, deve, em aplicação dos artigos 1.o e 5.o da Diretiva 2011/96, estar isenta de retenção na fonte.

35

Em terceiro lugar, este órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se a concessão de um empréstimo sem juros a uma sociedade residente por uma sociedade não residente, sujeita a um imposto retido na fonte, a partir de 1 de janeiro de 2010, por força do artigo 16.o, n.o 2, ponto 3, e do artigo 195.o da ZKPO, deve ser considerada uma entrada de capital, na aceção do artigo 3.o, alíneas h) a j), da Diretiva 2008/7, que deve, por conseguinte, estar sujeita às disposições desta diretiva, em especial ao artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) e b), ao artigo 7.o, n.o 1, e ao seu artigo 8.o

36

Em quarto e último lugar, o referido órgão jurisdicional tem dúvidas quanto ao impacto das medidas transitórias contidas no Protocolo de Admissão e no Ato de Adesão, cujas disposições que constam dos respetivos anexos VI, secções 6, pontos 3, preveem que a República da Bulgária estava autorizada a não aplicar o disposto no artigo 1.o da Diretiva 2003/49 até 31 de dezembro de 2014, esclarecendo que, durante esse período transitório, a taxa de imposto aplicável ao pagamento de juros, nomeadamente, a uma sociedade associada de outro Estado‑Membro não podia ser superior a 5 % durante o período de 31 de dezembro de 2010 a 31 de dezembro de 2014. Com efeito, o artigo 200.o, n.o 2, e o artigo 200.o‑A, n.o 1, e n.o 5, ponto 4, da ZKPO, na versão em vigor em 2014, são contrários a essas disposições, na medida em que previam uma retenção na fonte de 10 %.

37

Nestas circunstâncias, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 5.o, n.o 4, e no artigo 12.o, alínea b), [TUE], e o direito a uma ação perante um tribunal, na aceção do artigo 47.o da [Carta], opõem‑se a um regime nacional como o previsto no artigo 16.o, n.o 2, ponto 3, da [ZKPO]?

2)

O pagamento de juros, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva [2003/49], constitui uma distribuição de lucros à qual se aplica o artigo 5.o da Diretiva [2011/96]?

3)

Os pagamentos de um empréstimo sem juros em que o reembolso é devido 60 anos após a celebração do contrato, abrangidos pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva [2003/49], estão sujeitos às disposições do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), n.o 3, e do artigo 5.o da Diretiva [2011/96]?

4)

Os artigos 49.o e 63.o, n.os 1 e 2, [TFUE], o artigo 1.o, n.o 1, alínea b), e n.o 3, e o artigo 5.o da Diretiva [2011/96], bem como o artigo 4.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva [2003/49], opõem‑se a normas nacionais como o artigo 195.o, n.o 1, o artigo 200.o, n.o 2, […] e o artigo 200.o‑A, [n.o 1, e n.o 5], ponto 4, da ZKPO (revogado) nas respetivas versões, em vigor de 1 de janeiro de 2011 a 1 de janeiro de 2015, e o artigo 195.o, [n.o] 1 e [n.o] 6, ponto 3, e n.o 11, ponto 4, da ZKPO, na versão em vigor desde 1 de janeiro de 2015, e a uma prática tributária segundo a qual estão sujeitos a retenção na fonte os juros não pagos resultantes de um empréstimo sem juros, que a sociedade‑mãe com sede noutro Estado‑Membro concedeu a uma filial residente e cujo reembolso é devido 60 anos após 22 de novembro de 2013?

5)

O artigo 3.o, alíneas h) a j), o artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) e b), o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 8.o da Diretiva [2008/7], opõem‑se a normas nacionais como o artigo 16.o, [n.o 1, e n.o 2], ponto 3, e o artigo 195.o, n.o 1, da ZKPO em matéria de tributação na fonte de rendimentos fictícios por juros com base num empréstimo sem juros concedido a uma sociedade residente por uma sociedade de outro Estado‑Membro, que é a única acionista da mutuária?

6)

A transposição da Diretiva [2003/49] em 2011, antes do termo do período transitório previsto no anexo VI, secção “Fiscalidade”, ponto 3, do Ato [de Adesão] e do Protocolo [de Admissão], pelo artigo 200.o, n.o 2, e pelo artigo 200.o‑A, [n.o 1, e n.o 5], ponto 4, da ZKPO, estabelecendo uma taxa de imposto de 10 % em vez da taxa máxima de 5 % prevista pelo Ato [de Adesão] e pelo Protocolo [de Admissão], viola os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima?»

Quanto às questões prejudiciais

38

Com as suas seis questões, que se sobrepõem parcialmente, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se, em substância, sobre a interpretação, por um lado, do direito derivado da União que resulta, respetivamente, das Diretivas 2003/49 (segunda, terceira e sexta questões), 2011/96 (segunda e quarta questões) e 2008/7 (quinta questão) e, por outro, do direito primário da União que decorre, respetivamente, dos artigos 49.o e 63.o TFUE (quarta questão), do artigo 5.o, n.o 4, e do artigo 12.o, alínea b), TUE, bem como do artigo 47.o da Carta (primeira questão).

Quanto à admissibilidade

39

A recorrida no processo principal considera que as questões prejudiciais segunda a quarta são inadmissíveis. Com efeito, estas questões incidem sobre disposições de direito da União, isto é, o artigo 4.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/49 e o artigo 1.o, n.o 1, alínea b), e n.o 3, e o artigo 5.o da Diretiva 2011/96, que não carecem de clareza. Além disso, estas disposições não estão de modo nenhum relacionadas com a qualificação jurídica operada pela Autoridade Tributária na decisão em causa no processo principal. Com efeito, esta decisão impõe uma retenção na fonte a título não da distribuição de dividendos ou de lucros, na aceção da Diretiva 2011/96, mas da existência de evasão fiscal em razão da celebração de um empréstimo sem juros. Por outro lado, o artigo 200.o‑A, n.o 3, ponto 4, da ZKPO, atual artigo 200.o‑A, n.o 5, ponto 4, da ZKPO, desde 1 de janeiro de 2011, constitui uma transposição correta do artigo 4.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/49.

40

O Governo búlgaro considera, por sua vez, que a segunda e terceira questões prejudiciais são inadmissíveis, por não estarem relacionadas com as circunstâncias do litígio no processo principal. Com efeito, a decisão de reenvio não refere em que medida a interpretação das Diretivas 2003/49 e 2011/96 é útil para decidir este litígio.

41

Resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação ou à validade de uma regra do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. Daqui se conclui que as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se se afigurar que a interpretação solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, se o problema for hipotético ou ainda se o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às referidas questões (Acórdão de 16 de julho de 2020, Facebook Ireland e Schrems, C‑311/18, EU:C:2020:559, n.o 73 e jurisprudência referida).

42

No caso em apreço, há que sublinhar desde já, no que respeita à alegação relativa à clareza das disposições das Diretivas 2003/49 e 2011/96 que são objeto da segunda a quarta questões, que um órgão jurisdicional nacional não está de modo nenhum impedido de apresentar ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais cuja resposta, no entender de uma das partes no processo principal, não dá lugar a nenhuma dúvida razoável. Assim, mesmo admitindo que seja esse o caso, o pedido de decisão prejudicial que comporta tais questões não se torna, por isso, inadmissível (Acórdão de 14 de outubro de 2021, Viesgo Infraestructuras Energéticas, C‑683/19, EU:C:2021:847, n.o 26 e jurisprudência referida).

43

Por outro lado, é necessário constatar que nenhum elemento dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça permite considerar que a interpretação solicitada das Diretivas 2003/49 e 2011/96 não está relacionada com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal ou que é de natureza hipotética pelo facto de a decisão em causa no processo principal não ter aplicado as disposições dessas diretivas ou de o direito nacional as ter cumprido. Com efeito, no seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio expôs com toda a clareza exigida as razões pelas quais considera que a resposta à segunda a quarta questões sobre a interpretação dessas disposições do direito da União é necessária para a resolução do litígio no processo principal, atento o facto de a retenção na fonte imposta nessa decisão, segundo este órgão jurisdicional, ser suscetível de violar as referidas diretivas.

44

Daqui resulta que a segunda a quarta questões são admissíveis.

Quanto ao mérito

45

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, qualquer medida nacional, num domínio que foi objeto de uma harmonização exaustiva ao nível da União, deve ser apreciada à luz das disposições dessa medida de harmonização e não das do direito primário (Acórdão de 6 de dezembro de 2018, FENS, C‑305/17, EU:C:2018:986, n.o 22 e jurisprudência referida).

46

Por conseguinte, cumpre examinar, antes de mais, as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio na parte em que incidem sobre a interpretação das Diretivas 2003/49, 2011/96 e 2008/7 e, posteriormente, na falta de harmonização exaustiva, na parte em que respeitam, por um lado, aos artigos 49.o e 63.o TFUE e, por outro, ao artigo 5.o, n.o 4, e ao artigo 12.o, alínea b), TUE, bem como ao artigo 47.o da Carta.

Quanto à interpretação das Diretivas 2003/49, 2011/96 e 2008/7

47

Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/49, em conjugação com o artigo 4.o, n.o 1, alínea d), desta diretiva e com os respetivos anexos VI, secções 6, ponto 3, do Protocolo de Admissão e do Ato de Adesão, o artigo 5.o da Diretiva 2011/96 e os artigos 3.o e 5.o da Diretiva 2008/7 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que prevê a tributação, mediante retenção na fonte, dos juros fictícios que uma filial residente que beneficiou de um empréstimo sem juros concedido pela sua sociedade‑mãe não residente estaria obrigada a pagar a esta última segundo as condições de mercado.

– Quanto à Diretiva 2003/49

48

Conforme resulta dos seus considerandos 2 a 4, a Diretiva 2003/49 visa eliminar duplas tributações no que se refere ao pagamento de juros e royalties efetuados entre sociedades associadas de Estados‑Membros diferentes e assegurar que estes pagamentos apenas estejam sujeitos a imposto uma vez num único Estado‑Membro, constituindo a abolição de qualquer tributação sobre os referidos pagamentos no Estado‑Membro da fonte a solução mais adequada para realizar a igualdade de tratamento fiscal entre operações nacionais e operações transfronteiriças (Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, N Luxembourg 1 e o., C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, EU:C:2019:134, n.o 85 e jurisprudência referida).

49

O âmbito de aplicação da Diretiva 2003/49, como circunscrito no seu artigo 1.o, n.o 1, abrange, por conseguinte, a isenção fiscal dos pagamentos de juros e de royalties no Estado‑Membro da fonte destes, quando o beneficiário dos mesmos é uma sociedade domiciliada noutro Estado‑Membro ou um estabelecimento permanente situado noutro Estado‑Membro e pertencente a uma sociedade de um Estado‑Membro (Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, N Luxembourg 1 e o., C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, EU:C:2019:134, n.o 86 e jurisprudência referida).

50

Nesta perspetiva, o artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva prevê, nomeadamente, que os pagamentos de juros estão isentos de retenção na fonte no Estado‑Membro em questão, desde que o beneficiário efetivo dos juros seja uma sociedade de outro Estado‑Membro.

51

Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, na medida em que o artigo 2.o, alínea a), dessa diretiva define os juros como «os rendimentos de créditos de qualquer natureza», apenas o beneficiário efetivo pode receber os juros que constituem os rendimentos de tais créditos (Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, N Luxembourg 1 e o., C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, EU:C:2019:134, n.o 87 e jurisprudência referida).

52

Por conseguinte, o conceito de «beneficiário efetivo dos juros», na aceção da Diretiva 2003/49, deve ser Ninterpretado no sentido de que designa uma entidade que beneficia realmente, no plano económico, dos juros que lhe são pagos e que dispõe, por conseguinte, do poder de determinar livremente a sua afetação (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, N Luxembourg 1 e o., C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, EU:C:2019:134, n.o 88, 89 e 122).

53

Por conseguinte, este conceito não deve ser entendido numa aceção técnica (Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, N Luxembourg 1 e o., C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, EU:C:2019:134, n.o 92).

54

Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 58 das conclusões, quando a Autoridade Tributária estabelece, para efeitos de tributação, juros fictícios relativos a um empréstimo sem juros, o mutuante não recebe nenhuns juros e não pode, por isso, ser considerado um «beneficiário efetivo», na aceção da jurisprudência exposta no n.o 51 do presente acórdão.

55

Daqui resulta que os juros fictícios estabelecidos pela Autoridade Tributária, como os que estão em causa no processo principal, não podem ser considerados pagamentos de juros, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, e do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2003/49, visto que, precisamente, não houve nenhum pagamento.

56

Pela mesma razão, estes juros também não podem ser abrangidos pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea d), desta diretiva, posto que esta disposição se refere aos «pagamentos» de créditos que não impliquem o reembolso do capital em que o reembolso seja devido mais de 50 anos após a data de emissão.

57

Por conseguinte, a Diretiva 2003/49 não se aplica a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal.

58

Nestas condições, não é necessário apreciar a interpretação das medidas transitórias contidas nos anexos VI, secções 6, pontos 3, do Protocolo de Admissão e do Ato de Adesão, respetivamente, relativos à aplicação desta diretiva na Bulgária.

– Quanto à Diretiva 2011/96

59

Em conformidade com os seus considerandos 3 a 6, o objetivo prosseguido pela Diretiva 2011/96 é isentar de retenção na fonte os dividendos e outros lucros distribuídos pelas filiais à sua sociedade‑mãe e eliminar a dupla tributação desses rendimentos ao nível da sociedade‑mãe, a fim de facilitar os agrupamentos de sociedades à escala da União [Acórdão de 2 de abril de 2020, GVC Services (Bulgaria), C‑458/18, EU:C:2020:266, n.o 31 e jurisprudência referida].

60

Esta diretiva tem assim como finalidade garantir a neutralidade, no plano fiscal, da distribuição de lucros por uma filial estabelecida num Estado‑Membro à sua sociedade‑mãe estabelecida noutro Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 8 de março de 2017, Wereldhave Belgium e o., C‑448/15, EU:C:2017:180, n.o 25 e jurisprudência referida).

61

Para o efeito, o artigo 1.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva prevê que esta se aplica à distribuição dos lucros efetuada, no âmbito de uma relação transfronteiriça, por uma sociedade afiliada à sua sociedade‑mãe, prevendo o artigo 5.o da mesma diretiva a isenção de retenção na fonte.

62

A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que o Estado‑Membro de residência de uma sociedade pode legitimamente tratar os juros pagos por essa sociedade à sua sociedade‑mãe estabelecida noutro Estado‑Membro como uma distribuição de lucros, quando o montante desses juros exceda o que seria pago em condições de plena concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 13 de março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, C‑524/04, EU:C:2007:161, n.os 87 a 89).

63

Em contrapartida, os juros fictícios estabelecidos pela Autoridade Tributária a respeito de uma sociedade residente relacionados com um empréstimo sem juros celebrado entre esta e a sua sociedade‑mãe não residente não podem ser considerados uma distribuição de lucros, posto que, nesse caso, não há lugar a nenhum pagamento efetivo de juros entre essas sociedades.

64

Por conseguinte, a Diretiva 2011/96 não se aplica a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal.

– Quanto à Diretiva 2008/7

65

Como o Tribunal de Justiça já salientou por diversas vezes, a Diretiva 2008/7 procedeu a uma harmonização exaustiva dos casos em que os Estados‑Membros podem sujeitar as reuniões de capitais a impostos indiretos (Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C‑573/16, EU:C:2017:772, n.o 27 e jurisprudência referida).

66

Esta harmonização visa, deste modo, eliminar, tanto quanto possível, os fatores suscetíveis de distorcer as condições de concorrência ou entravar a livre circulação de capitais e, assim, garantir o bom funcionamento do mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 22 de abril de 2015, Drukarnia Multipress, C‑357/13, EU:C:2015:253, n.o 31).

67

Para o efeito, o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva estabelece que os Estados‑Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indireto sobre entradas de capital.

68

Nos termos do artigo 3.o, alínea h), da referida diretiva, o conceito de «entradas de capital» abrange o aumento do ativo de uma sociedade de capitais através de prestações de serviços efetuadas por um sócio, que não impliquem um aumento do capital social, mas que sejam suscetíveis de aumentar o valor das participações sociais.

69

A este propósito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a realização de um suprimento sem juros é suscetível de constituir uma entrada de capital, na aceção dessa disposição, uma vez que este suprimento permite à sociedade mutuária dispor de capitais sem ter de suportar o seu custo, que a economia de juros daí resultante dá origem a um aumento do seu ativo, permitindo à referida sociedade evitar uma despesa que deveria ter suportado e que, ao poupar‑lhe esta despesa, o facto de beneficiar de tal suprimento contribui para o reforço do seu potencial económico e é, assim, suscetível de aumentar o valor das participações sociais da sociedade beneficiária (Acórdão de 17 de setembro de 2002, Norddeutsche Gesellschaft zur Beratung und Durchführung von Entsorgungsaufgaben bei Kernkraftwerken, C‑392/00, EU:C:2002:500, n.o 18 e jurisprudência referida).

70

Todavia, segundo o próprio título da Diretiva 2008/7 e a redação do seu artigo 5.o, n.o 1, alínea a), esta diretiva proíbe apenas os Estados‑Membros de sujeitarem as entradas de capital a um «imposto indireto». Em particular, como o Tribunal de Justiça já sublinhou, a harmonização prevista pela referida diretiva não incide sobre os impostos diretos, que, como o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, estão, em princípio, dentro das competências dos Estados‑Membros, no respeito do direito da União (Acórdãos de 26 de setembro de 1996, Frederiksen, C‑287/94, EU:C:1996:354, n.o 21, e de 18 de janeiro de 2001, P. P. Handelsgesellschaft, C‑113/99, EU:C:2001:32, n.o 24).

71

Por conseguinte, o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2008/7 não impõe aos Estados‑Membros que isentem as entradas de capital de qualquer forma de imposto direto.

72

Ora, como realçou o advogado‑geral no n.o 168 das conclusões, a retenção na fonte em causa no processo principal deve ser considerada um imposto direto.

73

Com efeito, este imposto, que resulta da aplicação da legislação nacional relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, tem como facto gerador e como matéria coletável o rendimento que a sociedade‑mãe não residente deveria ter realizado em condições de mercado. Nessa medida, é semelhante a um imposto direto sobre o rendimento (v., por analogia, Acórdãos de 18 de janeiro de 2001, P. P. Handelsgesellschaft, C‑113/99, EU:C:2001:32, n.o 26, e de 10 de março de 2005, Optiver e o., C‑22/03, EU:C:2005:143, n.o 33).

74

Por conseguinte, a Diretiva 2008/7 não se aplica a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal.

– Resposta às questões relativas à interpretação das Diretivas 2003/49, 2011/96 e 2008/7

75

Tendo em conta todas as considerações precedentes, deve responder‑se ao órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/49, em conjugação com o seu artigo 4.o, n.o 1, alínea d), o artigo 5.o da Diretiva 2011/96 e os artigos 3.o e 5.o da Diretiva 2008/7 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê a tributação, mediante retenção na fonte, dos juros fictícios que uma filial residente que beneficiou de um empréstimo sem juros concedido pela sua sociedade‑mãe não residente estaria obrigada a pagar a esta última segundo as condições de mercado.

Quanto à interpretação dos artigos 49.o e 63.o TFUE, do artigo 5.o, n.o 4, e do artigo 12.o, alínea b), TUE, e do artigo 47.o da Carta

76

Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se os artigos 49.o e 63.o TFUE, por um lado, o artigo 5.o, n.o 4, e o artigo 12.o, alínea b), TUE, bem como o artigo 47.o da Carta, por outro, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que prevê a tributação mediante retenção na fonte dos juros fictícios que uma filial residente que beneficiou de um empréstimo sem juros concedido pela sua sociedade‑mãe não residente estaria obrigada a pagar a esta última segundo as condições de mercado, quando essa retenção na fonte se aplica ao montante bruto desses juros, sem possibilidade de dedução, nessa fase, das despesas relacionadas com o empréstimo, sendo necessária a posterior apresentação de um pedido para efeitos de um novo cálculo da referida retenção e de um eventual reembolso.

– Quanto aos artigos 49.o e 63.o TFUE

77

Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio se refere simultaneamente à liberdade de estabelecimento e à livre circulação de capitais, consagradas, respetivamente, nos artigos 49.o TFUE e 63.o TFUE, importa, antes de mais, determinar qual destas duas liberdades é suscetível de ser afetada por uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal.

78

A este respeito, resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que há que ter em conta o objeto da regulamentação em causa (Acórdão de 10 de junho de 2015, X, C‑686/13, EU:C:2015:375, n.o 17 e jurisprudência referida).

79

Assim, está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 49.o TFUE, relativo à liberdade de estabelecimento, uma regulamentação nacional que apenas é aplicável às participações que permitem exercer uma influência certa sobre as decisões de uma sociedade e determinar as respetivas atividades (Acórdão de 10 de junho de 2015, X, C‑686/13, EU:C:2015:375, n.o 18 e jurisprudência referida).

80

Em contrapartida, as disposições nacionais aplicáveis a participações efetuadas com a única finalidade de realizar uma aplicação financeira, sem intenção de influenciar a gestão e o controlo da empresa, devem ser examinadas exclusivamente à luz da livre circulação de capitais (Acórdão de 10 de junho de 2015, X, C‑686/13, EU:C:2015:375, n.o 19 e jurisprudência referida).

81

No que respeita à regulamentação nacional em causa no processo principal, o próprio órgão jurisdicional de reenvio indica, no seu pedido de decisão prejudicial, que o artigo 16.o, n.o 2, ponto 3, da ZKPO se aplica aos empréstimos sem juros concedidos tanto entre sociedades coligadas como entre sociedades não coligadas, e, por isso, independentemente da possibilidade de uma sociedade exercer uma influência efetiva nas decisões e na atividade de outra sociedade, o que, de resto, é corroborado pela redação do n.o 1 deste artigo, que visa explicitamente as sociedades não coligadas.

82

Em tais casos, os elementos factuais do litígio no processo principal, dos quais resulta que a sociedade mutuante era, à data dos factos pertinentes, a única acionista da sociedade mutuária, são irrelevantes para determinar se a situação visada pelo litígio no processo principal está abrangida pelo âmbito de aplicação de uma ou de outra das liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2015, X, C‑686/13, EU:C:2015:375, n.os 22 e 23 e jurisprudência referida).

83

Consequentemente, importa considerar que, tendo em conta o seu próprio objeto, a regulamentação em causa no processo principal está abrangida predominantemente pela livre circulação de capitais prevista no artigo 63.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, N Luxembourg 1 e o., C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, EU:C:2019:134, n.o 158 e jurisprudência referida).

84

Nestas condições, partindo do princípio de que esta regulamentação nacional tenha efeitos restritivos na liberdade de estabelecimento, tais efeitos são uma consequência inelutável de um eventual entrave à livre circulação de capitais e não justificam, assim, uma apreciação autónoma da mesma regulamentação à luz do artigo 49.o TFUE (Acórdão de 17 de setembro de 2009, Glaxo Wellcome, C‑182/08, EU:C:2009:559, n.o 51).

85

Importa, por isso, examinar se a referida regulamentação nacional comporta uma restrição à livre circulação de capitais, na aceção do artigo 63.o TFUE, e, em caso afirmativo, se tal restrição pode ser justificada à luz desta disposição.

86

Em primeiro lugar, no que respeita à existência de uma restrição, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 63.o, n.o 1, TFUE proíbe, enquanto restrições aos movimentos de capitais, as medidas suscetíveis de dissuadir os não residentes de investirem num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado‑Membro de investir noutros Estados (Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.o 22 e jurisprudência referida).

87

A este respeito, admitindo que o artigo 16.o, n.o 2, ponto 3, da ZKPO, numa interpretação do direito nacional, institui uma presunção inilidível de evasão fiscal, sem permitir aos interessados, nomeadamente no âmbito de um processo judicial, apresentar elementos relativos às eventuais razões comerciais que justificam a celebração de empréstimos sem juros, há que constatar que essa regra se aplica do mesmo modo a todos os empréstimos sem juros, independentemente de envolverem ou não sociedades não residentes. Consequentemente, no que respeita a esta regra, esta disposição não comporta nenhuma restrição à livre circulação de capitais abrangida pelo artigo 63.o TFUE.

88

Em contrapartida, o Tribunal de Justiça já declarou que uma regulamentação nacional por força da qual uma sociedade não residente é tributada, por via de uma retenção na fonte efetuada por uma sociedade residente, sobre os juros que lhe são pagos por esta última, sem que seja possível deduzir as despesas, como as despesas com juros, diretamente associadas à atividade de empréstimo em causa, mas que reconhece essa possibilidade de dedução às sociedades residentes que recebem juros de outra sociedade residente, constitui uma restrição à livre circulação de capitais (Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, N Luxembourg 1 e o., C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, EU:C:2019:134, n.o 175 e jurisprudência referida).

89

Ora, no caso em apreço, aplicando‑se a mesma taxa de imposto de 10 % independentemente do facto de o empréstimo sem juros envolver apenas sociedades residentes ou também sociedades não residentes, as sociedades residentes estão sujeitas ao imposto em causa, em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, a respeito do montante líquido dos seus rendimentos de juros fictícios, após dedução das eventuais despesas diretamente relacionadas com a concessão desse empréstimo, ao passo que, em conformidade com o artigo 195.o, n.os 1 e 2, bem como com o artigo 199.o da ZKPO, as sociedades não residentes estão sujeitas a retenção na fonte sobre o montante bruto dos seus rendimentos dos juros fictícios, sem que seja possível, nessa fase, deduzir tais despesas.

90

É certo que, por força do artigo 202.o‑A da ZKPO, é pacífico que essas sociedades não residentes podem apresentar um pedido durante o ano seguinte ao da cobrança do imposto retido na fonte para que este imposto seja calculado de novo de modo a corresponder ao que seria devido por uma sociedade residente. Este procedimento de recuperação permite‑lhes, assim, por um lado, deduzir as despesas diretamente relacionadas com a atividade de empréstimo em causa e, por outro, obter o eventual reembolso do excedente de imposto retido na fonte, ou mesmo a isenção deste imposto em caso de situação deficitária.

91

Todavia, não deixa de ser verdade que, embora uma sociedade residente possa deduzir à partida as despesas diretamente relacionadas com os seus rendimentos de juros fictícios para que o montante do imposto cobrado pela Autoridade Tributária corresponda desde logo ao montante exato do imposto devido, uma sociedade não residente só pode requerer essa tomada em consideração, no âmbito do referido procedimento de recuperação, numa fase posterior, mediante apresentação de um pedido, depois de ter pagado o imposto retido na fonte calculado sobre o montante bruto dos seus juros fictícios.

92

Daqui resulta que a regularização da situação fiscal de uma sociedade não residente ocorre necessariamente com atraso em relação ao momento em que uma sociedade residente tem de pagar, depois de ter apresentado a sua declaração fiscal, o imposto sobre o montante líquido dos seus juros fictícios.

93

Assim, no presente caso, é facto assente que, se o empréstimo em causa no processo principal tivesse sido concedido por uma sociedade residente, esta última não teria sido obrigada, caso a sua situação financeira fosse deficitária, a pagar um imposto sobre os juros fictícios relativos a esse empréstimo e, por conseguinte, estaria desde logo isenta do pagamento desse imposto sem ter de pedir posteriormente um novo cálculo.

94

Há que constatar que esta diferença de tratamento é suscetível de conferir uma vantagem às sociedades residentes, uma vez que dela resulta, pelo menos, uma vantagem de tesouraria para estas últimas relativamente às sociedades não residentes (v., por analogia, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.os 28 a 34).

95

Consequentemente, uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal constitui uma restrição à livre circulação de capitais, em princípio, proibida pelo artigo 63.o TFUE.

96

Consequentemente, importa verificar se essa restrição pode ser considerada objetivamente justificada, à luz do artigo 65.o, n.os 1 e 3, TFUE.

97

Resulta destas disposições que os Estados‑Membros podem estabelecer, na sua regulamentação nacional, uma distinção entre os contribuintes residentes e os contribuintes não residentes, desde que essa distinção não constitua um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais [Acórdão de 18 de março de 2021, Autoridade Tributária e Aduaneira (Imposto sobre as mais‑valias imobiliárias), C‑388/19, EU:C:2021:212, n.o 34].

98

Há, portanto, que distinguir os tratamentos desiguais permitidos ao abrigo do artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE das discriminações arbitrárias proibidas pelo n.o 3 do mesmo artigo. A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral [v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2021, Autoridade Tributária e Aduaneira (Imposto sobre as mais‑valias imobiliárias), C‑388/19, EU:C:2021:212, n.o 35].

99

No que respeita, em primeiro lugar, à comparabilidade das situações em causa no processo principal, a recorrida no processo principal, nas suas observações escritas, e o Governo búlgaro, em sede de audiência, alegaram que a diferença de tratamento é justificada pelo facto de uma sociedade não residente e uma sociedade residente se encontrarem em situações objetivamente diferentes no que respeita ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, dado que a primeira, ao contrário da segunda, não produz resultados financeiros, contabilísticos e fiscais que permitam a sua tributação a título desse imposto na Bulgária.

100

A este respeito, importa recordar que, em matéria de impostos diretos, as situações dos residentes e dos não residentes não são, em regra, comparáveis (Acórdão de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker, C‑279/93, EU:C:1995:31, n.o 31).

101

Todavia, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, a partir do momento em que um Estado sujeita, de modo unilateral ou por via convencional, ao imposto sobre os rendimentos não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos rendimentos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.o 47).

102

Em particular, no que respeita à determinação, para efeitos de cálculo do imposto sobre os rendimentos, das despesas diretamente relacionadas com uma atividade que gerou rendimentos tributáveis num Estado‑Membro, o Tribunal de Justiça já declarou que as sociedades residentes e as sociedades não residentes se encontram numa situação comparável (v., neste sentido, Acórdão de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.o 74 e jurisprudência referida).

103

Ora, no caso em apreço, há que constatar que a República da Bulgária optou, através da regulamentação nacional em causa no processo principal, por exercer a sua competência fiscal sobre os empréstimos sem juros celebrados entre sociedades mutuárias residentes e sociedades mutuantes não residentes e que, em consequência, as sociedades não residentes devem ser consideradas, no que respeita às despesas diretamente relacionadas com esses empréstimos, numa situação comparável à das sociedades residentes.

104

É certo que, no Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça constatou que, nas circunstâncias do processo que deram origem a esse acórdão, uma diferença de tratamento que consiste na aplicação de técnicas de tributação diferentes em função do lugar de residência do contribuinte diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis, pelo que essa diferença de tratamento, que não confere necessariamente uma vantagem aos beneficiários residentes, não constitui uma restrição, nomeadamente, à livre circulação de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.os 41 e 49 a 51; v. igualmente, neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2015, Miljoen e o., C‑10/14, C‑14/14 e C‑17/14, EU:C:2015:608, n.o 70).

105

Todavia, diferentemente do processo que deu origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), no presente processo as sociedades residentes que concedam empréstimos sem juros, como resulta do n.o 94 do presente acórdão, beneficiam, em relação às sociedades não residentes que concedam esse empréstimo, de uma vantagem de tesouraria que decorre da disparidade do momento em que podem efetuar a dedução das despesas diretamente relacionadas com esse empréstimo.

106

Ora, como resulta dos n.os 91 a 93 do presente acórdão, o alcance desta vantagem é determinado pela duração do procedimento de recuperação instituído pela regulamentação nacional em causa no processo principal para permitir às sociedades não residentes pedir um novo cálculo do imposto retido na fonte aplicado sobre o montante bruto dos juros fictícios relativos ao empréstimo sem juros para que essa retenção corresponda ao montante do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas que teria sido pago por uma sociedade residente caso tivesse concedido esse empréstimo.

107

Nestas condições, não se pode considerar que a diferença de tratamento na tributação dos juros fictícios relativos a um empréstimo sem juros, consoante seja concedido por uma sociedade residente ou por uma sociedade não residente, se limita às modalidades de cobrança do imposto (v., por analogia, Acórdãos de 26 de fevereiro de 2019, N Luxembourg 1 e o., C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, EU:C:2019:134, n.os 164 e 165, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.os 71 a 73).

108

Consequentemente, esta diferença de tratamento diz respeito a situações que são objetivamente comparáveis.

109

Por conseguinte, há que examinar, em segundo lugar, se a regulamentação nacional em causa no processo principal pode ser justificada pelas razões invocadas no presente caso por alguns interessados.

110

A este respeito, a recorrida no processo principal alega que, em conformidade com o princípio da territorialidade, os Estados‑Membros têm o direito de tributar os rendimentos gerados no seu território para assegurar uma repartição equilibrada dos poderes tributários. Em particular, na falta de medidas de harmonização adotadas pela União, os Estados‑Membros continuam a ser competentes para definir os critérios de repartição do seu poder tributário. O Governo búlgaro sublinha, por seu turno, que a regulamentação nacional em causa no processo principal tem por objeto a luta contra a evasão fiscal.

111

Assim, importa constatar que estes argumentos visam, em substância, justificar a regulamentação nacional em causa no processo principal com base na necessidade de salvaguardar uma repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados‑Membros e assegurar a eficácia da cobrança do imposto com o intuito de evitar, como resulta da própria redação do artigo 16.o da ZKPO, a evasão fiscal.

112

A este respeito, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma medida que restringe a livre circulação de capitais só pode ser admitida na condição de ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral e de respeitar o princípio da proporcionalidade, o que exige que seja adequada para garantir a realização do objetivo que prossegue e não ultrapasse o necessário para o alcançar [Acórdão de 21 de maio de 2019, Comissão/Hungria (Usufrutos sobre terrenos agrícolas), C‑235/17, EU:C:2019:432, n.o 59 e jurisprudência referida].

113

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, constituem razões imperiosas de interesse geral suscetíveis de justificar um entrave ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE, entre as quais figura a livre circulação de capitais, tanto a necessidade de preservar a repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros como a luta contra a evasão fiscal (Acórdão de 8 de março de 2017, Euro Park Service, C‑14/16, EU:C:2017:177, n.o 65). O mesmo se aplica à necessidade de garantir uma cobrança eficaz do imposto (v., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.o 38 e jurisprudência referida).

114

No que respeita à aptidão da regulamentação nacional em causa no processo principal para realizar esses objetivos, importa recordar que a necessidade de preservar a repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados‑Membros pode justificar uma diferença de tratamento quando a legislação em causa vise prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (Acórdão de 31 de maio de 2018, Hornbach‑Baumarkt, C‑382/16, EU:C:2018:366, n.o 43 e jurisprudência referida).

115

A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que o procedimento de retenção na fonte constitui um meio legítimo e adequado para assegurar o tratamento fiscal dos rendimentos de um sujeito passivo estabelecido fora do Estado de tributação (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.o 68).

116

Ora, no presente caso, importa constatar que a regulamentação nacional em causa no processo principal, ao prever a tributação na fonte dos juros fictícios relativos a empréstimos sem juros concedidos por sociedades não residentes a sociedades residentes, permite ao Estado‑Membro de residência exercer a sua competência fiscal em relação a atividades efetuadas no seu território, com o objetivo de impedir que a concessão desses empréstimos não tenha outro objetivo que não seja o de elidir o imposto que seria normalmente devido sobre os rendimentos gerados por atividades realizadas no território nacional.

117

Por conseguinte, tal regulamentação deve ser considerada apta a preservar a repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados‑Membros e a garantir a cobrança eficaz do imposto com vista a evitar a evasão fiscal.

118

Quanto à questão de saber se a regulamentação nacional em causa no processo principal não excede o necessário para alcançar esses objetivos, a Viva Telecom Bulgaria alegou, na audiência, que a duração do procedimento de recuperação previsto no artigo 202.o‑A da ZKPO é excessiva, uma vez que o eventual reembolso do excedente de retenção na fonte pago por uma sociedade residente sobre o montante bruto dos juros fictícios relativos a um empréstimo sem juros concedido por uma sociedade não residente só pode ter lugar decorrido um prazo de três anos.

119

Todavia, sob reserva das verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio, resulta das explicações fornecidas pela recorrida no processo principal nessa audiência que esse reembolso ocorre, regra geral, no prazo de 30 dias a contar da apresentação do pedido e que só em casos excecionais é que a duração do procedimento pode atingir três anos. Além disso, o Governo búlgaro referiu, em sede de audiência, o que cabe igualmente a esse órgão jurisdicional verificar, que a Agência Nacional das Receitas Públicas está obrigada a pagar juros sobre os montantes devidos a partir do trigésimo dia após a apresentação da declaração fiscal.

120

Assim, sem prejuízo destas verificações, a regulamentação nacional em causa no processo principal não parece, atenta a duração do procedimento de recuperação, ir além do necessário para alcançar os objetivos que prossegue.

121

Nestas condições, afigura‑se que esta regulamentação nacional é suscetível de ser justificada pelos objetivos que consistem em preservar a repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados‑Membros e em garantir a cobrança eficaz do imposto com vista a evitar a evasão fiscal.

– Quanto ao artigo 5.o, n.o 4, e ao artigo 12.o, alínea b), TUE e ao artigo 47.o da Carta

122

Como resulta do n.o 33 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio tem igualmente dúvidas sobre a interpretação do artigo 5.o, n.o 4, e do artigo 12.o, alínea b), TUE, bem como do artigo 47.o da Carta, pelo facto de a regulamentação nacional em causa no processo principal, conforme resulta do artigo 16.o, n.o 2, ponto 3, da ZKPO, prever uma presunção inilidível de evasão fiscal em caso de concessão de um empréstimo sem juros.

123

A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, o Tribunal de Justiça não é competente para responder a uma questão submetida a título prejudicial quando é manifesto que a disposição do direito da União submetida à interpretação do Tribunal de Justiça não pode ser aplicada (Acórdão de 25 de julho de 2018, TTL, C‑553/16, EU:C:2018:604, n.o 31).

124

Ora, em primeiro lugar, no que respeita ao artigo 5.o, n.o 4, TUE, o Tribunal de Justiça já declarou que esta disposição se refere à ação das instituições da União, prevendo o seu primeiro parágrafo que, em virtude do princípio da proporcionalidade, o conteúdo e a forma da ação da União não devem exceder o necessário para alcançar os objetivos dos Tratados, e o seu segundo parágrafo impõe às instituições da União que apliquem o mesmo princípio da proporcionalidade quando atuem no exercício de uma competência (v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, TTL, C‑553/16, EU:C:2018:604, n.o 33).

125

Em segundo lugar, no que respeita ao artigo 12.o, alínea b), TUE, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que esta disposição, por força da qual os parlamentos nacionais contribuem para o bom funcionamento da União, garantindo o respeito pelo princípio da subsidiariedade, habilita esses parlamentos a zelar pelo respeito deste princípio no exercício de uma competência pelas instituições da União e pelo bom funcionamento da União e, por conseguinte, não visa as legislações nacionais, mas os projetos de atos legislativos da União (v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, TTL, C‑553/16, EU:C:2018:604, n.o 34).

126

Em terceiro lugar, no que se refere ao artigo 47.o da Carta, há que recordar que o âmbito de aplicação da Carta, no que respeita à ação dos Estados‑Membros, é definido no artigo 51.o, n.o 1, da mesma, nos termos do qual as disposições da Carta têm por destinatários os Estados‑Membros apenas quando apliquem o direito da União (Acórdão de 14 de janeiro de 2021, Okrazhna prokuratura — Haskovo e Apelativna prokuratura — Plovdiv, C‑393/19, EU:C:2021:8, n.o 30 e jurisprudência referida).

127

Esse artigo 51.o, n.o 1, da Carta confirma a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União se destinam a ser aplicados em todas as situações reguladas pelo direito da União, mas não fora dessas situações (Acórdão de 14 de janeiro de 2021, Okrazhna prokuratura — Haskovo e Apelativna prokuratura — Plovdiv, C‑393/19, EU:C:2021:8, n.o 31 e jurisprudência referida).

128

Assim, quando uma situação jurídica não é abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União, o Tribunal de Justiça não tem competência para dela conhecer e as disposições da Carta eventualmente invocadas não podem, só por si, fundamentar essa competência (Acórdão de 14 de janeiro de 2021, Okrazhna prokuratura — Haskovo e Apelativna prokuratura — Plovdiv, C‑393/19, EU:C:2021:8, n.o 32 e jurisprudência referida).

129

No presente caso, a regulamentação nacional em causa no processo principal não está abrangida, tendo em conta os fundamentos expostos nos números 48 a 75 do presente acórdão, pelo âmbito de aplicação das Diretivas 2003/49, 2011/96 e 2008/7. Por outro lado, o artigo 16.o, n.o 2, ponto 3, da ZKPO, ao estabelecer uma presunção inilidível de evasão fiscal, não está abrangido, conforme resulta do número 87 do presente acórdão, pelo artigo 63.o TFUE e está, por conseguinte, excluído do âmbito de aplicação da Carta.

130

Daqui resulta que não há que responder ao órgão jurisdicional de reenvio a respeito das suas dúvidas relativas à interpretação do artigo 5.o, n.o 4, e do artigo 12.o, alínea b), TUE, bem como do artigo 47.o da Carta, posto que é manifesto que estas disposições não se aplicam à situação visada por esse órgão jurisdicional.

– Resposta às questões relativas à interpretação do direito primário

131

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder ao órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 63.o TFUE, lido à luz do princípio da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê a tributação, mediante retenção na fonte, dos juros fictícios que uma filial residente que beneficiou de um empréstimo sem juros concedido pela sua sociedade‑mãe não residente estaria obrigada a pagar a esta última segundo as condições de mercado, quando essa retenção na fonte se aplica ao montante bruto desses juros, sem possibilidade de dedução, nessa fase, das despesas relacionadas com o empréstimo, sendo necessária a posterior apresentação de um pedido para efeitos de novo cálculo da referida retenção e de um eventual reembolso, desde que, por um lado, a duração do procedimento previsto para esse efeito por essa regulamentação não seja excessiva e, por outro, sejam devidos juros sobre os montantes reembolsados.

Quanto às despesas

132

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/49/CE do Conselho, de 3 de junho de 2003, relativa a um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties efetuados entre sociedades associadas de Estados‑Membros diferentes, em conjugação com o artigo 4.o, n.o 1, alínea d), desta diretiva, o artigo 5.o da Diretiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de novembro de 2011, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades‑mães e sociedades afiliadas de Estados‑Membros diferentes, conforme alterada pela Diretiva (UE) 2015/121 do Conselho, de 27 de janeiro de 2015, bem como os artigos 3.o e 5.o da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê a tributação, mediante retenção na fonte, dos juros fictícios que uma filial residente que beneficiou de um empréstimo sem juros concedido pela sua sociedade‑mãe não residente estaria obrigada a pagar a esta última segundo as condições de mercado.

 

2)

O artigo 63.o TFUE, lido à luz do princípio da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê a tributação, mediante retenção na fonte, dos juros fictícios que uma filial residente que beneficiou de um empréstimo sem juros concedido pela sua sociedade‑mãe não residente estaria obrigada a pagar a esta última segundo as condições de mercado, quando essa retenção na fonte se aplica ao montante bruto desses juros, sem possibilidade de dedução, nessa fase, das despesas relacionadas com o empréstimo, sendo necessária a posterior apresentação de um pedido para efeitos de novo cálculo da referida retenção e de um eventual reembolso, desde que, por um lado, a duração do procedimento previsto para esse efeito por essa regulamentação não seja excessiva e, por outro, sejam devidos juros sobre os montantes reembolsados.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: búlgaro.

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