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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62020CJ0398

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 11 de novembro de 2021.
    ELVOSPOL s.r.o. contra Odvolací finanční ředitelství.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Krajský soud v Brně.
    Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 90.o — Redução do valor tributável do IVA — Não pagamento total ou parcial do preço em virtude da insolvência do devedor — Condições impostas por uma regulamentação nacional para a retificação do IVA a jusante — Condição segundo a qual o crédito parcial ou totalmente não pago não deve ter sido constituído dentro dos seis meses anteriores à declaração de insolvência da sociedade devedora — Não conformidade.
    Processo C-398/20.

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2021:911

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

    11 de novembro de 2021 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 90.o — Redução do valor tributável do IVA — Não pagamento total ou parcial do preço em virtude da insolvência do devedor — Condições impostas por uma regulamentação nacional para a retificação do IVA a jusante — Condição segundo a qual o crédito parcial ou totalmente não pago não deve ter sido constituído dentro dos seis meses anteriores à declaração de insolvência da sociedade devedora — Não conformidade»

    No processo C‑398/20,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Krajský soud v Brně (Tribunal Regional de Brno, República Checa), por Decisão de 29 de julho de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de agosto de 2020, no processo

    ELVOSPOL, s.r.o.

    contra

    Odvolací finanční ředitelství,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

    composto por: L. Bay Larsen, vice-presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, J‑C. Bonichot (relator) e M. Safjan, juízes,

    advogada‑geral: J. Kokott,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    considerando as observações apresentadas:

    em representação da ELVOSPOL, s.r.o., por T. Klíma,

    em representação da Odvolací finanční ředitelství, por T. Rozehnal,

    em representação do Governo checo, por M. Smolek, O. Serdula e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo espanhol, por S. Jiménez García, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por P. Carlin e M. Salyková, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 90.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1; a seguir «Diretiva IVA»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a ELVOSPOL, s.r.o. (a seguir «ELVOSPOL»), sociedade de direito checo, à Odvolací finanční ředitelství (Direção de Contencioso Tributário, República Checa) a propósito da recusa desta em lhe permitir a retificação do montante do imposto sobre o valor acrescentado (IVA).

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    O artigo 63.o da Diretiva IVA prevê o seguinte:

    «O facto gerador do imposto ocorre e o imposto torna‑se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços.»

    4

    O artigo 73.o desta diretiva dispõe:

    «Nas entregas de bens e [nas] prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.o a 77.o, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

    5

    Nos termos do artigo 90.o desta diretiva:

    «1.   Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados‑Membros.

    2.   Em caso de não pagamento total ou parcial, os Estados‑Membros podem derrogar o disposto no n.o 1.»

    6

    O artigo 273.o da Diretiva IVA prevê o seguinte:

    «Os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados‑Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

    A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas no capítulo 3.»

    Direito checo

    7

    O § 44.o da zákon č. 235/2004 Sb., o dani z přidané hodnoty (Lei n.o 235/2004, Relativa ao Imposto sobre o Valor Acrescentado; a seguir «Lei do IVA») prevê no seu n.o 1:

    «O sujeito passivo cuja obrigação de liquidar o imposto relacionado com a realização de uma prestação a outro sujeito passivo e cujo crédito, ainda não extinto, constituído até seis meses antes da data da decisão judicial que tenha declarado a insolvência (a seguir “credor”) tem o direito de proceder à retificação do montante do imposto devido sobre o crédito em causa nos seguintes casos:

    a)

    O sujeito passivo que é devedor desse credor (a seguir “devedor”) for objeto de um processo de insolvência e quando o juiz das insolvências declarar a liquidação do património do devedor,

    b)

    O credor tenha declarado o crédito em causa dentro do prazo fixado pelo juiz das insolvências e esse crédito tenha sido reconhecido no processo de insolvência,

    c)

    O credor e o devedor não sejam desde a data da constituição do crédito:

    1.

    Pessoas cujo capital esteja ligado […],

    2.

    Pessoas próximas, ou

    3.

    Acionistas da mesma sociedade, quando são sujeitos passivos,

    d)

    O credor tenha enviado ao devedor o documento fiscal previsto no artigo 46.o, n.o 1.»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    8

    Em 29 de novembro de 2013, a ELVOSPOL efetuou uma entrega de bens a favor da MPS Mont a.s. (a seguir «Mont»). Em 19 de maio de 2014, um órgão jurisdicional checo declarou a falência desta última e fixou as modalidades da sua liquidação.

    9

    A recorrente no processo principal procedeu então, na sua declaração fiscal de IVA relativa ao mês de maio de 2015 e, mais tarde, numa declaração fiscal complementar, a uma retificação do valor tributável com base no artigo 44.o, n.o 1, da Lei do IVA, alegando que a Mont não pagara a fatura relativa à entrega efetuada.

    10

    O Finanční úřad pro Jihomoravský kraj (Serviço de Finanças da Região de Moravida do Sul, República Checa; a seguir «Administração Fiscal») considerou, no entanto, que a interpretação do artigo 44.o, n.o 1, da Lei do IVA feita pela recorrente no processo principal estava errada e que esta não tinha o direito de retificar o valor tributável. Nestas condições, por Decisão de 22 de fevereiro de 2016, a Administração Fiscal fixou o montante do IVA sem ter em conta o pedido de retificação.

    11

    A recorrente no processo principal impugnou esta decisão na Direção de Contencioso Tributário. Por Decisão de 2 de maio de 2018, a Direção de Contencioso Tributário indeferiu essa reclamação, considerando que a recorrente no processo principal não podia proceder à retificação do valor tributável com base no artigo 44.o, n.o 1, da Lei do IVA, uma vez que o crédito em dívida se tinha constituído dentro dos seis meses anteriores à declaração de insolvência da Mont.

    12

    Com efeito, segundo a Direção de Contencioso Tributário, para se poder proceder a uma retificação do montante do IVA, o artigo 44.o, n.o 1, da Lei do IVA prevê várias condições, sendo uma delas que o crédito em dívida não tenha sido constituído nos seis meses anteriores à decisão judicial que declara a insolvência da sociedade devedora. Ora, o crédito em dívida em causa no processo principal foi constituído em 29 de novembro de 2013, ou seja, dentro dos seis meses anteriores à Decisão judicial de 19 de maio de 2014 que declarou a insolvência da Mont.

    13

    A recorrente no processo principal interpôs recurso da decisão da Direção de Contencioso Tributário para o Krajský soud v Brně (Tribunal Regional de Brno, República Checa), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

    14

    Este tribunal interroga‑se sobre a questão de saber se uma disposição nacional como o artigo 44.o, n.o 1, da Lei do IVA, que faz depender a retificação do IVA da condição de que o crédito em dívida não tenha sido constituído nos seis meses anteriores à declaração de insolvência da sociedade devedora, não será contrária ao artigo 90.o da Diretiva IVA.

    15

    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio recorda, referindo‑se à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 90.o da Diretiva IVA, que o princípio da neutralidade implica que, na sua qualidade de cobrador de impostos por conta do Estado, o empresário deve ser totalmente libertado do peso do imposto devido ou pago no âmbito das suas próprias atividades económicas sujeitas a IVA e que, embora os Estados‑Membros possam afastar a possibilidade de retificação do valor tributável do imposto, não podem excluir totalmente a possibilidade de se proceder a essa retificação, sob pena de ser infringido o princípio da neutralidade.

    16

    À luz desta jurisprudência do Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio considera que uma disposição nacional como o artigo 44.o, n.o 1, da Lei do IVA, que faz depender a retificação do montante do IVA da condição de o crédito em dívida não se ter constituído dentro dos seis meses anteriores à declaração de insolvência da sociedade devedora, pode ser contrária ao princípio da neutralidade do IVA.

    17

    O órgão jurisdicional de reenvio duvida igualmente que essa disposição nacional possa estar abrangida pela derrogação prevista no artigo 90.o, n.o 2, da Diretiva IVA. A este respeito, recorda que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, esta disposição da Diretiva IVA assenta na ideia de que o não pagamento da contrapartida pode, em determinadas circunstâncias e em razão da situação jurídica existente no Estado‑Membro em causa, ser difícil de verificar ou ser meramente transitório. Por conseguinte, o exercício dessa faculdade de derrogação deve ser justificado pela incerteza quanto ao pagamento da contrapartida e ser proporcionado a esse objetivo.

    18

    Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se uma disposição nacional, como o artigo 44.o, n.o 1, da Lei do IVA, pode ser justificada pelo artigo 273.o da Diretiva IVA, que permite aos Estados‑Membros preverem as obrigações que considerem necessárias para assegurar a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude. O órgão jurisdicional de reenvio recorda que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as medidas baseadas nesta disposição devem limitar‑se ao estritamente necessário e não ser utilizadas de forma a pôr em causa o princípio da neutralidade do IVA.

    19

    Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que, segundo um Despacho do Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo, República Checa) de 16 de julho de 2019, o artigo 44.o, n.o 1, da Lei do IVA baseia‑se na hipótese económica segundo a qual, quanto mais o período de negociação e de celebração de uma operação entre um profissional e o seu parceiro comercial se aproxima próximo do momento da insolvência deste, mais esse profissional pode divisar no mercado os sinais dessa insolvência. Com efeito, segundo aquele despacho, um profissional que faça negócios com um futuro insolvente nos seis meses anteriores à declaração de insolvência não pode ignorar, segundo os conhecimentos económicos gerais, o caráter iminente da falência, pelo que não se justificaria dar‑lhe a possibilidade de retificar o montante do IVA.

    20

    Ora, ao sublinhar que as justificações subjacentes à aprovação do artigo 44.o, n.o 1, da Lei do IVA não se baseiam na ideia de que o não pagamento da contrapartida pode ser difícil de verificar ou ser meramente transitório, o órgão jurisdicional de reenvio considera que as referidas justificações não têm por objetivo evitar a fraude. Com efeito, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o simples facto de se realizarem transações sujeitas a IVA com um operador económico que pode apresentar os sinais de uma insolvência iminente não significa, por si só, que essas transações sejam necessariamente desonestas ou levadas a cabo com o objetivo de obter uma vantagem fiscal injustificada.

    21

    Assim, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, uma disposição nacional, como o artigo 44.o, n.o 1, da Lei do IVA, que faz depender a retificação do montante do IVA à condição de o crédito em dívida não se ter constituído no decurso dos seis meses anteriores à declaração de insolvência da sociedade devedora, poderia não ser justificada nem pelo artigo 90.o, n.o 2, nem pelo artigo 273.o da Diretiva IVA.

    22

    Neste contexto, o Krajský soud v Brně (Tribunal Regional de Brno) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «É contrária ao objetivo do artigo 90.o, n.os 1 e 2, da Diretiva [IVA] a legislação nacional que estabelece uma condição que impede um sujeito passivo para efeitos de IVA, que tenha incorrido na obrigação de liquidar o imposto relativo a uma prestação tributável efetuada a outro sujeito passivo, de retificar o montante do imposto devido sobre o montante do crédito constituído nos seis meses anteriores à decisão judicial relativa à insolvência desse outro sujeito passivo, que apenas pagou uma parte desse imposto ou que não o pagou de todo?»

    Quanto à questão prejudicial

    23

    Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 90.o da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que subordina a retificação do montante do IVA à condição de o crédito parcial ou totalmente não pago não ter sido constituído dentro dos seis meses anteriores à declaração de insolvência da sociedade devedora.

    24

    A este respeito, o artigo 90.o, n.o 1, da Diretiva IVA prevê que, em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados‑Membros.

    25

    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, esta disposição obriga os Estados‑Membros a reduzirem o valor tributável do IVA e, portanto, o montante do IVA devido pelo sujeito passivo sempre que, posteriormente à celebração de uma transação, o sujeito passivo não receba uma parte ou a totalidade da contrapartida. Esta disposição constitui a expressão de um princípio fundamental da Diretiva IVA, nos termos do qual o valor tributável é constituído pela contraprestação efetivamente recebida e que tem por corolário que a Administração Fiscal não pode cobrar a título de IVA um montante superior ao montante que o sujeito passivo recebeu [Acórdão de 15 de outubro de 2020, E. (IVA — Redução do valor tributável), C‑335/19, EU:C:2020:829, n.o 21 e jurisprudência referida].

    26

    O artigo 90.o, n.o 2, da Diretiva IVA, por seu lado, prevê que, em caso de não pagamento total ou parcial da contrapartida, os Estados‑Membros podem derrogar a obrigação de reduzir o valor tributável do IVA previsto no artigo 90.o, n.o 1, desta diretiva.

    27

    O Tribunal de Justiça esclareceu que esta faculdade de derrogação, estritamente limitada aos casos de não pagamento total ou parcial, se baseia na ideia de que o não pagamento da contrapartida pode, em determinadas circunstâncias e em virtude da situação jurídica existente no Estado‑Membro em causa, ser difícil de verificar ou ser meramente transitório (Acórdão de 11 de junho de 2020, SCT, C‑146/19, EU:C:2020:464, n.o 23 e jurisprudência referida).

    28

    Daqui resulta que o exercício dessa faculdade de derrogação deve ser justificado a fim de que as medidas adotadas pelos Estados‑Membros para lhe dar execução não perturbem o objetivo de harmonização fiscal prosseguido pela Diretiva 2006/112, e que esta não pode permitir a estes últimos excluir pura e simplesmente a redução do valor tributável do IVA em caso de não pagamento [Acórdão de 15 de outubro de 2020, E. (IVA — Redução do valor tributável), C‑335/19, EU:C:2020:829, n.o 29 e jurisprudência referida].

    29

    A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que a referida faculdade de derrogação visa apenas permitir aos Estados‑Membros combater a incerteza ligada à cobrança dos montantes devidos (Acórdão de 11 de junho de 2020, SCT, C‑146/19, EU:C:2020:464, n.o 24 e jurisprudência referida).

    30

    Esta incerteza quanto à cobrança dos montantes devidos pode ser tida em conta, em conformidade com o princípio da neutralidade fiscal, privando o sujeito passivo do seu direito de reduzir o valor tributável enquanto o crédito não for definitivamente incobrável. Mas pode igualmente ter‑se em conta se se conceder a redução quando o sujeito passivo demonstrar a probabilidade razoável de que a dívida não será paga, sem prejuízo da possibilidade de o valor tributável ser reavaliado para cima, no caso de o pagamento vir a ser feito entretanto (v., neste sentido, Acórdão de 3 de julho de 2019, UniCredit Leasing, C‑242/18, EU:C:2019:558, n.o 62 e jurisprudência referida).

    31

    Em contrapartida, admitir a possibilidade de os Estados‑Membros excluírem qualquer redução do valor tributável do IVA seria contrário ao princípio da neutralidade do IVA, do qual resulta, designadamente, que, na sua qualidade de cobrador de impostos por conta do Estado, o empresário deve ficar totalmente exonerado do peso do imposto devido ou pago no âmbito das suas atividades económicas sujeitas ao IVA (v., neste sentido, Acórdão de 11 de junho de 2020, SCT, C‑146/19, EU:C:2020:464, n.o 25 e jurisprudência referida).

    32

    A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que uma situação caracterizada pela redução definitiva das obrigações do devedor para com os seus credores não pode ser qualificada de «não pagamento», na aceção do artigo 90.o, n.o 2, da Diretiva IVA. Assim, nesse caso, os Estados‑Membros devem permitir a redução do valor tributável do IVA se o sujeito passivo provar que o crédito que detém sobre o seu devedor é definitivamente incobrável (v., neste sentido, Acórdão de 11 de junho de 2020, SCT, C‑146/19, EU:C:2020:464, n.os 26 e 27 e jurisprudência referida).

    33

    No caso em apreço, a questão submetida diz respeito a créditos não pagos constituídos dento dos seis meses anteriores à declaração de insolvência da sociedade devedora em causa, relativamente aos quais não se demonstrou que devam ser considerados como definitivamente incobráveis, na aceção da jurisprudência referida nos n.os 30 e 32 do presente acórdão.

    34

    Com efeito, resulta da decisão de reenvio que essa qualificação depende do tratamento que venha a ser dado a esses créditos no âmbito do processo de insolvência. Existe, portanto, uma incerteza quanto à cobrança dos créditos constituídos nos seis meses anteriores à declaração de insolvência da devedora em causa, incerteza que resulta da forma como esses créditos serão tratados no âmbito do referido processo de insolvência.

    35

    Todavia, a condição geral segundo a qual, para haver lugar à redução do valor tributável do IVA, os créditos não pagos não devem ter sido constituídos nos seis meses anteriores à declaração de insolvência da sociedade devedora não pode ser considerada, na falta de qualquer elemento objetivo relativo ao contexto em que se inscrevem os créditos, como visando combater a incerteza ligada à cobrança desses créditos.

    36

    Com efeito, esta condição não tem nenhuma relação com a forma como os créditos em causa serão realmente tratados no âmbito do processo de insolvência, uma vez que não tem em conta o facto de certos créditos poderem, no termo desse processo, ser eventualmente cobrados.

    37

    Pelo contrário, essa condição tem por consequência excluir pura e simplesmente qualquer redução da matéria coletável do IVA no caso de créditos não pagos constituídos nos seis meses anteriores à declaração de insolvência da sociedade devedora em causa, ainda que esses créditos se tornem definitivamente incobráveis no termo do processo de insolvência, uma vez que a recusa do direito à redução viola o princípio da neutralidade do IVA, porquanto o valor tributável deixa de ser constituído pela contrapartida realmente recebida pelo sujeito passivo, o qual terá de suportar o encargo do imposto em lugar do consumidor.

    38

    Por todas estas razões, não se pode considerar que uma disposição nacional, como a que está em causa no processo principal, aplica a faculdade prevista no artigo 90.o, n.o 2, da Diretiva IVA.

    39

    Por outro lado, o argumento do Governo checo segundo o qual essa disposição se destina a dar execução ao artigo 273.o da Diretiva IVA não pode ser acolhido.

    40

    A este respeito, importa recordar que, embora, por força do artigo 273.o da Diretiva IVA, os Estados‑Membros possam adotar medidas que tenham por efeito limitar o direito à redução do valor tributável previsto no artigo 90.o, n.o 1, da Diretiva IVA, essas medidas devem destinar‑se a assegurar a cobrança exata do IVA e a evitar a fraude.

    41

    Por outro lado, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, tais medidas só podem, em princípio, derrogar o respeito das regras relativas à matéria coletável dentro dos limites estritamente necessários para alcançar esse objetivo específico. Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, essas medidas devem afetar o menos possível os objetivos e os princípios da Diretiva IVA e não podem, por isso, ser utilizadas de forma a pôr em causa a neutralidade do IVA (Acórdão de 6 de dezembro de 2018, Tratave, C‑672/17, EU:C:2018:989, n.o 33 e jurisprudência referida).

    42

    Ora, a exclusão de qualquer possibilidade de obter a retificação do valor tributável correspondente a um crédito constituído nos seis meses anteriores à declaração de insolvência da sociedade devedora em causa não pode ser considerada apta a evitar a fraude fiscal e proporcional a esse objetivo.

    43

    Com efeito, por um lado, como sublinha o órgão jurisdicional de reenvio, o facto de o crédito em dívida ter sido constituído dentro dos seis meses anteriores à declaração de insolvência da devedora, na falta de qualquer elemento suplementar, não permite presumir que o credor e o devedor agiram com o objetivo de cometer uma fraude ou uma evasão fiscal.

    44

    Por outro lado, Em todo o caso, o facto de se excluir, nesse caso, qualquer possibilidade de redução do valor tributável, e de fazer recair sobre esse credor o encargo de um montante de IVA que não teria tido no âmbito das suas atividades económicas, ultrapassa, em qualquer caso, os limites estritamente necessários para alcançar os objetivos previstos no artigo 273.o da Diretiva IVA [v., neste sentido, Acórdão de 15 de outubro de 2020, E. (IVA — Redução do valor tributável), C‑335/19, EU:C:2020:829, n.o 45 e jurisprudência referida].

    45

    Além disso, não se pode sustentar que uma disposição nacional como a que está em causa no processo principal visa assegurar a cobrança exata do IVA.

    46

    Pelo contrário, a aplicação desta disposição tem como consequência recusar sistematicamente o direito à redução da matéria coletável no caso de créditos não pagos constituídos nos seis meses anteriores à declaração de insolvência da sociedade devedora em causa, quando alguns desses créditos podem tornar‑se definitivamente incobráveis no termo do processo de insolvência, o que leva a pôr em causa a neutralidade do IVA.

    47

    Por conseguinte, há que responder à questão prejudicial que o artigo 90.o da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que subordina a retificação do montante do IVA à condição de o crédito parcial ou totalmente não pago não ter sido constituído nos seis meses anteriores à declaração de insolvência da sociedade devedora, quando essa condição não permite excluir que esse crédito possa no final ser definitivamente incobrável.

    Quanto às despesas

    48

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

     

    O artigo 90.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que subordina a retificação do montante do imposto sobre o valor acrescentado à condição de o crédito parcial ou totalmente não pago não ter sido constituído nos seis meses anteriores à declaração de insolvência da sociedade devedora, quando essa condição não permite excluir que esse crédito possa no final ser definitivamente incobrável.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: checo.

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