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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62019CC0927

Conclusões do advogado-geral M. Campos Sánchez-Bordona apresentadas em 15 de abril de 2021.
UAB „Klaipėdos regiono atliekų tvarkymo centras“ contra UAB „Ecoservice Klaipėda“ e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas.
Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 58.°, n.os 3 e 4 — Artigo 60.°, n.os 3 e 4 — Anexo XII — Condução dos procedimentos de contratação pública — Seleção dos participantes — Critérios de seleção — Meios de prova — Capacidade económica e financeira dos operadores económicos — Possibilidade de o líder de um agrupamento temporário de empresas invocar rendimentos auferidos com um contrato público pertencente ao mesmo domínio do contrato público em causa no processo principal, incluindo quando não exercia por si próprio a atividade pertencente ao domínio a que respeitava o contrato em causa no processo principal — Capacidade técnica e profissional dos operadores económicos — Caráter taxativo dos meios de prova admitidos pela diretiva — Artigo 57.°, n.° 4, alínea h), n.os 6 e 7 — Contratação pública de serviços — Motivos de exclusão facultativos da participação num procedimento de contratação — Inscrição numa lista de operadores económicos excluídos dos procedimentos de contratação pública — Solidariedade entre os membros de um agrupamento temporário de empresas — Caráter pessoal da sanção — Artigo 21.° ‑ Proteção da confidencialidade das informações transmitidas a uma entidade adjudicante por um operador económico — Diretiva (UE) 2016/943 — Artigo 9.° — Confidencialidade — Proteção do sigilo comercial — Aplicabilidade aos procedimentos de contratação pública — Diretiva 89/665/CEE — Artigo 1.° — Direito à ação.
Processo C-927/19.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2021:295

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 15 de abril de 2021 ( 1 )

Processo C‑927/19

UAB Klaipėdos regiono atliekų tvarkymo centras

sendo intervenientes:

UAB Ecoservice Klaipėda,

UAB Klaipėdos autobusų parkas,

UAB Parsekas,

UAB Klaipėdos transportas

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal, Lituânia)]

«Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Diretiva 2014/24/UE — Artigos 21.o, 50.o e 55.o — Confidencialidade — Competência da entidade adjudicante — Diretiva (UE) 2016/943 — Aplicabilidade — Diretiva 89/665/CEE — Artigos 1.o e 2.o — Efeitos do recurso da declaração de confidencialidade — Fundamentação — Recurso autónomo na entidade adjudicante — Revisão jurisdicional — Âmbito dos poderes do juiz»

1.

A documentação fornecida às entidades adjudicantes no âmbito de um procedimento de adjudicação de contrato público pode incluir segredos comerciais e outras informações confidenciais cuja divulgação seria prejudicial para os seus titulares.

2.

Neste domínio convergem dois interesses contraditórios:

por um lado, o dos proponentes que, recorrendo à adjudicação de contratos públicos, não renunciam à proteção das informações confidenciais, de modo a impedir o aproveitamento indevido do esforço comercial de outrem;

por outro lado, o dos proponentes que, no exercício do seu direito de impugnar as decisões da entidade adjudicante, pretendem, para fundamentar o seu recurso, aceder a certas informações comunicadas pelo adjudicatário a título confidencial.

3.

O conflito entre estes interesses está na base deste reenvio prejudicial, no qual o tribunal a quo pede a interpretação das Diretivas 89/665/CEE ( 2 ), 2014/24/UE ( 3 ) e (UE) 2016/943 ( 4 ).

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Diretiva 2014/24

4.

O artigo 18.o («Princípios da contratação») enuncia:

«1. As autoridades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não‑discriminação e atuam de forma transparente e proporcionada.

[…]»

5.

O artigo 21.o («Confidencialidade») dispõe:

«1.   Salvo disposto em contrário na presente diretiva ou na legislação nacional a que a autoridade adjudicante está sujeita, em especial a legislação relativa ao acesso à informação, e sem prejuízo das obrigações relativas à publicidade de contratos adjudicados e à informação aos candidatos e aos proponentes previstas nos artigos 50.o e 55.o da presente diretiva, a autoridade adjudicante não pode divulgar as informações que lhe tenham sido comunicadas a título confidencial pelos operadores económicos, incluindo, nomeadamente, os segredos técnicos ou comerciais e os aspetos confidenciais das propostas.

2.   As autoridades adjudicantes podem impor aos operadores económicos requisitos destinados a proteger as informações de natureza confidencial por elas disponibilizadas ao longo do procedimento de contratação.»

6.

O artigo 50.o («Anúncios de adjudicação de contratos») prevê:

«[…]

4.   Certas informações relativas à adjudicação de um contrato ou à celebração de um acordo‑quadro podem não ser publicadas caso a sua divulgação possa obstar à aplicação da lei, ser contrária ao interesse público, lesar os legítimos interesses comerciais de certos operadores económicos, públicos ou privados, ou prejudicar a concorrência leal entre eles.»

7.

O artigo 55.o («Informação dos candidatos e dos proponentes») tem a seguinte redação:

«[…]

3.   As autoridades adjudicantes podem decidir não comunicar certas informações referidas nos n.os 1 e 2 relativas à adjudicação dos contratos, à celebração de acordos‑quadro ou à admissão num sistema de aquisição dinâmico, quando a sua divulgação possa obstar à aplicação da lei, ser contrária ao interesse público, lesar os legítimos interesses comerciais de certos operadores económicos, públicos ou privados, ou prejudicar a concorrência leal entre eles.»

2. Diretiva 89/665

8.

Nos termos do artigo 1.o («Âmbito de aplicação e acesso ao recurso») ( 5 ):

«1.   A presente diretiva é aplicável aos contratos a que se refere a Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, salvo se esses contratos se encontrarem excluídos nos termos dos artigos 7.o, 8.o, 9.o, 10.o, 11.o, 12.o, 15.o, 16.o, 17.o e 37.o dessa diretiva.

[…]

Os Estados‑Membros adotam as medidas necessárias para assegurar que, no que se refere aos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2014/24/UE ou da Diretiva 2014/23/UE, as decisões das autoridades adjudicantes possam ser objeto de recursos eficazes, e, sobretudo, tão céleres quanto possível, nos termos dos artigos 2.o a 2.o‑F da presente diretiva, com fundamento na violação, por tais decisões, do direito da União em matéria de contratos públicos ou das normas nacionais de transposição desse direito.

[…]

3.   Os Estados‑Membros devem garantir o acesso ao recurso de acordo com regras detalhadas que os Estados‑Membros podem estabelecer, a qualquer pessoa que tenha ou tenha tido interesse em obter um determinado contrato e que tenha sido, ou possa vir a ser, lesada por uma eventual violação.

4.   Os Estados‑Membros podem exigir que a pessoa que pretenda interpor recurso tenha informado a entidade adjudicante da alegada violação e da sua intenção de interpor recurso, desde que tal não afete o prazo suspensivo nos termos do n.o 2 do artigo 2.o‑A ou quaisquer outros prazos para interposição de recurso nos termos do artigo 2.o‑C.

5.   Os Estados‑Membros podem exigir que o interessado solicite previamente à entidade adjudicante a alteração da sua decisão. Nesse caso, os Estados‑Membros devem assegurar que a apresentação de tal pedido implique a suspensão imediata da possibilidade de celebrar o contrato.

[…]»

9.

O artigo 2.o («Requisitos do recurso») dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que as medidas tomadas relativamente aos recursos a que se refere o artigo 1.o prevejam poderes para:

[…]

b)

Anular ou mandar anular as decisões ilegais, incluindo suprimir as especificações técnicas, económicas ou financeiras discriminatórias que constem do convite à apresentação de propostas, dos cadernos de encargos ou de qualquer outro documento relacionado com o procedimento de adjudicação do contrato em causa;

[…]»

3. Diretiva 2016/943

10.

O considerando 18 declara:

«[…] Em particular, a presente diretiva não deverá dispensar as autoridades públicas das obrigações de confidencialidade a que estão sujeitas em relação às informações transmitidas pelos titulares dos segredos comerciais, quer essas obrigações sejam estabelecidas no direito da União ou no direito nacional. Essas obrigações de confidencialidade incluem, nomeadamente, as obrigações relativas às informações comunicadas às entidades adjudicantes no âmbito de procedimentos concursais, tal como estabelecido, por exemplo, […] na Diretiva 2014/24/UE […]»

11.

O artigo 1.o («Objeto e âmbito de aplicação») prevê:

«[…]

2.   A presente diretiva não afeta:

[…]

b)

A aplicação das regras da União ou nacionais que impõem aos titulares dos segredos comerciais a divulgação, por razões de interesse público, de informações, incluindo segredos comerciais, às autoridades públicas, administrativas ou judiciais para o desempenho das funções dessas autoridades;

c)

A aplicação das regras da União ou nacionais que impõem ou permitem às instituições e aos organismos da União ou às autoridades públicas nacionais a divulgação de informações transmitidas pelas empresas que essas instituições, organismos ou autoridades tenham em seu poder por força e nos termos das obrigações e das prerrogativas previstas no direito da União ou no direito nacional;

[…]»

B.   Direito lituano

1. Lietuvos Respublikos viešųjų pirkimų įstatymas (Lei da República da Lituânia Relativa aos Contratos Públicos; a seguir «LCP»)

12.

O artigo 20.o prevê:

«1.   A entidade adjudicante, o comité de adjudicação, os seus membros e peritos ou qualquer outra pessoa não podem divulgar a terceiros informações que os fornecedores tenham prestado a título confidencial.

2.   A totalidade da proposta ou do pedido de participação do fornecedor não pode ser qualificada de confidencial, mas o fornecedor pode indicar que determinadas informações apresentadas na sua proposta são confidenciais. As informações confidenciais podem incluir segredos comerciais (de produção) e aspetos confidenciais da proposta. As informações não podem ser qualificadas de confidenciais:

1)

Se violarem as disposições legais que preveem a obrigação de divulgar ou o direito de obter informações e os regulamentos de execução dessas disposições legais;

2)

Se tal implicar uma violação das obrigações previstas nos artigos 33.o e 58.o da presente lei no que respeita à publicação dos contratos celebrados, à informação dos candidatos e dos proponentes, incluindo informações sobre o preço dos fornecimentos, serviços ou obras, indicados no anúncio de concurso, com exceção dos seus elementos constitutivos;

3)

Quando essas informações tenham sido fornecidas em documentos que comprovem que o fornecedor não está sujeito a nenhum motivo de exclusão, que preenche os requisitos de capacidade e que cumpre as regras de gestão da qualidade e proteção do ambiente, com exceção das informações cuja divulgação viole as disposições da Lei da República da Lituânia relativa à proteção de dados pessoais ou as obrigações do fornecedor por força de contratos celebrados com terceiros;

4)

Quando essas informações digam respeito a operadores económicos e a subcontratantes a que o fornecedor recorre, com exceção das informações cuja divulgação viole as disposições da Lei da proteção de dados pessoais.

3.   Quando a entidade adjudicante tenha dúvidas relativamente ao caráter confidencial das informações constantes da proposta do fornecedor, deve pedir‑lhe que demonstre por que razão as informações em questão são confidenciais […].

4.   No prazo máximo de seis meses a contar da data de celebração do contrato, os proponentes interessados podem pedir à entidade adjudicante que lhes faculte o acesso à proposta ou ao pedido do adjudicatário (os candidatos, aos pedidos de outros fornecedores que tenham sido convidados a apresentar uma proposta ou a participar num diálogo), mas as informações prestadas a título confidencial pelos candidatos ou pelos proponentes não podem ser divulgadas sem violação do disposto no n.o 2 do presente artigo.»

13.

O artigo 58.o dispõe:

«[…]

3.   Nos casos referidos nos n.os 1 e 2 do presente artigo, a entidade adjudicante não pode fornecer informações cuja divulgação viole as regras em matéria de informação e proteção de dados ou que seja contrária ao interesse geral, lese os legítimos interesses comerciais de certos fornecedores ou prejudique a concorrência entre fornecedores.»

2. Lietuvos Respublikos civilinio proceso kodeksas (Código de Processo Civil da República da Lituânia)

14.

O artigo 10.o prevê:

«[…]

2.   Sempre que tenha razões para considerar que um segredo comercial pode ser revelado, o juiz, mediante pedido devidamente fundamentado das partes ou oficiosamente, designa as pessoas que podem:

1)

Ter acesso às partes do ficheiro que contêm informações que constituem segredo comercial ou suscetíveis de constituir segredo comercial, produzir e obter extratos, duplicados e cópias (cópias digitais);

2)

Participar em audiências à porta fechada em que possam ser divulgadas informações que constituam ou possam constituir segredo comercial e ter acesso às atas dessas audiências;

3)

Obter cópia certificada (cópia digital) de uma sentença ou de um despacho que contenha informações que constituam ou possam constituir segredo comercial.

[…]

4.   Ao aplicar as restrições previstas no n.o 2 do presente artigo, o juiz tem em conta a necessidade de garantir o direito à proteção jurisdicional e o direito a um processo equitativo, os legítimos interesses das partes e das outras pessoas intervenientes no processo e o prejuízo que poderia resultar da aplicação ou não dessas restrições.»

II. Matéria de facto, litígio e questões prejudiciais

15.

Em 27 de setembro de 2018, a UAB Klaipėdos regiono atliekų tvarkymo centras (a seguir «entidade adjudicante») anunciou um concurso público para a adjudicação de um contrato público para a prestação de serviços de recolha de resíduos urbanos do município de Neringa (Lituânia) e seu transporte para as instalações de tratamento do aterro regional de Klaipėda (Lituânia) ( 6 ).

16.

Em 29 de novembro de 2018, o contrato foi adjudicado ao agrupamento de operadores económicos constituído pela UAB Klaipėdos autobusų parkas, pela UAB Parsekas e pela UAB Klaipėdos transportas (a seguir o «grupo»). A UAB Ecoservice Klaipėda (a seguir «Ecoservice») ficou classificada em segundo lugar.

17.

Em 4 de dezembro de 2018, a Ecoservice pediu à entidade adjudicante o acesso aos dados contidos na proposta do grupo. Em 6 de dezembro de 2018, foram‑lhe comunicadas as informações não confidenciais dessa proposta.

18.

Em 10 de dezembro de 2018, a Ecoservice apresentou uma reclamação junto da entidade adjudicante, contestando o resultado final do procedimento alegando que o grupo não cumpria os requisitos do concurso ( 7 ). A entidade adjudicante indeferiu a reclamação em 17 de dezembro de 2018.

19.

Em 27 de dezembro de 2018, a Ecoservice impugnou a decisão da entidade adjudicante no Klaipėdos apygardos teismas (Tribunal Regional, Klaipėda, Lituânia). Conjuntamente com a ação, pediu que lhe fosse concedido o acesso a todas as informações contidas na proposta do grupo e à correspondência trocada entre este último e a entidade adjudicante.

20.

Uma vez ouvida a entidade adjudicante, que se opôs ao pedido da Ecoservice, em 15 de janeiro de 2019, o tribunal de primeira instância convidou‑a a apresentar todos os documentos pedidos, com exceção da correspondência com o grupo.

21.

Em 25 de janeiro de 2019, a entidade adjudicante forneceu as informações, tanto confidenciais como não confidenciais, contidas na proposta do grupo. Pediu que a Ecoservice fosse impedida de conhecer as informações confidenciais, pedido que o tribunal de primeira instância deferiu.

22.

Em dois pedidos posteriores, a Ecoservice pediu a esse tribunal que lhe fosse conferido o acesso: a) às informações da proposta classificadas como confidenciais; e b) aos dados sobre os contratos de gestão de resíduos celebrados por uma das entidades que faziam parte do grupo. O tribunal de primeira instância julgou improcedentes ambos os pedidos, em despachos que não eram suscetíveis de recurso.

23.

Por Sentença de 15 de março de 2019, o tribunal de primeira instância declarou que o grupo cumpria os requisitos de qualificação relativos aos fornecedores e julgou improcedente a ação da Ecoservice.

24.

A Ecoservice interpôs recurso da sentença de primeira instância no Lietuvos apeliacinis teismas (Tribunal de Recurso, Lituânia) que, em 30 de maio de 2019, anulou essa sentença e a decisão da entidade adjudicante e obrigou‑a a proceder à repetição da avaliação das propostas.

25.

A entidade adjudicante interpôs recurso no Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal, Lituânia), contestando a apreciação do tribunal de recurso relativa à (falta de) capacidade técnica do grupo ( 8 ).

26.

Em 26 de julho de 2019, antes de contra‑alegar no recurso, a Ecoservice pediu que lhe fosse concedido o acesso aos documentos confidenciais apresentados pelo grupo ao tribunal de primeira instância, «eliminando as verdadeiras informações comercialmente sensíveis».

27.

Neste contexto, o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal) submete, entre outras, as seguintes questões prejudiciais:

«4)

Devem o artigo 1.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 89/665, que estabelece o princípio da eficácia dos processos de recurso, o artigo 1.o, n.os 3 e 5, da mesma diretiva, o artigo 21.o da Diretiva 2014/24 e a Diretiva 2016/943, nomeadamente o seu considerando 18 e o seu artigo 9.o, n.o 2, terceiro parágrafo (em conjunto ou separadamente, mas sem limitação a estes), ser interpretados no sentido de que, quando as regras jurídicas nacionais que regem os contratos públicos preveem um processo vinculativo pré‑contencioso de resolução de litígios:

a)

A entidade adjudicante tem o dever de disponibilizar ao fornecedor que iniciou o processo de recurso todas as informações sobre a proposta de outro fornecedor (independentemente da sua natureza confidencial), se esse processo tiver especificamente por objeto a legalidade da avaliação da proposta do outro fornecedor e o fornecedor que iniciou o procedimento tiver pedido expressamente à entidade adjudicante, antes do início deste, que lhe facultasse tais informações;

b)

Independentemente da resposta à questão anterior, a entidade adjudicante, quando indefere a reclamação deduzida pelo fornecedor, relativa à legalidade da avaliação da proposta do seu concorrente, deve responder de forma clara, completa e concreta, não obstante haver o risco de divulgar informação confidencial sobre a proposta que lhe foi confiada?

5)

Devem o artigo 1.o, n.o 1, terceiro parágrafo, o artigo 1.o, n.os 3 e 5, e o artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 89/665, o artigo 21.o da Diretiva 2014/24 e a Diretiva 2016/943, nomeadamente o seu considerando 18 (em conjunto ou separadamente, mas sem limitação a estes), ser interpretados no sentido de que a decisão da entidade adjudicante de não conceder a um fornecedor acesso às informações confidenciais da proposta de outro participante pode ser judicialmente impugnada em separado?

6)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, deve o artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 89/665 ser interpretado no sentido de que o fornecedor tem de apresentar à entidade adjudicante uma reclamação da decisão que esta adotou e, se necessário, intentar uma ação judicial?

7)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, devem o artigo 1.o, n.o 1, terceiro parágrafo, e o artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 89/665 ser interpretados no sentido de que, dependendo da extensão da informação disponível sobre o conteúdo da proposta do outro fornecedor, o fornecedor pode intentar uma ação judicial exclusivamente relativa à recusa de lhe serem prestadas informações, sem pôr em causa separadamente a legalidade de outras decisões da entidade adjudicante?

8)

Independentemente das respostas às questões anteriores, deve o artigo 9.o, n.o 2, terceiro parágrafo, da Diretiva 2016/943 ser interpretado no sentido de que o tribunal, tendo recebido o pedido do demandante no sentido de a outra parte no litígio ser obrigada a apresentar provas e de o tribunal as pôr à disposição do demandante, deve deferir tal pedido, independentemente da atuação da entidade adjudicante durante os processos de contratação e de recurso?

9)

Deve o artigo 9.o, n.o 2, terceiro parágrafo, da Diretiva 2016/943 ser interpretado no sentido de que, depois de indeferir o pedido do demandante de divulgação de informação confidencial relativa à outra parte no litígio, o tribunal deve avaliar oficiosamente a importância dos dados cuja divulgação é pedida e os efeitos dos dados na legalidade do processo de contratação pública?»

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

28.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de dezembro de 2019.

29.

Apresentaram observações escritas a Klaipėdos autobusų parkas ( 9 ), a Ecoservice, a República da Áustria, a República da Lituânia e a Comissão Europeia.

30.

As partes responderam por escrito às questões que lhes foram colocadas pelo Tribunal de Justiça, em substituição da audiência.

IV. Apreciação

A.   Observações preliminares

31.

A pedido do Tribunal de Justiça, limitar‑me‑ei à análise das quarta a nona questões prejudiciais. Em função do seu objeto, podem ser agrupadas em três blocos:

na quarta questão, o órgão de reenvio interroga‑se sobre o alcance da obrigação de a entidade adjudicante manter secretas as informações que um proponente qualifica de confidenciais, no âmbito da decisão relativa a uma reclamação deduzida por outro proponente que pretenda aceder a essas informações;

no âmbito da quinta a sétima questões, as dúvidas dizem respeito ao recurso nos órgãos jurisdicionais da decisão da entidade adjudicante que recusa a um operador o acesso a informações confidenciais fornecidas por outro;

por último, a oitava e nona questões dizem respeito à faculdade de o juiz divulgar as informações confidenciais na sua posse e, se for caso disso, conhecer oficiosamente da legalidade da adjudicação.

32.

Em primeiro lugar, abordarei a interpretação das Diretivas 2014/24 e 2016/943, no que respeita ao tratamento das informações confidenciais. Em seguida, exporei a minha resposta às questões prejudiciais, que incluirá referências à Diretiva 89/665.

B.   Proteção das informações confidenciais fornecidas no âmbito de um processo de adjudicação de contratos públicos

33.

Segundo o Tribunal de Justiça, «[o] objetivo principal das regras comunitárias em matéria de contratos de direito público compreende a abertura à concorrência não falseada em todos os Estados‑Membros. […] Para atingir esse objetivo, importa que as entidades adjudicantes não divulguem informações que dizem respeito a processos de adjudicação de contratos de direito público cujo conteúdo possa ser utilizado para falsear a concorrência» ( 10 ).

34.

A Diretiva 2014/24 reúne diversas normas consagradas à publicação das informações detidas pela entidade adjudicante. Entre elas ( 11 ) figura o artigo 21.o, que proíbe, em princípio ( 12 ), divulgar «as informações que lhe tenham sido comunicadas a título confidencial pelos operadores económicos, incluindo, nomeadamente, os segredos técnicos ou comerciais e os aspetos confidenciais das propostas».

35.

À luz dos argumentos das partes, importa delimitar o tipo de informações confidenciais que a entidade adjudicante deve proteger (e as instâncias que reexaminam as suas decisões), em conformidade com a Diretiva 2014/24. Apreciarei posteriormente a incidência da Diretiva 2016/943 nos processos de adjudicação de contratos públicos.

1. Informações confidenciais na aceção da Diretiva 2014/24

36.

Resulta de uma interpretação literal e isolada do artigo 21.o da Diretiva 2014/24 que as informações confidenciais são, simplesmente, as que um operador económico comunica a esse título. Por conseguinte, em qualquer caso, por informações protegidas, entender‑se‑iam as que os operadores económicos «tenham […] comunicad[o] a título confidencial».

37.

A seguir‑se este critério hermenêutico, quaisquer ( 13 ) informações que não fossem autorizadas pelo operador que as pôs à disposição da entidade adjudicante, independentemente do seu conteúdo, ficariam automaticamente bloqueadas, ou seja, não poderiam ser divulgadas.

38.

Esta interpretação maximalista não pode ser acolhida. Com efeito, o artigo 21.o da Diretiva 2014/24 fornece como exemplos de informações comunicadas a título confidencial «os segredos técnicos ou comerciais e os aspetos confidenciais das propostas». Indica, assim, que essa qualificação assenta numa base objetiva e não apenas na vontade subjetiva de quem fornece as informações.

39.

Outras disposições da Diretiva 2014/24 (em especial, os artigos 50.o, n.o 4, e 55.o, n.o 3) permitem, do ponto de vista sistemático, corroborar esta tese. Nos termos dessas disposições, a divulgação de informações é recusada quando, entre outras hipóteses, lese «os legítimos interesses comerciais de certos operadores económicos, públicos ou privados». Mais uma vez, são os aspetos objetivos, e não os subjetivos, que prevalecem.

40.

Por conseguinte, entendo que o artigo 21.o da Diretiva 2014/24, lido no seu contexto, não confia apenas ao operador económico a tarefa de precisar, à sua vontade, quais as informações que devem ser qualificadas de confidenciais. O seu pedido fundamentado nesse sentido — indispensável, se quiser restringir a publicação dos elementos que ele próprio fornece — está sujeito a decisão posterior da entidade adjudicante (e eventualmente à do órgão que procede à revisão das decisões desta).

41.

A finalidade da disposição conduz ao mesmo resultado. Se, como no resto da Diretiva 2014/24, visa evitar o falsear da concorrência ( 14 ), faz sentido atribuir à entidade adjudicante, e não unilateralmente ao operador em causa, o poder de determinar quais os riscos para a concorrência que decorreriam da divulgação das informações alegadamente confidenciais. O seu dever de imparcialidade e de objetividade, relativamente aos diversos proponentes, faz da entidade adjudicante o agente mais bem posicionado para fazer essa apreciação.

42.

Além disso, deste modo a entidade adjudicante está em condições de assegurar o tratamento de todos os operadores económicos «de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não‑discriminação», em conformidade com os princípios orientadores da contratação pública.

2. Aplicação da Diretiva 2016/943

43.

O órgão de reenvio pede a interpretação do artigo 9.o da Diretiva 2016/943, lido em conjugação com o seu considerando 18, uma vez que o que é determinante para conceder o acesso a certas informações seria saber se estas constituem ou não segredos comerciais ( 15 ).

44.

Contudo, recordo que, nos termos do artigo 21.o da Diretiva 2014/24, a proteção não se limita aos «segredos comerciais», mas também, entre outros, aos «aspetos confidenciais das propostas». Por conseguinte, podem ser abrangidas por esta disposição as informações que não possam ser qualificadas estritamente de segredos comerciais: os dois conceitos não são equivalentes.

45.

De qualquer modo, a Diretiva 2016/943, cuja finalidade consiste na proteção de «know‑how e de informações comerciais confidenciais (segredos comerciais) contra a sua aquisição, utilização e divulgação ilegais», visa a situação contrária à deste litígio. Neste último, trata‑se, precisamente, da não divulgação de determinadas informações confidenciais, que a entidade adjudicante recusa entregar ao operador que as solicita.

46.

Por esse motivo, estou de acordo com a Comissão ( 16 ) quanto ao facto de o artigo 9.o da Diretiva 2016/943 não ser aplicável ao caso em apreço, uma vez que esta disposição diz respeito aos processos judiciais relativos à aquisição, à utilização ou à divulgação ilegais de um segredo comercial ( 17 ).

47.

Por outro lado, a Diretiva 2014/24 é a lex specialis que regula a divulgação das informações fornecidas pelos operadores económicos no âmbito de um concurso público.

48.

O considerando 18 da Diretiva 2016/943 confirma‑o, quando faz referência às obrigações de confidencialidade das autoridades públicas relativas «às informações comunicadas às entidades adjudicantes no âmbito de procedimentos concursais, tal como estabelecido, por exemplo […] na Diretiva 2014/24 […]».

49.

Por conseguinte, é a própria Diretiva 2016/943 que remete para o regime da Diretiva 2014/24 o tratamento das regras de proteção das informações confidenciais nesta matéria. Se uma entidade adjudicante revelar, no exercício legítimo dos seus poderes, este tipo de informações, habilitada pela Diretiva 2014/24, daí resulta uma das hipóteses de não aplicação da Diretiva 2016/943 previstas no seu artigo 1.o, n.o 2, e no seu artigo 3.o, n.o 2.

50.

A resposta às questões do tribunal a quo relativas à proteção da confidencialidade deve, portanto, basear‑se na interpretação da Diretiva 2014/24. Dado que se situa num domínio próximo, a Diretiva 2016/943 pode ser utilizada como referência auxiliar, mas não como texto dirimente.

C.   Quarta questão prejudicial

51.

Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber:

em primeiro lugar [alínea a)], se a entidade adjudicante tem o dever de disponibilizar a um proponente que lhe apresenta uma reclamação da avaliação das propostas, todas as informações sobre a proposta apresentada pelo proponente selecionado, quando o reclamante tiver pedido, anteriormente, as referidas informações a essa entidade adjudicante;

em segundo lugar [alínea b)], se, caso indefira a reclamação deduzida, a entidade adjudicante deve «responder de forma clara, completa e concreta», apesar do risco de divulgar informação confidencial sobre a proposta que lhe foi confiada.

52.

O tribunal a quo explica que o direito nacional prevê «um processo vinculativo pré‑contencioso de resolução de litígios», que é resolvido pela própria entidade adjudicante.

1. Alínea a)

53.

Como já referi, a entidade adjudicante deve determinar entre os elementos das informações comunicadas pelo proponente e que este tenha indicado como confidenciais quais têm efetivamente esse caráter. O mesmo poder pertence à instância encarregada, na fase de recurso, de proceder à revisão da atuação da entidade adjudicante.

54.

A proteção das informações confidenciais e dos segredos comerciais deve ser concretizada de forma a conciliá‑la «com as exigências de uma proteção jurídica efetiva e com o respeito pelos direitos de defesa das partes no litígio […], de forma a assegurar que o processo respeite, no seu conjunto, o direito a um processo equitativo» ( 18 ).

55.

A manutenção deste equilíbrio pressupõe, desde logo, que o pedido ou a apresentação de uma reclamação na entidade adjudicante não implica que esta deva automaticamente disponibilizar ao recorrente todas as informações constantes da proposta do adjudicatário selecionado ( 19 ). Também não implica que deva ser sistematicamente recusado ( 20 ). À luz dos fundamentos do pedido — ou, se for caso disso, da reclamação — e da natureza das informações pedidas, a entidade adjudicante deve tomar a sua decisão.

56.

Os poderes da entidade adjudicante são exercidos, repito, quer atue em resposta a um pedido fundamentado de divulgação de informações confidenciais, quer quando delibere sobre um pedido de alteração (na aceção do artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 89/665) ( 21 ) da sua decisão de permitir ou não essa divulgação ou da decisão de adjudicar o contrato após a avaliação das propostas.

57.

A quarta questão prejudicial, alínea a), do órgão jurisdicional de reenvio diz respeito ao papel da entidade adjudicante num «processo de recurso». Ora, ao apreciá‑lo, incumbe a esta entidade adjudicante zelar pelo equilíbrio entre a proteção da confidencialidade e o direito a um recurso efetivo, na aceção da Diretiva 89/665.

58.

Consequentemente, a entidade adjudicante deverá avaliar o interesse e as razões de quem requer que lhe seja concedido o acesso às informações confidenciais (fornecidas por um concorrente), confrontando‑as com a necessidade de salvaguardar a confidencialidade dessas informações. Se for caso disso, pode solicitar ao operador económico em causa que explique por que razão certas informações devem ser comunicadas, no todo ou em parte, a título confidencial.

59.

A resposta da entidade adjudicante a esse pedido de alteração da sua decisão, incluindo quando põe em causa a «legalidade da avaliação da proposta do outro fornecedor», deve incluir os fundamentos explicativos da sua apreciação. Esta resposta, repito, não tem necessariamente de apontar no sentido de fornecer ao recorrente «todas» as informações sobre a proposta de outro proponente. Pelo contrário, dependerá da questão de saber se a entidade adjudicante considera justificada, no todo ou em parte, a manutenção da confidencialidade das informações colocadas à sua disposição.

2. Alínea b)

60.

O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, ao indeferir a pretensão de um proponente que contesta o resultado da avaliação, a entidade adjudicante deve dar uma resposta «clara, completa e concreta, não obstante haver o risco de divulgar informação confidencial sobre a proposta que lhe foi confiada».

61.

A resposta a esta dúvida pode ser deduzida da resposta dada à alínea a) da mesma questão.

62.

Ao fundamentar a decisão de indeferimento de um pedido de alteração da sua decisão anterior que lhe foi apresentado, a entidade adjudicante deve respeitar os direitos tanto do demandante como da outra parte (o adjudicatário, a cujas informações a sua oponente pretende aceder). Deve expor os fundamentos da sua atuação, facilitando assim a revisão posterior dos seus atos.

63.

Com efeito, se a decisão da entidade adjudicante deve ser «clara e concreta», não tem por isso de conter, necessária e automaticamente, todas as informações confidenciais disponibilizadas na proposta. Tal será apenas o caso se, após a ponderação dos interesses ( 22 ) a efetuar, a entidade adjudicante decidir fazer prevalecer uns sobre os outros.

D.   Quinta, sexta e sétima questões prejudiciais

64.

De entre estas três questões prejudiciais, que importa tratar conjuntamente, a quinta faz referência à possibilidade de a decisão da entidade adjudicante de não conceder acesso às informações confidenciais poder ser «impugnada em separado».

65.

É certo que não resulta claramente do despacho de reenvio ( 23 ) que a Ecoservice tenha procedido a essa impugnação em separado (ou de modo autónomo) quando a entidade adjudicante decidiu comunicar‑lhe apenas as informações não confidenciais contidas na proposta do grupo ( 24 ).

66.

Resulta dos factos relatados nesse despacho que a atuação da Ecoservice consistiu em requerer, tanto à entidade adjudicante como posteriormente ao tribunal de primeira instância (no caso, juntamente co a petição com o seu pedido), que ordenassem a divulgação integral das informações fornecidas pelo grupo. Por conseguinte, é duvidoso que esse requerimento possa ser entendido como um recurso autónomo, na aceção acima referida.

67.

No entanto, esta circunstância não tem de se traduzir na inadmissibilidade das quinta, sexta e sétima questões, que beneficiam da presunção de pertinência que o Tribunal de Justiça concede aos pedidos de decisão prejudicial.

68.

A admissibilidade destas questões é defensável se o órgão jurisdicional de reenvio entender que a Ecoservice, na entidade adjudicante e no órgão jurisdicional de primeira instância, tinha impugnado ou podia ou devia impugnar, em separado, a decisão de não lhe serem fornecidas as informações.

69.

Assente essa premissa, dessas questões:

a quinta pergunta se a decisão da entidade adjudicante de não divulgar as informações confidenciais pode ser judicialmente impugnada em separado;

a sexta, considerada a possibilidade anterior, interroga‑se sobre o «dever» de o operador apresentar «à entidade adjudicante uma reclamação» da decisão desta de indeferimento do seu pedido de acesso às informações confidenciais;

a sétima, em caso de resposta afirmativa às questões anteriores, levanta dúvidas quanto à questão de saber se o operador pode «intentar uma ação judicial exclusivamente relativa à recusa de lhe serem prestadas [as] informações» pedidas.

70.

A solução para estas interrogações deve partir da cláusula geral do artigo 1.o, n.o 1, quarto parágrafo, da Diretiva 89/665. O controlo a que se refere abrange todas as decisões da entidade adjudicante que aplicam o direito da União nesta matéria ( 25 ).

71.

Entre essas decisões da entidade adjudicante suscetíveis de ser objeto de revisão figuram, logicamente, as que determinem a adjudicação do contrato escolhendo uma das propostas, mas também decisões de natureza diferente (por exemplo, as que decretam ou indeferem medidas provisórias) com incidência na situação jurídica dos interessados ( 26 ).

72.

Uma das decisões em que a entidade adjudicante aplica o direito da União (nomeadamente o artigo 21.o da Diretiva 2014/24), facto que a torna suscetível de recurso, é a de considerar confidenciais certas informações e não permitir a sua divulgação ou a de a autorizar no todo ou em parte.

73.

A Diretiva 89/665 não «prev[ê] formalmente o momento a partir do qual é permitida a possibilidade de recurso prevista no seu artigo 1.o, n.o 1» ( 27 ). O que o Tribunal de Justiça preconiza é que as decisões das entidades adjudicantes possam ser objeto de recursos eficazes e, sobretudo, tão céleres quanto possível.

74.

O legislador da União confiou aos Estados‑Membros a função de estabelecerem as «regras detalhadas» dos recursos das decisões das entidades adjudicantes (artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva 89/665) ( 28 ).

75.

Compete também aos Estados‑Membros, dentro dos limites previstos pelo artigo 2.o da Diretiva 89/665, a opção de confiar esses recursos a órgãos jurisdicionais em sentido estrito ou a instâncias de outra natureza ( 29 ). Contudo, resulta do despacho de reenvio que, na Lituânia, os recursos das decisões da entidade adjudicante, incluindo a que esta adota no âmbito do processo pré‑contencioso de resolução de litígios, são confiados a órgãos jurisdicionais.

76.

Por conseguinte, os Estados‑Membros podem, em princípio, regulamentar os recursos das decisões da entidade adjudicante, prevendo a sua interposição tanto de forma concentrada como separada (da impugnação principal). A Diretiva 89/665 não impõe nem exclui nenhum destes dois mecanismos.

77.

Se, no exercício da sua autonomia processual, os Estados‑Membros se basearem na impugnação concentrada, devem fazê‑lo sem contrariar os objetivos da Diretiva 89/665 quanto à eficácia e à celeridade indispensáveis. Além disso, devem ter em conta:

que a diretiva «não autoriza os Estados‑Membros a subordinarem o exercício do direito de recurso ao facto de o procedimento de contrato público em causa ter formalmente atingido uma determinada fase» ( 30 );

que, em função das suas características, uma regulamentação nacional que «exig[e], em todos os casos, que o proponente aguarde pela decisão de adjudicação do contrato em causa antes de poder interpor recurso da admissão de outro proponente infringe as disposições da Diretiva 89/665» ( 31 ).

78.

Os objetivos de celeridade e de eficácia podem ser mais facilmente alcançados pelos mecanismos de «impugnação em separado» evocados pelo órgão jurisdicional de reenvio. Um recurso deste tipo, além de estar em conformidade com a exigência de celeridade, pode ser conjugado com a exigência de eficácia, permitindo que a impugnação (principal) da decisão de mérito (isto é, de adjudicação) ocorra quando já estão disponíveis as informações necessárias à defesa efetiva do direito do interessado ( 32 ).

79.

Poder‑se‑ia objetar que os recursos autónomos podem eventualmente atrasar a conclusão do processo de seleção do contratante. Para o Tribunal de Justiça, tal objeção é contrabalançada pela referência à «[…] fundamentação dos prazos razoáveis de caducidade dos recursos contra decisões impugnáveis e não à exclusão de um recurso autónomo» ( 33 ).

80.

Por conseguinte, uma vez que, em princípio, a impugnação autónoma é conforme com a Diretiva 89/665, nada se opõe a que a regulamentação nacional a permita.

81.

Se, em contrapartida, o direito nacional exigir que a decisão relativa à confidencialidade seja impugnada conjuntamente com a decisão de adjudicação do contrato, o juiz deve apreciar se essa exigência preserva, na mesma medida, o efeito útil da Diretiva 89/665, quanto à celeridade e à eficácia desse mecanismo de impugnação.

82.

A autonomia processual dos Estados‑Membros estende‑se igualmente à criação, opcional, de uma reclamação pré‑contenciosa deduzida junto da entidade adjudicante. O artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 89/665, não se opõe a que uma regulamentação nacional exija «que o interessado solicite previamente à entidade adjudicante a alteração da sua decisão».

83.

O artigo 2.o da Diretiva 89/665 estabelece os requisitos do recurso do artigo 1.o, quer da reclamação inicialmente apresentada à entidade adjudicante, quer do recurso interposto posteriormente a um órgão de revisão (neste caso, jurisdicional).

84.

Atendendo a estas considerações, entendo que a Diretiva 89/665 não impede:

que seja judicialmente impugnada em separado a decisão da entidade adjudicante de não divulgar as informações confidenciais fornecidas na proposta de um participante no procedimento de concurso;

que a regulamentação nacional exija que o interessado apresente previamente à entidade adjudicante uma reclamação da decisão de esta indeferir o seu pedido de acesso às informações confidenciais;

que o interessado intente uma ação judicial exclusivamente relativa à recusa de lhe serem prestadas as informações pedidas.

E.   Oitava e nona questões prejudiciais

85.

Estas interrogações dizem respeito à interpretação do artigo 9.o, n.o 2, terceiro parágrafo, da Diretiva 2016/943. Contudo, como já referi, considero que a Diretiva 2016/943 não é diretamente aplicável ao caso em apreço.

86.

Ora, a Diretiva 89/665 permite dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio.

87.

As duas questões dizem respeito à conduta a seguir pelo órgão jurisdicional chamado a decidir o litígio no que respeita: a) ter em conta a atuação anterior da entidade adjudicante (oitava questão); e b) à avaliação oficiosa dos dados cuja divulgação está em causa (nona questão) ( 34 ).

88.

A entidade adjudicante terá de decidir se as informações confidenciais comunicadas por um proponente na sua proposta devem ser divulgadas. Esta decisão (ou a decisão posterior em que a própria entidade adjudicante confirma a anterior, decidindo sobre uma reclamação deduzida no âmbito do previsto pelo direito interno) é suscetível de revisão nos termos do artigo 2.o da Diretiva 89/665.

89.

Se, como acontece no caso em apreço, a revisão compete a um tribunal, este deve estar em condições de apreciar em toda a sua extensão as decisões da entidade adjudicante. Por conseguinte, pode anulá‑las, no todo ou em parte, quando considere que são ilegais.

90.

Quando uma dessas decisões da entidade adjudicante, sobre as quais é chamado a exercer fiscalização jurisdicional, consistir na recusa de divulgação de certas informações que acompanham uma proposta, o tribunal de revisão pode declarar que essa recusa é justificada ou improcedente.

91.

Antes de proferir a sua decisão, em qualquer dos sentidos possíveis, esse órgão jurisdicional deve ter em conta a «atuação da entidade adjudicante durante os processos de contratação e de recurso», retomando os termos do despacho de reenvio.

92.

Tal não significa, logicamente, que o tribunal revisor se encontre vinculado pela atuação da entidade adjudicante, cuja legalidade é posta em causa. Recusar ao órgão jurisdicional nacional o poder de corrigir e, sendo caso disso, anular as decisões da entidade adjudicante implicaria que atos meramente administrativos desta beneficiariam de uma autoridade equivalente à do caso julgado, em violação do direito à proteção jurisdicional e do sistema de garantias da Diretiva 89/665.

93.

Contudo, a recusa de fornecer as informações solicitadas, pelo facto de estas não poderem ser divulgadas, não obsta a que o tribunal revisor analise «a importância dos dados cuja divulgação é pedida».

94.

Esta análise permitir‑lhe‑á ter acesso integral ao processo, incluindo às informações confidenciais. O Tribunal de Justiça já declarou, a este respeito, que a «instância responsável pelos recursos deve necessariamente poder dispor das informações requeridas para estar em condições de se pronunciar com todo o conhecimento de causa, incluindo as informações confidenciais e os segredos de negócios» ( 35 ).

95.

A questão de saber se é possível proceder a esta análise oficiosamente ou apenas a pedido de uma das partes dependerá, mais uma vez, dos poderes conferidos pela legislação interna, no âmbito dos processos de revisão jurisdicional, a cada uma das instâncias competentes.

V.   Conclusão

96.

Atendendo ao exposto, proponho que se responda às quarta a nona questões prejudiciais do Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal, Lituânia), nos seguintes termos:

1)

Os artigos 21.o, 50.o e 55.o da Diretiva 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, não exigem necessariamente que a entidade adjudicante disponibilize a um participante no processo de contratação, que nela deduz uma reclamação da avaliação das propostas, todas as informações sobre a proposta apresentada pelo proponente selecionado.

Ao apreciar o pedido de alteração da decisão de avaliação das propostas, a entidade adjudicante deve fundamentar a sua resposta expondo os fundamentos da sua decisão, para permitir a sua impugnação numa instância de revisão de forma efetiva. O dever de fundamentação não implica, por si só, a divulgação das informações confidenciais que lhe são confiadas, quando considere que essa divulgação não é adequada.

2)

Os artigos 1.o e 2.o da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras, devem ser interpretados no sentido de que não proíbem:

que seja judicialmente impugnada em separado a decisão da entidade adjudicante de não divulgar as informações confidenciais fornecidas na proposta de um participante no procedimento de concurso;

que o direito nacional exija que o interessado apresente previamente à entidade adjudicante uma reclamação da decisão desta de indeferimento do seu pedido de acesso às informações confidenciais;

que o interessado intente uma ação judicial exclusivamente relativa à recusa de lhe serem prestadas as informações pedidas.

3)

Os artigos 1.o e 2.o da Diretiva 89/665 devem ser interpretados no sentido de que o órgão competente para rever as decisões da entidade adjudicante:

deve poder anular as decisões que a entidade adjudicante tomou relativamente à divulgação das informações confidenciais postas à sua disposição e a ordenar, se for caso disso, a sua comunicação ao recorrente;

pode, se o direito nacional o autorizar, apreciar oficiosamente a legalidade dos atos da entidade adjudicante, tendo em conta as informações confidenciais postas à sua disposição.


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Diretiva do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras (JO 1989, L 395, p. 33).

( 3 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65).

( 4 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativa à proteção de know‑how e de informações comerciais confidenciais (segredos comerciais) contra a sua aquisição, utilização e divulgação ilegais (JO 2016, L 157, p. 1).

( 5 ) Na redação que lhe foi dada pelo artigo 46.o da Diretiva 2014/23/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à adjudicação de contratos de concessão (JO 2014, L 94, p. 1).

( 6 ) Segundo o n.o 3 do despacho de reenvio, consta do anúncio de concurso que o montante provisório do contrato ultrapassa 750000 euros (sem IVA).

( 7 ) Em especial, alegava: i) que os contratos de recolha e o transporte de resíduos urbanos mistos, indicados pelo grupo para comprovar a sua capacidade financeira e económica, não tinham sido diretamente executados pelas entidades que fazem parte desse grupo; e ii) que os veículos incluídos nos documentos apresentados pelo grupo não cumpriam as especificações técnicas previstas no caderno de encargos.

( 8 ) No despacho de reenvio (n.os 36 e 37), salienta‑se que o recurso não foi interposto pela Ecoservice, mas sim pela entidade adjudicante, pelo que, em princípio, o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal) deveria decidir apenas se o adjudicatário tinha capacidade técnica adequada, única questão suscitada pela recorrente. Contudo, o tribunal decidiu, oficiosamente, ultrapassar os limites do recurso e pronunciar‑se sobre outros aspetos do litígio.

( 9 ) Uma das entidades que fazem parte do grupo.

( 10 ) Acórdão de 14 de fevereiro de 2008, Varec (C‑450/06, EU:C:2008:91, a seguir «Acórdão Varec», n.os 34 e 35).

( 11 ) Estão previstas outras disposições na Diretiva 2014/24 para a proteção da confidencialidade, a que farei referência mais tarde, no que respeita aos anúncios de adjudicação dos contratos (artigo 50.o, n.o 4) e à informação fornecida aos candidatos e aos proponentes (artigo 55.o). Ambas preveem que as informações não são publicadas quando «a sua divulgação possa obstar à aplicação da lei, ser contrária ao interesse público, lesar os legítimos interesses comerciais de certos operadores económicos, públicos ou privados, ou prejudicar a concorrência leal entre eles».

( 12 ) Salvo disposto em contrário na própria diretiva ou na legislação nacional. Não parece resultar do artigo 20.o da LCP que haja uma norma nacional em contrário.

( 13 ) Não é este o caso da norma lituana, uma vez que proíbe que a totalidade de uma proposta seja comunicada a título confidencial.

( 14 ) V. n.o 33 das presentes conclusões.

( 15 ) N.os 64 e seguintes do despacho de reenvio.

( 16 ) N.os 70 a 75 das suas observações escritas.

( 17 ) Tal resulta também dos considerandos 13 e 24 da Diretiva 2016/943.

( 18 ) Acórdão Varec (n.o 52).

( 19 ) Acórdão Varec (n.o 40): «a simples interposição de um recurso daria acesso a informações que poderiam ser utilizadas para falsear a concorrência ou para prejudicar os interesses legítimos de operadores económicos que participaram no processo de adjudicação do contrato de direito público em causa. Tal possibilidade poderia mesmo incitar operadores económicos a interpor recursos com o único objetivo de acederem aos segredos de negócios dos seus concorrentes».

( 20 ) Segundo o despacho de reenvio, na Lituânia, a prática habitual «em matéria de contratos públicos […] que o tribunal de cassação tem tentado sistematicamente limitar», consiste em recusar o acesso dos demandantes às informações comunicadas transmitida pelos proponentes.

( 21 ) O artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 89/665, permite que o direito interno de um Estado preveja essa modalidade de pedido de alteração da decisão que, na realidade, constitui um procedimento de revisão levado a cabo pela própria entidade adjudicante. O despacho de reenvio considera que, na Lituânia, tem natureza administrativa.

( 22 ) O equilíbrio entre a proteção da confidencialidade das informações e a proteção jurisdicional é também referido no artigo 9.o da Diretiva 2016/943.

( 23 ) Nos n.os 64 a 76 desse despacho, o órgão jurisdicional de reenvio explica os seus motivos para suscitar as quarta a nona questões. Contudo, esses motivos nem sempre correspondem exatamente ao teor das questões correspondentes.

( 24 ) É o que sublinha a Klaipėdos autobusų parkas nas suas observações escritas, nos n.os 81 e 82.

( 25 ) Acórdão de 5 de abril de 2017, Marina del Mediterráneo e o. (C‑391/15, EU:C:2017:268, n.o 26): «a redação do artigo 1.o, n.o 1, da [Diretiva 89/665] pressupõe, pelo uso da expressão “no que se refere aos contratos”, que qualquer decisão de uma entidade adjudicante que se insere nas disposições do direito da União em matéria de contratos públicos e que é suscetível de as violar fica sujeita ao controlo jurisdicional previsto no artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e b), da mesma diretiva».

( 26 ) Acórdão de 5 de abril de 2017, Marina del Mediterráneo e o. (C‑391/15, EU:C:2017:268, n.o 27). Por conseguinte, o Tribunal de Justiça adota uma «aceção ampla do conceito de “decisão” de uma entidade adjudicante [que] é confirmada pelo facto de a disposição do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 89/665 não prever qualquer restrição no que diz respeito à natureza e ao conteúdo das decisões aí referidas».

( 27 ) Acórdão de 5 de abril de 2017, Marina del Mediterráneo e o. (C‑391/15, EU:C:2017:268, n.o 31).

( 28 ) Acórdão de 5 de abril de 2017, Marina del Mediterráneo e o. (C‑391/15, EU:C:2017:268, n.o 32): «Na falta de regulamentação da União que fixe o momento a partir do qual deve ser permitida a possibilidade de recurso, compete, segundo jurisprudência constante, ao direito nacional regular as modalidades do processo judicial destinado a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União», sem prejuízo das limitações inerentes aos princípios da efetividade e da equivalência.

( 29 ) O n.o 9 do artigo 1.o prevê a possibilidade de as instâncias responsáveis pelo recurso não serem de natureza jurisdicional e de serem criadas «instâncias independentes» constituídas por membros com um estatuto semelhante, em certos pontos, ao dos juízes.

( 30 ) Acórdão de 5 de abril de 2017, Marina del Mediterráneo e o. (C‑391/15, EU:C:2017:268, n.o 31).

( 31 ) Acórdão de 5 de abril de 2017, Marina del Mediterráneo e o. (C‑391/15, EU:C:2017:268, n.o 34).

( 32 ) A Ecoservice pediu que lhe fosse concedido o acesso às informações em 4 de dezembro de 2018 a fim de preparar o recurso da decisão de adjudicação do contrato.

( 33 ) Acórdão de 5 de abril de 2017, Marina del Mediterráneo e o. (C‑391/15, EU:C:2017:268, n.o 35).

( 34 ) O tribunal a quo reconhece que, como «tribunal de cassação […] deve apenas pronunciar‑se sobre as questões suscitadas no recurso em matéria de direito interposto pela demandada, nomeadamente, sobre a conformidade da capacidade técnica do proponente B». Contudo, «pondera ir oficiosamente além do âmbito do recurso e pronunciar‑se sobre outros aspetos do litígio entre as partes, não apenas com base no fundamento de proteção do interesse público, mas também à luz da situação específica que surgiu no presente processo, na qual, numa fase pré‑contenciosa e no processo, foi negado à demandante, no essencial, o acesso a toda a informação que pediu» (n.os 36 e 37 do despacho de reenvio).

( 35 ) Acórdão Varec (n.o 53).

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