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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62020CO0108

Despacho do Tribunal de Justiça (Décima Secção) de 14 de abril de 2021.
HR contra Finanzamt Wilmersdorf.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Berlin-Brandenburg.
Pedido de decisão prejudicial — Artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Fiscalidade — Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigos 167.o e 168.o — Direito à dedução do IVA pago a montante — Recusa — Fraude — Cadeia de entregas — Recusa do direito à dedução quando o sujeito passivo sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, estava a participar numa operação implicada numa fraude ao IVA.
Processo C-108/20.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2021:266

 DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

14 de abril de 2021 ( *1 )

«Pedido de decisão prejudicial — Artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Fiscalidade — Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigos 167.o e 168.o — Direito à dedução do IVA pago a montante — Recusa — Fraude — Cadeia de entregas — Recusa do direito à dedução quando o sujeito passivo sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, estava a participar numa operação implicada numa fraude ao IVA»

No processo C‑108/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Finanzgericht Berlin‑Brandenburg (Tribunal Tributário de Berlim‑Brandenburgo, Alemanha), por Decisão de 5 de fevereiro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de fevereiro de 2020, no processo

HR

contra

Finanzamt Wilmersdorf,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, E. Juhász e I. Jarukaitis (relator), juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de HR, por M. Wulf, Rechtsanwalt,

em representação do Governo alemão, por J. Möller e S. Eisenberg, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil e O. Serdula, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por J. Jokubauskaitė e L. Mantl, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por despacho fundamentado, em conformidade com o artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 167.o e do artigo 168.o, alínea a), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe HR ao Finanzamt Wilmersdorf (Serviço de Finanças de Wilmersdorf, Alemanha) (a seguir «Administração Fiscal») a propósito da recusa do direito à dedução do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) pago a montante sobre a aquisição de bebidas efetuada no decurso dos exercícios de 2009 e 2010.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 167.o da Diretiva 2006/112, que faz parte do capítulo I, intitulado «Origem e âmbito do direito à dedução», do seu título X, intitulado «Deduções», dispõe:

«O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.»

4

No mesmo capítulo, o artigo 168.o desta diretiva prevê:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)

O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[…]»

5

Nos termos do artigo 273.o, primeiro parágrafo, da referida diretiva:

«Os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados—Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.»

Direito alemão

6

O § 15 da Umsatzsteuergesetz (Lei Relativa ao IVA, BGBI. 2005 I, p. 386), na versão aplicável aos factos do litígio no processo principal, dispõe, no seu n.o 1:

«A empresa pode deduzir os seguintes impostos pagos a montante:

1.

O imposto legalmente devido relativamente às entregas e outras prestações efetuadas por outra empresa para a sua empresa. O exercício do direito à dedução pressupõe que a empresa possua uma fatura emitida em conformidade com os §§ 14 e14a da presente lei […]

[…]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

7

Durante os anos de 2009 e 2010, HR explorou, em colaboração com o seu marido, um comércio de bebidas como grossista. Nas suas declarações de IVA relativas a estes exercícios, deduziu o IVA pago a montante pelas faturas emitidas pela P GmbH, no montante de 993164 euros relativamente a 2009 e de 108417,87 euros relativamente a 2010, que incidiu sobre entregas de bebidas que foram realmente efetuadas.

8

Resulta de duas sentenças proferidas por um órgão jurisdicional penal que transitaram em julgado que a P adquiriu as bebidas entregues a HR cometendo várias fraudes em matéria de IVA. Segundo as conclusões desse órgão jurisdicional, o marido de HR forneceu à P quantidades importantes de bebidas alcoólicas, de café e de Red Bull, realizando um volume de negócios de cerca de 80 milhões de euros, sem emitir faturas relativas a estas entregas. Um empregado da P elaborou faturas fictícias relativas à compra destas mercadorias, com base nas quais a P invocou indevidamente o direito à dedução do IVA a montante. O marido de HR também disponibilizou à P listas de preços e dos potenciais clientes dessas mercadorias. As referidas mercadorias foram revendidas a diferentes compradores, entre os quais HR.

9

Depois de ter descoberto estes factos, a Administração Fiscal recusou à P o benefício do direito à dedução do IVA e fez o mesmo relativamente a HR, considerando, em substância, que esta fazia parte, com a sua empresa, da cadeia de entregas em que as fraudes tinham sido cometidas.

10

HR recorreu para o órgão jurisdicional de reenvio, o Finanzgericht Berlin‑Brandenburg (Tribunal Tributário de Berlim‑Brandenburgo, Alemanha), alegando que cumpria as condições legais para beneficiar do direito à dedução do IVA pago a montante.

11

Pelo contrário, a Administração Fiscal considera que, em virtude da participação do marido de HR e do caráter não habitual desta prática comercial, HR tinha obrigação de se aperceber de que fazia parte, com a sua empresa, de uma cadeia de entregas em que tinham sido cometidas fraudes em matéria de IVA.

12

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a interpretação do conceito de «cadeia de entregas» à luz do direito da União e sobre a questão de saber se as relações comerciais que são objeto do processo nele pendente podem estar abrangidas por esse conceito, observando que nem HR, ao invocar o seu direito à dedução do IVA pago a montante sobre as entregas de bebidas alcoólicas efetuadas pela P, nem esta última, na qualidade de fornecedora das mercadorias, cometeram nenhuma fraude ao IVA no quadro das operações em causa.

13

No seu entender, poderia considerar‑se que o simples facto de que um sujeito passivo tinha ou deveria ter conhecimento de uma fraude fiscal cometida numa fase anterior da operação em causa o priva do direito à dedução do IVA pago a montante. O conceito de «cadeia de entregas» seria, assim, entendido no sentido de que basta que o bem entregue seja objeto de várias operações sucessivas e a implicação na fraude cometida a montante existe pelo simples facto de esta respeitar ao mesmo bem, sem ser necessário que o sujeito passivo tenha facilitado ou incentivado a fraude através da operação controvertida.

14

Porém, o órgão jurisdicional de reenvio considera que tal interpretação do conceito de «cadeia de entregas» é muito ampla, tendo em conta os princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade. No seu entender, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a recusa do direito à dedução em caso de fraude só pode ser encarada quando o caráter fraudulento destas operações consideradas em conjunto resulte da combinação específica das transações efetuadas sucessivamente, como, por exemplo, no caso de as entregas sucessivas se inscreverem no quadro de um plano global que visa tornar mais difícil a traçabilidade dos bens entregues e, desse modo, a deteção das fraudes cometidas na cadeia de entregas. Tal análise apoia‑se na jurisprudência que condiciona a recusa do direito à dedução a uma «participação» ou a uma «implicação» do sujeito passivo. No seu entender, o simples facto de que o sujeito passivo tinha ou devia ter conhecimento da fraude não poderia bastar para caracterizar uma participação ou uma implicação na fraude, já que a participação ou a implicação pressupõem uma contribuição pessoal para a fraude, pelo menos sob a forma de encorajamento ou de facilitação. A má‑fé, como circunstância puramente subjetiva, não pode substituir a participação ativa que seria necessária para caracterizar uma participação ou uma implicação.

15

Assim, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, num caso como o do processo que nele está pendente, em que não houve dissimulação das relações de aprovisionamento nem de fornecedores, em que a fraude cometida a montante está completamente terminada e já não pode ser facilitada ou encorajada e em que não há um plano global que preveja que as entregas fariam parte de uma fraude abrangendo diversas operações, o direito à dedução não deveria ser recusado. A operação que liga a P e HR podia, em tais circunstâncias, ser considerada a sequência da relação de aprovisionamento, independente da operação implicada na fraude a montante, de tal modo que a cadeia de entregas terminou com a P. A questão de saber se o marido de HR forneceu ou não a lista de clientes e a das mercadorias em causa à P não é pertinente, já que essa circunstância não põe em causa o facto de que as entregas efetuadas pela P a HR não tiveram qualquer influência sobre a fraude cometida anteriormente por aquela sociedade. Além disso, as operações em causa não causaram prejuízo em sede de IVA, visto que a P devia pagar o IVA faturado e não geraram vantagem fiscal suscetível de contrariar os objetivos da Diretiva 2006/112.

16

O órgão jurisdicional de reenvio considera que, em tais circunstâncias, a manutenção dos efeitos de uma fraude cometida numa fase anterior sobre o conjunto das operações posteriores, quando o sujeito passivo apenas teve ou devia ter conhecimento da fraude constitui uma restrição desproporcionada do princípio da neutralidade fiscal, observando‑se que a recusa do direito à dedução não pode ter a natureza de sanção. Esta conceção jurídica, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, pode ser corroborada pelo facto de, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a questão de saber se o IVA devido sobre as operações anteriores ou posteriores que tiveram como objeto os bens em causa foi ou não pago à Fazenda Pública não influi sobre o direito do sujeito passivo a deduzir o IVA que tenha pago a montante. Neste contexto, o Tribunal de Justiça sempre sublinhou que as medidas que os Estados‑Membros têm a faculdade de adotar, nos termos do artigo 273.o da Diretiva 2006/112, para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, não devem ir além do necessário para atingir esses objetivos. Ora, não é evidente que uma interpretação extensiva do conceito de «cadeia de entregas» possa atingir esses objetivos. Finalmente, o desacerto da recusa de conceder o benefício do direito à dedução nestas circunstâncias também se pode deduzir da jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual, do ponto de vista do IVA, não há que fazer distinção entre as operações lícitas e as operações ilícitas.

17

Neste contexto, o Finanzgericht Berlin‑Brandenburg (Tribunal Tributário de Berlim‑Brandenburgo, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os artigos 167.o e 168.o, alínea a), da Diretiva 2006/112 […], ser interpretados no sentido de que se opõem a uma aplicação do direito nacional segundo a qual a dedução do imposto pago a montante deve ser recusada igualmente quando tiver sido cometida uma fraude fiscal numa fase anterior das operações, que o sujeito passivo conhecia ou tinha a obrigação de conhecer, mas na qual não participou através da operação de que era destinatário, nem tão‑pouco esteve implicado, nem a incentivou ou favoreceu?»

Quanto à questão prejudicial

18

Nos termos do artigo 99.o do seu Regulamento de Processo, quando a resposta à questão submetida a título prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta a tal questão submetida a título prejudicial não suscite nenhuma dúvida razoável, o Tribunal pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

19

Há que aplicar essa disposição no presente processo.

20

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma prática nacional segundo a qual o benefício do direito à dedução do IVA pago a montante é recusado a um sujeito passivo que tenha adquirido bens que tenham sido objeto de uma fraude ao IVA cometida a montante na cadeia de entregas e que tinha ou devia ter conhecimento disso, apesar de não ter participado ativamente nessa fraude.

21

O Tribunal de Justiça declarou repetidas vezes que a luta contra a fraude, a evasão fiscal e eventuais abusos é um objetivo reconhecido e incentivado pela Diretiva 2006/112. A este respeito, afirmou que os particulares não podem invocar de forma fraudulenta ou abusiva as normas do direito da União e que, assim, cabe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais recusar o benefício do direito a dedução se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que este direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C‑439/04 e C‑440/04, EU:C:2006:446, n.os 54 e 55, e de 16 de outubro de 2019, Glencore Agriculture Hungary, C‑189/18, EU:C:2019:861, n.o 34 e jurisprudência aí referida).

22

O Tribunal de Justiça recordou também muitas vezes que o benefício do direito à dedução deve ser recusado não apenas quando uma fraude seja cometida pelo próprio sujeito passivo, mas também quando se demonstre que o sujeito passivo ao qual foram fornecidos os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito à dedução sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C‑439/04 e C‑440/04, EU:C:2006:446, n.o 59; de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.o 45, e de 16 de outubro de 2019, Glencore Agriculture Hungary, C‑189/18, EU:C:2019:861, n.o 35 e jurisprudência aí referida).

23

Considerou‑se a este respeito que tal sujeito passivo, para efeitos da Diretiva 2006/112, deve ser considerado participante na fraude, independentemente da questão de saber se retira ou não benefícios da revenda dos bens ou da utilização dos serviços no quadro das operações tributáveis efetuadas a jusante, uma vez que este sujeito passivo, nessa situação, colabora com os autores dessa fraude, tornando‑se cúmplice na mesma (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C‑439/04 e C‑440/04, EU:C:2006:446, n.os 56 e 57; de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.o 46; de 6 de dezembro de 2012, Bonik, C‑285/11, EU:C:2012:774, n.o 39; de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C‑18/13, EU:C:2014:69, n.o 27, e de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C‑277/14, EU:C:2015:719, n.o 48).

24

O Tribunal de Justiça precisou também repetidas vezes, em situações em que estavam reunidas as condições materiais do direito à dedução, que o direito a dedução só pode ser recusado a um sujeito passivo se, à luz de elementos objetivos, se demonstrar que este sujeito passivo, ao qual foram fornecidos os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito a dedução, sabia ou devia saber que, ao adquirir estes bens ou estes serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outro operador a montante ou a jusante na cadeia destes fornecimentos ou destas prestações (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de dezembro de 2012, Bonik, C‑285/11, EU:C:2012:774, n.o 40; de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C‑18/13, EU:C:2014:69, n.o 28, e Despacho de 3 de setembro de 2020, Vikingo Fővállalkozó, C‑610/19, EU:C:2020:673, n.o 53).

25

Com efeito, o Tribunal de Justiça decidiu a este respeito que não é compatível com o regime do direito a dedução previsto na referida Diretiva 2006/112 recusar esse direito a um sujeito passivo que não sabia nem poderia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, era constitutiva de uma fraude ao IVA, já que a instituição de um sistema de responsabilidade objetiva ultrapassaria aquilo que é necessário para preservar os direitos da Fazenda Pública (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de Junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.os 47 e 48; de 6 de dezembro de 2012, Bonik, C‑285/11, EU:C:2012:774, n.os 41 e 42, e Despacho de 3 de setembro de 2020, Vikingo Fővállalkozó, C‑610/19, EU:C:2020:673, n.o 52).

26

Contrariamente à interpretação da jurisprudência do Tribunal de Justiça feita pelo órgão jurisdicional de reenvio, resulta claramente da jurisprudência exposta nos n.os 21 a 25 deste despacho, em primeiro lugar, que o simples facto de o sujeito passivo ter adquirido bens ou serviços quando sabia, fosse qual fosse a razão, que, com essa aquisição participava numa operação implicada numa fraude ao IVA cometida a montante na cadeia de entregas ou de prestações é considerado, para efeitos da Diretiva 2006/112, como participação nessa fraude. Como alega o Governo alemão, o único ato positivo determinante para justificar a recusa do direito à dedução numa tal situação é a aquisição desses bens ou desses serviços. Para justificar essa recusa, não há, por isso, nenhuma necessidade de provar que este sujeito passivo participou ativamente na referida fraude, de um modo ou de outro, nem que fosse apenas encorajando ou facilitando ativamente essa fraude. Pouco importa também que não tenha dissimulado as suas relações de aprovisionamento e os seus fornecedores.

27

Esta apreciação é tanto mais verdadeira quanto, segundo essa jurisprudência, também é privado do direito à dedução o sujeito passivo que devia ter sabido que, com a sua aquisição, participava numa operação implicada numa fraude ao IVA cometida a montante na cadeia de entregas ou de prestações. Em tal situação, o que leva à recusa do direito à dedução é a omissão do cumprimento de certas diligências.

28

A este respeito, deve recordar‑se que o Tribunal de Justiça já decidiu várias vezes que não é contrário ao direito da União exigir que o operador tome todas as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas para garantir que a operação que efetua não implica a sua participação numa fraude fiscal; a determinação das medidas que, num caso concreto, podem ser razoavelmente exigidas a um sujeito passivo que pretende exercer o direito a dedução do IVA para se certificar de que as suas operações não fazem parte de uma fraude cometida por um operador a montante depende essencialmente das circunstâncias do referido caso concreto (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.os 54 e 59, e de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.o 52).

29

O Tribunal de Justiça precisou que, quando existem indícios que permitem suspeitar da existência de irregularidades ou de fraude, um operador prudente pode, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, ver‑se obrigado a obter informações sobre outro operador a quem pretende adquirir bens ou serviços, para se certificar da fiabilidade desse operador (Acórdão de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.o 60; Despachos de 16 de maio de 2013, Hardimpex, C‑444/12, não publicado, EU:C:2013:318, n.o 25, e de 3 de setembro de 2020, Vikingo Fővállalkozó, C‑610/19, EU:C:2020:673, n.o 55).

30

Além disso, tendo o órgão jurisdicional de reenvio alegado, em substância, que a má‑fé do sujeito passivo não pode ser um critério suscetível de substituir o critério da participação ativa desse sujeito passivo, deve observar‑se que não é contrário ao direito da União exigir a um operador que atue de boa‑fé (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de março de 2019, Vinš, C‑275/18, EU:C:2019:265, n.o 33, e de 17 de outubro de 2019, Unitel, C‑653/18, EU:C:2019:876, n.o 33).

31

Todavia, não é necessário que se demonstre a má‑fé do sujeito passivo para que lhe seja recusado o benefício do direito à dedução, quando resulta da jurisprudência exposta nos n.os 21 a 25 do presente despacho e dos fundamentos precedentes que o facto de o sujeito passivo ter adquirido bens ou serviços sabendo ou devendo saber, tomando as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas para se assegurar que essa operação não o levava a participar numa fraude, que, com essa aquisição, participava numa operação implicada numa fraude é suficiente para considerar, para efeitos da Diretiva 2006/112, que o referido sujeito passivo participou nessa fraude e para o privar do benefício do direito à dedução.

32

Em segundo lugar, não pode ser assumida a interpretação segundo a qual, por um lado, o conceito de «cadeia de entregas» deveria ser entendido no sentido de que visa apenas os casos em que a fraude resulta de uma conjugação específica de transações sucessivas ou de um plano global que preveja que as entregas fariam parte de uma fraude alargada a várias operações e, por outro, a operação efetuada pelo sujeito passivo e a operação a montante viciada por fraude deveriam, fora destes casos, ser consideradas operações independentes, em especial quando a prática da fraude estava terminada no momento em que ocorreu a primeira dessas operações, de modo que essa fraude já não podia ser facilitada nem encorajada.

33

Com efeito, essa interpretação equivale a acrescentar condições adicionais à recusa do direito à dedução em caso de fraude, que não decorrem da jurisprudência exposta nos n.os 21 a 25 do presente despacho. Como foi realçado no n.o 31 do presente despacho, o facto de o sujeito passivo ter adquirido bens ou serviços quando sabia ou devia saber que, com a aquisição destes bens ou serviços, participava numa operação implicada numa fraude cometida a montante é suficiente para considerar que este sujeito passivo participou nessa fraude e para o privar do benefício do direito à dedução.

34

Além disso, tal interpretação ignora o facto de que uma fraude cometida numa fase da cadeia de entregas ou de prestações se repercute nas fases seguintes dessa cadeia, se o montante do IVA cobrado não corresponder ao montante devido em consequência da redução do preço dos bens ou dos serviços causada pela falta de cobrança do IVA a montante. Em todo o caso, a aquisição pelo sujeito passivo dos bens que foram objeto de uma operação a montante viciada por fraude permite o escoamento destes bens, como mostram os factos do processo principal, de tal modo que, como observa o Governo checo, facilita a fraude.

35

Em terceiro lugar, a fim de apreciar se o sujeito passivo participou numa fraude, é indiferente se a operação em causa lhe proporcionou ou não uma vantagem fiscal. Com efeito, diferentemente do que foi decidido em matéria de práticas abusivas (Acórdãos de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o., C‑255/02, EU:C:2006:121, n.os 74 e 75; de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses, C‑419/14, EU:C:2015:832, n.o 36, e de 10 de julho de 2019, Kuršu zeme, C‑273/18, EU:C:2019:588, n.o 35), a constatação da participação do sujeito passivo numa fraude ao IVA não pressupõe que essa operação lhe tenha proporcionado uma vantagem fiscal cuja concessão seja contrária ao objetivo prosseguido pelas disposições da Diretiva 2006/112. Do mesmo modo, é irrelevante que a operação em causa não tenha proporcionado ao sujeito passivo nenhuma vantagem económica, como se realçou nos n.os 23 e 34 do presente despacho.

36

Por último, decorre das considerações expostas nos n.os 23 e 25 do presente despacho, segundo as quais, por um lado, a instituição de um sistema de responsabilidade objetiva ultrapassaria o que é necessário para preservar os direitos da Fazenda Pública e, por outro, o sujeito passivo que sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa operação implicada numa fraude colabora com os autores dessa fraude e torna‑se cúmplice na mesma, que tal participação constitui uma falta de que este sujeito passivo é responsável.

37

Esta interpretação é suscetível de entravar as operações fraudulentas (v, neste sentido, Acórdão de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C‑439/04 e C‑440/04, EU:C:2006:446, n.o 58), designadamente impedindo o escoamento dos bens e serviços que foram objeto de uma operação implicada numa fraude, e, desse modo, participa na luta contra a fraude que, como se recordou no n.o 21 do presente despacho, é um objetivo reconhecido e encorajado pela Diretiva 2006/112. Ao decidir de modo constante que o benefício do direito à dedução deve ser recusado quando o sujeito passivo sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa operação implicada numa fraude, o Tribunal de Justiça considerou necessariamente que a recusa nestas condições não ultrapassa o que é necessário para atingir este objetivo. Considerou também necessariamente que essa recusa não pode ser considerada violação do princípio da neutralidade fiscal, que, de resto, não pode ser invocado para efeitos da dedução de IVA por um sujeito passivo que tenha participado numa fraude fiscal (v., por analogia, Acórdãos de 28 de março de 2019, Vinš, C‑275/18, EU:C:2019:265, n.o 33, e de 17 de outubro de 2019, Unitel, C‑653/18, EU:C:2019:876, n.o 33).

38

Tendo em vista todas as considerações precedentes, deve responder‑se à questão colocada que a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma prática nacional segundo a qual o benefício do direito à dedução do IVA pago a montante deve ser recusado a um sujeito passivo que tenha adquirido bens que foram objeto de fraude ao IVA cometida a montante na cadeia de entregas e que tinha ou devia ter conhecimento dessa fraude, ainda que não tenha participado ativamente nela.

Quanto às despesas

39

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado no órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir sobre as despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (décima Secção) declara:

 

A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma prática nacional segundo a qual o benefício do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) pago a montante deve ser recusado a um sujeito passivo que tenha adquirido bens que foram objeto de fraude ao IVA cometida a montante na cadeia de entregas e que tinha ou devia ter conhecimento dessa fraude, ainda que não tenha participado ativamente nela.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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