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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62020CJ0603

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 24 de março de 2021.
    SS contra MCP.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Family Division.
    Reenvio prejudicial — Tramitação prejudicial urgente — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Artigo 10.o — Competência em matéria de responsabilidade parental — Rapto de uma criança — Competência dos tribunais de um Estado‑Membro — Alcance territorial — Deslocação de uma criança para um Estado terceiro — Residência habitual adquirida nesse Estado terceiro.
    Processo C-603/20 PPU.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2021:231

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

    24 de março de 2021 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Tramitação prejudicial urgente — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Artigo 10.o — Competência em matéria de responsabilidade parental — Rapto de uma criança — Competência dos tribunais de um Estado‑Membro — Alcance territorial — Deslocação de uma criança para um Estado terceiro — Residência habitual adquirida nesse Estado terceiro»

    No processo C‑603/20 PPU,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela High Court of Justice (England & Wales), Family Division [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção de Família, Reino Unido], por Decisão de 6 de novembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de novembro de 2020, no processo

    SS

    contra

    MCP,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

    composto por: E. Regan (relator), presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quinta Secção, M. Ilešič, C. Lycourgos e I. Jarukaitis, juízes,

    advogado‑geral: A. Rantos,

    secretário: A. Calot Escobar,

    visto o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de 6 de novembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de novembro de 2020, de submeter o reenvio prejudicial a tramitação urgente, em conformidade com o artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

    vista a decisão de 2 de dezembro de 2020 da Quinta Secção, de deferir esse pedido,

    vistos os autos e após a audiência de 4 de fevereiro de 2021,

    considerando as observações apresentadas:

    em representação de SS, por A. Tayo, barrister, mandatada por J. Dsouza, solicitor,

    em representação de MCP, por A. Metzer, QC, e C. Proudman, barrister, mandatados por H. Choudhery, solicitor,

    em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin, na qualidade de agente,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 23 de fevereiro de 2021,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 10.o do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO 2003, L 338, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2116/2004 do Conselho, de 2 de dezembro de 2004 (JO 2004, L 367, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 2201/2003»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe SS, pai de uma menor, P, a MCP, a mãe da menor, a propósito de um pedido do pai requerendo que seja decretado o regresso da menor ao Reino Unido e que seja tomada uma decisão sobre o direito de visita.

    Quadro jurídico

    Direito internacional

    Convenção de Haia de 1980

    3

    A Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, assinada em 25 de outubro de 1980 no âmbito da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado (a seguir «Convenção de Haia de 1980»), entrou em vigor em 1 de dezembro de 1983. Todos os Estados‑Membros da União Europeia são partes contratantes na convenção.

    4

    Esta convenção contém diversas disposições tendo por finalidade obter o regresso imediato de crianças ilicitamente deslocadas ou retidas.

    5

    O artigo 16.o da Convenção de Haia de 1980 prevê que, depois de terem sido informadas da transferência ilícita ou da retenção de uma criança no contexto do artigo 3.o desta convenção, as autoridades judiciais ou administrativas do Estado Contratante para onde a criança tenha sido levada ou onde esteja retida não poderão tomar decisões sobre o fundo do direito de custódia sem que seja provado não estarem reunidas as condições previstas na referida convenção para o regresso da criança, ou sem que tiver decorrido um período razoável de tempo sem que haja sido apresentado qualquer requerimento em aplicação do prescrito pela mesma convenção.

    Convenção de Haia de 1996

    6

    A Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e de Medidas de Proteção da Criança, celebrada em Haia, em 19 de outubro de 1996 (a seguir «Convenção de Haia de 1996»), foi ratificada ou foi objeto de adesão por todos os Estados‑Membros da União.

    7

    Esta convenção prevê regras destinadas a reforçar a proteção das crianças em situações de caráter internacional e evitar conflitos entre os sistemas jurídicos dos Estados contratantes em matéria de competência, de lei aplicável, de reconhecimento e de execução de medidas de proteção das crianças.

    8

    Quanto aos raptos de crianças, o artigo 7.o da referida convenção dispõe, no seu n.o 1, alíneas a) e b):

    «Em caso de deslocação ou de retenção ilícita da criança, as autoridades do Estado Contratante no qual a criança tinha a sua
    residência habitual imediatamente antes da sua deslocação ou retenção conservam a competência até ao momento em que a criança adquira uma residência habitual num outro Estado, e:

    a)

    A pessoa, a instituição ou outro organismo com direito de
    guarda consinta na deslocação ou retenção; ou

    b)

    A criança resida nesse outro Estado por um período de pelo menos um ano desde que a pessoa, a instituição ou qualquer outro organismo que tenha a guarda conheça ou tenha conhecido o local onde se encontra a criança, que nenhum pedido de regresso apresentado durante esse período esteja pendente e a criança se tenha integrado no seu novo ambiente.»

    9

    Nos termos do artigo 52.o, n.os 2 e 3, da mesma convenção:

    «2.   A presente Convenção não afetará a possibilidade para um ou vários Estados Contratantes de celebrar acordos que contenham disposições sobre as matérias regidas pela presente Convenção, no que se refere às crianças que tenham a sua residência habitual num dos Estados Partes em tais acordos.

    3.   Os acordos a celebrar para um ou vários Estados Contratantes sobre matérias regidas pela presente Convenção não afetarão a aplicação das disposições da presente Convenção nas relações destes Estados com os outros Estados Contratantes.»

    Direito da União

    10

    Os considerandos 12 e 33 do Regulamento n.o 2201/2003 enunciam:

    «(12)

    As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado‑Membro de residência habitual da criança, exceto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.

    […]

    (33)

    O presente regulamento reconhece os direitos fundamentais e os princípios consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; pretende, designadamente, garantir o pleno respeito dos direitos fundamentais da criança enunciados no artigo 24.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia».

    11

    O artigo 1.o, n.os 1 e 2, deste regulamento, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», tem a seguinte redação:

    «1.   O presente regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:

    […]

    b)

    À atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental.

    2.   As matérias referidas na alínea b) do n.o 1 dizem, nomeadamente, respeito:

    a)

    Ao direito de guarda e ao direito de visita;

    […]»

    12

    O artigo 2.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Definições», prevê:

    «Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

    […]

    7)

    “Responsabilidade parental”, o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou coletiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança. O termo compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita.

    […]

    11)

    “Deslocação ou retenção ilícitas de uma criança”, a deslocação ou a retenção de uma criança, quando:

    a)

    Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção;

    e

    b)

    No momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efetivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê‑lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. Considera‑se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental.»

    13

    O capítulo II do mesmo regulamento, intitulado «Competência», contém, na secção 2, intitulada «Responsabilidade parental», o artigo 8.o, que tem por epígrafe «Competência geral» e enuncia:

    «1.   Os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

    2.   O n.o 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9.o, 10.o e 12.o»

    14

    Nos termos do artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003, que tem por epígrafe «Competência em caso de rapto da criança»:

    «Em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado‑Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado‑Membro e:

    a)

    Cada pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda dar o seu consentimento à deslocação ou à retenção;

    ou

    b)

    A criança ter estado a residir nesse outro Estado‑Membro durante, pelo menos, um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo, titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, se esta se encontrar integrada no seu novo ambiente e se estiver preenchida pelo menos uma das seguintes condições:

    i)

    não ter sido apresentado, no prazo de um ano após a data em que o titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, qualquer pedido de regresso desta às autoridades competentes do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada ou se encontra retida,

    ii)

    o titular do direito de guarda ter desistido do pedido de regresso e não ter sido apresentado nenhum novo pedido dentro do prazo previsto na subalínea i),

    iii)

    o processo instaurado num tribunal do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas ter sido arquivado nos termos do n.o 7 do artigo 11.o,

    iv)

    os tribunais do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas terem proferido uma decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança.»

    15

    O artigo 12.o deste regulamento, relativo à extensão da competência, tem a seguinte redação:

    «1.   Os tribunais do Estado‑Membro que, por força do artigo 3.o, são competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, são competentes para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido quando:

    a)

    Pelo menos um dos cônjuges exerça a responsabilidade parental em relação à criança;

    e

    b)

    A competência desses tribunais tenha sido aceite, expressamente ou de qualquer outra forma inequívoca pelos cônjuges ou pelos titulares da responsabilidade parental à data em que o processo é instaurado em tribunal, e seja exercida no superior interesse da criança.

    […]

    3.   Os tribunais de um Estado‑Membro são igualmente competentes em matéria de responsabilidade parental em processos que não os referidos no n.o 1, quando:

    a)

    A criança tenha uma ligação particular com esse Estado‑Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado‑Membro ou de a criança ser nacional desse Estado‑Membro;

    e

    b)

    A sua competência tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal e seja exercida no superior interesse da criança.

    4.   Se a criança tiver a sua residência habitual no território de um Estado terceiro que não seja parte contratante na [Convenção de Haia de 1996], presume‑se que a competência baseada no presente artigo é do interesse da criança, nomeadamente quando for impossível instaurar um processo no Estado terceiro em questão.»

    16

    O artigo 14.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Competências residuais», prevê:

    «Se nenhum tribunal de um Estado‑Membro for competente, por força dos artigos 8.o a 13.o, a competência é, em cada Estado‑Membro, regulada pela lei desse Estado.»

    17

    O artigo 60.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Relações com determinadas convenções multilaterais», dispõe:

    «Nas relações entre os Estados‑Membros, o presente regulamento prevalece sobre as seguintes convenções, na medida em que estas se refiram a matérias por ele reguladas:

    […]

    e)

    [Convenção de Haia de 1980].»

    18

    Nos termos do artigo 61.o do Regulamento n.o 2201/2003, que trata das relações com a Convenção de Haia de 1996:

    «No que se refere às relações com a [Convenção de Haia de 1996], o presente regulamento é aplicável:

    a)

    Quando a criança tenha a sua residência habitual no território de um Estado‑Membro;

    […]»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    19

    SS e MCP, ambos nacionais indianos e titulares de uma autorização de residência no Reino Unido, formavam um casal, não legalmente casado, quando a filha, P, nacional britânica, nasceu, em 2017.

    20

    O apelido do pai figura na certidão de nascimento, de modo que, segundo apurou o órgão jurisdicional de reenvio, é titular da responsabilidade parental em relação a P.

    21

    Em outubro de 2018, a mãe, MCP, deslocou‑se à Índia com a menor. Passados alguns meses, a mãe regressou ao Reino Unido sem a menor.

    22

    Com exceção de uma breve estada no Reino Unido, em abril de 2019, a menor permaneceu na Índia, onde vive com a avó materna.

    23

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é possível que o comportamento da mãe seja equivalente a uma deslocação e/ou a uma retenção ilícitas da menor na Índia.

    24

    O pai pretende que P viva com ele no Reino Unido e, a título subsidiário, que possa ter contacto com a filha no âmbito de um direito de visita.

    25

    Para o efeito, em 26 de agosto de 2020, apresentou um pedido ao órgão jurisdicional de reenvio no qual requeria, por um lado, o regresso da menor ao Reino Unido e, por outro, que fosse tomada uma decisão sobre o direito de visita.

    26

    Segundo esse órgão jurisdicional, a mãe contestou a competência dos tribunais de Inglaterra e do País de Gales, dado que a menor não tem residência habitual no Reino Unido.

    27

    Antes de decidir, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a sua competência deve ser apreciada com fundamento no Regulamento n.o 2201/2003. A este respeito, concluiu que, no momento em que a ação foi intentada, por um lado, a menor tinha residência habitual na Índia e estava totalmente integrada num ambiente social e familiar indiano, sendo os seus laços concretos factuais com o Reino Unido inexistentes, exceto a cidadania, e, por outro, a mãe em nenhum momento tinha aceitado inequivocamente a competência dos tribunais de Inglaterra e do País de Gales para conhecerem das questões relativas à responsabilidade parental respeitantes a P. Em resultado dessa conclusão, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu que a sua competência não podia basear‑se no artigo 8.o e no artigo 12.o, n.o 3, deste regulamento.

    28

    Relativamente ao artigo 10.o do referido regulamento, que estabelece as regras de competência em caso de deslocação ou de retenção ilícitas de uma criança, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas, em especial, quanto à questão de saber se esta disposição se pode aplicar a um conflito de competências entre os tribunais de um Estado‑Membro e de um Estado terceiro.

    29

    A este respeito, considera que decorre claramente da sua redação e da interpretação exposta no ponto 4.2.1.1. do Guia Prático para a Aplicação do Regulamento n.o 2201/2003, publicado pela Comissão Europeia, que a regra enunciada no artigo 10.o deste regulamento apenas diz respeito aos conflitos de competência entre os Estados‑Membros e não aos conflitos entre um Estado‑Membro e um Estado terceiro. Acrescenta que o Tribunal de Justiça já confirmou esta interpretação no n.o 33 do Acórdão de 17 de outubro de 2018, UD (C‑393/18 PPU, EU:C:2018:835), seguindo, a este respeito, as Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe de 20 de setembro de 2018, apresentadas no mesmo processo (C‑393/18 PPU, EU:C:2018:749). No entanto, uma parte da jurisprudência nacional confere um alcance territorial mais amplo a esta disposição.

    30

    Nestas condições, a High Court of Justice (England & Wales), Family Division [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção de Família, Reino Unido] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Deve o artigo 10.o do Regulamento [n.o 2201/2003] ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro continua a ser competente, sem limite temporal, quando uma criança com residência habitual nesse Estado‑Membro é ilicitamente deslocada para [um] (ou retida num) Estado terceiro no qual, na sequência dessa deslocação (ou retenção), passou a residir habitualmente?»

    Pedido de tramitação prejudicial urgente

    31

    O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 107.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

    32

    A este respeito, é pacífico, por um lado, que o reenvio prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento n.o 2201/2003, adotado, em especial, com fundamento no artigo 61.o, alínea c), CE, atual artigo 67.o TFUE, que figura no título V da parte III do Tratado FUE, relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça, pelo que este reenvio está abrangido pelo âmbito de aplicação da tramitação prejudicial urgente definida no artigo 107.o do Regulamento de Processo, e, por outro, que a resposta à questão prejudicial é determinante para a decisão do litígio no processo principal, dado que a competência do juiz chamado a pronunciar‑se sobre o direito da União depende de tal decisão.

    33

    Quanto ao critério relativo à urgência, uma vez que a menor vive desde outubro de 2018, com exceção de uma breve estada no Reino Unido, permanentemente na Índia, existe um risco de que o prolongamento dessa situação possa prejudicar seriamente, ou mesmo irremediavelmente, a relação entre a menor e o pai, ou mesmo entre ela e os dois progenitores. Esta situação pode causar danos irreparáveis ao seu desenvolvimento emocional e psicológico em geral, tendo em conta, em especial, o facto de a menor se encontrar numa idade sensível para o seu desenvolvimento.

    34

    Por outro lado, visto que a integração familiar e social da menor já está num estado avançado no Estado terceiro onde, segundo apurou o órgão jurisdicional de reenvio, tem a sua residência habitual atual, o prolongamento desta situação pode comprometer ainda mais a integração da menor no seu ambiente familiar e social no caso de um eventual regresso ao Reino Unido.

    35

    Nestas circunstâncias, a Quinta Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 2 de dezembro de 2020, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de submeter o presente reenvio prejudicial a tramitação prejudicial urgente.

    Quanto à questão prejudicial

    36

    Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que, se se verificar que uma criança, na data da apresentação do pedido relativo à responsabilidade parental, passou a ter a sua residência habitual num Estado terceiro após um rapto para esse Estado, os tribunais do Estado‑Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes do rapto continuam a ser competentes sem limite temporal.

    37

    De acordo com jurisprudência constante, para a interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o contexto em que se inscreve e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (Acórdão de 6 de outubro de 2020, Jobcenter Krefeld, C‑181/19, EU:C:2020:794, n.o 61 e jurisprudência referida). A génese de uma disposição do direito da União pode também apresentar elementos pertinentes para a sua interpretação (Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Acacia e D’Amato, C‑397/16 e C‑435/16, EU:C:2017:992, n.o 31 e jurisprudência referida).

    38

    Relativamente, em primeiro lugar, à letra do artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003, há que observar que este artigo prevê, no que respeita à competência em caso de rapto de uma criança, que os tribunais do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas continuam a ser competentes, mas que essa competência é transferida para os tribunais de outro Estado‑Membro no momento em que a criança passa a ter a sua residência habitual neste último Estado‑Membro e se, além disso, estiver preenchida uma das condições alternativas enunciadas no referido artigo 10.o

    39

    Resulta, assim, dos termos do artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003 que os critérios adotados por esta disposição para efeitos da atribuição da competência em caso de rapto de uma criança visam uma situação circunscrita ao território dos Estados‑Membros. Com efeito, a competência é atribuída, em princípio, aos tribunais do Estado‑Membro onde a criança residia habitualmente antes de ser ilicitamente deslocada para outro Estado‑Membro ou de estar retida ilicitamente nesse outro Estado‑Membro, sem prejuízo da possibilidade de a referida competência ser transferida, se estiverem reunidas determinadas condições específicas, para os tribunais do Estado‑Membro onde a criança passou a ter a sua nova residência habitual na sequência da deslocação ou da retenção ilícitas.

    40

    A circunstância de o referido artigo utilizar a expressão «Estado‑Membro», e não os termos «Estado» ou «Estado terceiro», e de fazer depender a atribuição da competência de uma residência habitual atual ou anterior «num Estado‑Membro», sem referir a eventualidade de uma residência adquirida no território de um Estado terceiro, implica igualmente que este mesmo artigo apenas regula a competência em caso de rapto de crianças entre os Estados‑Membros.

    41

    Importa acrescentar que o Tribunal de Justiça já declarou, no âmbito de um processo relativo à interpretação do artigo 8.o do Regulamento n.o 2201/2003, que os termos do artigo 10.o deste regulamento implicam necessariamente que a aplicação deste artigo depende de um potencial conflito de competência entre tribunais de vários Estados‑Membros (Acórdão de 17 de outubro de 2018, UD, C‑393/18 PPU, EU:C:2018:835, n.o 33).

    42

    Além disso, cabe salientar, como fez a Comissão na audiência, que o artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003 é constituído por uma única frase, pelo que já resulta da sua estrutura que forma um todo indissociável. Por conseguinte, não se pode considerar que esta disposição é composta por duas partes distintas, uma das quais permitiria justificar autonomamente a manutenção, em princípio, da competência dos tribunais de um Estado‑Membro sem limite temporal, em caso de rapto de uma criança para um Estado terceiro.

    43

    Relativamente, em segundo lugar, ao contexto em que se inscreve, há que constatar que o artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003 constitui uma regra de competência especial relativamente à regra geral enunciada no artigo 8.o, n.o 1, deste regulamento, nos termos da qual os tribunais do Estado‑Membro da residência habitual da criança são, em princípio, competentes em matéria de responsabilidade parental.

    44

    Com efeito, nos termos do artigo 8.o, n.o 2, do referido regulamento, o n.o 1 deste artigo 8.o é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9.o, 10.o e 12.o

    45

    A este respeito, importa sublinhar, primeiro, que a regra de competência especial prevista no artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003 neutraliza o efeito que implicaria a aplicação da regra de competência geral, estabelecida no artigo 8.o, n.o 1, deste regulamento, em caso de rapto de uma criança, a saber, a transferência da competência para o Estado‑Membro no qual a criança passou a ter a sua nova residência habitual, na sequência do seu rapto. Uma vez que há o risco de esta transferência de competência conferir uma vantagem processual ao autor do ato ilícito, o artigo 10.o deste regulamento prevê, como foi salientado no n.o 39 do presente acórdão, que os tribunais do Estado‑Membro onde a criança residia habitualmente antes da deslocação ou retenção ilícitas continuam, não obstante, a ser competentes, a menos que estejam preenchidas certas condições.

    46

    Ora, quando a criança passa a ter residência habitual fora da União Europeia, depois de ter sido ilicitamente deslocada para um Estado terceiro ou retida nesse Estado, o artigo 8.o, n.o 1, deste regulamento não é aplicável uma vez que não há uma residência habitual num Estado‑Membro. Com efeito, esta disposição não visa tal hipótese. Daqui resulta que, nestas circunstâncias, a regra estabelecida no artigo 10.o deste regulamento, que permite afastar a competência que os tribunais do Estado‑Membro da nova residência habitual poderiam invocar com fundamento na regra geral, perde a sua razão de ser, pelo que também não é aplicável. Por conseguinte, o referido artigo 10.o não justifica a manutenção sem limite temporal da competência dos tribunais do Estado‑Membro onde a criança residia habitualmente antes da sua deslocação ou retenção ilícitas, quando essa criança tiver sido raptada para um Estado terceiro.

    47

    Segundo, importa recordar que a regra de competência especial é de interpretação estrita, não permitindo, assim, uma interpretação que vá além das hipóteses expressamente previstas no regulamento em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de outubro de 2013, Pinckney, C‑170/12, EU:C:2013:635, n.o 25; de 16 de janeiro de 2014, Kainz, C‑45/13, EU:C:2014:7, n.o 22 e jurisprudência referida; e de 25 de janeiro de 2018, Schrems, C‑498/16, EU:C:2018:37, n.o 27).

    48

    Por conseguinte, essa regra não deve ser interpretada tendo unicamente em conta uma parte da sua letra a fim de a aplicar de maneira autónoma. Ora, assim sucederia se o artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003 fosse interpretado com base exclusivamente num elemento da primeira parte deste artigo, para deduzir que, quando uma criança tiver sido raptada para um Estado terceiro, os tribunais do Estado‑Membro onde tinha anteriormente a sua residência habitual continuam, em princípio, a ser competentes sem limite temporal, uma vez que o outro requisito previsto no mesmo artigo, relativo à aquisição de residência habitual noutro Estado‑Membro, não pode ser preenchido.

    49

    Terceiro, tal interpretação faria entrar no âmbito de aplicação do referido artigo 10.o uma hipótese, a saber, a do rapto de uma criança para um Estado terceiro, que o legislador da União não pretendeu incluir.

    50

    A este respeito, decorre da génese do Regulamento n.o 2201/2003 que o legislador da União quis instituir uma regulamentação estrita no que respeita aos raptos de crianças dentro da União, mas que não pretendeu submeter a tal regulamentação os raptos de crianças para um Estado terceiro, devendo esses raptos ser cobertos, nomeadamente, por convenções internacionais como a Convenção de Haia de 1980, que já estava em vigor em todos os Estados‑Membros à data da proposta de regulamento do Conselho relativo à competência, ao reconhecimento à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 e altera o Regulamento (CE) n.o 44/2001 em matéria de obrigação de alimentos, apresentada pela Comissão em 3 de maio de 2002 [COM(2002) 222 final; JO 2002, C 203 E, p. 155] (a seguir «proposta de regulamento»), na origem do Regulamento n.o 2201/2003, e a Convenção de Haia de 1996, à qual muitos Estados‑Membros ainda não tinham podido aderir nessa data.

    51

    Esta constatação resulta claramente da exposição de motivos desta proposta de regulamento, que salienta que, «tendo por objetivo abranger as situações de natureza internacional, a Comissão apresentou […] uma proposta de decisão do Conselho que autoriza os Estados‑Membros a assinar a Convenção de Haia de 1996» [COM (2002) 222 final/2, p. 3].

    52

    A vontade do legislador da União de assegurar a coexistência entre a regulamentação da União em matéria de rapto de crianças e a estabelecida por convenções internacionais é recordada na exposição de motivos do Relatório da Comissão das Liberdades e dos Direitos dos Cidadãos, da Justiça e dos Assuntos Internos do Parlamento Europeu de 7 de novembro de 2002, relativo à proposta de regulamento (final A5‑0385/2002, p. 19), que enuncia que a referida proposta, ao prever uma regulamentação clara e coerente nos casos de rapto de crianças na União, constitui um «instrumento suscetível de criar um quadro mais integrado na União Europeia e de funcionar a par das Convenções de Haia de 1980 e 1996 na ordem internacional».

    53

    Ora, a referida interpretação do artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003, por força da qual o Estado‑Membro da anterior residência habitual da criança mantém a sua competência sem limitação temporal quando a criança tenha sido raptada para um Estado terceiro, implicaria, quando a criança passa a ter residência habitual num Estado terceiro que é parte contratante na Convenção de Haia de 1996, na sequência de um rapto, que o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 52.o, n.o 3, desta convenção seriam privados de efeito.

    54

    Com efeito, o artigo 7.o, n.o 1, da Convenção de Haia de 1996 prevê, à semelhança do artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003, uma transferência de competência para os tribunais do Estado da nova residência habitual da criança, se estiverem preenchidas certas condições. Estas condições estão ligadas, nomeadamente, ao decurso do tempo em conjugação com o consentimento ou a passividade do titular do direito de guarda em causa, tendo‑se a criança integrado no seu novo meio.

    55

    Esta possibilidade de transferência de competência ficaria, no entanto, definitivamente excluída se, por força do referido artigo 10.o, os tribunais de um Estado‑Membro continuassem a ser competentes sem limite temporal. Por isso, esta manutenção de competência iria igualmente contra o artigo 52.o, n.o 3, da Convenção de Haia de 1996, que proíbe que uma regulamentação celebrada entre vários Estados contratantes sobre matérias reguladas por esta convenção — como a prevista no Regulamento n.o 2201/2003 — afete, nas relações entre estes Estados e os outros Estados contratantes, a aplicação das disposições da referida convenção. Ora, na medida em que a competência em matéria de responsabilidade parental não pudesse ser transferida para esses tribunais dos Estados contratantes, essas relações seriam necessariamente afetadas.

    56

    Daqui resulta que os Estados‑Membros, que ratificaram ou aderiram todos à Convenção de Haia de 1996, se veriam obrigados a agir, por força do direito da União, contra as suas obrigações internacionais.

    57

    Resulta destas considerações que a regulamentação específica que o legislador da União quis instituir com a adoção do Regulamento n.o 2201/2003 visa os casos de raptos de crianças de um Estado‑Membro para outro. Daqui decorre que a regra de competência correspondente, a saber, a regra resultante do artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003, não pode ser interpretada no sentido de que se aplica ao caso do rapto de uma criança para um Estado terceiro.

    58

    Em terceiro lugar, há que notar que uma interpretação do artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003 que conduza a uma manutenção de competência ilimitada no tempo não é conforme com um dos objetivos fundamentais prosseguidos por este regulamento, a saber, atender ao superior interesse da criança, privilegiando‑se, para esse efeito, o critério da proximidade (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de fevereiro de 2017, W e V, C‑499/15, EU:C:2017:118, n.o 51 e jurisprudência referida, e de 17 de outubro de 2018, UD, C‑393/18 PPU, EU:C:2018:835, n.o 48).

    59

    Com efeito, segundo a exposição de motivos da proposta de regulamento [COM(2002) 222 final/2, p. 12], o legislador quis, no que se refere precisamente à atribuição da competência em caso de rapto de uma criança, instituir um equilíbrio entre, por um lado, a necessidade de impedir que o autor do rapto retire vantagens do seu ato ilícito (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2010, Povse, C‑211/10 PPU, EU:C:2010:400, n.o 43) e, por outro, a possibilidade de o tribunal que está mais próximo da criança conhecer das ações relativas à responsabilidade parental.

    60

    Ora, a manutenção incondicional, sem limite temporal, da competência dos tribunais do Estado‑Membro de origem, não obstante o rapto para o Estado terceiro ter entretanto sido eventualmente objeto, nomeadamente, do consentimento de cada pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda, e sem nenhum requisito que permita ter em conta as circunstâncias específicas que caracterizam a situação da criança em causa, ou assegurar o superior interesse da criança, impediria que o tribunal, considerado o mais bem colocado para apreciar as medidas a adotar no superior interesse da criança, pudesse conhecer dos pedidos relativos a tais medidas. Tal resultado seria contrário ao objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 2201/2003, que deve ser lido, como decorre do considerando 33 deste regulamento, à luz do artigo 24.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

    61

    Por outro lado, tal interpretação do artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003, que teria como consequência uma manutenção de competência ilimitada no tempo, também seria contrária à lógica do mecanismo de regresso ou de retenção imediato estabelecido pela Convenção de Haia de 1980. Com efeito, se, em conformidade com o artigo 16.o desta convenção, se demonstrar que as condições da referida convenção para o regresso da criança não estão reunidas, ou se tiver decorrido um período razoável sem que tenha sido apresentado um pedido em aplicação dessa mesma convenção, as autoridades do Estado para o qual a criança foi deslocada ou onde está retida tornam‑se as autoridades da residência habitual da criança e devem, enquanto tribunais mais próximos geograficamente dessa residência habitual, poder exercer a competência em matéria de responsabilidade parental. Esta convenção continua a ser aplicável, nomeadamente, nas relações entre os Estados‑Membros e as outras partes contratantes nesta convenção, em conformidade com o artigo 60.o, alínea e), deste regulamento.

    62

    Decorre das considerações expostas que uma interpretação do artigo 10.o do referido regulamento que conduzisse à manutenção da competência no Estado‑Membro de origem sem limite temporal em caso de rapto de uma criança para um Estado terceiro não pode encontrar justificação na letra nem no contexto em que se inscreve o referido artigo, nos trabalhos preparatórios ou nos objetivos do mesmo regulamento. Também privaria de efeito as disposições da Convenção de Haia de 1996 em caso de rapto de uma criança para um Estado terceiro que seja parte contratante nesta convenção e seria contrário à lógica da Convenção de Haia de 1980.

    63

    Daqui resulta que, no caso de uma criança ter sido raptada para um Estado terceiro, no qual, na sequência desse rapto, passou a ter a sua residência habitual, e de o tribunal de um Estado‑Membro onde foi intentada uma ação de responsabilidade parental verificar que não pode, por falta de acordo entre as partes processuais sobre a competência, basear a sua competência no artigo 12.o do Regulamento n.o 2201/2003, como acontece no processo principal, o tribunal do Estado‑Membro em causa deverá estabelecer a sua competência com fundamento nas convenções bilaterais ou multilaterais internacionais eventualmente aplicáveis, ou, na falta de tal convenção internacional, com fundamento nas suas regras nacionais, em conformidade com o artigo 14.o deste regulamento.

    64

    Tendo em conta todas as considerações expostas, há que responder à questão submetida que o artigo 10.o do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que não se aplica no caso de se verificar que uma criança, na data da apresentação do pedido relativo à responsabilidade parental, passou a ter a sua residência habitual num Estado terceiro após um rapto para esse Estado. Nesse caso, a competência do tribunal chamado a decidir deverá ser determinada em conformidade com as convenções internacionais aplicáveis, ou, na falta de tal convenção internacional, em conformidade com o artigo 14.o deste regulamento.

    Quanto às despesas

    65

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

     

    O artigo 10.o do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2116/2004 do Conselho, de 2 de dezembro de 2004, deve ser interpretado no sentido de que não se aplica no caso de se verificar que uma criança, na data da apresentação do pedido relativo à responsabilidade parental, passou a ter a sua residência habitual num Estado terceiro após um rapto para esse Estado. Nesse caso, a competência do tribunal chamado a decidir deverá ser determinada em conformidade com as convenções internacionais aplicáveis, ou, na falta de tal convenção internacional, em conformidade com o artigo 14.o deste regulamento.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

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