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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62019CJ0476

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 8 de outubro de 2020.
    Allmänna ombudet hos Tullverket contra Combinova AB.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Kammarrätten i Göteborg.
    Reenvio prejudicial — Código Aduaneiro da União — Artigo 124.o, n.o 1, alínea k) — Extinção da dívida aduaneira em caso de não utilização das mercadorias — Conceito de “mercadoria utilizada” — Regime do aperfeiçoamento ativo — Dívida aduaneira constituída devido à inobservância de regras previstas no âmbito do regime do aperfeiçoamento ativo — Não apresentação da relação de apuramento no prazo previsto.
    Processo C-476/19.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2020:802

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    8 de outubro de 2020 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Código Aduaneiro da União — Artigo 124.o, n.o 1, alínea k) — Extinção da dívida aduaneira em caso de não utilização das mercadorias — Conceito de “mercadoria utilizada” — Regime do aperfeiçoamento ativo — Dívida aduaneira constituída devido à inobservância de regras previstas no âmbito do regime do aperfeiçoamento ativo — Não apresentação da relação de apuramento no prazo previsto»

    No processo C‑476/19,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Kammarrätten i Göteborg (Tribunal Administrativo de Recurso de Gotemburgo, Suécia), por Decisão de 19 de junho de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de junho de 2019, no processo

    Allmänna ombudet hos Tullverket

    contra

    Combinova AB,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, L. Bay Larsen, C. Toader, M. Safjan e N. Jääskinen (relator), juízes,

    advogado‑geral: E. Tanchev,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação do Allmänna ombudet hos Tullverket, por M. Jeppsson, na qualidade de agente,

    em representação do Governo checo, por M. Smolek, O. Serdula e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo estónio, por N. Grünberg, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por K. Simonsson e F. Clotuche‑Duvieusart, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 124.o, n.o 1, alínea k), do Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União (JO 2013, L 269, p. 1, e retificação no JO 2016, L 267, p. 2, a seguir «Código Aduaneiro»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Allmänna ombudet hos Tullverket (Representante Geral da Administração Aduaneira, Suécia) (a seguir «Representante Geral») à Combinova AB a respeito de uma dívida aduaneira que se constituiu no âmbito da importação de mercadorias que estavam sujeitas ao regime do aperfeiçoamento ativo.

    Quadro jurídico

    3

    O considerando 38 do Código Aduaneiro prevê:

    «É conveniente ter em conta a boa‑fé da pessoa em causa nos casos em que a constituição da dívida aduaneira tenha sido originada pelo incumprimento da legislação aduaneira, e minimizar o impacto da negligência imputável ao devedor.»

    4

    O artigo 5.o deste código dispõe:

    «Para efeitos do Código, entende‑se por:

    […]

    16)

    “Regime aduaneiro”: qualquer dos regimes seguidamente referidos a que as mercadorias possam ser sujeitas nos termos do Código:

    […]

    b)

    Regimes especiais;

    […]

    37)

    “Operações de aperfeiçoamento”, uma das seguintes operações:

    a)

    Complemento de fabrico de mercadorias, incluindo a sua montagem, reunião e adaptação a outras mercadorias;

    b)

    Transformação de mercadorias;

    […]

    d)

    Reparação de mercadorias, incluindo a sua restauração e afinação;

    […]»

    5

    Nos termos do artigo 79.o, n.os 1 e 2, do referido código:

    «1.   Relativamente às mercadorias passíveis de direitos de importação, é facto constitutivo da dívida aduaneira na importação o incumprimento de:

    a)

    Uma das obrigações previstas na legislação aduaneira em matéria de introdução de mercadorias não UE no território aduaneiro da União, de subtração à fiscalização aduaneira, ou de circulação, transformação, armazenamento, depósito temporário, importação temporária ou cessão de tais mercadorias nesse território;

    b)

    Uma das obrigações previstas na legislação aduaneira em matéria de utilização para fins especiais de mercadorias no território aduaneiro da União;

    c)

    Uma das condições fixadas para a sujeição das mercadorias não UE a um regime aduaneiro ou para a concessão, em função do destino especial das mercadorias, da isenção ou de uma redução da taxa do direito de importação.

    2.   A dívida aduaneira é constituída num dos seguintes momentos:

    a)

    No momento em que a obrigação cujo incumprimento dá origem à dívida aduaneira não é cumprida ou deixa de ser cumprida;

    b)

    No momento em que é aceite uma declaração aduaneira para a sujeição das mercadorias a um regime aduaneiro, se for estabelecido posteriormente que uma das condições fixadas para a sujeição das mercadorias a esse regime ou para a concessão de uma isenção de direitos ou de uma redução da taxa do direito de importação em função da sua utilização específica não foi efetivamente respeitada.»

    6

    O artigo 124.o do Código Aduaneiro prevê:

    «1.   Sem prejuízo das disposições em vigor relativas à não cobrança do montante dos direitos de importação ou de exportação correspondente a uma dívida aduaneira no caso de insolvência do devedor verificada por via judicial, a dívida aduaneira na importação ou na exportação extingue‑se das seguintes formas:

    […]

    k)

    Caso, sem prejuízo do disposto no n.o 6, a dívida aduaneira tenha sido constituída ao abrigo do artigo 79.o e tenha sido apresentada às autoridades aduaneiras prova suficiente de que as mercadorias não foram utilizadas nem consumidas e foram retiradas do território aduaneiro da União.

    […]

    6.   No caso referido na alínea k) do n.o 1, a dívida aduaneira não se extingue em relação à pessoa ou pessoas que tenha(m) agido fraudulentamente.

    […]»

    7

    O artigo 211.o, n.o 1, deste código tem a seguinte redação:

    «É necessária uma autorização das autoridades aduaneiras para:

    a)

    O recurso aos regimes de aperfeiçoamento ativo ou passivo, de importação temporária ou de destino especial;

    […]

    As condições em que é autorizado o recurso a um ou mais dos regimes referidos no primeiro parágrafo ou a exploração de instalações de armazenagem são definidas na autorização.»

    8

    O artigo 256.o do referido código, relativo ao âmbito de aplicação do regime do aperfeiçoamento ativo, enuncia, no seu n.o 1:

    «Sem prejuízo do artigo 223.o, ao abrigo do regime de aperfeiçoamento ativo as mercadorias não UE podem ser utilizadas no território aduaneiro da União para uma ou várias operações de aperfeiçoamento sem que sejam sujeitas a:

    a)

    Direitos de importação;

    b)

    Outras imposições previstas noutras disposições em vigor aplicáveis;

    c)

    Medidas de política comercial, na medida em que estas não proíbam a entrada das mercadorias no território aduaneiro da União ou a sua saída desse território.»

    9

    O artigo 257.o, n.o 1, do mesmo código dispõe:

    «1.   As autoridades aduaneiras devem determinar o período durante o qual deve ser apurado o regime de aperfeiçoamento ativo, nos termos do artigo 215.o

    Esse período começa a correr na data em que as mercadorias não UE são sujeitas ao regime, devendo ter em conta o tempo necessário para efetuar as operações de aperfeiçoamento e para apurar o regime.»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    10

    Em 23 de novembro de 2017, a Combinova importou, a coberto de uma autorização do Tullverket (Administração das Alfândegas, Suécia), mercadorias sob o regime aduaneiro do aperfeiçoamento ativo previsto no artigo 256.o do Código Aduaneiro. As referidas mercadorias foram em seguida reexportadas em 11 de dezembro de 2017.

    11

    Embora a Combinova devesse ter submetido a relação de apuramento à Administração das Alfândegas até 22 de fevereiro de 2018, a saber, nos 30 dias que se seguiram à expiração, em 23 de janeiro de 2018, do prazo para apresentação do apuramento do regime, esta só recebeu a referida relação em 6 de março de 2018.

    12

    Por ter considerado que da inobservância do prazo previsto para apresentação da relação de apuramento resultara a constituição de uma dívida aduaneira ao abrigo do artigo 79.o do Código Aduaneiro, a Administração das Alfândegas decidiu proceder à liquidação de direitos aduaneiros no montante de 121 coroas suecas (SEK) (cerca de 11,50 euros) e do imposto sobre o valor acrescentado no montante de 2790 SEK (cerca de 265 euros).

    13

    Por Sentença de 22 de agosto de 2018, o Förvaltningsrätten i Göteborg (Tribunal Administrativo de Gotemburgo, Suécia), na sequência de um recurso interposto pela Combinova que tinha por objeto a decisão da Administração das Alfândegas, considerou que a decisão desta última estava fundamentada e que a Combinova não tinha feito prova da existência de razões que permitissem considerar que a dívida aduaneira se tinha extinguido.

    14

    O Representante Geral interpôs recurso daquela sentença no Kammarrätten i Göteborg (Tribunal Administrativo de Recurso de Gotemburgo, Suécia), pedindo, em favor da Combinova, que a dívida aduaneira desta fosse declarada extinta.

    15

    A este respeito, o Representante Geral alegou que, nos termos do artigo 79.o, n.o 2, alínea a), do Código Aduaneiro, esta dívida se constituiu no momento em que a relação de apuramento já devia ter sido apresentada, a saber, em 22 de fevereiro de 2018. No entanto, nesta data, as mercadorias em causa no processo principal já tinham saído do território aduaneiro da União uma vez que a sua reexportação ocorreu em 11 de dezembro de 2017. Assim, não houve utilização das mercadorias nem no momento em que a dívida aduaneira se constituiu nem posteriormente. A utilização das mercadorias antes da constituição da dívida aduaneira não tem nenhuma relação com esta constituição e respeitou o aperfeiçoamento autorizado pela Administração das Alfândegas. Por último, nenhum elemento indica que a Combinova tentou atuar de forma fraudulenta.

    16

    Nestas circunstâncias, segundo o Representante Geral, não se pode considerar que as mercadorias em causa no processo principal foram utilizadas de uma forma que impede a extinção da dívida aduaneira, nos termos do artigo 124.o, n.o 1, alínea k), do Código Aduaneiro.

    17

    Por seu turno, a Administração das Alfândegas, que, embora não tenha estado na origem do recurso interposto junto do órgão jurisdicional de reenvio, apresentou as suas observações no âmbito do processo, não alega que as mercadorias foram consumidas. Em sua opinião, está antes em causa a questão de saber se as mercadorias foram «utilizadas», na aceção do artigo 124.o, n.o 1, alínea k), do Código Aduaneiro. Ora, o conceito de «mercadorias utilizadas», que não se encontra definido na legislação aduaneira da União, pode ser entendido de duas maneiras, a saber, que as mercadorias foram utilizadas de acordo com o seu destino ou que as mercadorias foram utilizadas de uma maneira ou de outra, o que implica que foram transformadas. O regime do aperfeiçoamento ativo pressupõe fundamentalmente que as mercadorias sejam transformadas de uma maneira ou de outra. No presente caso, a Combinova devia, ao abrigo da autorização de aperfeiçoamento ativo, ter reparado e calibrado diversos instrumentos, constituindo estes atos operações de aperfeiçoamento na aceção do artigo 5.o, alínea 37), do Código Aduaneiro.

    18

    A Administração das Alfândegas acrescenta que, como resulta do artigo 256.o, n.o 1, do referido código, no âmbito do regime do aperfeiçoamento ativo podem ser utilizadas mercadorias não UE. Atendendo a esta disposição, os termos «mercadorias utilizadas» significam assim que as mercadorias devem ser transformadas de uma maneira ou de outra.

    19

    Ora, no presente caso, na medida em que não foi alegado que as mercadorias em causa no processo principal não tinham sido transformadas quando se encontravam sob o regime do aperfeiçoamento ativo, não estão assim preenchidos os requisitos necessários para extinguir a dívida aduaneira previstos no artigo 124.o, n.o 1, alínea k), do Código Aduaneiro.

    20

    O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas a respeito do significado do conceito de «mercadorias utilizadas» constante desta última disposição. Salienta que este conceito surge várias vezes no Código Aduaneiro e que o artigo 256.o deste código prevê que, ao abrigo do regime do aperfeiçoamento ativo, as mercadorias não UE podem ser utilizadas no território aduaneiro da União para uma ou várias operações de aperfeiçoamento, sem que sejam sujeitas, nomeadamente, a direitos de importação.

    21

    Deste modo, há que, por um lado, determinar o significado do conceito de «mercadoria utilizada», na aceção do artigo 124.o, n.o 1, alínea k), do Código Aduaneiro, e, por outro, no plano dos princípios, fixar o momento em que esta disposição é aplicável.

    22

    Nestas condições, o Kammarrätten i Göteborg (Tribunal Administrativo de Recurso de Gotemburgo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Tendo em conta que uma dívida aduaneira constituída na importação ou na exportação, ao abrigo do artigo 79.o [do Código Aduaneiro,], deve ser extinta, em conformidade com o artigo 124.o, n.o 1, alínea k), [deste código,] se existir prova considerada suficiente pelas autoridades aduaneiras de que as mercadorias não foram utilizadas nem consumidas e foram retiradas do território aduaneiro da União, o termo “utilizado” significa que as mercadorias foram transformadas ou refinadas para os fins previstos na autorização concedida a uma empresa em relação a essas mercadorias, ou significa que está em causa uma utilização que vai além dessa transformação ou refinação? É relevante o facto de a utilização ocorrer antes ou depois da constituição da dívida aduaneira?»

    Quanto à questão prejudicial

    23

    Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 124.o, n.o 1, alínea k), do Código Aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que a utilização das mercadorias a que se refere esta disposição visa apenas uma utilização que exceda as operações de transformação autorizadas pelas autoridades aduaneiras no âmbito do regime do aperfeiçoamento ativo previsto no artigo 256.o deste código, ou se também inclui uma utilização conforme com estas operações de transformação autorizadas.

    24

    Em conformidade com o disposto no artigo 256.o do Código Aduaneiro, ao abrigo do regime aduaneiro do aperfeiçoamento ativo, as mercadorias não UE podem ser «utilizadas» no território aduaneiro da União para uma ou várias operações de aperfeiçoamento sem que sejam sujeitas, nomeadamente, a direitos de importação.

    25

    No presente caso, resulta da decisão de reenvio que a Combinova importou, em 23 de novembro de 2017, mercadorias que estavam sujeitas ao regime do aperfeiçoamento ativo, depois de a Administração das Alfândegas ter emitido em nome daquela uma autorização neste sentido em conformidade com o disposto no artigo 211.o do Código Aduaneiro, e que estas mercadorias foram reexportadas em 11 de dezembro de 2017. No entanto, na medida em que a Combinova não apresentou a relação de apuramento no prazo de 30 dias depois de se ter extinguido, em 23 de janeiro de 2018, o prazo de apuramento do regime, fixado em conformidade com o disposto no artigo 257.o do referido código, constituiu‑se uma dívida aduaneira ao abrigo do artigo 79.o do mesmo código.

    26

    Em conformidade com esta última disposição, relativamente às mercadorias passíveis de direitos de importação, é facto constitutivo da dívida aduaneira na importação o incumprimento, nomeadamente, de um dos requisitos previstos para a sujeição das mercadorias não UE a um regime aduaneiro.

    27

    Ora, em conformidade com o disposto no artigo 124.o, n.o 1, alínea k), do Código Aduaneiro, a dívida aduaneira que tenha sido constituída por força do artigo 79.o deste código extingue‑se quando seja feita prova, por um lado, de que as mercadorias não foram utilizadas nem consumidas e, por outro, de que foram retiradas do território aduaneiro da União, precisando‑se contudo que, mesmo nesta hipótese, conforme previsto no artigo 124.o, n.o 6, do referido código, «a dívida aduaneira não se extingue em relação à pessoa ou pessoas que tenha(m) agido fraudulentamente».

    28

    Embora os Governos estónio e checo, bem como o Representante Geral, sustentem, em substância, que a utilização das mercadorias a que se refere o artigo 124.o, n.o 1, alínea k), do Código Aduaneiro visa apenas a utilização de uma maneira que exceda as operações de transformação autorizadas pelas autoridades aduaneiras no âmbito do regime do aperfeiçoamento ativo, a Comissão considera, em contrapartida, baseando‑se na aceção habitual do termo «utilizar» em linguagem corrente, que esta utilização também compreende a transformação das mercadorias em conformidade com esta autorização.

    29

    A este respeito, há que começar por constatar que o Código Aduaneiro não contém uma definição do conceito de «mercadorias utilizadas», na aceção deste código.

    30

    Por outro lado, uma análise comparativa das diferentes versões linguísticas do Código Aduaneiro permite salientar que, nalgumas das versões linguísticas deste, como as versões em línguas sueca, inglesa, finlandesa e neerlandesa, é utilizado o mesmo termo no artigo 256.o, n.o 1, e no artigo 124.o, n.o 1, alínea k), ao passo que, noutras versões linguísticas do referido código, como as versões em línguas francesa, alemã e romena, são utilizados termos distintos em cada uma destas disposições. Deste modo, na versão em língua francesa, o artigo 124.o, n.o 1, alínea k), recorre ao termo «utilisées» e o artigo 256.o, n.o 1, recorre ao termo «mettre en œuvre». Do mesmo modo, na versão em língua alemã, são utilizados, respetivamente, os termos «verwendet» e «unterzogen werden». Quanto à versão em língua romena, são utilizados, respetivamente, os termos «utilizate» e «folosirea».

    31

    Neste contexto, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a formulação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única à interpretação dessa disposição ou ter caráter prioritário em relação às outras versões linguísticas. As disposições do direito da União devem, com efeito, ser interpretadas e aplicadas de maneira uniforme, à luz das versões redigidas em todas as línguas da União. Em caso de disparidade entre as diferentes versões linguísticas de um diploma do direito da União, a disposição em causa deve ser interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (Acórdãos de 15 de novembro de 2012, Kurcums Metal, C‑558/11, EU:C:2012:721, n.o 48; de 15 de outubro de 2015, Grupo Itevelesa e o., C‑168/14, EU:C:2015:685, n.o 42; e de 23 de janeiro de 2020, Bundesagentur für Arbeit, C‑29/19, EU:C:2020:36, n.o 48).

    32

    A este respeito, o artigo 124.o, n.o 1, alínea k), do Código Aduaneiro, lido à luz do considerando 38 e em conjugação com o artigo 124.o, n.o 6, deste código, visa, como sublinhou o Governo checo nas suas observações escritas, permitir, quando não tenha havido uma atuação fraudulenta, que se extinga a dívida aduaneira constituída ao abrigo do artigo 79.o do referido código no caso de, não obstante a não observância de certos requisitos ou de certas obrigações que decorrem deste mesmo código, ser provado que as mercadorias não foram utilizadas de uma maneira que justifique a imposição de direitos e que as mercadorias saíram do território aduaneiro da União (v., por analogia, Acórdãos de 5 de outubro de 1983, Esercizio Magazzini Generali e Mellina Agosta, 186/82 e 187/82, EU:C:1983:262, n.o 14, e de 2 de abril de 2009, Elshani, C‑459/07, EU:C:2009:224, n.o 29).

    33

    O conceito de «mercadorias utilizadas», na aceção do artigo 124.o, n.o 1, alínea k), do Código Aduaneiro, não deve assim ser compreendido no sentido de qualquer utilização, mas apenas no sentido da utilização que dê origem, através dela própria, a uma dívida aduaneira.

    34

    Ora, no âmbito do regime do aperfeiçoamento ativo, mercadorias que só sejam objeto de operações de transformação autorizadas e de uma posterior reexportação para fora do território da União, e não de uma colocação no mercado ou de outra utilização comparável, não estão sujeitas aos direitos de importação.

    35

    Daqui resulta que, no que respeita às mercadorias sujeitas a este regime, a utilização das mercadorias a que se refere o artigo 124.o, n.o 1, alínea k), do Código Aduaneiro deve necessariamente ser compreendida no sentido de que visa apenas a utilização que exceda as operações de transformação autorizadas pelas autoridades aduaneiras.

    36

    Se a utilização das mercadorias a que esta disposição se refere também incluísse a utilização conforme com estas operações de transformação, a extinção, em conformidade com o artigo 124.o, n.o 1, alínea k), do Código Aduaneiro, da dívida aduaneira constituída ao abrigo do artigo 79.o deste código ficaria excluída no âmbito do regime do aperfeiçoamento ativo, o que seria contrário à finalidade da primeira destas disposições.

    37

    Ora, o artigo 124.o, n.o 1, alínea k), do Código Aduaneiro constitui, atendendo nomeadamente à remissão efetuada nesta disposição para o artigo 79.o deste código, uma disposição aplicável a todos os regimes aduaneiros previstos no referido código.

    38

    É certo que o Tribunal de Justiça considerou, a respeito do regime do aperfeiçoamento ativo previsto no Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO 1992, L 302, p. 1), que foi substituído pelo Código Aduaneiro, que, uma vez que este regime comportava riscos evidentes para a aplicação correta da regulamentação aduaneira da União e para a cobrança dos direitos a ela relativos, os seus beneficiários estavam obrigados ao estrito respeito das obrigações que dele decorriam, e que, da mesma maneira, havia que proceder a uma interpretação restritiva das consequências relativas aos seus beneficiários, em caso de inobservância das suas obrigações. Daqui o Tribunal de Justiça deduziu que a violação da obrigação de apresentar a relação de apuramento no prazo previsto implicava a constituição de uma dívida aduaneira no que respeita ao conjunto das mercadorias de importação a apurar, incluindo as reexportadas para fora do território da União (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2012, Döhler Neuenkirchen, C‑262/10, EU:C:2012:559, n.os 41 e 48).

    39

    No entanto, no que se refere ao processo principal, há que constatar que o Tribunal de Justiça não é interrogado sobre a questão da constituição ou não de uma dívida aduaneira em caso de apresentação tardia da relação de apuramento no âmbito do regime de aperfeiçoamento ativo, por ser facto assente no presente caso que tal dívida se constituiu ao abrigo do artigo 79.o do Código Aduaneiro, mas sobre a questão da possível extinção desta dívida ao abrigo do artigo 124.o, n.o 1, alínea k), deste código.

    40

    Ora, resulta da redação deste artigo 124.o, n.o 1, alínea k), que uma dívida aduaneira que tenha sido constituída ao abrigo do artigo 79.o do código se extingue, exceto em caso de atuação fraudulenta, quando estejam preenchidos os requisitos previstos na primeira destas disposições.

    41

    No presente caso, a dívida aduaneira constituída ao abrigo do artigo 79.o do Código Aduaneiro devido à apresentação tardia, por parte da Combinova, da relação de apuramento poderá extinguir‑se caso se demonstre, nomeadamente, conforme resulta do n.o 35 do presente acórdão, que as mercadorias em causa no processo principal não foram utilizadas de uma forma que exceda as operações de transformação autorizadas pelas autoridades aduaneiras, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

    42

    Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a circunstância de a utilização das mercadorias em causa no processo principal ter tido lugar antes ou depois da constituição da dívida aduaneira é relevante no que respeita à interpretação do conceito de «mercadorias utilizadas», na aceção do artigo 124.o, n.o 1, alínea k), do Código Aduaneiro.

    43

    A este respeito, esta última disposição não contém nenhuma indicação segundo a qual o momento em que ocorre a utilização das mercadorias visada por esta disposição é relevante para determinar se as mercadorias em causa foram utilizadas, na aceção da referida disposição.

    44

    No entanto, há que constatar que, nos termos do artigo 79.o, n.o 2, alínea a), do Código Aduaneiro, quando a dívida aduaneira se tenha constituído devido à apresentação tardia da relação de apuramento e quando as mercadorias já tenham sido reexportadas, não se pode considerar que estas foram utilizadas, na aceção do artigo 124.o, n.o 1, alínea k), do referido código, no território aduaneiro da União depois de a dívida aduaneira se ter constituído.

    45

    Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 124.o, n.o 1, alínea k), do Código Aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que a utilização das mercadorias a que se refere esta disposição visa apenas uma utilização que exceda as operações de transformação autorizadas pelas autoridades aduaneiras no âmbito do regime do aperfeiçoamento ativo previsto no artigo 256.o deste código, e não uma utilização conforme com estas operações de transformação autorizadas.

    Quanto às despesas

    46

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

     

    O artigo 124.o, n.o 1, alínea k), do Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União, deve ser interpretado no sentido de que a utilização das mercadorias a que se refere esta disposição visa apenas uma utilização que exceda as operações de transformação autorizadas pelas autoridades aduaneiras no âmbito do regime do aperfeiçoamento ativo previsto no artigo 256.o deste regulamento, e não uma utilização conforme com estas operações de transformação autorizadas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: sueco.

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