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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62018CJ0457

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 31 de janeiro de 2020.
    República da Eslovénia contra República da Croácia.
    Incumprimento de Estado — Artigo 259.o TFUE — Competência do Tribunal de Justiça — Determinação da fronteira comum entre dois Estados‑Membros — Diferendo fronteiriço entre a República da Croácia e a República da Eslovénia — Convenção de Arbitragem — Processo de arbitragem — Notificação pela República da Croácia da sua decisão de pôr termo à vigência da convenção devido a uma irregularidade que esta acusa um membro do tribunal arbitral de ter cometido — Decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral — Alegada violação pela República da Croácia da Convenção de Arbitragem e da fronteira definida na decisão arbitral — Princípio da cooperação leal — Pedido de desentranhamento de um documento dos autos — Proteção dos pareceres jurídicos.
    Processo C-457/18.

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2020:65

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    31 de janeiro de 2020 ( *1 )

    «Incumprimento de Estado — Artigo 259.o TFUE — Competência do Tribunal de Justiça — Determinação da fronteira comum entre dois Estados‑Membros — Diferendo fronteiriço entre a República da Croácia e a República da Eslovénia — Convenção de Arbitragem — Processo de arbitragem — Notificação pela República da Croácia da sua decisão de pôr termo à vigência da convenção devido a uma irregularidade que esta acusa um membro do tribunal arbitral de ter cometido — Decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral — Alegada violação pela República da Croácia da Convenção de Arbitragem e da fronteira definida na decisão arbitral — Princípio da cooperação leal — Pedido de desentranhamento de um documento dos autos — Proteção dos pareceres jurídicos»

    No processo C‑457/18,

    que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 259.o TFUE, entrada em 13 de julho de 2018,

    República da Eslovénia, representada por M. Menard, na qualidade de agente, assistida por J.‑M. Thouvenin, avocat,

    demandante,

    contra

    República da Croácia, representada por G. Vidović Mesarek, na qualidade de agente, assistida por J. Stratford, QC,

    demandada,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, A. Prechal, S. Rodin, L. S. Rossi e I. Jarukaitis, presidentes de secção, M. Ilešič, J. Malenovský, D. Šváby, C. Vajda (relator) e F. Biltgen, juízes,

    advogado‑geral: P. Pikamäe,

    secretário: M. Aleksejev, chefe de unidade,

    vistos os autos e após a audiência de 8 de julho de 2019,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de dezembro de 2019,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Através da sua petição, a República da Eslovénia pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República da Croácia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força:

    do artigo 4.o, n.o 3, TUE, por ter posto em causa a realização dos objetivos da União Europeia, designadamente de consolidação da paz e da união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, e por ter impedido a República da Eslovénia de cumprir a sua obrigação de integral aplicação do direito da União em todo o seu território;

    do princípio do respeito do Estado de direito, inscrito no artigo 2.o TUE, que constitui uma condição essencial da pertença à União e obriga a República da Croácia a respeitar o território da República da Eslovénia determinado pela decisão definitiva proferida em 29 de junho de 2017 pelo tribunal constituído no processo de arbitragem relativo ao diferendo territorial e marítimo entre estes dois Estados (Tribunal Arbitral Permanente, processo n.o 2012‑04, a seguir «decisão arbitral»), em conformidade com o direito internacional;

    do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 1380/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, relativo à política comum das pescas, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1954/2003 e (CE) n.o 1224/2009 do Conselho e revoga os Regulamentos (CE) n.o 2371/2002 e (CE) n.o 639/2004 do Conselho e a Decisão 2004/585/CE do Conselho (JO 2013, L 354, p. 22), bem como o seu anexo I, por a República da Croácia se ter recusado a implementar o regime de acesso recíproco previsto no Regulamento n.o 1380/2013, por não ter reconhecido o efeito da legislação que a República da Eslovénia adotou para implementar este regime de acesso recíproco, por ter recusado aos nacionais eslovenos o direito de pescar no mar territorial esloveno e por ter impedido a República da Eslovénia de fruir de direitos, tais como a adoção de medidas de conservação e de gestão dos recursos haliêuticos, previstos neste mesmo regulamento;

    do sistema de controlo, da inspeção e da aplicação das regras previstas no Regulamento (CE) n.o 1224/2009 do Conselho, de 20 de novembro de 2009, que institui um regime comunitário de controlo a fim de assegurar o cumprimento das regras da Política Comum das Pescas, que altera os Regulamentos (CE) n.o 847/96, (CE) n.o 2371/2002, (CE) n.o 811/2004, (CE) n.o 768/2005, (CE) n.o 2115/2005, (CE) n.o 2166/2005, (CE) n.o 388/2006, (CE) n.o 509/2007, (CE) n.o 676/2007, (CE) n.o 1098/2007, (CE) n.o 1300/2008, (CE) n.o 1342/2008 e revoga os Regulamentos (CEE) n.o 2847/93, (CE) n.o 1627/94 e (CE) n.o 1966/2006 (JO 2009, L 343, p. 1), e no Regulamento de Execução (UE) n.o 404/2011 da Comissão, de 8 de abril de 2011, que estabelece as regras de execução do Regulamento (CE) n.o 1224/2009 do Conselho que institui um regime comunitário de controlo a fim de assegurar o cumprimento das regras da Política Comum das Pescas (JO 2011, L 112, p. 1), por a República da Croácia ter impedido a República da Eslovénia de cumprir a missão de que foi incumbida por este sistema, bem como a monitorização, o controlo e as inspeções dos navios de pesca, bem como, quando no decurso dessas inspeções são detetadas eventuais violações das regras da política comum das pescas, os procedimentos e as medidas de execução a adotar contra os responsáveis pela violação, e por ter exercido ela própria os direitos que estes regulamentos reconhecem à República da Eslovénia enquanto Estado costeiro;

    dos artigos 4.o e 17.o, lidos em conjugação com o artigo 13.o do Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o Código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2016, L 77, p. 1, a seguir «Código das Fronteiras Schengen»); bem como

    do artigo 2.o, n.o 4, e do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2014/89/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014, que estabelece um quadro para o ordenamento do espaço marítimo (JO 2014, L 257, p. 135), por ter adotado e implementado a «[e]stratégia de ordenamento territorial da República da Croácia».

    Quadro jurídico

    Direito internacional

    Convenção de Viena

    2

    O artigo 60.o da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331, a seguir «Convenção de Viena»), intitulado «Cessação da vigência de um tratado ou suspensão da sua aplicação como consequência da sua violação», prevê, nos seus n.os 1 e 3:

    «1.   Uma violação substancial de um tratado bilateral, por uma das Partes, autoriza a outra Parte a invocar a violação como motivo para fazer cessar a vigência do tratado ou para suspender a sua aplicação, no todo ou em parte.

    […]

    3.   Para os efeitos do presente artigo, constituem violação substancial de um tratado:

    […]

    b)

    A violação de uma disposição essencial para a realização do objeto ou do fim do tratado.

    […]»

    3

    O artigo 65.o da Convenção de Viena, intitulado «Procedimento a seguir quanto à nulidade de um tratado, à cessação da sua vigência, à retirada ou à suspensão da sua aplicação», estabelece, nos seus n.os 1 e 3:

    «1.   A Parte que, com base nas disposições da presente Convenção, invocar um vício do seu consentimento em ficar vinculada por um tratado, um motivo para contestar a validade de um tratado, para fazer cessar a sua vigência, para dele se retirar ou para suspender, a sua aplicação deve notificar a sua pretensão às outras Partes. A notificação deve indicar a medida que se propõe tomar quanto ao tratado e o respetivo fundamento.

    […]

    3.   Se, porém, qualquer outra Parte tiver levantado uma objeção, as Partes devem procurar uma solução pelos meios indicados no artigo 33.o da Carta das Nações Unidas [assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945].»

    Convenção de Arbitragem

    4

    Em 4 de novembro de 2009, foi assinada em Estocolmo uma Convenção de Arbitragem entre a República da Eslovénia e a República da Croácia (a seguir «Convenção de Arbitragem»).

    5

    O artigo 1.o da Convenção de Arbitragem institui um tribunal arbitral.

    6

    O artigo 2.o desta convenção prevê a composição do tribunal arbitral, nomeadamente as modalidades de designação dos seus membros, bem como as regras para as substituições destes.

    7

    O artigo 3.o da referida convenção, intitulado «Missão do tribunal arbitral», prevê, no seu n.o 1, que o tribunal arbitral define a) o traçado da fronteira marítima e terrestre entre a Croácia e a Eslovénia, b) a ligação da Eslovénia ao alto mar e c) o regime para efeitos da utilização dos respetivos espaços marítimos. Este mesmo artigo 3.o, no seu n.o 2, enuncia as modalidades de determinação do objeto exato do litígio, prevendo no seu n.o 3 que cabe ao tribunal arbitral proferir decisão sobre o diferendo, e atribuindo no seu n.o 4 a esse tribunal competência para interpretar a Convenção de Arbitragem.

    8

    Nos termos do artigo 4.o, alínea a), da Convenção de Arbitragem, o tribunal arbitral, para efeitos das decisões referidas no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), desta convenção, aplica as regras e os princípios do direito internacional. Nos termos do artigo 4.o, alínea b), da referida convenção, o tribunal arbitral, para efeitos das decisões a que se refere o artigo 3.o, n.o 1, alíneas b) e c), desta, aplica o direito internacional, a equidade e o princípio das relações de boa vizinhança para obter um resultado justo e equitativo que tome em consideração todas as circunstâncias pertinentes.

    9

    O artigo 6.o, n.o 2, da Convenção de Arbitragem estipula que, salvo disposições em contrário, o tribunal arbitral conduz o processo de acordo com o Regulamento Facultativo do Tribunal Arbitral Permanente para a Arbitragem dos Diferendos entre Dois Estados. O artigo 6.o, n.o 4, desta convenção prevê que o tribunal arbitral decidirá com a maior brevidade possível, após consulta das partes, sobre qualquer questão de natureza processual, por maioria dos seus membros.

    10

    O artigo 7.o, n.o 1, da Convenção de Arbitragem dispõe designadamente que o tribunal arbitral, depois de ter tomado devidamente em consideração todos os factos pertinentes do processo, proferirá a sua decisão com a maior brevidade possível. O artigo 7.o, n.o 2, desta convenção enuncia que a decisão arbitral vincula as partes e constituiu uma resolução definitiva do diferendo. De acordo com o artigo 7.o, n.o 3, da referida convenção, as partes tomam todas as medidas necessárias para executar a decisão, incluindo, se for caso disso, alterando a legislação nacional no prazo de seis meses após a adoção da decisão.

    11

    Ao abrigo do artigo 9.o, n.o 1, da Convenção de Arbitragem, a República da Eslovénia levanta as suas reservas a respeito da abertura e do encerramento dos capítulos das negociações relativas à adesão da República da Croácia à União Europeia quando o obstáculo tenha por objeto o diferendo.

    12

    Em conformidade com o disposto no artigo 11.o, n.o 3, da Convenção de Arbitragem, os prazos processuais definidos nesta convenção aplicam‑se todos a partir da data de assinatura do Tratado entre o Reino da Bélgica, a República da Bulgária, a República Checa, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República da Estónia, a Irlanda, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana, a República de Chipre, a República da Letónia, a República da Lituânia, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a República da Hungria, a República de Malta, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República da Polónia, a República Portuguesa, a Roménia, a República da Eslovénia, a República Eslovaca, a República da Finlândia, o Reino da Suécia e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (Estados‑Membros da União Europeia) e a República da Croácia relativo à adesão da República da Croácia à União Europeia (JO 2012, L 112, p. 10, a seguir «tratado de adesão da Croácia à União»). Esta assinatura teve lugar em 9 de dezembro de 2011.

    Direito da União

    Direito primário

    13

    O artigo 15.o do Ato relativo às condições de Adesão da República da Croácia e às adaptações do Tratado da União Europeia, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2012, L 112, p. 21, a seguir «ato de adesão»), anexo ao tratado de adesão da Croácia à União dispõe:

    «Os atos enumerados no anexo III devem ser adaptados nos termos desse anexo.»

    14

    O ponto 5 do anexo III do ato de adesão, intitulado «Pescas», procedeu à adaptação do Regulamento (CE) n.o 2371/2002 do Conselho, de 20 de dezembro de 2002, relativo à conservação e à exploração sustentável dos recursos haliêuticos no âmbito da política comum das pescas (JO 2002, L 358, p. 59), aditando ao anexo I deste regulamento os pontos 11 e 12, intitulados respetivamente «Faixa costeira da Croácia» e «Faixa costeira da Eslovénia». As notas de pé de página para que estes pontos remetem enunciam, em termos idênticos, que «[o] regime [de acesso às faixas costeiras da Croácia e da Eslovénia a título das relações de vizinhança] é aplicável a partir da plena execução da decisão arbitral decorrente da [Convenção de Arbitragem]». Estes pontos e estas notas de pé de página foram incluídos, em substância, no Regulamento n.o 1380/2013, que revogou o Regulamento n.o 2371/2002.

    Direito derivado

    – Regulamento (CE) n.o 1049/2001

    15

    Nos termos do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43):

    «As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de:

    […]

    processos judiciais e consultas jurídicas,

    […]

    exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.»

    – Regulamento n.o 1224/2009 e Regulamento de Execução n.o 404/2011

    16

    Nos termos do seu artigo 1.o, o Regulamento n.o 1224/2009 institui um regime comunitário de controlo, inspeção e execução destinado a assegurar o cumprimento das regras da política comum das pescas.

    17

    O Regulamento de Execução n.o 404/2011 estabelece as regras de execução deste regime de controlo.

    – Regulamento n.o 1380/2013

    18

    O artigo 5.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1380/2013 enuncia:

    «1.   Os navios de pesca da União têm direitos de acesso iguais às águas e aos recursos em todas as águas da União, com exceção das referidas nos n.os 2 e 3, sob reserva das medidas adotadas ao abrigo da parte III.

    2.   Nas águas situadas na zona das 12 milhas marítimas medidas a partir das linhas de base sob a sua soberania ou jurisdição, os Estados‑Membros podem restringir, até 31 de dezembro de 2022, a pesca aos navios que exercem tradicionalmente a pesca nessas águas a partir de portos na costa adjacente, sem prejuízo dos regimes aplicáveis aos navios de pesca da União que arvorem pavilhão de outros Estados‑Membros a título das relações de vizinhança entre Estados‑Membros e do regime previsto no anexo I, que fixa, em relação a cada Estado‑Membro, as zonas geográficas das faixas costeiras de outros Estados‑Membros em que são exercidas atividades de pesca e as espécies em causa. Os Estados‑Membros informam a Comissão das restrições estabelecidas nos termos do presente número.»

    19

    O anexo I deste regulamento, intitulado «Acesso às faixas costeiras na aceção do artigo 5.o, n.o 2», prevê, nos seus pontos 8 e 10, regimes de acesso, respetivamente, à «[f]aixa costeira da Croácia» e à «[f]aixa costeira da Eslovénia». As notas de pé de página para que esses pontos remetem especificam, em termos idênticos, que «[o] regime [de acesso às faixas costeiras da Croácia e da Eslovénia a título das relações de vizinhança] é aplicável a partir da plena execução da decisão arbitral decorrente da [Convenção de Arbitragem]».

    – Diretiva 2014/89

    20

    Em conformidade com o disposto no seu artigo 1.o, n.o 1, a Diretiva 2014/89 estabelece um quadro para o ordenamento do espaço marítimo, a fim de promover o crescimento sustentável das economias marítimas, o desenvolvimento sustentável das zonas marinhas e a utilização sustentável dos recursos marinhos.

    21

    O artigo 2.o desta diretiva, intitulado «Âmbito», prevê no seu n.o 4:

    «A presente diretiva não afeta os direitos soberanos nem a jurisdição dos Estados‑Membros sobre as águas marinhas decorrentes do direito internacional aplicável, nomeadamente a [Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), assinada em Montego Bay, em 10 de dezembro de 1982, e que entrou em vigor em 16 de novembro de 1994 (Recueil des traités des Nations unies, vols. 1833, 1834 e 1835, p. 3)]. Em especial, a aplicação da presente diretiva não influencia a delineação nem a delimitação das fronteiras marítimas pelos Estados‑Membros, em conformidade com as disposições aplicáveis da CNUDM.»

    22

    O artigo 11.o da referida diretiva, intitulado «Cooperação entre os Estados‑Membros», dispõe, no seu n.o 1:

    «Enquanto parte do processo de planeamento e de gestão, os Estados‑Membros que partilham águas marinhas cooperam para garantir que os planos de ordenamento do espaço marítimo sejam coerentes e coordenados na região marítima em questão. Essa cooperação deve ter em conta, nomeadamente, questões de natureza transnacional.»

    – Código das Fronteiras Schengen

    23

    O artigo 4.o do Código das Fronteiras Schengen, intitulado «Direitos fundamentais», enuncia:

    «Os Estados‑Membros aplicam o presente regulamento agindo no estrito cumprimento do direito aplicável da União, designadamente a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia […], do direito internacional aplicável, designadamente a Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados, de 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations Unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)], das obrigações em matéria de acesso à proteção internacional, em particular o princípio de não repulsão, e dos direitos fundamentais. […]»

    24

    O artigo 13.o, n.os 1 e 2, deste código prevê:

    «1.   A vigilância de fronteiras tem por objetivo principal impedir a passagem não autorizada da fronteira, lutar contra a criminalidade transfronteiriça e tomar medidas contra quem tiver atravessado ilegalmente a fronteira. Quem atravessar ilegalmente uma fronteira e não tiver direito a residir no território do Estado‑Membro em questão deve ser detido e ficar sujeito a procedimento por força da Diretiva 2008/115/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98)].

    2.   Os guardas de fronteira utilizam unidades fixas ou móveis para efetuar a vigilância das fronteiras.

    Esta vigilância é efetuada de forma a impedir e desencorajar as pessoas de iludir o controlo nos pontos de passagem de fronteira.»

    25

    O artigo 17.o do referido código, intitulado «Cooperação entre os Estados‑Membros», dispõe, nos seus n.os 1 a 3:

    «1.   Os Estados‑Membros prestar‑se‑ão assistência mútua e asseguram entre si uma cooperação estreita e permanente tendo em vista uma execução eficaz do controlo fronteiriço, em conformidade com os artigos 7.o a 16.o Trocam entre si toda a informação pertinente.

    2.   A cooperação operacional entre Estados‑Membros no domínio da gestão das fronteiras externas é coordenada pela [Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados‑Membros da União Europeia].

    3.   Sem prejuízo das competências da Agência, os Estados‑Membros podem prosseguir a cooperação operacional com outros Estados‑Membros e/ou com países terceiros nas fronteiras externas, incluindo o intercâmbio de agentes de ligação, sempre que essa cooperação complemente as atividades da Agência.

    Os Estados‑Membros abster‑se‑ão de qualquer atividade que possa comprometer o funcionamento ou a realização dos objetivos da Agência.

    Os Estados‑Membros informam a Agência sobre a cooperação operacional referida no primeiro parágrafo.»

    Antecedentes do litígio

    26

    Em 25 de junho de 1991, a República da Croácia e a República da Eslovénia proclamaram a sua independência da República Socialista Federativa da Jugoslávia. Entre 1992 e 2001, estes dois Estados tentaram solucionar a questão da fixação das suas fronteiras terrestre e marítima comuns através de negociações bilaterais. Essas negociações foram infrutíferas relativamente a alguns segmentos daquelas fronteiras.

    27

    A República da Eslovénia tornou‑se membro da União em 1 de maio de 2004.

    28

    Em 4 de novembro de 2009, a República da Croácia e a República da Eslovénia assinaram a Convenção de Arbitragem, com o intuito de resolver o diferendo fronteiriço que as opunha. Nos termos desta convenção, que entrou em vigor em 29 de novembro de 2010, comprometeram‑se a submeter este diferendo ao tribunal arbitral instituído por esta convenção e aceitaram que a decisão a proferir por este as vincularia.

    29

    Depois de ter sido ratificado por todos os Estados contratantes, em conformidade com as respetivas regras constitucionais destes últimos, o tratado de adesão da Croácia à União entrou em vigor em 1 de julho de 2013. A República da Croácia tornou‑se membro da União nesta mesma data.

    30

    Dos autos do presente processo resulta que, durante o processo de arbitragem no tribunal arbitral, ocorreu um incidente processual devido a comunicações oficiosas entre o árbitro nomeado pela República da Eslovénia e o agente deste Estado no tribunal arbitral durante as deliberações deste. Na sequência da publicação de determinados artigos na imprensa que refletiam o teor dessas comunicações, o árbitro e o agente em causa renunciaram às respetivas funções.

    31

    Por carta de 24 de julho de 2015, a República da Croácia transmitiu ao tribunal arbitral excertos das referidas comunicações e, devido à quebra absoluta da confiança provocada, em seu entender, por essas comunicações, requereu àquele tribunal arbitral a suspensão do processo de arbitragem.

    32

    Por nota verbal de 30 de julho de 2015, a República da Croácia informou a República da Eslovénia de que considerava que esta última era responsável por uma ou por várias violações substanciais da Convenção de Arbitragem, na aceção do artigo 60.o, n.os 1 e 3, da Convenção de Viena, e que, consequentemente, entendia que tinha direito de fazer cessar a Convenção de Arbitragem. A República da Croácia especificou que aquela nota constituía uma notificação, em conformidade com o disposto no artigo 65.o, n.o 1, da Convenção de Viena, por meio da qual se propunha fazer cessar imediatamente a Convenção de Arbitragem. A República da Croácia explicou que considerava que, devido às comunicações oficiosas referidas no n.o 30 do presente acórdão, a imparcialidade e a integridade do processo arbitral tinham ficado irrevogavelmente comprometidas, o que conduzia a uma violação manifesta dos seus direitos.

    33

    Na mesma data, o membro do tribunal arbitral nomeado pela República da Croácia renunciou às suas funções.

    34

    Por carta de 31 de julho de 2015, a República da Croácia informou o tribunal arbitral da sua decisão de fazer cessar a vigência da Convenção de Arbitragem e comunicou‑lhe as respetivas razões.

    35

    Em 13 de agosto de 2015, a República da Eslovénia informou o tribunal arbitral de que tinha apresentado uma objeção à notificação, efetuada pela República da Croácia, da sua decisão de fazer cessar a Convenção de Arbitragem e considerou que o tribunal arbitral tinha o poder e o dever de continuar o processo.

    36

    Em 25 de setembro de 2015, o presidente do tribunal arbitral nomeou dois novos árbitros para os dois lugares que estavam vagos, em conformidade com o procedimento de substituição de um árbitro previsto no artigo 2.o da Convenção de Arbitragem.

    37

    Por carta de 1 de dezembro de 2015, o tribunal arbitral convidou as duas partes a apresentarem alegações escritas «relativas às consequências jurídicas das questões suscitadas pela [República da] Croácia nas suas cartas de 24 e de 31 de julho de 2015» e realizou uma audiência sobre esta questão em 17 de março de 2016. Só a República da Eslovénia respondeu ao convite do tribunal arbitral e participou nesta audiência.

    38

    Em 30 de junho de 2016, o tribunal arbitral pronunciou‑se sobre o incidente processual por meio de uma decisão parcial. Considerou, designadamente, que, por ter estabelecido contactos oficiosos com o árbitro que inicialmente nomeou, a República da Eslovénia tinha violado as disposições da Convenção de Arbitragem. Contudo, o tribunal arbitral considerou que, atendendo às medidas corretivas posteriormente adotadas, estas violações não tinham afetado a sua capacidade, na sua composição alterada, de proferir uma decisão final independente e imparcial sobre o diferendo entre as partes, em conformidade com as regras aplicáveis, pelo que as referidas violações não tinham privado a Convenção de Arbitragem do seu objeto nem da sua finalidade. O tribunal arbitral concluiu que a República da Croácia não podia fazer cessar a Convenção de Arbitragem ao abrigo do artigo 60.o, n.o 1, da Convenção de Viena e que a Convenção de Arbitragem continuava assim em vigor.

    39

    Em 29 de junho de 2017, o tribunal arbitral proferiu a decisão arbitral através da qual determinou a delimitação das fronteiras marítima e terrestre entre a República da Croácia e a República da Eslovénia.

    Procedimento pré‑contencioso

    40

    Por carta de 29 de dezembro de 2017, a República da Eslovénia chamou a atenção da Comissão para o facto de a República da Croácia rejeitar a decisão arbitral e sublinhou que a recusa deste Estado‑Membro em implementar esta decisão tornava impossível o exercício, por parte da República da Eslovénia, da sua soberania sobre as zonas marítimas e terrestres que, de acordo com o direito internacional, fazem parte do seu território. Nestas circunstâncias, a República da Eslovénia indicou que se encontrava na impossibilidade de respeitar tanto a obrigação que lhe incumbia nos termos do direito internacional de dar execução à decisão arbitral como a que lhe incumbia por força dos tratados de implementar o direito da União no seu território. Atendendo à ameaça que esta situação constitui para os valores da União e para o respeito do direito desta, a República da Eslovénia convidou a Comissão a atuar o mais rapidamente possível para fazer cessar a violação da Convenção de Arbitragem e da decisão arbitral por parte da República da Croácia, devendo esta violação ser analisada como uma violação, por parte deste último Estado‑Membro, das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados.

    41

    Na sequência de diversos incidentes marítimos ocorridos nas águas que a decisão arbitral atribuiu à República da Eslovénia, este Estado‑Membro, por carta de 16 de março de 2018, desencadeou um processo por incumprimento contra a República da Croácia ao apresentar uma queixa à Comissão em conformidade com o disposto no artigo 259.o, segundo parágrafo, TFUE.

    42

    Em 17 de abril de 2018, a República da Croácia apresentou observações escritas à Comissão. As duas partes participaram numa audiência na Comissão.

    43

    A Comissão não formulou um parecer fundamentado no prazo de três meses previsto no artigo 259.o, quarto parágrafo, TFUE.

    Tramitação processual no Tribunal de Justiça

    44

    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 13 de julho de 2018, a República da Eslovénia intentou a presente ação.

    45

    Por requerimento separado de 21 de dezembro de 2018, a República da Croácia suscitou uma exceção de inadmissibilidade da presente ação, ao abrigo do artigo 151.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

    46

    A República da Eslovénia respondeu a esta exceção em 12 de fevereiro de 2019.

    47

    Por Decisão de 21 de maio de 2019, o Tribunal de Justiça decidiu remeter o processo à Grande Secção para efeitos da decisão sobre a exceção de inadmissibilidade.

    48

    Por requerimento separado entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 31 de maio de 2019, a República da Croácia solicitou ao Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 151.o do Regulamento de Processo, o desentranhamento dos autos do documento de trabalho interno da Comissão relativo ao parecer do seu Serviço Jurídico, que figura nas páginas 38 a 45 do anexo C.2 da resposta da República da Eslovénia à exceção de inadmissibilidade (a seguir «documento controvertido»).

    49

    Por cartas da Secretaria do Tribunal de Justiça de 3 e de 12 de junho de 2019, as partes foram convidadas, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 62.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a responder a uma questão no decurso da audiência que se iria realizar, bem como a apresentar determinados documentos. As partes apresentaram esses documentos nos termos fixados.

    50

    Por carta da Secretaria do Tribunal de Justiça de 7 de junho de 2019, o Tribunal de Justiça convidou a Comissão, ao abrigo do artigo 24.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, a responder por escrito ou, eventualmente, na audiência, a questões relativas às disposições do Regulamento n.o 1380/2013.

    51

    Em 11 de junho de 2019, a República da Eslovénia apresentou as suas observações sobre o pedido da República da Croácia de desentranhamento do documento controvertido dos autos.

    52

    Por carta da Secretaria do Tribunal de Justiça de 20 de junho de 2019, o Tribunal de Justiça convidou a Comissão a apresentar as suas observações sobre este mesmo pedido.

    53

    Em 28 de junho de 2019, a Comissão apresentou as suas observações a este respeito. Por carta separada do mesmo dia, a Comissão respondeu às questões que lhe haviam sido colocadas pelo Tribunal de Justiça na carta de 7 de junho de 2019.

    54

    Realizou‑se em 8 de julho de 2019 uma audiência, na qual estiveram presentes a República da Croácia e da República da Eslovénia, que teve por objeto a exceção de inadmissibilidade.

    Quanto ao pedido de desentranhamento do documento controvertido dos autos

    Argumentos das partes

    55

    A República da Croácia pede ao Tribunal de Justiça que desentranhe dos autos do presente processo o documento controvertido.

    56

    Em apoio do seu pedido, a República da Croácia alega que o documento controvertido é um parecer interno do Serviço Jurídico da Comissão, redigido no decurso da fase pré‑contenciosa da presente ação por incumprimento e que nunca foi tornado público pela Comissão. A manutenção deste documento nos autos terá repercussões negativas não apenas no bom funcionamento da Comissão como constituirá também um obstáculo às exigências de um processo equitativo.

    57

    A República da Eslovénia requer que o pedido da República da Croácia seja julgado improcedente.

    58

    Primeiro, a República da Eslovénia alega que teve acesso ao documento controvertido através de uma hiperligação existente num artigo publicado no sítio Internet de um jornal semanário alemão e sublinha que tanto esse artigo como o parecer do Serviço Jurídico continuam a estar acessíveis online. Assim, o facto de a República da Eslovénia ter tido acesso ao referido documento não contraria o Regulamento n.o 1049/2001 porque este documento é público.

    59

    Segundo, a República da Eslovénia sustenta que a República da Croácia, que não é autora do documento controvertido, não se pode substituir à Comissão para defender os interesses desta através do pedido de desentranhamento deste documento dos autos.

    60

    Terceiro, a República da Eslovénia sustenta que, para efeitos do presente processo, não é possível retirar nenhum ensinamento do Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374), nem do Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento (C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438), porque os processos que estiveram na origem deste último acórdão e deste último despacho punham em causa a utilização não autorizada de documentos em litígios que envolviam a instituição autora desses documentos. No presente processo está em causa uma situação diferente uma vez que a Comissão, que é a autora do documento controvertido, não participa no processo na qualidade de demandada.

    61

    Em todo o caso, a República da Eslovénia sublinha que a apresentação do documento controvertido não é suscetível de violar os interesses protegidos pelo artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001 e que a República da Croácia não indicou em que medida a manutenção deste documento nos autos viola os referidos interesses.

    62

    Quarto, a República da Eslovénia sustenta que, ainda que se admita que a Comissão intervenha no presente processo ou que o Tribunal a convide a apresentar observações, a divulgação do documento controvertido não tem nenhum impacto quanto ao mérito nas observações que aquela instituição vier a apresentar ao Tribunal de Justiça. Com efeito, é expectável que, neste caso, a Comissão siga, em princípio, a apreciação efetuada pelo seu Serviço Jurídico.

    63

    A Comissão, por seu turno, considera que o documento controvertido, que é um documento de trabalho interno relativo a um parecer do seu Serviço Jurídico, deve ser desentranhado dos autos. Esta instituição sublinha que o referido documento não se destinava ao publico e que não o divulgou a este nem autorizou a respetiva apresentação no âmbito de um litígio no Tribunal. A Comissão acrescenta que o Tribunal também não ordenou a sua apresentação.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    64

    Há que constatar que o documento controvertido é uma nota interna redigida pelo Serviço Jurídico da Comissão e destinada ao chefe de gabinete do presidente desta instituição, relativa à fase pré‑contenciosa do processo desencadeado pela República da Eslovénia ao abrigo do artigo 259.o TFUE, e na qual figura uma apreciação jurídica das questões de direito pertinentes. Por conseguinte, é inegável que este documento comporta um parecer jurídico.

    65

    É facto assente, primeiro, que a República da Eslovénia não pediu autorização à Comissão para apresentar o referido documento ao Tribunal de Justiça, segundo, que esta instituição não ordenou a respetiva apresentação no âmbito da presente ação e, terceiro, que a Comissão não o divulgou no âmbito de um pedido de acesso do público aos documentos das instituições, em conformidade com as disposições do Regulamento n.o 1049/2001.

    66

    Ora, segundo jurisprudência constante, seria contrário ao interesse público que pretende que as instituições possam beneficiar dos pareceres dos seus serviços jurídicos, redigidos com absoluta independência, admitir que a apresentação de tais documentos internos possa ocorrer no âmbito de um litígio no Tribunal de Justiça sem que a respetiva apresentação tenha sido autorizada pela instituição em causa ou ordenada por esta jurisdição (Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento, C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.o 8 e jurisprudência referida).

    67

    Este interesse encontra‑se refletido no artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001, que prevê, no seu n.o 2, que «[a]s instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de […] processos judiciais e consultas jurídicas, […] exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação». Embora esta disposição não seja aplicável no presente processo na medida em que a República da Eslovénia juntou o documento controvertido à sua resposta à exceção de inadmissibilidade sem ter autorização da Comissão para tal, não deixa de ser certo que este documento reveste um certo valor indicativo para efeitos da ponderação dos interesses necessária à decisão relativa ao pedido de desentranhamento do referido documento (v., neste sentido, Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento, C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.os 9, 12 e 13).

    68

    A este respeito, há que salientar que, ao invocar e ao apresentar, no âmbito da presente ação por incumprimento ao abrigo do artigo 259.o TFUE, um parecer jurídico do Serviço Jurídico da Comissão, que foi redigido depois de a questão ter sido submetida à apreciação desta última e que comporta uma apreciação jurídica das questões de direito pertinentes, a República da Eslovénia pretende confrontar a República da Croácia e, eventualmente, também a Comissão com este parecer no presente processo. Autorizar a manutenção deste último nos autos, embora a sua divulgação não tenha sido autorizada pela Comissão, equivaleria a permitir que a República da Eslovénia contornasse o procedimento relativo ao pedido de acesso a tal documento, instituído pelo Regulamento n.o 1049/2001 (v., neste sentido, Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento, C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.o 14 e jurisprudência referida).

    69

    Ora, a mera circunstância de a República da Eslovénia invocar o documento controvertido num litígio perante o Tribunal de Justiça contra uma parte que não é a instituição de que emana o parecer em nada afeta o interesse público das instituições em poderem beneficiar dos pareceres dos respetivos serviços jurídicos, redigidos com absoluta independência, e não torna assim supérflua a ponderação dos interesses exigida para se pronunciar sobre o pedido de desentranhamento deste documento dos autos (v., por analogia, Despacho de 23 de outubro de 2002, Áustria/Conselho,C‑445/00, EU:C:2002:607, n.o 12).

    70

    No presente caso, existe um risco previsível, que está longe de ser hipotético, de a Comissão, que não formulou um parecer fundamentado, em conformidade com o disposto no artigo 259.o, terceiro parágrafo, TFUE, sobre as acusações da República da Eslovénia, nem deu a conhecer a sua posição sobre estas acusações ao intervir no Tribunal em apoio de uma ou de outra das partes, se sentir obrigada, devido à apresentação não autorizada do documento controvertido no presente processo, a tomar publicamente posição sobre um parecer que, obviamente, se destinava a utilização interna. Ora, de semelhante perspetiva decorrem necessariamente repercussões negativas no que respeita ao interesse da Comissão em pedir pareceres jurídicos e em receber pareceres francos, objetivos e completos (v., por analogia, Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 42, e Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento, C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.o 16).

    71

    No que respeita à existência de um interesse público superior que justifique a manutenção do documento controvertido nos autos, para além do facto de o parecer jurídico contido neste documento não dizer respeito a um processo legislativo relativamente ao qual é necessária uma maior transparência (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.os 46, 47, 67 e 68), há que salientar que, para a República da Eslovénia, o interesse nesta manutenção consiste em poder invocar este parecer jurídico em apoio da sua resposta à exceção de inadmissibilidade suscitada pela República da Croácia. Nestas condições, a apresentação do referido parecer jurídico parece ser guiada pelos próprios interesses da República da Eslovénia em fundamentar a sua argumentação na sua resposta à exceção de inadmissibilidade e não por um qualquer interesse público superior (v., neste sentido, Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento, C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.o 18).

    72

    A circunstância de, conforme a própria a República da Eslovénia alega, esta ter tido acesso ao documento controvertido através do sítio Internet de um jornal semanário no qual foi publicado um artigo que remete, através de uma hiperligação, para o referido parecer, por se tratar de uma publicação não autorizada deste parecer, não pode pôr em causa as considerações que precedem, (v., por analogia, Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento, C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.o 17).

    73

    Nestas condições, há que deferir o pedido da República da Croácia de desentranhamento do documento controvertido dos autos.

    Quanto à competência do Tribunal de Justiça

    Argumentos das partes

    74

    A República da Croácia pede ao Tribunal de Justiça que julgue integralmente improcedente a presente ação por ser inadmissível. A este título invoca, nomeadamente, três acusações de incompetência.

    75

    Em primeiro lugar, a República da Croácia invoca que as alegações da República da Eslovénia segundo as quais terá violado as obrigações que lhe incumbem por força do direito da União são acessórias para a resolução do diferendo respeitante à validade e aos efeitos jurídicos da Convenção de Arbitragem e da decisão arbitral. Ora, conforme foi declarado no Acórdão de 30 de setembro de 2010, Comissão/Bélgica (C‑132/09, EU:C:2010:562), o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre a violação de obrigações decorrentes do direito da União se essas obrigações forem acessórias para a prévia resolução de outro diferendo para cuja resolução o Tribunal de Justiça não é competente.

    76

    Em segundo lugar, a República da Croácia sustenta que o real objeto do litígio entre os dois Estados diz respeito, por um lado, à validade e aos efeitos jurídicos da Convenção de Arbitragem, a qual não faz parte integrante do direito da União, e, por outro, à validade e às consequências jurídicas eventuais da decisão arbitral, a qual até este momento ainda não foi executada. Tal litígio deve, por conseguinte, ser resolvido em aplicação das regras do direito internacional e a sua solução não depende da aplicação do direito da União.

    77

    Em terceiro lugar, a República da Croácia considera que o Tribunal de Justiça não é competente, nos termos do artigo 259.o TFUE, para se pronunciar sobre a validade e os efeitos da Convenção de Arbitragem, que é um acordo internacional que não faz parte integrante do direito da União, nem da decisão arbitral proferida ao abrigo desta convenção. Ora, a Convenção de Arbitragem constitui o fundamento em si mesmo das violações do direito da União invocadas pela República da Eslovénia.

    78

    A República da Eslovénia pede que a exceção de inadmissibilidade invocada pela República da Croácia seja julgada improcedente, na parte em que esta última pede que seja constatada a incompetência do Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre a presente ação.

    79

    Em primeiro lugar, a República da Eslovénia considera que, através desta argumentação, a República da Croácia tenta desvirtuar unilateralmente o objeto da ação.

    80

    A este respeito, primeiro, a República da Eslovénia sublinha que se limita, na sua petição, a invocar uma violação do direito primário e do direito derivado da União.

    81

    Segundo, a República da Eslovénia considera que a competência do Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 259.o TFUE não está excluída quando os factos nos quais assentam as alegações de violação do direito da União façam parte tanto do direito da União como do direito internacional. A este respeito, importa apenas que estes factos digam respeito a uma violação de obrigações impostas pelo direito da União. Porém, tal não impede que o Tribunal de Justiça tome em consideração regras materiais do direito internacional que o direito da União integrou ou tinha intenção de integrar no seu sistema jurídico.

    82

    Terceiro, a República da Eslovénia alega, baseando‑se no Acórdão de 12 de setembro de 2006, Espanha/Reino Unido (C‑145/04, EU:C:2006:543), que a existência de um litígio bilateral relativo à interpretação de um ato de direito internacional aplicável entre as partes numa ação por incumprimento não exclui a competência do Tribunal de Justiça para se pronunciar no âmbito desta.

    83

    Quarto, para efeitos de se pronunciar sobre a competência do Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 259.o TFUE, importa apenas a questão de saber se o fundamento dos pedidos constantes da petição inicial são «obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados».

    84

    A República da Eslovénia considera que a sua petição inicial preenche os requisitos necessários para um exame ao abrigo do artigo 259.o TFUE. Com efeito, decorre dos pedidos que esta apresentou e dos fundamentos invocados em apoio da sua ação que as acusações feitas pela República da Eslovénia se baseiam no direito primário da União e num conjunto de atos do direito derivado. A República da Eslovénia esclarece que, nos pedidos constantes da petição inicial, não pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República da Croácia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito internacional. A referência que na petição inicial é feita à decisão arbitral é feita apenas enquanto elemento factual pertinente para a interpretação do direito da União, para descrever o território no qual os Estados‑Membros se devem conformar às obrigações que lhes incumbem por força deste direito.

    85

    Em seguida, a República da Eslovénia analisa as acusações de incompetência apresentadas pela República da Croácia.

    86

    No que respeita, mais especificamente, à acusação de incompetência relativa ao caráter acessório das pretensas violações ao direito da União, a República da Eslovénia alega que, na medida em que os territórios respetivos da República da Croácia e da República da Eslovénia são determinados pela fronteira fixada em conformidade com o direito internacional, concretamente na decisão arbitral, não é pedido ao Tribunal de Justiça que declare que o direito internacional foi violado nem que se pronuncie sobre um litígio internacional. A República da Eslovénia sublinha que a fronteira entre os dois Estados, conforme foi delineada na decisão arbitral, é um dado de facto a que o Tribunal de Justiça pode e deve atender e não uma questão jurídica sobre a qual se pode pronunciar. Seja como for, o Tribunal de Justiça deve respeitar e aplicar o direito internacional, na medida em que tal seja necessário para interpretar ou para aplicar o direito da União.

    87

    No que respeita às acusações de incompetência relativas, por um lado, ao facto de o objeto real do litígio ser constituído pela interpretação e pela aplicação do direito internacional e, por outro, ao facto de o Tribunal de Justiça ser incompetente para se pronunciar sobre a validade e os efeitos de um acordo internacional que não faz parte do direito da União, a República da Eslovénia sublinha que a questão da validade da Convenção de Arbitragem e da validade e dos efeitos jurídicos da decisão arbitral não faz parte do objeto do litígio submetido ao Tribunal de Justiça, não é abrangida pela competência deste e, seja como for, ficou decidida na decisão parcial de 30 de junho de 2016. A circunstância de a República da Croácia não concordar com a decisão arbitral não pode significar que existe um diferendo fronteiriço não resolvido ou que o Tribunal de Justiça se deve pronunciar sobre esta questão já decidida.

    88

    Por último, a República da Eslovénia alega que o argumento da República da Croácia segundo o qual a decisão arbitral não é diretamente aplicável não deve ser apreciado em sede de competência, mas em sede do exame de mérito. Seja como for, este argumento é erróneo porque esta decisão é vinculativa nos termos do direito internacional e fixou assim de modo definitivo a fronteira entre os dois Estados‑Membros.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    89

    Há que recordar que, nos termos do artigo 259.o, primeiro parágrafo, TFUE, «[q]ualquer Estado‑Membro pode recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia, se considerar que outro Estado‑Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados».

    90

    No presente caso, resulta da redação dos pedidos formulados na petição inicial que a República da Eslovénia baseia a sua ação por incumprimento na pretensa violação, por parte da República da Croácia, das obrigações que lhe incumbem por força, primeiro, do artigo 4.o, n.o 3, TUE, segundo, do artigo 2.o TUE, terceiro, do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1380/2013, lido em conjugação com o anexo I deste regulamento, quarto, do sistema de controlo, da inspeção e da aplicação das regras constantes do Regulamento n.o 1224/2009 e do Regulamento de Execução n.o 404/2011, quinto, dos artigos 4.o e 17.o do Código das Fronteiras Schengen, lidos em conjugação com o artigo 13.o deste código, bem como, sexto, do artigo 2.o, n.o 4, e do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2014/89.

    91

    Há igualmente que recordar que o Tribunal de Justiça, no âmbito de uma ação por incumprimento, já declarou que é incompetente para se pronunciar sobre a interpretação de um acordo internacional celebrado pelos Estados‑Membros e cujo objeto extravasa os domínios da competência da União, bem como sobre as obrigações que dele decorrerem para estes (v., neste sentido, Acórdão de 30 de setembro de 2010, Comissão/Bélgica,C‑132/09, EU:C:2010:562, n.o 44).

    92

    Desta jurisprudência resulta que o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre uma ação por incumprimento, independentemente de ser intentada ao abrigo do artigo 258.o TFUE ou do artigo 259.o TFUE, quando a violação das disposições do direito da União invocada em seu apoio apresente uma natureza acessória face à pretensa violação de obrigações decorrentes de tal acordo.

    93

    Por conseguinte, para apreender exatamente a natureza e o âmbito das violações alegadas, os pedidos formulados na petição inicial devem ser lidos à luz das acusações da República da Eslovénia conforme estas figuram na fundamentação da petição.

    94

    Ora, destes fundamentos decorre que, com a sua primeira acusação, relativa à violação do artigo 2.o TUE, a República da Eslovénia pretende que seja declarado que, ao desrespeitar de forma unilateral o compromisso assumido durante o processo de adesão à União de respeitar a futura decisão arbitral, a fronteira determinada na decisão arbitral, bem como as outras obrigações que desta decisão decorrem, a República da Croácia recusa respeitar o Estado de direito consagrado nesta disposição e viola, a este título, os princípios da cooperação leal e da res judicata.

    95

    Com a segunda acusação, relativa à violação do princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, a República da Eslovénia alega que a República da Croácia, ao recusar reconhecer e respeitar a fronteira determinada na decisão arbitral, põe em causa a realização dos objetivos da União e impede a implementação, na totalidade do território esloveno, do direito da União, cuja aplicação depende da determinação dos territórios dos Estados‑Membros.

    96

    Com a terceira e quarta acusações, a República da Eslovénia sustenta que, por não respeitar o território esloveno nem as suas fronteiras, conforme definidas na decisão arbitral, a República da Croácia viola o direito da União no domínio da política comum das pescas.

    97

    Em especial, no que respeita à terceira acusação, a República da Eslovénia alega que, ao contestar a fronteira conforme foi determinada na decisão arbitral e ao opor‑se à sua demarcação e ao respeito dessa fronteira, a República da Croácia viola os direitos exclusivos da República da Eslovénia sobre as suas águas territoriais, impede‑a de cumprir as obrigações que lhe incumbem por força do Regulamento n.o 1380/2013 e obsta, através de um comportamento unilateral que consubstancia uma violação manifesta da Convenção de Arbitragem, à aplicação do regime de acesso às faixas costeiras da Croácia e da Eslovénia a título das relações de vizinhança instituído por este regulamento, o qual se aplica a estes dois Estados‑Membros desde 30 de dezembro de 2017, ou seja, desde o dia seguinte à data de termo do prazo de seis meses previsto no artigo 7.o, n.o 3, da Convenção de Arbitragem para o cumprimento da decisão arbitral.

    98

    No que respeita à quarta acusação, a República da Eslovénia alega através desta que a República da Croácia violou o regime comunitário de controlo fixado para assegurar o cumprimento das regras da política comum das pescas, instituído pelo Regulamento n.o 1224/2009 e pelo Regulamento de Execução n.o 404/2011, na medida em que este último Estado‑Membro, ao desrespeitar a sua fronteira marítima comum conforme determinada na decisão arbitral, por um lado, impede a República da Eslovénia de cumprir as obrigações que lhe incumbem no âmbito do referido regime de controlo e, por outro, exerce ilegalmente, nas águas eslovenas, direitos que pertencem à República da Eslovénia enquanto Estado costeiro.

    99

    Com a quinta acusação, a República da Eslovénia sustenta que, na medida em que a fronteira entre a República da Croácia e a República da Eslovénia, conforme determinada na decisão arbitral, continua a ser uma fronteira externa à qual se aplicam as disposições do Código das Fronteiras Schengen relativas às fronteiras externas, a República da Croácia viola tanto as obrigações de controlo dessa fronteira como a obrigação de vigilância dessa mesma fronteira impostas por esse código. Além disso, a República da Croácia viola a obrigação de atuar no pleno respeito das disposições pertinentes do direito internacional aplicável previstas no referido código porquanto recusa reconhecer a decisão arbitral.

    100

    Com a sexta acusação, a República da Eslovénia alega que a República da Croácia, ao recusar reconhecer a decisão arbitral que fixou a delimitação das águas territoriais entre estes dois Estados‑Membros e, em especial, ao incluir as águas territoriais eslovenas na sua planificação do espaço marítimo, viola a Diretiva 2014/89. Ao proceder deste modo, a República da Croácia torna também impossível qualquer cooperação prevista nesta diretiva.

    101

    Do que precede decorre que as violações alegadas ao direito primário da União como as visadas na primeira e segunda acusações resultam, segundo a própria República da Eslovénia, da pretensa violação por parte da República da Croácia das obrigações decorrentes da Convenção de Arbitragem e da decisão arbitral proferida ao abrigo daquela convenção, nomeadamente da obrigação de respeitar a fronteira fixada nesta decisão. Do mesmo modo, no que respeita às violações alegadas do direito derivado da União como as visadas na terceira a sexta acusações, estas assentam na premissa de que a fronteira terrestre e marítima entre a República da Croácia e a República da Eslovénia foi determinada em conformidade com o direito internacional, isto é, pela decisão arbitral. A recusa, por parte deste primeiro Estado‑Membro, de executar esta decisão impede por conseguinte o segundo Estado‑Membro de aplicar, na totalidade do seu território, as disposições do direito derivado da União em causa, bem como de fruir dos direitos que lhe são conferidos por estas disposições e obsta, nas zonas marítimas objeto do diferendo, à aplicação das disposições do direito derivado da União que se referem à integral implementação da decisão arbitral decorrente da Convenção de Arbitragem.

    102

    A este respeito, há que constatar que a decisão arbitral foi proferida por um tribunal internacional constituído ao abrigo de uma convenção de arbitragem bilateral que se rege pelo direito internacional, cujo objeto não integra os domínios de competências da União visados nos artigos 3.o a 6.o TFUE e da qual a União não é parte. É certo que a União ofereceu os seus bons ofícios às duas partes no diferendo fronteiriço com vista à resolução deste e que a Presidência do Conselho assinou a Convenção de Arbitragem em nome da União, enquanto testemunha. Além disso, existem relações de conexão entre, por um lado, a conclusão desta convenção e o procedimento de arbitragem tramitado ao abrigo desta convenção e, por outro, o processo de negociação e de adesão da República da Croácia à União. Contudo, estas circunstâncias não são suficientes para considerar que a Convenção de Arbitragem e a decisão arbitral fazem parte integrante do direito da União.

    103

    Em especial, a circunstância de o ponto 5 do anexo III do ato de adesão ter aditado ao anexo I do Regulamento n.o 2371/2002 os pontos 11 e 12 e de as notas de pé de página para as quais remetem estes pontos se referirem, em termos neutros, à decisão arbitral proferida com base na Convenção de Arbitragem, para definir a data de aplicabilidade do regime de acesso às faixas costeiras da Croácia e da Eslovénia a título das relações de vizinhança, não pode ser interpretada no sentido de que este ato de adesão incorporou no direito da União os compromissos internacionais assumidos no âmbito desta convenção pela República da Croácia e pela República da Eslovénia, designadamente a obrigação de respeitar a fronteira definida nesta decisão.

    104

    Daqui decorre que as violações alegadas do direito da União apresentam um caráter acessório face à pretensa violação pela República da Croácia das obrigações resultantes de um acordo internacional bilateral do qual a União não é parte e cujo objeto escapa aos domínios da competência desta. Na medida em que uma ação por incumprimento intentada ao abrigo do artigo 259.o TFUE só pode ter por objeto a inobservância de obrigações decorrentes do direito da União, o Tribunal de Justiça, em conformidade com o que foi recordado nos n.os 91 e 92 do presente acórdão, não é assim competente para se pronunciar no âmbito do presente processo relativo a uma alegada violação das obrigações decorrentes da Convenção de Arbitragem e da decisão arbitral que estão na origem das acusações da República da Eslovénia relativas a alegadas violações do direito da União.

    105

    Há ainda que precisar a este respeito que, não havendo, nos Tratados, uma definição mais precisa dos territórios que são abrangidos pela soberania dos Estados‑Membros, cabe a cada um destes determinar a extensão e os limites do seu próprio território, em conformidade com as regras do direito internacional público (v., neste sentido, Acórdão de 29 de março de 2007, Aktiebolaget NN,C‑111/05, EU:C:2007:195, n.o 54). Com efeito, é por referência aos territórios nacionais que é definido o âmbito de aplicação territorial dos Tratados, na aceção do artigo 52.o TUE e do artigo 355.o TFUE. De resto, o artigo 77.o, n.o 4, TFUE recorda que os Estados‑Membros são competentes no que respeita à definição geográfica das respetivas fronteiras, de acordo com o direito internacional.

    106

    No presente caso, o artigo 7.o, n.o 3, da Convenção de Arbitragem prevê que as partes tomarão todas as medidas necessárias para executar a decisão arbitral, incluindo, se for caso disso, alterando a legislação nacional no prazo de seis meses após a adoção dessa decisão. Além disso, as notas de pé de página relativas aos pontos 8 e 10 do anexo I do Regulamento n.o 1380/2013 especificam que, no que respeita à República da Croácia e à República da Eslovénia, o regime de acesso às faixas costeiras destes Estados a título das relações de vizinhança, que figura no anexo I deste regulamento, «é aplicável a partir da plena execução da decisão arbitral». Ora, é facto assente, conforme o advogado‑geral também referiu em substância no n.o 164 das suas conclusões, que a decisão arbitral não foi executada.

    107

    Nestas condições, não cabe ao Tribunal de Justiça, sob pena de exceder as competências que lhe são conferidas pelos Tratados e de usurpar as competências reservadas aos Estados‑Membros em matéria de determinação geográfica das respetivas fronteiras, examinar, no âmbito da presente ação intentada ao abrigo do artigo 259.o TFUE, a questão da extensão e dos limites dos territórios respetivos da República da Croácia e da República da Eslovénia, aplicando diretamente a fronteira determinada pela decisão arbitral para verificar a materialidade das violações do direito da União em causa.

    108

    Atendendo a todas as considerações precedentes, há que constatar que o Tribunal de Justiça é incompetente para se pronunciar sobre a presente ação por incumprimento.

    109

    Esta conclusão não prejudica nenhuma das obrigações que decorrem, para cada um dos dois Estados‑Membros em causa, nas suas relações recíprocas mas também para com a União e para com os outros Estados‑Membros, do artigo 4.o, n.o 3, TUE de cooperarem de forma leal na implementação de uma solução jurídica definitiva conforme com o direito internacional, tal como preconizada no ato de adesão, que assegure a aplicação efetiva e sem obstáculos do direito da União nas zonas em causa e que ponha termo ao diferendo que os opõe escolhendo uma ou outra via para a resolução deste, incluindo, se for caso disso, através da submissão deste diferendo ao Tribunal de Justiça por compromisso ao abrigo do artigo 273.o TFUE.

    Quanto às despesas

    110

    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

    111

    Tendo a República da Croácia pedido a condenação da República da Eslovénia e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

     

    1)

    O documento de trabalho interno da Comissão Europeia relativo ao parecer do seu Serviço Jurídico, que figura nas páginas 38 a 45 do anexo C.2 da resposta da República da Eslovénia à exceção de inadmissibilidade, é desentranhado dos autos do processo C‑457/18.

     

    2)

    O Tribunal de Justiça da União Europeia é incompetente para se pronunciar sobre a ação da República da Eslovénia, intentada ao abrigo do artigo 259.o TFUE, no processo C‑457/18.

     

    3)

    A República da Eslovénia é condenada nas despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: croata.

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