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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62019CJ0211

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Décima Secção) de 30 de abril de 2020.
    UO contra Készenléti Rendőrség.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Miskolci Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság.
    Reenvio prejudicial — Política social — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Diretiva 2003/88/CE — Âmbito de aplicação — Derrogação — Artigo 1.o, n.o 3 — Diretiva 89/391/CEE — Artigo 2.o, n.o 2 — Atividades das forças de intervenção da polícia.
    Processo C-211/19.

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2020:344

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

    30 de abril de 2020 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Política social — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Diretiva 2003/88/CE — Âmbito de aplicação — Derrogação — Artigo 1.o, n.o 3 — Diretiva 89/391/CEE — Artigo 2.o, n.o 2 — Atividades das forças de intervenção da polícia»

    No processo C‑211/19,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Miskolci Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Miskolc, Hungria), por Decisão de 21 de fevereiro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de março de 2019, no processo

    UO

    contra

    Készenléti Rendőrség,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

    composto por: I. Jarukaitis, presidente de secção, E. Juhász e C. Lycourgos (relator), juízes,

    advogado‑geral: G. Pitruzzella,

    secretário: M. Longar, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 29 de janeiro de 2020,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de UO, por I. Balázs, kamarai jogtanácsos,

    em representação de Készenléti Rendőrség, por A. Kenyhercz, kamarai jogtanácsos,

    em representação do Governo húngaro, por G. Koós, Z. Fehér e M. Tátrai, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por L. Havas, M. van Beek e N. Ruiz García, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 89/391/CEE do Conselho, de 12 de junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho (JO 1989, L 183, p. 1), do artigo 1.o, n.o 3, e do artigo 2.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 2003, L 299, p. 9).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe UO à Készenléti Rendőrség (Polícia de Intervenção, Hungria) a respeito da remuneração devida pelos serviços de plantão por ele prestados.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva 89/391

    3

    O artigo 2.o da Diretiva 89/391 prevê:

    «1.   A presente diretiva aplica‑se a todos os setores de atividade, privados ou públicos (atividades industriais, agrícolas, comerciais, administrativas, de serviços, educativas, culturais, de ocupação de tempos livres, etc.).

    2.   A presente diretiva não é aplicável sempre que se lhe oponham de forma vinculativa determinadas particularidades inerentes a certas atividades específicas da função pública, nomeadamente das forças armadas ou da polícia, ou a outras atividades específicas dos serviços de proteção civil.

    Neste caso, há que zelar por que sejam asseguradas, na medida do possível, a segurança e a saúde dos trabalhadores, tendo em conta os objetivos da presente diretiva.»

    Diretiva 2003/88

    4

    O artigo 1.o da Diretiva 2003/88 dispõe:

    «1.   A presente diretiva estabelece prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho.

    2.   A presente diretiva aplica‑se:

    a)

    Aos períodos mínimos de descanso diário, semanal e anual, bem como aos períodos de pausa e à duração máxima do trabalho semanal; e

    b)

    A certos aspetos do trabalho noturno, do trabalho por turnos e do ritmo de trabalho.

    3.   A presente diretiva é aplicável a todos os setores de atividade, privados e públicos, na aceção do artigo 2.o da Diretiva 89/391/CEE, sem prejuízo do disposto nos artigos 14.o, 17.o, 18.o e 19.o da presente diretiva.

    […]»

    5

    O artigo 2.o desta diretiva enuncia:

    «Para efeitos do disposto na presente diretiva, entende‑se por:

    1.

    Tempo de trabalho: qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas funções, de acordo com a legislação e/ou a prática nacional.

    2.

    Período de descanso: qualquer período que não seja tempo de trabalho.

    […]»

    6

    O artigo 17.o, n.o 3, da referida diretiva prevê:

    «Nos termos do n.o 2 do presente artigo, são permitidas derrogações aos artigos 3.o, 4.o, 5.o, 8.o e 16.o:

    […]

    c)

    No caso de atividades caracterizadas pela necessidade de assegurar a continuidade do serviço ou da produção, nomeadamente quando se trate:

    […]

    iii)

    de serviços de imprensa, rádio, televisão, produção cinematográfica, correios ou telecomunicações, ambulância, sapadores‑bombeiros ou proteção civil, […]

    […]»

    Direito húngaro

    7

    O artigo 102.o, n.o 1, da rendvédelmi feladatokat ellátó szervek hivatásos állományának szolgálati jogviszonyáról szóló 2015. évi XLII. törvény (Lei XLII de 2015 Relativa ao Estatuto do Pessoal Profissional dos Órgãos Encarregados da Manutenção da Ordem) dispõe:

    «Qualquer membro do pessoal profissional deve, no âmbito do cumprimento do serviço:

    a)

    estar pronto para entrar em serviço no local e durante o tempo que for prescrito, manter‑se nessas condições durante todo o período de serviço e cumprir a sua missão, bem como estar disponível para esse fim,

    […]»

    8

    O artigo 141.o, n.o 1, desta lei enuncia:

    «Um superior hierárquico pode obrigar um membro do pessoal profissional a estar num local diferente do local de afetação, onde possa ser encontrado e no qual deva manter‑se pronto para entrar em serviço fora das horas de serviço e no interesse do serviço, e do qual pode ser enviado em missão a qualquer momento.

    […]»

    9

    O artigo 364.o, n.o 1, da referida lei prevê:

    «A presente lei, juntamente com os decretos adotados por força dos poderes conferidos pelos artigos 340.o e 341.o, destina‑se a dar execução

    […]

    5.

    à Diretiva [2003/88]

    […]»

    10

    O artigo 58.o, n.o 1, da rendőrségről szóló 1994. évi XXXIV. törvény (Lei XXXIV de 1994 Relativa à Polícia) enuncia:

    «Os agentes da polícia podem ser empregados em patrulha […]

    b)

    a fim de fazer cessar acontecimentos de massa que ponham em perigo a vida e os bens das pessoas ou de impedir atos de violência suscetíveis de ter tais consequências e de deter os respetivos autores;

    […]

    j)

    nos restantes casos determinados na lei.»

    11

    Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do rendőrség szerveiről és a rendőrség szerveinek feladat‑ és hatásköréről szóló 329/2007 korm. rendelet (Decreto Governamental n.o 329/2007 Relativo aos Órgãos de Polícia e às Missões e Competências dos Órgãos de Polícia), de 13 de dezembro de 2007:

    «Os órgãos do Serviço de Polícia Geral instituídos para desempenhar missões específicas são:

    a)

    a Polícia de Intervenção;

    […]»

    12

    A Magyar Köztársaság rendőrségének csapatszolgálati Szabályzatának kiadásáról szóló 11/1998 ORFK utasítás (Instrução n.o 11/1998 do Estado‑Maior Nacional da Polícia Que Regulamenta o Serviço em Patrulha da Polícia da República da Hungria), de 23 de abril de 1998, prevê:

    «[…]

    12. […]

    […]

    Serviço de alerta de uma patrulha

    O objetivo do serviço de alerta é manter uma patrulha num estado de preparação que garanta que as suas missões possam ter início o mais rápido possível. Tal implica a constituição de uma patrulha, o seu alojamento e abastecimento, a constituição, se necessário, de equipas ou de grupos de equipas de serviço, a constituição do aprovisionamento material necessário à atividade de patrulha, a preparação das unidades e a manutenção do seu nível de operacionalidade.

    14. A patrulha pode ser colocada em serviço de alerta quer de maneira programada ou prévia, quando a missão é previsível, quer através de afetação em situação de emergência. Este último caso pode especialmente verificar‑se quando uma missão já tiver sido afeta a um serviço de alerta existente e é necessário prever um novo serviço de alerta, mas a afetação das forças policiais que exercem as suas atividades sob outras formas não é possível ou não é suficiente.

    […]

    17. O grau de preparação de uma patrulha que executa um serviço de alerta traduz a rapidez com que esta é capaz de começar uma missão particular que lhe seja confiada. Tal depende do modo como o comandante do órgão policial estabelecera previamente as condições necessárias para iniciar a missão. Em função da verificação destas condições, a patrulha pode ser colocada em situação de alerta geral ou de alerta reforçado.

    […]

    19. O serviço de alerta tem início quando o nível de alerta exigido é atingido e mantém‑se enquanto não for posto termo ao referido serviço ou enquanto o mesmo não tiver sido convertido noutra atividade. A patrulha que assegure um serviço de alerta deve, para levar a cabo as missões previstas, ter capacidade de mobilização no prazo de 15 minutos, quando se encontra em estado de alerta reforçado, ou de uma hora, quando se encontra em estado de alerta geral. Estes prazos‑padrão podem ser reduzidos pelo comandante que ordenou o recurso a uma patrulha, consoante a natureza da missão anunciada ou o estado de preparação da unidade.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    13

    Em 1 de janeiro de 2011, UO iniciou as suas funções nos Serviços da Polícia de Intervenção. Esta última é um órgão específico do Serviço de Polícia Geral, que dispõe de poderes particulares e exerce missões especiais em todo o território húngaro. A Polícia de Intervenção participa, designadamente, no cumprimento de missões que exigem uma intervenção urgente, não previsível, e o recurso a patrulhas. UO foi afeto, na Polícia de Intervenção, ao grupo de intervenção nas fronteiras de Miskolc (Hungria).

    14

    De julho de 2015 a abril de 2017, UO esteve em serviço de alerta como membro de uma companhia de patrulha. Durante esse período, as missões na fronteira foram asseguradas não no local de afetação habitual de Miskolc, mas no segmento fronteiriço Sul, no distrito de Csongrád (Hungria).

    15

    Durante o referido período, o empregador de UO ordenou, no âmbito das missões efetuadas na fronteira, por um lado, um serviço de alerta extraordinário e, por outro, um serviço de plantão fora do tempo de serviço ordinário, devendo estes dois serviços ser assegurados em patrulha.

    16

    O referido empregador considerou que o tempo de serviço de plantão constituía um período de descanso. UO considera, pelo contrário, que, durante esse período, assegurava, na realidade, um serviço de alerta fora do tempo de serviço ordinário diário que devia ser qualificado de «tempo de trabalho», pelo qual devia beneficiar não de um prémio de serviço de plantão mas de um subsídio de serviço de alerta extraordinário.

    17

    O órgão jurisdicional de reenvio salienta, por um lado, que, segundo os termos do artigo 364.o, n.o 1, ponto 5, da Lei Relativa ao Estatuto do Pessoal Profissional dos Órgãos Encarregados da Manutenção da Ordem, esta lei visa aplicar a Diretiva 2003/88, mas não define o conceito de «tempo de trabalho» nem de «período de descanso» e, por outro, que UO se baseia nesta diretiva para fundamentar as suas pretensões.

    18

    Todavia, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se a referida diretiva e, especialmente, as definições que figuram no seu artigo 2.o, n.os 1 e 2, podem ser aplicadas a UO, na sua qualidade de membro da Polícia de Intervenção, dado que a atividade em causa se distingue das atividades exercidas em circunstâncias ordinárias.

    19

    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o âmbito de aplicação pessoal da Diretiva 2003/88 é determinado pelo artigo 2.o da Diretiva 89/391. Em caso afirmativo, interroga‑se sobre a questão de saber se a atividade de membro da Polícia de Intervenção apresenta particularidades inerentes a certas atividades específicas da função pública que se oponham de forma vinculativa à aplicação da Diretiva 89/391 e do artigo 2.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2003/88.

    20

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é esse o caso. Com efeito, salienta que a Polícia de Intervenção é um órgão especial das forças policiais que assegura missões de polícia especiais, conforme definidas na lei, sendo certo que, no caso em apreço, UO teve igualmente de cumprir missões de polícia geral. Acrescenta que UO faz parte do pessoal dessas unidades especiais e que, neste contexto, exercia ele próprio atividades policiais específicas da função pública, pelo que as definições que figuram no artigo 2.o da Diretiva 2003/88 não lhe deveriam ser aplicáveis.

    21

    Nestas condições, o Miskolci Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Miskolc, Hungria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva [2003/88] ser interpretado no sentido de que o âmbito de aplicação pessoal desta diretiva é determinado pelo artigo 2.o da Diretiva [89/391]?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa, deve o artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva [89/391] ser interpretado no sentido de que o artigo 2.o, [n.os] 1 e 2, da Diretiva [2003/88] não é aplicável aos agentes da polícia que fazem parte do pessoal profissional da Polícia de Intervenção?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à admissibilidade

    22

    Segundo o Governo húngaro, as questões submetidas são inadmissíveis pelo facto de o litígio no processo principal ter por objeto a remuneração dos trabalhadores.

    23

    A este propósito, há que sublinhar que, com exceção da hipótese particular relativa às férias anuais remuneradas, contemplada no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, esta diretiva se limita a regular certos aspetos da organização do tempo de trabalho, para garantir a proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, pelo que, em princípio, não é aplicável à remuneração dos trabalhadores (Acórdão de 20 de novembro de 2018Sindicatul Familia Constanţa e o., C‑147/17, EU:C:2018:926, n.o 35 e jurisprudência referida).

    24

    Todavia, esta constatação não implica que não haja que responder às questões submetidas no presente processo.

    25

    Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a interpretação de certas disposições da Diretiva 2003/88 é necessária para se poder pronunciar sobre o litígio nele pendente. Em especial, esse órgão jurisdicional pretende saber se os membros dos serviços de polícia que asseguram funções como as que estão em causa no processo principal estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2003/88, a fim de poder determinar se a qualificação dos períodos de plantão cumpridos por UO de «tempo de trabalho» ou de «período de descanso» deve ser feita tendo em conta as definições que figuram no artigo 2.o, n.os 1 e 2, desta diretiva, antes de fixar a tabela salarial a aplicar aos referidos períodos. Daqui resulta que a questão de saber se a referida diretiva é aplicável ao litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio, bem como se esta aplicabilidade depende da Diretiva 89/391, deve ser examinada antes da questão da existência de um direito ao pagamento de um complemento de remuneração, que incumbe ao órgão jurisdicional nacional decidir.

    26

    Nestas condições, há que considerar que as questões submetidas são pertinentes para a solução do litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio, pelo que tais questões são admissíveis.

    Quanto ao mérito

    27

    Com as suas duas questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que o artigo 2.o, n.os 1 e 2, desta diretiva se aplica aos membros das forças da ordem que exercem funções de vigilância nas fronteiras externas de um Estado‑Membro, em caso de afluxo de nacionais de países terceiros às referidas fronteiras.

    28

    Com efeito, resulta da decisão de reenvio e da audiência realizada no Tribunal de Justiça que o litígio no processo principal diz respeito à remuneração dos períodos de plantão assegurados por UO entre os meses de julho de 2015 e abril de 2017. Entre essas datas, UO exerceu funções de vigilância nas fronteiras que a Hungria partilha quer com a República da Sérvia quer com a República da Croácia e a Roménia, que não fazem parte do espaço Schengen.

    29

    O artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva 2003/88 define o seu âmbito de aplicação por remissão para o artigo 2.o da Diretiva 89/391.

    30

    Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 89/391, esta aplica‑se «a todos os setores de atividade, privados ou públicos», entre os quais figura o «setor dos serviços».

    31

    Todavia, resulta do artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 89/931 que esta não é aplicável sempre que se lhe oponham de forma vinculativa determinadas particularidades inerentes a certas atividades específicas da função pública, nomeadamente das forças armadas ou da polícia, ou a outras atividades específicas dos serviços de proteção civil. O artigo 2.o, n.o 2, segundo parágrafo, desta disposição precisa, contudo, que, neste caso, há que zelar por que sejam asseguradas, na medida do possível, a segurança e a saúde dos trabalhadores, tendo em conta os objetivos da referida diretiva.

    32

    Por conseguinte, há que determinar se funções como as que estão em causa no processo principal podem ser abrangidas pela exceção prevista no artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 89/391, a qual deve ser objeto de uma interpretação que limite o seu alcance ao que é estritamente necessário à salvaguarda dos interesses que a mesma permite aos Estados‑Membros proteger (Acórdãos de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.o 54; e de 20 de novembro de 2018, Sindicatul Familia Constanţa e o., C‑147/17, EU:C:2018:926, n.o 53).

    33

    A este respeito, há que constatar, em primeiro lugar, que a vigilância das fronteiras externas de um Estado‑Membro, num contexto de afluxo de nacionais de países terceiros, constitui uma atividade do âmbito da função pública, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 89/39.

    34

    Em segundo lugar, importa sublinhar que tal atividade é suscetível de apresentar certas especificidades relativamente a outras atividades da função pública, em geral, ou da manutenção da ordem, em particular.

    35

    Por conseguinte, há que determinar, em terceiro lugar, se particularidades inerentes a essa atividade específica da função pública se opõem de forma vinculativa, em razão da necessidade absoluta de garantir uma proteção eficaz da coletividade, a que a Diretiva 2003/88 seja aplicada à referida atividade (v., neste sentido, Acórdão de 20 de novembro de 2018, Sindicatul Familia Constanţa e o., C‑147/17, EU:C:2018:926, n.o 55).

    36

    A este respeito, o Governo húngaro alega que não era possível planificar o tempo de trabalho dos membros da Polícia de Intervenção afetos às fronteiras externas, tendo em conta a necessidade de assegurar uma presença e um serviço contínuos e a impossibilidade de antecipar a dimensão das missões que devem ser asseguradas por esse serviço. Na audiência no Tribunal de Justiça, a Polícia de Intervenção defendeu, em substância, a mesma posição.

    37

    É certo que o facto de certas atividades específicas da função pública não se prestarem, pela sua natureza, a uma planificação do tempo de trabalho figura entre as particularidades inerentes a essas atividades, que justificam, ao abrigo do artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 89/391, uma exceção às regras em matéria de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores (Acórdãos de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.o 55; e de 20 de novembro de 2018, Sindicatul Familia Constanţa e o., C‑147/17, EU:C:2018:926, n.o 64).

    38

    O artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 89/391 permite, assim, preservar a eficácia de tais atividades específicas, cuja continuidade é indispensável para assegurar o exercício efetivo das funções essenciais do Estado (Acórdão de 20 de novembro de 2018, Sindicatul Familia Constanţa e o., C‑147/17, EU:C:2018:926, n.o 65 e jurisprudência referida).

    39

    Esta exigência de continuidade deve, todavia, ser apreciada tendo em conta a natureza específica da atividade em causa (Acórdão de 20 de novembro de 2018, Sindicatul Familia Constanţa e o., C‑147/17, EU:C:2018:926, n.o 66).

    40

    Assim, em primeiro lugar, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a exigência de continuidade dos serviços ativos nos domínios da saúde, da segurança e da ordem públicas não obsta a que, quando executadas em condições normais, as atividades desses serviços possam ser organizadas, incluindo quanto aos horários de trabalho dos seus empregados, pelo que a exceção prevista no artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 89/391 só é aplicável a esses serviços em circunstâncias de gravidade e dimensão excecionais (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.os 55 e 57; de 12 de janeiro de 2006, Comissão/Espanha, C‑132/04, não publicado, EU:C:2006:18, n.o 26; e de 20 de novembro de 2018, Sindicatul Familia Constanţa e o., C‑147/17, EU:C:2018:926, n.o 67).

    41

    Decorre, assim, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a Diretiva 2003/88 se aplica às atividades no domínio da saúde, da segurança e da ordem públicas, mesmo quando estas são exercidas pelas forças de intervenção no terreno e têm por objetivo prestar socorro, desde que realizadas em condições habituais, de acordo com a missão confiada ao serviço em questão, mesmo que as intervenções a que essas atividades possam dar origem sejam, por natureza, imprevisíveis e suscetíveis de expor os trabalhadores que as executam a determinados riscos quanto à sua segurança ou à sua saúde (v., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.o 57, e Despacho de 14 de julho de 2005, Personalrat der Feuerwehr Hamburg,C‑52/04, EU:C:2005:467, n.o 52).

    42

    Daqui resulta que a aplicação do artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 89/391 aos serviços ativos no domínio da saúde, da segurança e da ordem públicas só se justifica em razão de acontecimentos excecionais, como catástrofes naturais ou tecnológicas, atentados ou acidentes graves, cuja gravidade e amplitude exigem a adoção de medidas indispensáveis à proteção da vida, da saúde e da segurança da coletividade, e cuja boa execução ficaria comprometida se todas as regras enunciadas pela Diretiva 2003/88 devessem ser respeitadas. Tais casos justificam que seja reconhecida uma prioridade absoluta ao objetivo de proteção da população, em detrimento do respeito das disposições desta última diretiva, que podem provisoriamente não ser observadas nos referidos serviços (v., neste sentido, Despacho de 14 de julho de 2005, Personalrat der Feuerwehr Hamburg,C‑52/04, EU:C:2005:467, n.os 53 a 55).

    43

    Em segundo lugar, importa recordar que a jurisprudência referida nos n.os 40 a 42 do presente acórdão não pode ser interpretada no sentido de que está excluído que certas atividades específicas da função pública apresentem, mesmo quando sejam exercidas em condições normais, características de tal modo específicas que a sua natureza se opõe, de forma vinculativa, a uma planificação do tempo de trabalho que respeite as exigências impostas pela Diretiva 2003/88 (Acórdão de 20 de novembro de 2018, Sindicatul Familia Constanţa e o., C‑147/17, EU:C:2018:926, n.o 68).

    44

    Todavia, não resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que as missões de vigilância nas fronteiras externas asseguradas pela Polícia de Intervenção apresentem características específicas a esse ponto. Assim, não foi demonstrado que o facto de ter de conceder regularmente a um membro da Polícia de Intervenção o direito a horas ou a dias de descanso depois de ter efetuado um certo número de horas ou de dias de trabalho atentaria contra um aspeto essencial das missões que esse trabalhador é chamado a exercer de forma habitual, pelo facto de essas missões só poderem, em razão das especificidades a estas inerentes, ser asseguradas de forma contínua e unicamente por esse só trabalhador. Importa acrescentar que os custos decorrentes, para a entidade patronal, da necessidade de substituir o referido trabalhador durante os períodos de descanso que lhe devem ser concedidos por força da Diretiva 2003/88 não podem constituir uma justificação para a não aplicação desta última (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2003, Jaeger, C‑151/02, EU:C:2003:437, n.os 66 e 67).

    45

    Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se as missões exercidas por UO, durante o período controvertido, o foram em circunstâncias de gravidade e de amplitude excecionais suscetíveis de justificar a aplicação da exceção prevista no artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 89/391.

    46

    A este respeito, esse órgão jurisdicional deverá ter em conta todas as circunstâncias pertinentes, nomeadamente o facto de a missão em causa no processo principal se ter prolongado por vários meses.

    47

    Cabe‑lhe, especialmente, determinar se um afluxo de nacionais de países terceiros às fronteiras externas da Hungria impediu que a vigilância das referidas fronteiras fosse efetuada, durante todo o período controvertido, em condições habituais, em conformidade com a missão confiada à Polícia de Intervenção.

    48

    Para este efeito, o órgão jurisdicional de reenvio deverá ter em conta, por um lado, o facto de, segundo a decisão de reenvio, esse serviço ter sido criado precisamente para participar no cumprimento de missões de urgência e, por outro, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, recordada no n.o 41 do presente acórdão, segundo a qual a Diretiva 2003/88 se aplica às atividades das forças da ordem efetuadas em condições habituais, em conformidade com a missão que lhes é confiada, mesmo quando as intervenções a que essas atividades possam dar origem sejam, por natureza, imprevisíveis e apresentem um risco para a segurança ou para a saúde dos trabalhadores.

    49

    Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio deverá certificar‑se de que não era possível, tendo em conta a gravidade e a dimensão das circunstâncias, organizar o serviço em causa de tal modo que cada um dos seus membros pudesse ter beneficiado de um período de descanso conforme com as exigências fixadas pela Diretiva 2003/88.

    50

    Para esse efeito, deverá determinar se era impossível prever, pelo menos a partir de um certo momento ao longo do período controvertido, um mecanismo de rotatividade dos efetivos que permitisse garantir a cada trabalhador um período de descanso como o exigido pela Diretiva 2003/88.

    51

    Por último, importa acrescentar que, admitindo que o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que as particularidades inerentes às missões asseguradas pelos membros da Polícia de Intervenção entre os meses de julho de 2015 e abril de 2017 não se prestavam, pela sua natureza, a uma planificação do tempo de trabalho, o referido órgão jurisdicional deverá ter em conta o facto de o artigo 2.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 89/391 prever que, mesmo nesse caso, as autoridades competentes devem garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores, na medida do possível.

    52

    Resulta de todas as considerações precedentes que há que responder às questões submetidas que o artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que o artigo 2.o, n.os 1 e 2, desta diretiva se aplica aos membros das forças da ordem que exercem funções de vigilância nas fronteiras externas de um Estado‑Membro, em caso de afluxo de nacionais de países terceiros às referidas fronteiras, salvo quando se verifique, tendo em conta todas as circunstâncias pertinentes, que as missões são executadas no âmbito de acontecimentos excecionais, cuja gravidade e amplitude exigem a adoção de medidas indispensáveis à proteção da vida, da saúde e da segurança da coletividade, e cuja boa execução ficaria comprometida se todas as regras enunciadas pela referida diretiva devessem ser respeitadas, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

    Quanto às despesas

    53

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

     

    O artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, deve ser interpretado no sentido de que o artigo 2.o, n.os 1 e 2, desta diretiva se aplica aos membros das forças da ordem que exercem funções de vigilância nas fronteiras externas de um Estado‑Membro, em caso de afluxo de nacionais de países terceiros às referidas fronteiras, salvo quando se verifique, tendo em conta todas as circunstâncias pertinentes, que as missões são executadas no âmbito de acontecimentos excecionais, cuja gravidade e amplitude exigem a adoção de medidas indispensáveis à proteção da vida, da saúde e da segurança da coletividade, e cuja boa execução ficaria comprometida se todas as regras enunciadas pela referida diretiva devessem ser respeitadas, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: húngaro.

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