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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62019CC0012

    Conclusões do advogado-geral P. Pikamäe apresentadas em 2 de abril de 2020.
    Mylène Troszczynski contra Parlamento Europeu.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Direito institucional — Membro do Parlamento Europeu — Protocolo relativo aos privilégios e imunidades da União Europeia — Artigo 8.o — Imunidade parlamentar — Atividade não relacionada com as funções parlamentares — Publicação na conta Twitter do deputado — Artigo 9.o — Inviolabilidade parlamentar — Alcance — Decisão de levantamento da imunidade parlamentar.
    Processo C-12/19 P.

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2020:258

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    PRIIT PIKAMÄE

    apresentadas em 2 de abril de 2020 ( 1 )

    Processo C‑12/19 P

    Mylène Troszczynski

    contra

    Parlamento Europeu

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Direito institucional — Membro do Parlamento Europeu — Privilégios e imunidades — Protocolo relativo aos privilégios e imunidades — Artigos 8.o e 9.o — Decisão de levantamento da imunidade parlamentar — Atividade sem relação com as funções parlamentares — Publicação na conta de Twitter do deputado»

    I. Introdução

    1.

    Com o seu recurso, a recorrente pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 8 de novembro de 2018, Troszczynski/Parlamento (T‑550/17, não publicado, a seguir «regulamento impugnado», EU:T:2018:754), pelo qual este negou provimento ao seu recurso de anulação da decisão do Parlamento Europeu, de 14 de junho de 2017, que levanta a imunidade parlamentar da recorrente (a seguir «decisão controvertida»).

    2.

    No presente processo, o Tribunal de Justiça será chamado a pronunciar‑se sobre o alcance da imunidade de que beneficiam todos os deputados europeus ao abrigo do Protocolo n.o 7 relativo aos privilégios e imunidades da União Europeia, anexado aos tratados UE e FUE (a seguir «protocolo» ( 2 )). O Tribunal de Justiça terá ocasião de reafirmar a sua jurisprudência na matéria, em especial os princípios estabelecidos no Acórdão de 6 de setembro de 2011 no processo C‑163/10, Patriciello ( 3 ), fornecendo assim indicações e orientações úteis que contribuirão para uma melhor cooperação entre o Parlamento Europeu e as autoridades judiciárias dos Estados‑Membros.

    II. Quadro jurídico

    3.

    O artigo 8.o do Protocolo n.o 7 dispõe:

    «Os membros do Parlamento Europeu não podem ser procurados, detidos ou perseguidos pelas opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções.»

    4.

    O artigo 9.o deste protocolo dispõe:

    «Enquanto durarem as sessões do Parlamento Europeu, os seus membros beneficiam:

    a)

    No seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país.

    b)

    No território de qualquer outro Estado‑Membro, da não sujeição a qualquer medida de detenção e a qualquer procedimento judicial.

    Beneficiam igualmente de imunidade, quando se dirigem para ou regressam do local de reunião do Parlamento Europeu.

    A imunidade não pode ser invocada em caso de flagrante delito e não pode também constituir obstáculo ao direito de o Parlamento Europeu levantar a imunidade de um dos seus membros.»

    5.

    O artigo 5.o, n.o 2, do Regimento do Parlamento Europeu (8.a legislatura — julho de 2014) (a seguir «Regimento») enuncia:

    «A imunidade parlamentar não é um privilégio pessoal dos deputados, mas uma garantia da independência de todo o Parlamento e dos seus membros.»

    III. Antecedentes do litígio

    6.

    A recorrente, Mylène Troszczynski (a seguir «recorrente»), foi eleita deputada ao Parlamento Europeu em 1 de julho de 2014.

    7.

    Em 23 de setembro de 2015, foi publicada uma foto na conta Twitter da recorrente, na qual figurava um grupo de mulheres com vestuário que dissimulava a totalidade da sua face com exceção dos olhos, e que parecia esperar à porta de uma Caixa de Abonos de Família (CAF). A foto era acompanhada do seguinte comentário: «CAF em Rosny‑Sous‑Bois em 9 de dezembro de 2014. O uso do véu integral é considerado proibido pela lei […]» (a seguir «tweet controvertido»).

    8.

    Em 27 de novembro de 2015, o diretor‑geral da CAF de Seine‑Saint‑Denis (França) apresentou uma queixa, com constituição de parte civil, por difamação pública contra uma Administração Pública.

    9.

    Em 19 de janeiro de 2016, o procurador da República de Bobigny (França) abriu um inquérito judicial pela prática dos crimes de incitamento ao ódio ou à violência contra uma pessoa ou grupo de pessoas devido à sua origem ou pertença ou não pertença a uma etnia, a uma nação, a uma raça ou a uma determinada religião e de difamação pública.

    10.

    A recorrente foi convocada por um magistrado instrutor para efeitos de primeiro interrogatório em 20 de setembro de 2016. Na sequência da recusa desta em cumprir essa convocatória, em razão da sua imunidade parlamentar europeia, o magistrado instrutor, por requerimento de 23 de setembro de 2016, solicitou que se apresentasse ao Parlamento um pedido de levantamento da referida imunidade.

    11.

    Por carta de 1 de dezembro de 2016, o procurador‑geral junto da cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França) transmitiu, com parecer favorável, o pedido do magistrado instrutor ao Ministro da Justiça francês para que este transmitisse o referido pedido ao presidente do Parlamento. No mesmo dia, o Ministro da Justiça francês transmitiu ao presidente do Parlamento o pedido de levantamento da imunidade parlamentar da recorrente, apresentado pelo magistrado instrutor do tribunal de grande instance de Bobigny (Tribunal de Primeira Instância de Bobigny, França).

    12.

    Em 16 de janeiro de 2017, o presidente do Parlamento anunciou em sessão plenária que esse pedido seria enviado à Comissão dos Assuntos Jurídicos.

    13.

    Em 11 de abril de 2017, a Comissão dos Assuntos Jurídicos ouviu a recorrente. A referida comissão apresentou o seu relatório em 12 de junho de 2017.

    14.

    Por decisão de 14 de junho de 2017, o Parlamento levantou a imunidade da recorrente.

    15.

    Posteriormente à interposição do recurso no Tribunal Geral, por Despacho de 26 de abril de 2018, o vice‑presidente do tribunal de grande instance de Bobigny (Tribunal de Primeira Instância de Bobigny, França), encarregado da instrução, remeteu o processo da recorrente para o tribunal correctionnel (Tribunal Correcional, França).

    IV. Processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

    16.

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de agosto de 2017, a recorrente interpôs um recurso destinado a obter a anulação da decisão controvertida e a reparação do prejuízo moral alegadamente causado por essa decisão.

    17.

    Em apoio das suas conclusões, a recorrente invoca quatro fundamentos: o primeiro é relativo à violação do artigo 8.o do protocolo; o segundo, à violação do artigo 9.o do protocolo; o terceiro, à violação do dever de fundamentação, bem como do princípio da igualdade de tratamento e do princípio da boa administração; o quarto, à violação dos direitos de defesa e à exceção de ilegalidade dos artigos 9.o, n.o 9, e do artigo 150.o, n.o 2, do Regimento.

    18.

    O Tribunal Geral tratou os dois primeiros fundamentos conjuntamente recordando, a título preliminar, uma jurisprudência segundo a qual, se o Parlamento chegar à conclusão de que os factos na origem do pedido de levantamento da imunidade parlamentar não estão abrangidos pelo artigo 8.o do protocolo, incumbe‑lhe verificar se o deputado beneficia da imunidade prevista no artigo 9.o do protocolo para esses mesmos factos e, se for esse o caso, decidir se deve ou não levantar esta imunidade.

    19.

    No que respeita à argumentação desenvolvida pela recorrente em apoio dos seus dois fundamentos, o Tribunal Geral, para efeito da sua própria análise, dividiu‑a em cinco alegações: a primeira, relativa ao facto de o artigo 26.o da Constituição francesa se aplicar ao tweet controvertido; a segunda, de o referido tweet constituir uma opinião expressa no exercício das funções parlamentares da recorrente na aceção do artigo 8.o do protocolo; a terceira, da violação do direito fundamental à liberdade de expressão que o Parlamento cometeu ao levantar indevidamente a imunidade parlamentar da recorrente; a quarta, de a recorrente não ser a autora do tweet controvertido; a quinta, de uma violação da independência da recorrente e do Parlamento.

    20.

    Quanto à primeira alegação, o Tribunal Geral julgou‑a inoperante. Declarou, no n.o 41 do acórdão recorrido, que o motivo pelo qual o Parlamento considerou que a recorrente não podia beneficiar do artigo 26.o da Constituição francesa não decorria do facto de a declaração controvertida ter sido feita no Twitter, mas antes pelo tweet controvertido não poder ser qualificado como opinião ou voto emitido no exercício das funções parlamentares da recorrente na aceção do artigo 8.o do protocolo.

    21.

    No que respeita à segunda alegação, o Tribunal Geral julgou‑a improcedente, no n.o 54 do acórdão recorrido. Constatou que o tweet controvertido tinha essencialmente por objetivo deplorar a violação de uma lei francesa que proíbe a dissimulação da face no espaço público. Uma vez que este tweet se referia a um acontecimento preciso supostamente ocorrido em violação de uma lei francesa, perante um organismo incumbido de uma missão de serviço público no território francês, não podia ser equiparado a uma tomada de posição mais geral sobre assuntos de atualidade corrente ou tratados pelo Parlamento, o Tribunal Geral decidiu que foi sem cometer um erro manifesto de apreciação que o Parlamento considerou que as acusações deduzidas contra a recorrente não diziam respeito a opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções no Parlamento, nos termos do artigo 8.o do protocolo.

    22.

    Quanto à terceira alegação, o Tribunal Geral julgou‑a igualmente improcedente no n.o 59 do acórdão recorrido, recordando que o artigo 8.o do protocolo visa proteger a livre expressão e a independência dos deputados e que está, portanto, «estreitamente ligado à liberdade de expressão». Dado que os factos imputados à recorrente não estavam abrangidos pelo referido artigo, o Tribunal Geral deduziu daí que o Parlamento não violou essa liberdade.

    23.

    Quanto à quarta alegação, o Tribunal Geral julgou‑a inoperante. Salientou, nos n.os 61 e 62 do acórdão recorrido, por um lado, que «a questão de saber se as condições para o levantamento da imunidade estavam reunidas no momento em que é feito o pedido é distinta da que consiste em determinar se os factos imputados à deputada em causa estão provados» e, por outro, que não compete ao Parlamento pronunciar‑se sobre a imputabilidade desses factos à recorrente nem determinar se esta era, ou não, a autora do tweet controvertido.

    24.

    Por último, a quinta alegação identificada pelo Tribunal Geral no âmbito do primeiro e segundo fundamentos foi julgada improcedente. Segundo o Tribunal Geral, nos n.os 66 e 67 do acórdão recorrido, uma vez que o artigo 9.o do protocolo prevê expressamente a possibilidade de levantar a imunidade de que gozam os deputados ao abrigo dessa disposição, «[p]or conseguinte, o Parlamento não pode ser acusado de ter considerado oportuno, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e na sequência do pedido transmitido pelo Ministro da Justiça francês, levantar a imunidade da recorrente resultante do [protocolo] a fim de permitir o prosseguimento da instrução levada a cabo pelas autoridades judiciárias francesas». Em todo o caso, segundo o Tribunal Geral, a recorrente não invocou nenhuma circunstância suscetível de levar à conclusão de que o Parlamento, no caso em apreço, pôs em causa a independência que retira da sua qualidade de deputada.

    25.

    No que respeita ao terceiro fundamento, cuja primeira parte é relativa à violação do dever de fundamentação e do princípio da igualdade de tratamento, e a segunda, à violação do princípio da boa administração, o Tribunal Geral julgou‑o integralmente improcedente no n.o 102 do acórdão recorrido.

    26.

    No âmbito da primeira parte, a recorrente alegou, em substância, que devia ter beneficiado do princípio n.o 2 da comunicação aos membros n.o 11/2003 da Comissão Jurídica e do Mercado Interno do Parlamento de 6 de junho de 2003, que tem por objeto o «Levantamento de imunidade em conformidade com o artigo [9.o] do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades. Princípios estabelecidos com base nos processos relativos à expressão de opiniões» (a seguir «comunicação n.o 11/2003»), nos termos do qual «é um princípio fundamental segundo o qual, nos casos em que os atos de que é acusado o deputado são abrangidos pelo âmbito da sua atividade política ou estão diretamente relacionados com esta atividade, a imunidade não será levantada».

    27.

    Para rejeitar esta alegação, o Tribunal Geral baseou‑se numa jurisprudência segundo a qual a Comunicação n.o 11/2003 não o pode vincular na medida em que não é um ato do Parlamento na aceção do artigo 288.o TFUE ( 4 ). O Tribunal Geral salientou, por um lado, que, na medida em que a recorrente não precisou nem os atos ou declarações que eram imputados aos deputados que indicou como beneficiários da referida comunicação, nem as circunstâncias em que os factos em causa ocorreram, não demonstrou que a situação desses deputados era comparável à sua. Por outro lado, uma vez que, no caso em apreço, não existia um nexo direto entre o tweet controvertido e as funções parlamentares da recorrente, esta também não demonstrou que o Parlamento tenha derrogado o «princípio n.o 2» (n.o 81 do acórdão recorrido).

    28.

    No âmbito da segunda parte do terceiro fundamento, a recorrente alegou, em substância, que o Parlamento violou o princípio da boa administração, ao não declarar, no caso em apreço, a existência de fumus persecutionis, conforme definido na Comunicação n.o 11/2003, a saber, um caso em que se devia presumir que tinham sido iniciados processos judiciais contra a recorrente com o intuito de prejudicar as suas atividades políticas. Segundo a recorrente, estes processos foram instaurados pelo Ministro da Justiça francês da época, que era um adversário declarado do Front national (Frente Nacional, França), partido político do qual é uma das representantes. Além disso, estes processos foram instaurados na véspera de uma campanha eleitoral.

    29.

    O Tribunal Geral julgou improcedente a segunda parte do terceiro fundamento salientando, em primeiro lugar, que a recorrente não forneceu «nenhum elemento concreto, para além da diferença de ideologia política, suscetível de demonstrar que o Governo francês, e nomeadamente o Ministro da Justiça francês, se dedicava a uma perseguição do Front national», nem que «foi unicamente, ou mesmo parcialmente, a sua pertença ao Front national que desencadeou a abertura de um inquérito judicial no caso em apreço» ( 5 ).

    30.

    Em segundo lugar, o Tribunal Geral constatou que nenhum elemento permitia considerar que o pedido de levantamento da imunidade parlamentar da recorrente fora apresentado no âmbito de um processo judicial que se desenrolou de forma anormal, nomeadamente em matéria de prazos.

    31.

    Em terceiro lugar, o Tribunal Geral, após ter reiterado que a questão de saber se as condições de um levantamento da imunidade parlamentar estão reunidas no momento em que o pedido é feito, é distinta da de saber se os factos imputados à deputada em causa estão provados, considerou que nenhum dos elementos invocados pela recorrente nesse contexto — sendo, primo, que o seu assistente redigiu o tweet controvertido sem o seu conhecimento, secundo, que a imagem controvertida era uma fotomontagem realizada a partir de uma fotografia de acesso livre e que já tinha sido difundida e partilhada na Internet sem que um qualquer processo judicial tivesse sido instaurado, nomeadamente pela CAF de Seine‑Saint‑Denis, tertio, que a recorrente tinha apagado o tweet logo que teve conhecimento do mesmo e, quater, que em caso de condenação, corria o risco de lhe ser aplicada, a título de pena acessória, a inelegibilidade bem como a perda do seu mandato de deputada europeia e o conjunto dos seus mandatos eletivos — dizia respeito «ao número de circunstâncias que o Parlamento devesse ter em conta para determinar se as condições para o levantamento da imunidade parlamentar estavam reunidas no caso em concreto» ( 6 ).

    32.

    A título exaustivo, o Tribunal Geral declarou que o despacho de remessa para o tribunal correctionnel (Tribunal Correcional, França), adotado pelo vice‑presidente do tribunal de grande instance de Bobigny (Tribunal de Primeira Instância de Bobigny, França) posteriormente à decisão controvertida e apresentado na audiência, se destinava a contradizer a argumentação da recorrente relativa à existência de fumus persecutionis por parte das autoridades judiciárias francesas. O Tribunal Geral sublinhou a este respeito que, nos termos do referido despacho, o facto de a recorrente não ser a autora do tweet controvertido não obsta a que seja acusada com fundamento na Lei francesa de 29 de julho de 1881 sobre a liberdade de imprensa (a seguir «lei de 29 de julho de 1881»).

    33.

    Por último, nos n.os 105 a 120 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou e julgou improcedente o quarto fundamento de anulação, relativo à violação dos direitos de defesa e a uma exceção de ilegalidade do artigo 9.o, n.o 9, e do artigo 150.o, n.o 2, do Regimento.

    V. Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

    34.

    A recorrente pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

    anular o acórdão recorrido;

    anular a decisão controvertida;

    decidir, nos termos do direito, quanto ao montante a atribuir à recorrente a título de despesas processuais;

    condenar o Parlamento nas despesas.

    35.

    O Parlamento pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar provimento ao recurso na íntegra;

    condenar a recorrente nas despesas.

    VI. Análise jurídica

    A. Observações preliminares

    1.   Papel e estatuto dos deputados ao Parlamento Europeu

    36.

    Os deputados europeus são os representantes dos cidadãos da União. Estão atentos aos problemas dos cidadãos, dos grupos de interesse e das empresas. Eleitos por sufrágio universal direto, livre e secreto por um mandato de cinco anos, constituem a ligação entre os cidadãos e as diferentes instituições. Enquanto membros do Parlamento, conferem uma legitimidade democrática a todo o processo de integração. Os deputados europeus desempenham não apenas um papel central no processo legislativo, estando nomeadamente habilitados a propor alterações a projetos de texto sujeitos a votação, mas podem também propor resoluções em todos os domínios das suas atribuições. Influenciam igualmente as atividades do Conselho e da Comissão Europeia, podendo incitar estas instituições a agir. Participam, assim, na tomada de decisão em grandes questões contemporâneas tais como as alterações climáticas, as migrações, os direitos humanos no mundo, os acordos com Estados terceiros ou organizações internacionais e a regulamentação dos mercados financeiros. Além disso, os deputados europeus exercem um poder de controlo importante na medida em que votam o orçamento da União, aprovam a composição da Comissão, podem constituir comissões de inquérito e mesmo censurar membros da Comissão, que são então coagidos a demitir‑se.

    37.

    Em ordem a assegurar o exercício do seu mandato de forma totalmente independente e sem ingerências, é conferido um estatuto especial aos deputados europeus. Como o Tribunal de Justiça indicou no acórdão proferido nos processos apensos C‑200/07 e C‑201/07, Marra ( 7 ), a imunidade parlamentar dos deputados europeus, como prevista nos artigos 8.o e 9.o do Protocolo, inclui as duas formas de proteção normalmente reconhecidas aos deputados dos parlamentos nacionais dos Estados‑Membros, a saber, a imunidade relativamente às opiniões e aos votos emitidos no exercício das funções parlamentares e a inviolabilidade parlamentar, que contêm, em princípio, uma proteção contra os procedimentos judiciais ( 8 ). Importa salientar que, longe de se destinar a proporcionar‑lhes um benefício pessoal, a imunidade que o protocolo lhes confere tem por objeto proteger o Parlamento, no exercício das suas atividades, contra os entraves ou os riscos suscetíveis de lesarem o seu bom funcionamento, como o Tribunal de Justiça recordou recentemente no processo C‑502/19, Junqueras Vies ( 9 ).

    38.

    Por conseguinte, é coerente habilitar o Parlamento a determinar, ele próprio, se um processo judicial instaurado contra um dos seus membros visa prejudicar o seu funcionamento. Com efeito, como resulta do artigo 9.o, terceiro parágrafo, do Protocolo, este estatuto especial não pode obstar ao direito do Parlamento de levantar a imunidade de um dos seus membros. Foi precisamente com base nesta disposição que o Parlamento levantou a imunidade da recorrente na sequência de um pedido das autoridades francesas. No litígio no Tribunal Geral, a recorrente acusou o Parlamento, para além da violação de uma série de garantias processuais, de ter feito uma aplicação incorreta das disposições do protocolo por ter desrespeitado o alcance da imunidade parlamentar de que beneficia. Em contrapartida, no presente processo, a recorrente acusa o Tribunal Geral de um «erro manifesto de apreciação» que deve ser definido de um ponto de vista processual para poder tratar o recurso de forma adequada.

    2.   Aspetos processuais a ter em conta no presente recurso

    39.

    Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca dois fundamentos, agrupados numa única secção intitulada «Violação pelo Tribunal Geral do direito da União — erro de direito e erro de qualificação da natureza jurídica dos factos — erro manifesto de apreciação». A recorrente acusa o Tribunal Geral de ter cometido um «erro manifesto de apreciação» na análise tanto do segundo como do terceiro fundamento do recurso de anulação interposto da decisão controvertida nos termos do artigo 263.o TFUE. Em seu entender, cada um dos dois erros de apreciação alegados têm «consequências na qualificação jurídica que o Tribunal Geral faz dos objetivos prosseguidos e do seu contexto, e na ausência de benefício das disposições dos artigos 8.o e 9.o do protocolo em [seu] benefício».

    40.

    Antes de analisar os dois fundamentos, devo assinalar que a recorrente se serve de uma terminologia pouco precisa para descrever os alegados erros cometidos pelo Tribunal Geral. Além disso, como se verá mais adiante, não se percebe claramente em que medida os alegados erros de apreciação denunciados pela recorrente seriam suscetíveis de pôr em causa a validade jurídica de determinadas conclusões a que chegou o Tribunal Geral no acórdão recorrido. Dito isto, parece‑me necessário recordar os princípios que caracterizam o processo de recurso e que servirão de pontos de referência na análise a efetuar.

    41.

    Em conformidade com o artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE, e com o artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o recurso de uma decisão do Tribunal Geral é limitado às questões de direito e deve ter por fundamento a incompetência do Tribunal Geral, irregularidades processuais perante este Tribunal que prejudiquem os interesses do recorrente, bem como a violação do direito da União pelo Tribunal Geral. A apreciação dos factos e dos elementos de prova não constitui, exceto em caso de desvirtuação, uma questão de direito sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito do recurso de uma decisão do Tribunal Geral ( 10 ). Dito isto, há desvirtuação quando, sem recorrer a novos elementos, a apreciação dos elementos existentes se afigura manifestamente errada ou manifestamente contrária à sua redação ( 11 ). Em contrapartida, o Tribunal de Justiça é competente para exercer um controlo sobre a sua qualificação jurídica e das consequências de direito que deles retirou o Tribunal Geral ( 12 ). É com base nestes princípios que importa examinar a seguir os fundamentos invocados pela recorrente.

    B. Quanto ao primeiro fundamento de recurso

    1.   Argumentos das partes

    42.

    No que respeita, antes de mais, ao erro de apreciação alegadamente cometido na análise do segundo fundamento do recurso, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter constatado, em primeiro lugar, que o acontecimento comentado pelo tweet controvertido, devido à sua localização geográfica em França, não faz parte dos assuntos de interesse de um deputado europeu, em segundo lugar, que uma opinião constitui necessariamente uma tomada de posição geral e não pode referir‑se a um acontecimento preciso e, em terceiro lugar, que «o facto de um parlamentar salientar um comportamento contrário à lei francesa não constitui um assunto comum da atualidade».

    43.

    A recorrente alega contra a primeira constatação pretensamente errada do Tribunal Geral que cada deputado é um eleito do seu país, que representa os seus eleitores e que deve manter durante o seu mandato uma ligação necessária com eles, «evocando nomeadamente factos que lhes interessem ou que lhes digam respeito».

    44.

    Contra a segunda constatação pretensamente errada do Tribunal Geral, a recorrente alega, em primeiro lugar, que é contrária à Comunicação n.o 11/2003 e, nomeadamente, ao seu princípio n.o 2, em segundo lugar, que, por força da Lei de 29 de julho de 1881, o tweet controvertido é considerado uma opinião e, em terceiro lugar, que, segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no seu Acórdão de 8 de outubro de 2009, Brunet‑Lecomte e Tanant c. França ( 13 ), «um propósito injurioso, difamatório ou outro, pode tornar‑se um elemento do debate político e ser protegido pelo direito fundamental da liberdade de expressão, quando exista um interesse geral a debater».

    45.

    A recorrente contesta a terceira constatação alegadamente errada do Tribunal Geral ao alegar, por um lado, que o uso do véu integral no espaço público, enquanto manifestação exterior de pertença ao islão, é um «assunto de interesse geral que respeita tanto à vida pública como ao direito das mulheres» e, por outro, que o Tribunal Geral deveria ter aplicado a jurisprudência estabelecida no Acórdão Patriciello, na medida em que, para recusar o levantamento da imunidade parlamentar de um deputado, evoca o «interesse geral do seu eleitorado, no âmbito da sua atividade política».

    46.

    O Parlamento sustenta que estas três alegações assentam numa leitura errada do acórdão recorrido. Salienta, em primeiro lugar, por referência ao n.o 53 do acórdão recorrido, que o Tribunal Geral não afirma que o acontecimento comentado, devido à sua localização geográfica em França, não faz parte dos assuntos de interesse de um deputado europeu, mas antes que o tweet controvertido se referia a um acontecimento preciso que não podia ser equiparado a uma tomada de posição mais geral sobre assuntos comuns da atualidade ou tratados pelo Parlamento.

    47.

    Em segundo lugar, segundo o Parlamento, o Tribunal Geral não demonstrou que uma opinião deve constituir uma tomada de posição geral que não pode referir‑se a um acontecimento preciso, mas antes que a opinião concreta em causa não tinha um nexo direto, impondo‑se manifestamente, com as funções parlamentares da recorrente.

    48.

    Em terceiro lugar, segundo o Parlamento, o Tribunal Geral não decidiu que o facto de um deputado salientar um comportamento contrário à lei nacional não constitui um assunto comum da atualidade, mas apenas que o tweet controvertido não podia ser equiparado a uma tomada de posição mais geral sobre assuntos comuns da atualidade.

    49.

    Além disso, quanto à referência ao Acórdão Patriciello, o Parlamento sublinha que a citação em causa provém do n.o 12 do referido acórdão, que faz parte da apresentação dos factos no processo submetido ao Tribunal de Justiça, e não do seu raciocínio.

    2.   Apreciação

    a)   Inexistência de um nexo direto que se imponha manifestamente entre a atividade em causa e as funções normalmente exercidas por um deputado europeu

    50.

    Antes de mais, devo sublinhar que resulta claramente do artigo 8.o do protocolo que os membros do Parlamento «não podem ser procurados, detidos ou perseguidos pelas opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções» ( 14 ). Uma análise textual desta disposição permite deduzir que um deputado europeu pode perfeitamente invocar a sua imunidade parlamentar sempre que existe um nexo suficientemente estreito entre as opiniões ou votos emitidos por este e as funções normalmente exercidas. É igualmente possível chegar a essa dedução se analisarmos esta disposição tendo em conta o seu objetivo, já recordado nas minhas observações preliminares ( 15 ), que consiste em proteger o bom funcionamento do Parlamento de qualquer ingerência.

    51.

    Esta interpretação é confirmada pelo Acórdão Patriciello, no qual o Tribunal de Justiça interpretou esta disposição no sentido de que exige que «nexo existente entre a opinião emitida e as funções parlamentares deve ser direto e impor‑se manifestamente» ( 16 ). Saliente‑se, neste contexto, que o Tribunal de Justiça sustentou uma interpretação mais restritiva do conceito de «imunidade» ( 17 ), e isto por razões que me parecem pertinentes. O Tribunal de Justiça observou que a imunidade prevista no artigo 8.o do protocolo «é suscetível de impedir definitivamente as autoridades judiciárias e os órgãos jurisdicionais nacionais de exercer as suas competências respetivas em matéria de repressão e sanção das infrações penais com o objetivo de assegurar o respeito da ordem pública no seu território e, correlativamente, privar, assim, totalmente os lesados por essas declarações do acesso à justiça, inclusivamente, se for o caso, de obter nos tribunais cíveis a reparação do dano sofrido» ( 18 ). Decorre da necessidade de apreciar caso a caso se estão reunidas as condições que permitem a um deputado europeu invocar validamente a imunidade ( 19 ).

    52.

    Dito isto, constato entre as circunstâncias do presente litígio e as do processo Patriciello alguns paralelos que me parece importante salientar na presente análise para melhor compreender o raciocínio do Tribunal Geral. Nos dois processos, os deputados em questão pronunciam‑se — quer eles próprios quer por intermédio de terceiros — sobre factos alegadamente ocorridos fora do recinto do Parlamento e que não têm qualquer nexo evidente com as funções de um deputado europeu.

    53.

    Com efeito, no processo Patriciello, o deputado em questão tinha feito declarações sobre o comportamento alegadamente ilegal de um agente da polícia no seu Estado‑Membro de origem, circunstâncias que o Tribunal de Justiça considerou «relativamente afastadas das funções de um membro do Parlamento Europeu e, por conseguinte, dificilmente suscetíveis de apresentar um nexo direto com um interesse geral que preocupa os cidadãos». Tratando‑se de um reenvio prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça considerou, sob reserva das apreciações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, que «ainda que esse nexo pudesse ser estabelecido, não se poderia impor manifestamente» ( 20 ).

    54.

    No presente processo, as autoridades judiciárias francesas acusam a recorrente de ter publicado na sua conta Twitter uma fotografia alegadamente ligada a uma ocorrência que supostamente decorreu no edifício de uma autoridade pública situado numa localidade do Estado‑Membro de origem da recorrente. Mais concretamente, resulta do n.o 52 do acórdão recorrido que o tweet controvertido visava «deplorar a violação de uma lei francesa que proíbe a dissimulação da face no espaço público, por um grupo de mulheres com vestuário que dissimulava a totalidade da sua face, com exceção dos olhos, e que supostamente se encontram à porta da CAF de Rosny‑sous‑Bois». Parece‑me que a relação entre esta atividade e as funções típicas de um deputado europeu, descritas nas minhas observações preliminares ( 21 ), não se impõe manifestamente. De qualquer modo, não mais que nas circunstâncias que deram lugar ao Acórdão Patriciello. Não se discerne nenhuma relação com os objetivos ou as políticas da União que o Parlamento é suposto influenciar no seu papel de decisor. As atividades em causa também não parecem suscetíveis de ultrapassar o nível puramente local. Por conseguinte, há que avaliar as circunstâncias dos dois processos da mesma forma no plano jurídico.

    55.

    Partilho assim da apreciação feita pelo Tribunal Geral no n.o 54 do acórdão recorrido no que respeita à inexistência de nexo direto e manifesto entre, por um lado, os factos imputados à recorrente e aos seus colaboradores e, por outro, as suas funções enquanto deputada. Por conseguinte, há que concluir que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao confirmar que as alegadas atividades não diziam respeito a opiniões ou votos emitidos pela recorrente no exercício das suas funções de deputada ao Parlamento Europeu na aceção do artigo 8.o do protocolo.

    56.

    Antes de terminar sobre este ponto, desejaria de prestar alguns esclarecimentos quanto ao n.o 12 do Acórdão Patriciello, ao qual a recorrente parece atribuir especial importância para a interpretação do protocolo. Esta alega, nas suas observações, que a passagem indicada contém «princípios» de direito que o Tribunal Geral deveria ter‑lhe aplicado. Ora, não se pode deixar de observar que a passagem em causa não faz parte dos fundamentos do acórdão, mas do resumo do quadro factual. Por conseguinte, nenhum princípio de direito suscetível de vincular o Tribunal Geral pode ser daí deduzido. Além disso, na medida em que é feita referência às razões pelas quais o Parlamento tinha decidido à época defender a imunidade do deputado europeu em questão, a saber, o facto de este ter intervindo «no interesse geral do seu eleitorado, no âmbito da sua atividade política», basta chamar a atenção para o facto de que a apreciação subjacente a esta decisão, baseada numa recomendação da Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento, não teve qualquer impacto na interpretação que o Tribunal de Justiça deu do artigo 8.o do Protocolo. Bem pelo contrário, resulta claramente do dispositivo do Acórdão Patriciello que uma atividade como a acima descrita não está coberta pela imunidade conferida por esta disposição. Daqui resulta que a recorrente não pode invocar em seu benefício as constatações puramente factuais constantes do n.o 12 do Acórdão Patriciello.

    57.

    Não estando preenchido um dos critérios essenciais do artigo 8.o do protocolo, não é necessário, em princípio, examinar se a atividade em causa constitui a expressão de uma «opinião» na aceção desta disposição. Com efeito, o Tribunal de Justiça limitou‑se a recordar no Acórdão Patriciello que este conceito «deve ser entendido em sentido amplo, abrangendo o discurso ou as declarações que, pelo seu conteúdo, correspondem a asserções constitutivas de apreciações subjetivas» ( 22 ), sem, no entanto, dar uma orientação suplementar ao órgão jurisdicional de reenvio para lhe permitir verificar se as declarações do deputado em causa eram abrangidas por este conceito. Por conseguinte, não se pode excluir de forma categórica que uma qualquer declaração que se refira a um determinado assunto, que esteja no cerne do debate público à escala europeia, como os assuntos mencionados nas minhas observações preliminares ( 23 ), e exprimindo uma convicção pessoal do deputado, possa constituir uma tal opinião.

    58.

    Incumbe às entidades responsáveis pela aplicação do protocolo e por velar pela sua justa aplicação, primeiro e antes de mais ao Parlamento quando lhe é apresentado um pedido de levantamento de imunidade, examinar esta questão caso a caso ( 24 ). No caso em apreço, observo que, na decisão controvertida, o Parlamento se abstém de qualificar expressamente a atividade em causa como expressão de uma «opinião», o que poderia ser interpretado como uma vontade de conceder à recorrente o benefício da dúvida. Tal abordagem é concebível tendo em conta o sentido amplo deste conceito ( 25 ). Além disso, observo que esta questão também não foi expressamente abordada no processo no Tribunal Geral.

    59.

    De qualquer modo, não me parece pertinente debruçar‑me sobre esta questão no presente processo de recurso, tendo em conta que as alegações formuladas pela recorrente dizem exclusivamente respeito à apreciação pelo Tribunal Geral do critério relativo ao «nexo direto e manifesto» com as funções de um deputado europeu. Abordar a questão de saber se uma fotomontagem ligada a um acontecimento que nunca ocorreu eventualmente constitui a expressão de uma «opinião» na aceção do artigo 8.o do protocolo equivaleria a ultrapassar o alcance da fiscalização jurisdicional própria do processo de recurso.

    b)   Exame das alegações formuladas pela recorrente

    60.

    As considerações precedentes constituem o fundo sobre o qual importa agora analisar as alegações formuladas pela recorrente. Como explicarei nesta análise, as referidas alegações denotam uma leitura incorreta do acórdão recorrido, que suscita dúvidas quanto à procedência ( 26 ) do primeiro fundamento.

    1) Quanto à primeira alegação

    61.

    Contrariamente ao que alega a recorrente, o Tribunal Geral não afirmou, no n.o 53 do acórdão recorrido, que o alegado acontecimento comentado no tweet controvertido, devido à sua localização geográfica em França, não fazia parte dos assuntos de interesse de um deputado europeu. Pelo contrário, o Tribunal Geral não excluiu de forma categórica que acontecimentos relacionados com problemáticas ligadas ao islamismo e à violação dos direitos das mulheres — que afetam vários países do mundo, incluindo a França — possam constituir efetivamente questões de interesse geral.

    62.

    Há que precisar que o Tribunal Geral explicou concretamente no referido n.o 53, que «a foto e o tweet controvertidos parecem mais como uma vontade de pôr a tónica num comportamento contrário à lei francesa e não como a expressão de uma preocupação de defender os direitos das mulheres». O Tribunal Geral concluiu daí que «o facto de a recorrente ser membro suplente da Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade dos Géneros do Parlamento não permite relacionar o tweet controvertido com as funções que exerce enquanto deputada». Uma vez que esta apreciação dos factos é da competência exclusiva do Tribunal Geral não pode ser posta em causa no âmbito do processo de recurso de decisão do Tribunal Geral, tanto mais que a recorrente não apresentou nenhuma prova que indicasse um eventual erro de direito.

    63.

    Daqui resulta que esta alegação deve ser julgada improcedente por resultar de uma leitura errada do acórdão recorrido.

    2) Quanto à segunda alegação

    64.

    Contrariamente ao que alega a recorrente, o Tribunal Geral também não afirmou, a título de princípio, que uma opinião é necessariamente uma tomada de posição geral e não pode referir‑se a um acontecimento preciso. Com efeito, resulta do n.o 46 do acórdão recorrido que, para examinar se o tweet controvertido constituía uma opinião emitida pela recorrente no exercício das suas funções parlamentares, o Tribunal Geral não limitou este conceito a tomadas de posição gerais, excluindo qualquer referência a um acontecimento preciso. Pelo contrário, o Tribunal Geral apoiou‑se no conceito de «opinião» desenvolvido pelo Tribunal de Justiça e acima referido ( 27 ), segundo o qual esta deve ser entendida em sentido amplo, não excluindo assim nenhum dos dois casos.

    65.

    Dito isto, embora uma opinião possa certamente referir‑se a um acontecimento preciso, é pacífico no presente processo que o tweet controvertido diz respeito a um acontecimento preciso que supostamente ocorreu numa localidade em França, não podendo ser equiparado a uma tomada de posição mais geral sobre assuntos comuns de atualidade ou tratados habitualmente pelo Parlamento durante os debates ou trabalhos nas diferentes comissões ( 28 ), como os que mencionei nas minhas observações preliminares ( 29 ). Importa ter presente que, como já demonstrei acima, o assunto não tem um nexo direto que se imponha manifestamente às funções parlamentares da recorrente, como exige o artigo 8.o do protocolo.

    66.

    Na medida em que esta alegação se baseia numa leitura errada do acórdão recorrido, proponho que seja julgada improcedente.

    3) Quanto à terceira alegação

    67.

    A Lei de 29 de julho de 1881 invocada pela recorrente, que considera o tweet controvertido como uma «opinião», parece‑me desprovida de pertinência no presente contexto, tanto mais que a extensão da imunidade prevista no artigo 8.o do protocolo deve ser estabelecida unicamente com base no direito da União. Com efeito, como o Tribunal de Justiça indicou na sua jurisprudência, contrariamente à inviolabilidade parlamentar prevista no artigo 9.o, primeiro parágrafo, alínea a), do protocolo, que depende do direito nacional, o alcance da imunidade prevista no artigo 8.o do protocolo deve ser determinado, na falta de remissão para os direitos nacionais, apenas com base no direito da União ( 30 ).

    68.

    Por conseguinte, proponho igualmente que esta alegação seja julgada improcedente, na medida em que resulta de uma violação do caráter autónomo do direito da União.

    c)   Conclusão provisória

    69.

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar o primeiro fundamento do recurso manifestamente improcedente.

    C. Quanto ao segundo fundamento do recurso

    1.   Argumentos das partes

    70.

    Quanto ao erro manifesto de apreciação alegadamente cometido pelo Tribunal Geral na análise do terceiro fundamento do recurso, a recorrente formula três alegações.

    71.

    A primeiro é relativa ao facto de o Tribunal Geral ter declarado «que não compete ao Parlamento saber se os factos imputados à deputada em causa estão provados», apesar de o Parlamento ter examinado esses factos, «reconhecendo na sua decisão que [a recorrente] não é a autora do tweet».

    72.

    Com a sua segunda alegação, a recorrente acusa o Tribunal Geral de não ter retirado as devidas consequências jurídicas de determinados documentos dos autos, nomeadamente do artigo 42.o da Lei de 29 de julho de 1881, o qual, estabelecendo uma «responsabilidade em cascata», permite às autoridades nacionais competentes acusar o assistente da recorrente, autor do tweet, separadamente desta.

    73.

    Por último, com a sua terceira alegação, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter concluído a partir do despacho de remessa para o tribunal correctionnel (Tribunal Correcional, França) de que foi objeto a «consequência jurídica inversa daquilo que [esse despacho] exige», dado que a recorrente não foi a autora do tweet controvertido e o retirou imediatamente assim que dele teve conhecimento, o que prova que não teve qualquer intenção de cometer um delito. Por outro lado, o facto de a recorrente ter sido a única a ser levada ante um tribunal correctionnel (Tribunal Correcional, França), quando o autor do tweet controvertido beneficiou de uma prescrição da ação, traduziria a «obstinação de um magistrado» contra si e revela uma «intenção de a prejudicar no plano político, comportamento característico do fumus persecutionis».

    74.

    O Parlamento considera que o segundo fundamento é inadmissível. Antes de mais, a recorrente não precisou em que medida é que a interpretação do artigo 9.o do protocolo, adotada pelo Tribunal Geral, segundo a qual não compete ao Parlamento saber se os factos imputados à deputada em causa estão provados, está errada e, portanto, em que consiste o erro cometido pelo Tribunal Geral. A recorrente também não indica, de forma suficientemente precisa, os argumentos jurídicos em apoio da sua crítica, ou o fundamento jurídico com base no qual o Tribunal Geral deveria ter chegado a uma diferente conclusão. O mesmo se diga da crítica que visa o n.o 100 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal Geral declarou que não se pode censurar o Parlamento por não ter retirado consequências do facto de a recorrente não ser o autor do tweet controvertido e de o ter apagado logo que dele teve conhecimento.

    75.

    Em seguida, o Parlamento alega que não consegue discernir as consequências jurídicas que, segundo a recorrente, o Tribunal Geral deveria ter retirado do artigo 42.o da Lei de 29 de julho de 1881, na falta de argumentos jurídicos em apoio da sua crítica e de indicação do fundamento jurídico com base no qual o Tribunal Geral deveria ter concluído de outro modo.

    76.

    Por último, o Parlamento alega que a recorrente não pode criticar a apreciação, feita pelo Tribunal Geral, do despacho que de reenvio para o tribunal correctionnel (Tribunal Correcional, França), na medida em que se trata de um elemento de prova. Ora, a apreciação dos factos e dos elementos de prova não constitui uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, salvo em caso de desvirtuação desses factos e elementos de prova, o que a recorrente não alegou e que não resulta de forma manifesta dos documentos dos autos.

    2.   Apreciação

    a)   Quanto à primeira alegação

    77.

    No que respeita à primeira alegação do segundo fundamento, há que recordar, antes de mais, que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre do artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que o recurso deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido, sob pena de inadmissibilidade do recurso ou do fundamento em causa ( 31 ). Não responde a esta exigência, e deve, por conseguinte, ser julgada manifestamente inadmissível, uma alegação que se limita a comentar um ponto do acórdão recorrido sem apresentar uma argumentação jurídica coerente destinada especificamente a identificar o erro de direito de que alegadamente padece esse número ( 32 ).

    78.

    Dito isto, observo que a recorrente não indica em que consiste exatamente o erro de direito cometido pelo Tribunal Geral. Também não indica de forma suficientemente detalhada os argumentos jurídicos que sustentam a sua crítica e não precisa o fundamento jurídico com base no qual o Tribunal Geral deveria ter concluído de outro modo. Assim, pode‑se concluir que esta alegação não preenche os requisitos de admissibilidade acima referidos.

    79.

    Por prudência, há, todavia, que examinar as passagens do acórdão recorrido referidas pela recorrente a fim de verificar se existem vícios manifestos de fundamentação, nomeadamente na apreciação jurídica dos factos, suscetíveis de constituir um erro de direito.

    80.

    A título preliminar, saliente‑se que a análise dos n.os 60 a 62 do acórdão recorrido, aos quais a recorrente aparentemente faz referência, não permite concluir que o Tribunal Geral cometeu um erro na apreciação dos factos. Pelo contrário, o Tribunal Geral limita‑se a recordar, com razão, que a questão da imputabilidade ao deputado dos factos que lhe são atribuídos é da competência das autoridades do Estado‑Membro autor do pedido de levantamento da imunidade.

    81.

    Além disso, há que precisar que o Tribunal Geral não acusa o Parlamento de ter ignorado a competência destas autoridades. Com efeito, o Parlamento abstém‑se, na decisão controvertida, de proceder a uma apreciação jurídica definitiva dos factos à luz do direito penal francês, limitando‑se a reproduzir as acusações penais das autoridades judiciárias francesas contra a recorrente. Além disso, na medida em que o Parlamento indica que a imagem divulgada no Twitter era, na realidade, uma fotomontagem publicada pelo seu assistente, retirada posteriormente, o Parlamento limita‑se a resumir os factos que suscitaram o pedido de levantamento da imunidade. O Parlamento não se pronuncia sobre a responsabilidade da recorrente pela utilização eventual da sua conta de Twitter pelo seu assistente. Daqui resulta que, contrariamente ao que a recorrente parece sugerir, as passagens da decisão controvertida em causa constituem apenas uma tomada de conhecimento dos factos por parte do Parlamento. Aliás, nada no acórdão recorrido permite supor que o Tribunal Geral tenha compreendido mal o sentido e o valor jurídico das observações do Parlamento.

    82.

    Não tendo o Tribunal Geral cometido nenhum erro de apreciação suscetível de constituir uma desvirtuação dos factos, proponho, portanto, que esta alegação seja julgada improcedente.

    b)   Quanto à segunda alegação

    83.

    Quanto à segunda alegação, partilho da crítica do Parlamento quanto à falta de clareza do argumento apresentado pela recorrente, segundo o qual o Tribunal Geral devia ter «retirado as consequências jurídicas do artigo 42.o da Lei de 29 de julho de 1881». Tendo em conta a insuficiência da argumentação, parece‑me que este argumento também não preenche os requisitos de admissibilidade de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, conforme estabelecidos pela jurisprudência e acima mencionados ( 33 ).

    84.

    Por uma questão de exaustividade, examinarei, no entanto, esta alegação à luz dos n.os 100 e 101 do acórdão recorrido que, segundo a recorrente, contêm um erro de apreciação por parte do Tribunal Geral, ainda que se abstenha de explicar em que consiste esse erro e quais seriam as suas implicações jurídicas.

    85.

    Devo observar, a título preliminar, que o artigo 42.o da Lei de 29 de julho de 1881, citado pela recorrente, determina as categorias de pessoas responsáveis por crimes e delitos cometidos através da imprensa. Por conseguinte, há que concluir que a disposição francesa em causa faz parte do domínio do direito penal nacional. Ainda que não se perceba claramente o que a recorrente esperou concretamente do Tribunal Geral, parece‑me que exige, no essencial, a aplicação do direito nacional ao caso em apreço. Se esta interpretação da alegação se revelar correta, a recorrente parece ter baseado o seu pedido na ideia de que a disposição nacional em causa é suscetível de lhe conferir uma vantagem, que lhe permite subtrair‑se aos processos penais. Ora, esta ideia não é sustentada por provas ou elementos de facto. Além disso, parece‑me duvidoso que este aspeto possa ser pertinente para efeitos do presente processo.

    86.

    A este respeito, importa sublinhar que, como o Tribunal Geral recordou no n.o 62 do acórdão recorrido, não cabe ao Parlamento pronunciar‑se sobre a questão da imputabilidade ao deputado em causa dos factos que lhe são atribuídos, uma vez que essa competência pertence às autoridades do Estado‑Membro autor do pedido de levantamento da imunidade. Com efeito, só as estas autoridades estão habilitadas a interpretar e a aplicar o direito penal do Estado‑Membro em causa, agindo no exercício da soberania estatal («ius puniendi») ( 34 ). Estas considerações valem a fortiori para o Tribunal Geral, cuja competência jurisdicional se limita a examinar o recurso de anulação interposto da decisão controvertida. Daqui resulta que, contrariamente ao que a recorrente considera, o Tribunal Geral não estava habilitado a aplicar o artigo 42.o da Lei de 29 de julho de 1881 ao caso em apreço.

    87.

    Por conseguinte, na falta de um erro de direito, há que rejeitar igualmente esta alegação.

    c)   Quanto à terceira alegação

    88.

    No que respeita à terceira alegação, concordo com a posição do Parlamento, segundo a qual a simples alegação de um erro manifesto alegadamente cometido pelo Tribunal Geral na apreciação de um elemento de prova — a saber, o Despacho de 26 de abril de 2018, pelo qual o vice‑presidente do tribunal de grande instance de Bobigny (Tribunal de Primeira Instância de Bobigny, França) responsável pela instrução remeteu o processo da recorrente para o tribunal correctionnel (Tribunal Correcional, França) — não satisfaz os critérios acima referidos de precisão de um fundamento de recurso. Não se percebe, nomeadamente, qual o erro cometido nem quais são as «consequências jurídicas» que o Tribunal Geral deveria ter tirado da apreciação deste elemento de prova.

    89.

    Para ser exaustivo, verificarei, no entanto, se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no n.o 101 do acórdão recorrido, a que a recorrente se refere nas suas observações.

    90.

    Como indiquei nas minhas observações preliminares, a competência do Tribunal de Justiça no âmbito de um processo de recurso de uma decisão do Tribunal Geral está limitada às questões de direito, o que implica, para a fiscalização jurisdicional de uma apreciação dos factos e das provas, designadamente, que este deve verificar se o Tribunal Geral aplicou os bons critérios, se os qualificou corretamente de um ponto de vista jurídico e se deles retirou conclusões jurídicas ( 35 ).

    91.

    Parece‑me que a recorrente se apoia nas informações contidas no Despacho de 26 de abril de 2018 acima referido como elemento de prova para sustentar a ideia de que não devia ter sido objeto de um processo judicial, dado que foi o seu assistente que publicou o tweet controvertido. Com efeito, a recorrente queixa‑se, nos seus articulados, de ser «a única cujo processo foi remetido para o Tribunal correctionnel (Tribunal Correcional, França), tendo operado a prescrição da ação em benefício do seu assistente». Admitindo que esta interpretação da posição da recorrente seja correta, esta parece criticar o Tribunal Geral por não ter retirado daí as «consequências jurídicas», ou seja, de não ter anulado a decisão controvertida pelo facto de esta se basear numa premissa alegadamente incorreta, a saber, a responsabilidade penal da recorrente.

    92.

    Há que responder a este argumento que, tal como já referi, o Tribunal Geral não é competente para se pronunciar sobre a questão da imputabilidade ao deputado em causa dos factos que lhe são atribuídos, dado que esta questão releva exclusivamente do direito nacional ( 36 ). Consequentemente, independentemente do resultado dos processos penais pendentes, os quais têm precisamente por objetivo clarificar esta questão, que podem conduzir à condenação ou à absolvição da recorrente, o Tribunal Geral não podia substituir‑se às autoridades judiciárias nacionais, anulando a decisão controvertida em razão de uma eventual inexistência de responsabilidade penal. Foi, portanto, com razão que o Tribunal Geral se absteve de se pronunciar sobre a responsabilidade penal da recorrente, limitando‑se unicamente a visar o despacho em causa, do qual resulta que o magistrado instrutor dispõe de elementos suficientes para justificar a remessa do processo da recorrente para o tribunal correctionnel (Tribunal Correcional, França).

    93.

    Na medida em que a argumentação da recorrente se baseia manifestamente numa violação da repartição de competências entre as autoridades judiciárias nacionais e o juiz da União, deve ser rejeitada.

    94.

    A recorrente parece igualmente criticar os fundamentos que o Tribunal Geral consagra, no n.o 101 do acórdão, à alegada inexistência de fumus persecutionis. Em seu entender, o despacho em causa «traduz a obstinação de um magistrado contra um eleito que se pretende a qualquer preço arrastar perante um tribunal correctionnel» (Tribunal Correcional, França) com a «intenção de a prejudicar no plano político». Daqui se pode deduzir que a recorrente critica o Tribunal Geral por não ter apreciado corretamente as circunstâncias do caso concreto e de, por conseguinte, não ter anulado a decisão controvertida.

    95.

    A este respeito, observo desde já que resulta claramente da decisão controvertida que o Parlamento tinha concluído, com base numa apreciação dos factos, pela inexistência de suspeita de fumus persecutionis. Com efeito, o relatório sobre o pedido de levantamento da imunidade elaborado pela Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento indica expressamente que «não existe uma presunção suficientemente séria de que a investigação judiciária iniciada na sequência da queixa por difamação contra uma Administração Pública, apresentada pela CAF, foi iniciada com a intenção de prejudicar a atividade parlamentar da recorrente». Por conseguinte, o Tribunal Geral não teve nenhuma razão objetiva para pôr em causa a veracidade ou a validade dessa apreciação. Pelo contrário, o Tribunal Geral viu esta apreciação confirmada pelas informações contidas no Despacho de 26 de abril de 2018 que indicavam a existência de elementos suficientes para justificar a remessa do processo da recorrente para o tribunal correctionnel (Tribunal Correcional, França). Foi, portanto, erradamente que a recorrente vislumbrou um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral na recusa em reconhecer um risco de perseguição motivado pelo único objetivo de a prejudicar.

    96.

    A título exaustivo, importa sublinhar que o Tribunal Geral procedeu a uma análise meticulosa, nos n.os 83 a 101 do acórdão recorrido, dos argumentos invocados pela recorrente em apoio da existência de um fumus persecutionis, no termo da qual os rejeitou na íntegra. Tendo em conta o facto de a apreciação dos factos ser da competência exclusiva do Tribunal Geral e de a recorrente não ter apresentado nenhum argumento coerente e suficientemente fundamentado, suscetível de pôr em causa a conformidade do raciocínio do Tribunal Geral com os princípios processuais que regem a apreciação dos factos e dos elementos de prova no âmbito de um recurso de anulação, há que confirmar as conclusões do Tribunal Geral quanto à inexistência de indícios de um fumus persecutionis no caso em apreço.

    97.

    Daqui resulta que, na ausência de erro de apreciação do Despacho de 26 de abril de 2018 enquanto elemento de prova, o argumento invocado pela recorrente deve ser considerado improcedente.

    98.

    Resulta de tudo o que precede que há que rejeitar esta alegação.

    d)   Conclusão provisória

    99.

    No termo desta análise, considero que o segundo fundamento do recurso não pode ser acolhido. Proponho que o mesmo seja julgado manifestamente inadmissível ou, em todo o caso, manifestamente improcedente.

    VII. Conclusão

    100.

    Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça:

    negar provimento ao recurso, e

    condenar a recorrente nas despesas.


    ( 1 ) Língua original: francês.

    ( 2 ) JO 2016, C 202, p. 266.

    ( 3 ) Acórdão de 6 de setembro de 2011, Patriciello (C‑163/10, a seguir «Acórdão Patriciello, EU:C:2011:543).

    ( 4 ) Acórdão de 17 de janeiro de 2013, Gollnisch/Parlamento (T‑346/11 e T‑347/11, EU:T:2013:23, n.o 107).

    ( 5 ) N.os 88 e 99 do acórdão recorrido.

    ( 6 ) N.o 96 do acórdão recorrido.

    ( 7 ) Acórdão de 21 de outubro de 2008, Marra (C‑200/07 e C‑201/07, EU:C:2008:579).

    ( 8 ) Acórdão de 21 de outubro de 2008, Marra (C‑200/07 e C‑201/07, EU:C:2008:579, n.o 24).

    ( 9 ) Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Junqueras Vies (C‑502/19, EU:C:2019:1115, n.os 82 a 84).

    ( 10 ) Despachos de 16 de setembro de 2010, Dominio de la Vega/IHMI (C‑459/09 P, não publicado, EU:C:2010:533, n.o 44), e de 21 de março de 2019, Gollnisch/Parlamento (C‑330/18 P, não publicado, EU:C:2019:240, n.o 109).

    ( 11 ) Despacho de 21 de março de 2019, Gollnisch/Parlamento (C‑330/18 P, não publicado, EU:C:2019:240, n.o 110).

    ( 12 ) Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo Bélgica/Deutsche Post e DHL International (C‑148/09 P, EU:C:2010:726, n.o 76).

    ( 13 ) Acórdão TEDH, 8 de outubro de 2009 (CE:ECHR:2009:1008JUD001266206).

    ( 14 ) Sublinhado nosso.

    ( 15 ) V. n.o 38 das presentes conclusões.

    ( 16 ) Acórdão Patriciello, n.o 35, sublinhado nosso.

    ( 17 ) V., neste sentido, Mehta, R. S., «Sir Thomas’ blushes: protecting parliamentary immunity in modern parliamentary democracies», European Human Rights Law Review, 2012, n.o 3, p. 309. O autor indica que não é fácil definir de forma precisa as funções de um deputado, dado que o seu papel evolui ao longo do tempo e adapta‑se às diversas circunstâncias concretas. Segundo o autor, a reticência em aceitar que um deputado se pronuncie sobre aspetos locais é compreensível, visto que a União acaba por ser uma «criatura com competências limitadas». Por outro lado, aceitar unicamente atividades ligadas aos assuntos supranacionais constituiria uma abordagem demasiado restritiva, nomeadamente quando aspetos locais e regionais se revelem pertinentes para as políticas da União, por exemplo no domínio das ajudas à agricultura, do desenvolvimento regional e das regras do direito da migração.

    ( 18 ) Acórdão Patriciello, n.o 34.

    ( 19 ) Acórdão Patriciello, n.os 37 e 38.

    ( 20 ) Acórdão Patriciello, n.o 36, sublinhado nosso.

    ( 21 ) V. n.o 36 das presentes conclusões.

    ( 22 ) Acórdão de 6 de setembro de 2011, Patriciello (C‑163/10, EU:C:2011:543, n.o 32).

    ( 23 ) V. n.o 36 das presentes conclusões.

    ( 24 ) Como o Tribunal de Justiça indicou no Acórdão de 21 de outubro de 2008, Marra (C‑200/07 e C‑201/07, EU:C:2008:579, n.os 32 a 42), a apreciação das condições de aplicação da imunidade de um deputado europeu é da competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais nacionais. Se, na aplicação do artigo 8.o do protocolo, os referidos órgãos jurisdicionais tiverem dúvidas sobre a interpretação do referido artigo, aqueles podem colocar ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.o TFUE, uma questão relativa à interpretação desse artigo do protocolo, sendo os órgãos jurisdicionais de última instância, nesse caso, obrigados a fazê‑lo. Todavia, o Tribunal de Justiça sublinhou que o Parlamento e as autoridades jurisdicionais nacionais têm o dever de cooperação de forma leal a fim de evitar qualquer conflito na interpretação e na aplicação das disposições do protocolo, o que significa na prática que, quando uma ação foi intentada contra um deputado europeu num órgão jurisdicional nacional e este é informado de que foi acionado um procedimento de defesa dos privilégios e imunidades desse mesmo deputado, o referido órgão jurisdicional deve suspender o processo jurisdicional e pedir ao Parlamento que emita o seu parecer o mais rapidamente possível.

    ( 25 ) Como indica o advogado‑geral N. Jääskinen nas suas Conclusões no processo Patriciello (C‑163/10, EU:C:2011:379, n.os 80 a 87), estabelecer uma distinção clara entre «juízos de valor» e «declarações factuais» no domínio do direito é, de um ponto de vista conceptual, difícil, ou mesmo impossível. Por outro lado, invoca o facto de o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não aplicar uma dicotomia pura entre estes dois conceitos, a saber, que não distingue entre a «opinião pura» e a «afirmação factual», mas sim entre as «afirmações factuais puras» e as «expressões mistas», que incluem elementos simultaneamente factuais e de opinião. O advogado‑geral defende a opinião de que um membro do Parlamento deve poder assinalar as preocupações e defender os interesses dos eleitores. Por esta razão, estando protegido pela imunidade material, deve ter liberdade para pronunciar constatações factuais que não estão verificadas ou que se podem revelar erradas. A maior parte das vezes, tratar‑se‑á de «expressões mistas» na aceção da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Um membro do Parlamento deveria, por conseguinte, obter o «benefício da dúvida».

    ( 26 ) V. Despachos de 13 de setembro de 2012, Total e Elf Aquitaine/Comissão (C‑495/11 P, não publicado, EU:C:2012:571, n.o 21); de 19 de junho de 2019, Linak/EUIPO (C‑820/18 P, não publicado, EU:C:2019:514, n.os 15 e 18); e de 2 de julho de 2019, Seven/Shenzhen Jiayz Photo Industrial (C‑31/19 P, não publicado, EU:C:2019:554, n.os 9 e 13).

    ( 27 ) V. n.o 57 das presentes conclusões.

    ( 28 ) V., neste sentido, as Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo Patriciello (C‑163/10, EU:C:2011:379, n.o 97), em que propõe colocar no cerne da imunidade as atividades que constituem o exercício por excelência da função de um membro do Parlamento. Estas abrangeriam, nomeadamente, as opiniões e os votos expressos no fórum do Parlamento, nas comissões, nas delegações e órgãos políticos do Parlamento, e nos grupos políticos. Propõe incluir aí atividades como a participação em conferências, missões e encontros políticos fora do Parlamento, na qualidade de membro do Parlamento.

    ( 29 ) V. n.o 36 das presentes conclusões.

    ( 30 ) Acórdãos de 21 de outubro de 2008, Marra (C‑200/07 e C‑201/07, EU:C:2008:579, n.o 26), e Patriciello, n.o 25.

    ( 31 ) Acórdãos de 28 de fevereiro de 2018, mobile.de/EUIPO (C‑418/16 P, EU:C:2018:128, n.o 35); de 20 de setembro de 2016, Mallis e o./Comissão e BCE (C‑105/15 P a C‑109/15 P, EU:C:2016:702, n.os 33 e 34); de 24 de março de 2011, ISD Polska e o./Comissão (C‑369/09 P, EU:C:2011:175); e de 22 de novembro de 2007, Cofradía de pescadores San Pedro de Bermeo e o./Conselho (C‑6/06 P, não publicado, EU:C:2007:702, n.o 34).

    ( 32 ) Despacho de 21 de março de 2012, Fidelio/IHMI (C‑87/11 P, não publicado, EU:C:2012:154, n.o 62).

    ( 33 ) V. n.o 77 das presentes conclusões.

    ( 34 ) V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Van Straaten (C‑150/05, EU:C:2006:381, n.o 63) que sustenta que qualquer decisão judicial, condenação ou absolvição, constitui manifestação «do ius puniendi».

    ( 35 ) V., neste sentido, Wathelet, M., Contentieux européen, Larcier, 2.a edição, Bruxelas 2014, p. 479.

    ( 36 ) V. n.o 86 das presentes conclusões.

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