Escolha as funcionalidades experimentais que pretende experimentar

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62017CC0001(01)

Conclusões do advogado-geral Y. Bot apresentadas em 29 de janeiro de 2019.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2019:72

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 29 de janeiro de 2019 ( 1 )

Parecer 1/17

Pedido de parecer apresentado pelo Reino da Bélgica

«Parecer proferido nos termos do artigo 218.o, n.o 11, TFUE — Acordo Económico e Comercial Global entre o Canadá, por um lado, e a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro (CETA) — Resolução de litígios entre investidores e Estados (RLIE) — Instituição de um tribunal e de uma instância de recurso — Compatibilidade com o direito primário da União — Exigência de respeito da autonomia da ordem jurídica da União e do sistema jurisdicional desta — Aplicabilidade da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ao exercício, pela União, da sua competência para celebrar um acordo internacional — Artigos 20.o e 21.o da Carta — Princípio da igualdade de tratamento — Artigo 47.o da Carta — Direito de acesso a um tribunal independente e imparcial»

Índice

 

I. Introdução

 

II. Contexto no qual se insere o pedido de parecer

 

III. Pedido de parecer do Reino da Bélgica

 

A. Quanto à compatibilidade do CETA com a competência exclusiva do Tribunal de Justiça na interpretação definitiva do direito da União

 

1. Sistema jurisdicional da União como garantia da autonomia da ordem jurídica da União

 

2. Condições de criação de um mecanismo específico de resolução de litígios pelos acordos internacionais celebrados pela União

 

3. Exigência de reciprocidade na proteção conferida aos investidores de cada Parte contratante

 

4. Um mecanismo coerente com a inexistência de efeito direto do CETA

 

5. O Acórdão Achmea não afeta a compatibilidade do SJI com a exigência de autonomia da ordem jurídica da União

 

6. Garantias previstas pelas Partes contratantes para preservar a competência exclusiva do Tribunal de Justiça na interpretação definitiva do direito da União

 

7. O SJI não afeta a missão dos órgãos jurisdicionais nacionais que consiste em assegurar a aplicação efetiva do direito da União

 

8. Coerência com os objetivos da ação externa da União

 

9. A instauração de um mecanismo de apreciação prévia pelo Tribunal de Justiça e a possibilidade de fiscalização completa das sentenças pelos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros não são necessárias

 

B. Quanto ao princípio geral da igualdade de tratamento e à exigência de efetividade do direito da União

 

C. Quanto à compatibilidade da secção F do capítulo oito do CETA com o direito de acesso a um tribunal independente e imparcial

 

1. Considerações gerais

 

2. Quanto ao acesso ao tribunal do CETA pelas pequenas e médias empresas

 

3. Quanto às condições de remuneração dos membros do tribunal e da instância de recurso

 

4. Quanto às condições relativas à nomeação e à eventual destituição dos membros do tribunal e da instância de recurso

 

5. Quanto às regras deontológicas aplicáveis aos membros do tribunal e da instância de recurso

 

IV. Conclusão

I. Introdução

1.

Em 30 de outubro de 2016, o Canadá, por um lado, e a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, assinaram em Bruxelas um acordo económico e comercial global (a seguir «CETA»), mais conhecido pelo acrónimo CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement) ( 2 ).

2.

À semelhança, nomeadamente, do acordo em causa no Parecer 2/15 (acordo de comércio livre com Singapura), de 16 de maio de 2017 ( 3 ), o CETA é um acordo de comércio livre dito de «nova geração», na medida em que contém, além das disposições tradicionais relativas à redução dos direitos aduaneiros e dos obstáculos não pautais que afetam o comércio de mercadorias e serviços, disposições sobre o investimento, os contratos públicos, a concorrência, a proteção da propriedade intelectual e o desenvolvimento sustentável.

3.

Embora esteja assinado, o CETA ainda não foi celebrado na aceção do artigo 218.o, n.o 6, TFUE. Contudo, é parcialmente aplicado a título provisório ( 4 ).

4.

O presente processo tem por objeto um pedido de parecer submetido ao Tribunal de Justiça em 7 de setembro de 2017 pelo Reino da Bélgica, nos termos do artigo 218.o, n.o 11, TFUE.

5.

O pedido de parecer apresentado pelo Reino da Bélgica tem a seguinte redação:

«É o [CETA] entre o Canadá, por um lado, e a [União] e os seus Estados‑Membros, por outro, assinado em Bruxelas em 30 de outubro de 2016, no seu capítulo oito (“Investimento”), secção F (“Resolução de litígios em matéria de investimentos entre investidores e Estados”), compatível com os Tratados, incluindo com os direitos fundamentais?»

6.

A secção F do capítulo oito do CETA, que inclui os artigos 8.18 a 8.45 deste acordo, tem como objetivo instituir um mecanismo de resolução de litígios entre investidores e Estados (RLIE), também conhecido pelo acrónimo «ISDS System» (Investor State Dispute Settlement System).

7.

Para tal, essa secção prevê a criação de um tribunal (a seguir «tribunal» ou «tribunal do CETA») e de uma instância de recurso (a seguir «instância de recurso» ou «instância de recurso do CETA»), bem como, a mais longo prazo, de um tribunal multilateral de investimento e de um mecanismo de recurso, que porão termo ao funcionamento dos primeiros tribunais. Pretende‑se, assim, estabelecer um «sistema jurisdicional em matéria de investimentos» (a seguir «SJI»), mais conhecido pela sua designação em língua inglesa Investment Court System (ICS), do qual o tribunal do CETA constitui apenas uma primeira etapa. Este tribunal constitui, portanto, a primeira aplicação concreta da reforma do regime de RLIE delineada pela Comissão Europeia em 2015 ( 5 ), em resposta à consulta pública sobre a proteção dos investimentos e a RLIE ( 6 ). Assim, a secção F do capítulo oito do CETA prevê um quadro processual institucionalizado, com o objetivo de resolver eventuais litígios entre o investidor de uma Parte contratante e a outra Parte contratante no que diz respeito à interpretação e à aplicação do CETA, destinado a remediar as carências atribuídas ao sistema de RLIE clássico.

8.

Através da introdução deste mecanismo reformado no CETA, a União pretende iniciar uma reforma global do modelo de resolução de litígios entre investidores e Estados, evoluindo do atual sistema de RLIE ad hoc, assente nos princípios da arbitragem, para um SJI, que conduza à criação de um tribunal multilateral permanente ( 7 ).

9.

No seu pedido de parecer, o Reino da Bélgica manifesta ao Tribunal de Justiça as suas dúvidas quanto à compatibilidade da secção F do capítulo oito do CETA com os Tratados. No essencial, essas dúvidas dizem respeito aos efeitos dessa parte do acordo na competência exclusiva do Tribunal de Justiça para a interpretação definitiva do direito da União, no princípio geral da igualdade de tratamento e na exigência de efetividade do direito da União, bem como no direito de acesso a um tribunal independente e imparcial.

II. Contexto no qual se insere o pedido de parecer

10.

O direito dos investimentos internacionais comporta duas vertentes distintas, designadamente um direito material constituído por normas que visam proteger os investimentos estrangeiros e uma vertente processual em matéria de arbitragem transnacional.

11.

A este respeito, o regime de RLIE permite a resolução de litígios sempre que um investidor considere que um Estado não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força de um acordo internacional de investimento. A inclusão de cláusulas relativas a um regime de RLIE num acordo internacional em matéria de investimentos oferece, assim, aos investidores estrangeiros a possibilidade de não submeter um litígio que tenham com o Estado no qual o investimento tenha sido efetuado aos órgãos jurisdicionais desse Estado, mas a um tribunal arbitral ad hoc, de acordo com as regras às quais esse acordo se refira.

12.

O desenvolvimento da arbitragem entre investidores e Estados é um fenómeno relativamente recente e que surgiu em resposta às alegadas carências dos sistemas judiciais de determinados países de acolhimento, que se traduziram numa desconfiança dos investidores a seu respeito. Este modo de resolução de litígios visa, assim, facultar aos investidores um meio neutro e eficaz de resolver litígios, o que incentivará os investimentos tranquilizando os operadores económicos que decidam investir no estrangeiro.

13.

O modo de resolução de litígios que constitui a arbitragem em matéria de investimento pauta‑se, portanto, desde a sua origem, pela vontade das partes contratantes de externalizar a resolução dos litígios que opõem os investidores estrangeiros ao país de acolhimento ( 8 ). Este modo de resolução de litígios destina‑se igualmente a substituir a proteção diplomática pela qual o Estado da nacionalidade do investidor assume a pretensão deste em relação ao país de acolhimento do investimento ( 9 ). Por conseguinte, dá continuidade ao movimento para subtrair os litígios em matéria de investimentos ao domínio político e diplomático. A resolução de litígios entre investidores e Estados constitui também uma alternativa ao outro método de resolução de litígios em matéria de investimentos que constitui a arbitragem entre Estados, que apresenta os mesmos inconvenientes que a proteção diplomática, ou seja, do ponto de vista do investidor, um vínculo de dependência em relação ao seu Estado de origem e, do ponto de vista desse Estado, o risco que a ação intentada pode significar para as suas relações com outros Estados.

14.

Em consequência da aquisição de competência externa em matéria de investimentos diretos, a União teve de conceber um modelo de resolução dos litígios relativos ao respeito das normas de proteção constantes dos acordos de comércio livre que celebrou com Estados terceiros ( 10 ). De facto, as cláusulas de arbitragem constantes dos tratados bilaterais de investimento são, em matéria de direito internacional dos investimentos, consideradas um elemento central da proteção dos investimentos estrangeiros no país de acolhimento.

15.

Contudo, a arbitragem em matéria de investimento na sua forma clássica é objeto de críticas, designadamente, em especial, a falta de legitimidade e de garantias de independência dos árbitros, a falta de coerência e de previsibilidade das sentenças, a falta de possibilidade de revisão da sentença proferida, o risco de «congelamento regulamentar» ( 11 ) e os custos elevados do processo.

16.

Atendendo às críticas de que a arbitragem em matéria de investimento é objeto, a aceleração das negociações entre a União e Estados terceiros tendo em vista o desenvolvimento de relações bilaterais de comércio livre que incluam uma vertente relativa aos investimentos coloca uma série de desafios, tanto políticos como jurídicos.

17.

Entre esses desafios, um dos mais importantes consiste na definição de um modelo que permita à União e aos seus Estados‑Membros familiarizarem‑se com uma prática arbitral que constitua a regra em matéria de resolução de litígios relativos à proteção dos investimentos estrangeiros, introduzindo simultaneamente melhorias no modelo clássico, a fim de, por um lado, responder às críticas relativas ao funcionamento dos tribunais de arbitragem e à legitimidade de um dispositivo de arbitragem entre investidores e Estados, e, por outro, ser coerente com os princípios essenciais que regem os mecanismos de resolução de litígios na ordem jurídica da União.

18.

O modelo adotado caracteriza‑se, em vários aspetos, por determinados traços originais que lhe conferem um caráter híbrido, uma forma de compromisso entre um tribunal arbitral e um órgão jurisdicional internacional. Assim, a via escolhida pela União no âmbito do CETA é a de uma institucionalização e de um processo de judicialização do mecanismo de resolução de litígios em matéria de investimentos, que traduza um equilíbrio entre tradição e inovação no que diz respeito à arbitragem em matéria de investimento. A dimensão experimental deve ser aqui sublinhada, uma vez que a União está na vanguarda de um movimento que o futuro dirá se irá manter‑se juridicamente ( 12 ).

19.

A União teve de conduzir com pragmatismo as negociações sobre este aspeto com Estados terceiros, tendo em conta o facto de a arbitragem entre investidores e Estados ser considerada pelos seus parceiros, bem como pelos próprios investidores, um elemento indispensável de proteção destes ( 13 ). O desafio imediato para a União era então aderir a este modo de resolução de litígios, introduzindo simultaneamente melhorias, tendo em vista, a mais longo prazo, desenvolvimentos mais substanciais, como o projeto de um tribunal multilateral de investimento ( 14 ).

20.

Assim, o CETA contém um mecanismo de resolução de litígios cuja fisionomia evoluiu ao longo das negociações, a fim, nomeadamente, de ter em conta os resultados de uma consulta pública levada a cabo a este respeito pela Comissão ( 15 ). A vivacidade do debate em redor da oportunidade e das características de tal mecanismo explica‑se principalmente pelo facto de a arbitragem em matéria de investimento ser palco de confronto entre interesses privados e interesses públicos. Por conseguinte, suscita necessariamente problemas que podem ter impacto nas políticas públicas.

21.

Neste momento, a reforma iniciada pela União, tal como exposta no CETA, assenta em dois aspetos principais, designadamente, por um lado, a referência expressa ao direito das Partes contratantes de regulamentar no interesse geral, associada a normas mais precisas em matéria de proteção dos investimentos a fim de pôr termo a determinadas interpretações abusivas das normas ( 16 ), e, por outro, a vontade de avançar rumo a um sistema jurisdicional caracterizado, nomeadamente, pela independência e a imparcialidade dos seus membros, bem como pela transparência dos seus processos.

22.

É sobre este último regime, no seu estado atual de desenvolvimento, que se afasta da arbitragem clássica para se aproximar de um sistema jurisdicional, que incide o presente processo de parecer. As disposições do CETA relativas a este regime não fazem parte das que são aplicadas a título provisório ( 17 ).

23.

Apesar de se intitular «resolução de litígios em matéria de investimento entre investidores e Estados», o referido regime abrange não apenas os casos em que um investidor de um Estado‑Membro apresente um pedido contra o Canadá e aqueles em que um investidor canadiano apresente um pedido contra um Estado‑Membro, mas igualmente os casos em que um investidor canadiano apresente um pedido contra a União.

24.

As disposições essenciais relativas à organização e à implementação do SJI estão na secção F do capítulo oito do CETA. Contudo, determinados aspetos são remetidos para decisões a adotar pelo Comité Misto CETA, referido no artigo 26.1 desse acordo.

25.

A principal característica desse mecanismo de resolução de litígios reside na constituição de um tribunal permanente para tratar os pedidos apresentados pelos investidores contra uma Parte ( 18 ). O Tribunal é composto por quinze membros nomeados pelo Comité Misto CETA ( 19 ) para um mandato de cinco anos, renovável uma vez ( 20 ).

26.

Os membros do tribunal devem possuir as habilitações exigidas nos respetivos países para o exercício de funções jurisdicionais ou ser juristas de reconhecida competência, e devem possuir conhecimentos especializados comprovados no domínio do direito internacional público ( 21 ). Os membros do tribunal devem ser independentes e respeitar as regras que visam evitar conflitos de interesses ( 22 ). O tribunal procede à instrução dos processos em secções compostas, em regra, por três dos seus membros, todos nomeados pelo presidente do tribunal de acordo com um sistema de rotação, de modo a garantir uma composição aleatória e imprevisível das secções ( 23 ).

27.

As sentenças do tribunal podem ser objeto de recurso para uma instância de recurso permanente ( 24 ). Os recursos podem ter por base, nomeadamente, erros de direito ou erros manifestos na apreciação dos factos, incluindo na apreciação do direito interno relevante ( 25 ). Os membros da instância de recurso são nomeados pelo Comité Misto CETA ( 26 ). Devem possuir as mesmas habilitações que os membros do tribunal e estão sujeitos às mesmas regras deontológicas ( 27 ).

28.

De acordo com o artigo 8.41, n.o 1, do CETA, «[u]ma sentença proferida nos termos da presente secção é vinculativa para as partes em litígio e no que diz respeito ao processo em causa».

29.

Quanto às disposições materiais, a nova abordagem associa a afirmação do direito das Partes de regular ( 28 ) a um esforço de precisão na definição das normas de proteção fundamentais ( 29 ).

30.

Assim, o CETA destina‑se a promover o investimento transfronteiriço entre a União e o Canadá, permitindo aos investidores das Partes contratantes beneficiar de um nível de proteção elevado dos seus investimentos, protegendo simultaneamente o poder regulamentar de cada Parte ( 30 ).

31.

Há que esclarecer ainda que, no momento da assinatura do CETA, foi estabelecido um Instrumento Comum Interpretativo ( 31 ), que prevê, no n.o 6, orientações específicas para a interpretação do SJI. Além disso, por ocasião da assinatura desse acordo, a Comissão e o Conselho apresentaram a declaração n.o 36, na qual estas instituições referem as medidas a adotar para a implementação do SJI.

32.

Tendo presentes os elementos descritos, há que referir, desde já, que, para responder ao pedido de parecer formulado pelo Reino da Bélgica, deixaremos de lado, não obstante a sua importância, as vertentes política e económica da problemática que nos é submetida, pois afigura‑se necessário sublinhar que cabe inteiramente na margem de apreciação das instituições da União optar, pondo em prática a política comercial comum, por fazer parte de uma prática de arbitragem internacional bem definida.

33.

Assim, não nos compete pronunciar‑nos sobre a oportunidade, do ponto de vista político, de prever um modo de resolução de litígios desse tipo nos acordos que a União negoceie com Estados terceiros, nem sobre o impacto económico que o regime de RLIE é suscetível de produzir em termos de atração de investidores estrangeiros e de desenvolvimento das suas operações. Esses elementos são abrangidos pela ampla margem de apreciação das instituições da União ( 32 ). Por outro lado, resultam de um debate democrático levado a cabo na União e nos Estados‑Membros. A única questão que devemos analisar é a de saber se, ao aderir à prática da arbitragem em matéria de investimento, adaptando‑a para que evolua para um modelo de natureza jurisdicional, o acordo projetado é, do ponto de vista meramente jurídico, compatível com o direito primário da União.

III. Pedido de parecer do Reino da Bélgica

34.

Com o seu pedido de parecer, o Reino da Bélgica pretende contribuir para clarificar o quadro jurídico no qual o CETA deve ser inserido, sem tomar, ele próprio, posição sobre a forma como, no seu entender, se deve responder às questões submetidas ao Tribunal de Justiça.

35.

O Reino da Bélgica refere igualmente que está ciente de que determinadas medidas devem ser adotadas em execução do CETA e da declaração n.o 36, o que pode influenciar o parecer do Tribunal de Justiça.

36.

O pedido de parecer articula‑se em torno das três problemáticas seguintes: a competência do Tribunal de Justiça, o princípio da igualdade de tratamento e a exigência de efetividade do direito da União, bem como o direito de acesso a um tribunal independente e imparcial.

37.

A título preliminar, quanto à admissibilidade do pedido do Reino da Bélgica, importa salientar o caráter preventivo do processo de parecer. Recorde‑se, a este propósito, que, «nos termos do artigo 218.o, n.o 11, TFUE, o Parlamento, o Conselho, a Comissão ou um Estado‑Membro podem obter o parecer do Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade de um acordo projetado com as disposições dos Tratados. Esta disposição tem por objetivo evitar as complicações que resultariam de impugnações judiciais relativas à compatibilidade com os Tratados de acordos internacionais que vinculam a União» ( 33 ). De facto, «uma decisão judicial que declare eventualmente, após a conclusão de um acordo internacional que vincula a União, que este é, em virtude do seu conteúdo ou do procedimento de conclusão adotado, incompatível com as disposições dos Tratados, não deixaria de criar, quer ao nível da União quer ao nível das relações internacionais, sérias dificuldades, correndo‑se o risco de provocar prejuízos a todas as partes interessadas, incluindo os Estados terceiros» ( 34 ).

38.

Como referimos anteriormente, embora esteja assinado, o CETA ainda não foi celebrado na aceção do artigo 218.o, n.o 6, TFUE. Por conseguinte, permanece um acordo «projetado» na aceção do artigo 218.o, n.o 11, TFUE.

A.   Quanto à compatibilidade do CETA com a competência exclusiva do Tribunal de Justiça na interpretação definitiva do direito da União

39.

O Reino da Bélgica recorda que, no n.o 246 do Parecer 2/13, o Tribunal de Justiça enunciou o «princípio da competência exclusiva do Tribunal de Justiça na interpretação definitiva do direito da União».

40.

Este Estado‑Membro recorda igualmente os motivos pelos quais o Tribunal de Justiça considerou, no seu Parecer 1/09, de 8 de março de 2011 ( 35 ), que o projeto de acordo internacional que criava um tribunal de patentes europeias e comunitárias era incompatível com o direito da União.

41.

Depois de salientar que o artigo 8.18, n.o 1, do CETA habilita o tribunal a analisar se um instrumento de direito derivado da União é compatível com as disposições das secções C e D do capítulo oito desse acordo, o Reino da Bélgica observa que, no âmbito dessa análise, esse tribunal é suscetível de ser confrontado regularmente com questões de interpretação do direito da União. Referindo‑se ao artigo 8.31, n.o 2, do CETA, o Reino da Bélgica observa que, na falta de interpretação dominante, o tribunal ver‑se‑á constrangido a interpretar, ele mesmo, o direito da União.

42.

De acordo com este Estado‑Membro, embora o CETA se distinga do mecanismo previsto no Parecer 1/09 na medida em que o tribunal não será diretamente chamado a decidir um litígio nele pendente à luz do direito da União enquanto direito aplicável, nem a analisar a validade de um ato da União, em contrapartida, à semelhança dos mecanismos previstos nos Pareceres 1/09 e 2/13, o SJI permite ao tribunal analisar a compatibilidade das disposições do direito derivado da União com as disposições relevantes do CETA e determinar, para esse efeito, a interpretação do direito da União.

43.

Uma vez que o regime de RLIE previsto no CETA não prevê nem a obrigação nem mesmo a possibilidade de o tribunal submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prévia sobre a interpretação do direito da União (inexistência de mecanismo de apreciação prévia), o Reino da Bélgica interroga‑se sobre se esse regime, que pode conduzir a sentenças definitivas, com caráter vinculativo, de acordo com o previsto no artigo 8.41, n.o 1, desse acordo, é compatível com o princípio da competência exclusiva do Tribunal de Justiça na interpretação definitiva do direito da União.

44.

Em suma, o Reino da Bélgica pretende saber se o princípio da competência exclusiva do Tribunal de Justiça na interpretação definitiva do direito da União é ou não violado pelo CETA. Mais concretamente, pretende que o Tribunal de Justiça indique se o artigo 8.31, n.o 2, desse acordo é suficiente para garantir a interpretação uniforme do direito da União ou se, pelo contrário, tendo em conta o caráter vinculativo da sentença, por força do artigo 8.41, n.o 1, do referido acordo, deve ser declarado um incumprimento dessa exigência de interpretação uniforme de que o Tribunal de Justiça é o garante.

45.

Para responder a esta parte do pedido de parecer, iniciaremos a nossa análise precisamente onde o Tribunal de Justiça, no seu Parecer 2/15, a deixou. De facto, nesse parecer, o Tribunal de Justiça restringiu a sua análise à repartição de competências entre a União e os seus Estados‑Membros sobre os aspetos materiais e processuais da política externa da União em matéria de investimentos.

46.

A este respeito, importa referir que o Tratado de Lisboa conferiu à União competência exclusiva em matéria de investimentos diretos inserindo‑os no domínio da política comercial comum, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea e), e do artigo 207.o, n.o 1, TFUE. Além disso, a União dispõe de competência partilhada no que diz respeito a tipos de investimento diferentes dos investimentos diretos ( 36 ).

47.

O Tribunal de Justiça esclareceu que a competência exclusiva de que a União dispõe nos termos do artigo 207.o TFUE em matéria de investimentos estrangeiros diretos abrange todas as disposições substantivas que constam habitualmente de um acordo bilateral de investimento ( 37 ). Em contrapartida, a União partilha a sua competência com os Estados‑Membros relativamente às disposições em matéria de resolução de litígios entre investidores e Estados ( 38 ). A este respeito, o Tribunal de Justiça observou, no seu Parecer 2/15, que se trata de um regime «que subtrai litígios à competência jurisdicional dos Estados‑Membros», pelo que esse regime deve ser instituído com o consentimento destes ( 39 ).

48.

Contudo, no seu Parecer 2/15, o Tribunal de Justiça não analisou o problema da compatibilidade do mecanismo de resolução de litígios previsto num acordo em matéria de investimentos internacionais com o direito da União, sob o prisma da preservação das suas próprias competências.

49.

Neste momento, o Tribunal de Justiça deve, a propósito de um acordo do mesmo tipo com o Canadá, pronunciar‑se sobre a possibilidade e as modalidades de coexistência de tal mecanismo de resolução de litígios com o sistema jurisdicional da União.

1. Sistema jurisdicional da União como garantia da autonomia da ordem jurídica da União

50.

Como o Tribunal de Justiça referiu no seu Parecer 2/13, «[p]ara garantir a preservação das características específicas e da autonomia [da ordem jurídica da União], os Tratados instituíram um sistema jurisdicional destinado a assegurar a coerência e a unidade na interpretação do direito da União» ( 40 ).

51.

Neste âmbito, «cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais e ao Tribunal de Justiça garantir a aplicação plena do direito da União em todos os Estados‑Membros, bem como a proteção jurisdicional dos direitos conferidos aos particulares pelo referido direito» ( 41 ).

52.

A missão do Tribunal de Justiça consiste em «garant[ir] o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados», de acordo com o previsto no artigo 19.o, n.o 1, TUE. Esta função do Tribunal de Justiça implica a responsabilidade de «assegurar o respeito da autonomia da ordem jurídica da União assim criada pelos Tratados» ( 42 ).

53.

No seu Parecer 1/09, o Tribunal de Justiça sublinhou que partilha essa responsabilidade com os órgãos jurisdicionais nacionais. De facto, o Tribunal de Justiça afirmou que, «[c]omo resulta do artigo 19.o, n.o 1, TUE, o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais garantem o respeito desta ordem jurídica e do sistema jurisdicional da União» ( 43 ).

54.

O Tribunal de Justiça baseia‑se igualmente no artigo 4.o, n.o 3, TUE para referir que «compete aos Estados‑Membros, designadamente, por força do princípio da cooperação leal, enunciado no artigo 4.o, n.o 3, primeiro período, TUE, assegurar, nos respetivos territórios, a aplicação e o respeito do direito da União» ( 44 ).

55.

O Tribunal de Justiça sublinhou ainda que «o órgão jurisdicional nacional desempenha, em colaboração com o Tribunal de Justiça, uma função que lhe é atribuída em comum para assegurar o respeito do direito na interpretação e na aplicação dos Tratados» ( 45 ).

56.

Em especial, «a pedra angular do sistema jurisdicional assim concebido é constituída pelo processo de reenvio prejudicial, previsto no artigo 267.o TFUE, que, ao instituir um diálogo de juiz para juiz, precisamente, entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, tem por objetivo assegurar a unidade de interpretação do direito da União […],permitindo assim assegurar a sua coerência, o seu pleno efeito e a sua autonomia, bem como, em última instância, o caráter adequado do direito instituído pelos Tratados» ( 46 ).

57.

Assim, o Tribunal de Justiça reiterou firmemente «a importância, para garantir a estrutura constitucional do sistema [jurídico da União], da cooperação entre os tribunais da União e os órgãos jurisdicionais nacionais dos Estados‑Membros» ( 47 ).

58.

Esta relação especial entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, marcada por um diálogo constante, constitui simultaneamente a expressão e a salvaguarda da ordem jurídica específica que é a da União. Por esta razão, o Tribunal de Justiça pretende proteger essa relação de qualquer elemento suscetível de a afetar.

59.

Assim sendo, começamos por sublinhar que a preservação da autonomia da ordem jurídica da União não é sinónimo de autarcia ( 48 ). Exige apenas que não seja violada a integridade dessa ordem jurídica, que assenta, em grande medida, na competência do Tribunal de Justiça para ter a última palavra sobre a aplicação do direito da União e na colaboração que este mantém, para esse efeito, com os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros.

2. Condições de criação de um mecanismo específico de resolução de litígios pelos acordos internacionais celebrados pela União

60.

Resulta de jurisprudência constante que os acordos internacionais celebrados pela União nos termos dos Tratados constituem, relativamente a esta, atos das instituições da União ( 49 ). A este título, esses acordos, a partir da sua entrada em vigor, fazem parte integrante da ordem jurídica da União ( 50 ). Nos termos do artigo 216.o, n.o 2, TFUE, «[o]s acordos celebrados pela União vinculam as instituições da União e os Estados‑Membros». Por conseguinte, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, «estes acordos prevalecem sobre os diplomas de direito derivado [da União]» ( 51 ). Assim, a partir do momento em que entrar em vigor, o CETA será integrado automaticamente na ordem jurídica da União, da qual fará parte à semelhança das outras fontes normativas da União ( 52 ).

61.

Além disso, decorre do artigo 19.o, n.o 3, alínea b), TUE e do artigo 267.o, primeiro parágrafo, alínea b), TFUE que «o Tribunal de Justiça tem competência para decidir, a título prejudicial, sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições da União, sem qualquer exceção» ( 53 ), o que inclui os acordos internacionais celebrados pela União. O Tribunal de Justiça tem igualmente competência «para se pronunciar sobre a interpretação das decisões tomadas pelo órgão instituído pelo acordo e encarregado da sua aplicação» ( 54 ).

62.

Assim sendo, há que recordar, antes de mais, que a aplicabilidade perante o juiz da União ou perante os juízes nacionais dos acordos celebrados pela União pode ter determinados limites, nomeadamente quando o Tribunal de Justiça considere que esses acordos não conferem aos particulares direitos que possam invocar em tribunal. A este respeito, o Tribunal de Justiça é chamado a analisar a natureza e a sistemática do acordo internacional em causa e a verificar se as disposições desse acordo se revelam, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas ( 55 ).

63.

No que diz respeito ao CETA, qualquer indagação pelo Tribunal de Justiça quanto à questão de saber se esse acordo é ou não suscetível de produzir um efeito direto é inútil, na medida em que o artigo 30.6 do referido acordo exprime a vontade expressa das Partes de recusar esse efeito. De facto, este artigo prevê, no seu n.o 1, que o CETA não pode ser invocado «diretamente […] nas ordens jurídicas internas das Partes» ( 56 ). Daqui decorre que o acordo projetado, embora passe a fazer parte integrante da ordem jurídica da União quando entrar em vigor, não beneficiará de uma invocabilidade direta no território desta. Assim, nem os órgãos jurisdicionais da União nem os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros poderão aplicar diretamente esse acordo nos litígios que lhes forem submetidos. Trata‑se, por conseguinte, de dois sistemas jurídicos que coexistem e cujas interferências foram voluntariamente limitadas.

64.

No que diz respeito a um acordo internacional celebrado pela União, fazer parte integrante da ordem jurídica desta pressupõe que as disposições desse acordo sejam plenamente compatíveis com as disposições dos Tratados e com os princípios constitucionais deles decorrentes ( 57 ). Por conseguinte, para que a autonomia constitucional da ordem jurídica da União seja respeitada, importa que os acordos internacionais que esta celebre com Estados terceiros não comprometam o equilíbrio delicado entre «a filiação internacional e a especificidade do direito da União» ( 58 ).

65.

A este respeito, o Tribunal de Justiça decidiu várias vezes que «um acordo internacional que prevê a criação de uma jurisdição com competência para interpretar as suas disposições e cujas decisões vinculam as instituições, incluindo o Tribunal de Justiça, não é, em princípio, incompatível com o direito da União» ( 59 ). De facto, de acordo com o Tribunal de Justiça, «a competência da União em matéria de relações internacionais e a sua capacidade para celebrar acordos internacionais comportam necessariamente a faculdade de se submeter às decisões de uma jurisdição criada ou designada em virtude de tais acordos, no que diz respeito à interpretação e à aplicação das suas disposições» ( 60 ). No seu Parecer 2/15, o Tribunal de Justiça referiu que, da mesma forma, a competência da União para celebrar acordos internacionais comporta necessariamente a faculdade de se submeter às decisões «de um órgão que, embora não seja formalmente um órgão jurisdicional, desempenha, em substância, funções jurisdicionais» ( 61 ).

66.

Todavia, o Tribunal de Justiça esclareceu que «um acordo internacional só pode ter repercussões nas suas próprias competências se os requisitos essenciais de preservação da natureza destas estiverem reunidos e, consequentemente, a autonomia da ordem jurídica da União não for prejudicada» ( 62 ).

67.

De acordo com o Tribunal de Justiça, «a preservação da autonomia da ordem jurídica [da União] pressupõe, por um lado, que as competências da [União] e das suas instituições, tal como foram concebidas no Tratado, não sejam desvirtuadas» ( 63 ). Por outro lado, implica que o mecanismo de resolução de litígios em causa não tenha «por efeito impor à [União] e às suas instituições, no exercício das suas competências internas, uma interpretação determinada das regras [do direito da União]» ( 64 ).

68.

Em especial, no seu Parecer 2/13, o Tribunal de Justiça salientou que «a intervenção dos órgãos investidos de competências decisórias pela [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais ( 65 )], como prevista no Acordo Projetado, não deve ter por efeito impor à União e às suas instituições, no exercício das suas competências internas, uma interpretação determinada das regras de direito da União» ( 66 ).

69.

Como o Tribunal de Justiça referiu no seu Parecer 1/09, já emitiu pareceres favoráveis à instituição, através de acordos internacionais, de sistemas jurisdicionais que visavam, no essencial, a resolução de litígios que tinham por objeto a interpretação ou a aplicação das próprias disposições dos acordos internacionais em questão e que não afetavam as competências dos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros relativas à interpretação e à aplicação do direito da União, nem a faculdade, ou mesmo a obrigação, de estes submeterem ao Tribunal de Justiça pedidos de decisão prejudicial e a competência deste para lhes dar resposta ( 67 ). Em contrapartida, o Tribunal de Justiça opôs‑se à criação de um órgão jurisdicional internacional com competência para interpretar e aplicar não apenas as disposições do acordo que o instituía, mas também de outros instrumentos do direito da União, podendo ser chamado a decidir um litígio que lhe fosse submetido à luz dos direitos fundamentais e dos princípios gerais do direito da União, ou mesmo a analisar a validade de um ato da União ( 68 ).

70.

Por conseguinte, importa indagar se a competência que a secção F do capítulo oito do CETA atribui ao tribunal do CETA para interpretar e aplicar as suas disposições pode levar a impor às instituições da União e, em especial, ao Tribunal de Justiça, uma determinada interpretação das regras do direito da União no exercício das competências que os Tratados lhes reconhecem. Mais concretamente, a secção F do capítulo oito do CETA viola o «princípio da competência exclusiva do Tribunal de Justiça na interpretação definitiva do direito da União» ( 69 )?

71.

Antes de entrar no cerne desta problemática, importa, na nossa opinião, explicar previamente as razões pelas quais a exigência de reciprocidade na proteção conferida aos investidores de cada Parte contratante deve ser tida em conta na análise da questão de saber se a secção F do capítulo oito do CETA viola a autonomia da ordem jurídica da União.

3. Exigência de reciprocidade na proteção conferida aos investidores de cada Parte contratante

72.

Quando uma pessoa singular ou coletiva efetue um investimento num Estado‑Membro da União, esse investimento está sujeito à aplicação do direito desse Estado, do qual o direito da União é parte integrante. Em caso de contestação relativa à aplicação desse direito, os órgãos jurisdicionais do referido Estado devem decidir o litígio com base no direito que têm como missão fazer respeitar, se necessário após submeter ao Tribunal de Justiça um pedido prejudicial. Ao demandar um órgão jurisdicional nacional, o investidor pode procurar obter a anulação de uma medida nacional e/ou uma indemnização pecuniária e juros.

73.

Assim, qualquer empresa canadiana que invista num Estado‑Membro da União está, no que diz respeito a esse investimento, sujeita ao direito desse Estado‑Membro, o que inclui o direito da União. É claro que um investidor originário de um Estado terceiro que pretenda investir num Estado‑Membro terá à sua disposição um corpus normativo protetor desse investimento, bem como vias de recurso para fazer valer as suas reivindicações. Sem pretender dar lições ou fazer um processo de intenções em relação aos parceiros comerciais da União, não é possível dar como adquirido que os investidores da União disporão, nos Estados terceiros com os quais a União pretenda desenvolver relações em matéria investimentos, de um nível equivalente de proteção do ponto de vista material e processual. Por esta razão, a União deve, para levar a cabo a sua política comercial, negociar com esses Estados terceiros, numa base recíproca, normas materiais e processuais de proteção dos investimentos que sejam efetuados entre as duas Partes contratantes.

74.

Por conseguinte, a existência de padrões de proteção diferentes nos direitos internos das Partes contratantes torna necessária a celebração de um acordo bilateral que permita aos investidores de cada Parte contratante obter uma proteção idêntica quando efetuem um investimento no território da outra parte.

75.

O CETA foi negociado numa base de reciprocidade entre as Partes contratantes. Este acordo visa, assim, conferir aos investidores de cada uma dessas Partes uma proteção material e processual equivalente. Este tipo de acordo tem, portanto, como objetivo que as empresas da União que investem em Estados terceiros, por um lado, e as empresas de Estados terceiros que investem na União, por outro, operem em pé de igualdade. Nesta perspetiva, é, por isso, necessário que os padrões materiais e processuais de proteção de que beneficiam as empresas da União que investem em Estados terceiros sejam equivalentes àqueles de que beneficiam as empresas de Estados terceiros que investem na União.

76.

Mais concretamente, o receio dos investidores estrangeiros de ser prejudicados em relação aos investidores nacionais quando recorram a órgãos jurisdicionais nacionais traduz‑se, assim, na atribuição recíproca da possibilidade de aceder a um mecanismo específico de resolução de litígios.

77.

A este respeito, importa sublinhar que a reciprocidade deve ser analisada como um dos princípios orientadores das relações externas da União ( 70 ). A aplicação da reciprocidade às relações convencionais externas da União justifica‑se pelo facto de, enquanto sujeito de direito internacional, a União estar sujeita às regras de direito internacional às quais se vinculou voluntariamente, das quais a obrigação de reciprocidade é parte integrante ( 71 ).

78.

Na medida em que o CETA assenta numa exigência de proteção recíproca dos investidores de cada Parte contratante, os negociadores deste acordo consideraram que era necessário incluir no referido acordo disposições, como as das secções c e d do capítulo oito do CETA, que obrigam cada uma das partes contratantes a conferir aos investidores da outra Parte uma proteção adequada e equivalente. Tal procura de reciprocidade foi tomada em consideração pelo Tribunal de Justiça no seu Parecer 2/15 quando referiu que, «tendo em conta que a livre circulação de capitais e de pagamentos entre os Estados‑Membros e os Estados terceiros, prevista no artigo 63.o TFUE, não é formalmente oponível aos Estados terceiros, a celebração de acordos internacionais que contribuam para a instauração dessa livre circulação numa base recíproca pode ser qualificada de necessária para realizar plenamente essa livre circulação, que é um dos objetivos do título IV («A livre circulação de pessoas, de serviços e de capitais») da parte III («As políticas e ações internas da União») do Tratado FUE» ( 72 ).

79.

Como a Comissão salientou na sua nota de síntese de 5 de maio de 2015 ( 73 ), «[u]ma vez [que a União] assegura um elevado nível de incentivo e de proteção dos investimentos no seu território, tem forçosamente de se empenhar em obter garantias comparáveis, fiáveis e efetivas no que diz respeito aos investimentos e aos investidores europeus no estrangeiro» ( 74 ).

80.

Por conseguinte, a capacidade da União para promover e favorecer a atividade dos investidores da União em Estados terceiros e para atrair os investidores estrangeiros para o seu território depende, em grande medida, da celebração de acordos com Estados terceiros a fim de prever uma proteção adequada e recíproca desses investimentos.

81.

A adoção, no âmbito de um acordo internacional entre, por um lado, a União e os seus Estados‑Membros, e, por outro, um Estado terceiro, numa base recíproca, de normas de proteção material e processual em matéria de investimentos explica‑se pelo facto de as relações entre essas Partes contratantes não assentarem na confiança mútua, contrariamente ao que prevalece nas relações entre os Estados‑Membros.

82.

Como o Tribunal de Justiça recordou recentemente no seu Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea ( 75 ), «[o] direito da União assenta assim na premissa fundamental segundo a qual cada Estado‑Membro partilha com todos os outros Estados‑Membros, e reconhece que estes partilham consigo, uma série de valores comuns nos quais a União se funda, como precisado no artigo 2.o TUE. Esta premissa implica e justifica a existência da confiança mútua entre os Estados‑Membros no reconhecimento destes valores e, por conseguinte, no respeito do direito da União que os aplica» ( 76 ). Ora, as relações que a União estabelece com Estados terceiros não se baseiam em tal premissa. Por conseguinte, as instituições da União, quando negoceiam um acordo como o CETA, procuram garantir que os investidores da União disponham nos Estados terceiros do mesmo nível de proteção que a União e os seus Estados‑Membros oferecem aos investidores estrangeiros. Nesse sentido, pretende‑se obter uma reciprocidade com base num padrão de proteção livremente negociado entre as Partes contratantes, procurando estas entender‑se quanto às regras de proteção que estão dispostas a conceder reciprocamente aos investidores provenientes de cada uma dessas Partes.

83.

A definição de tais regras de proteção dos investimentos estrangeiros implica igualmente que se determine a natureza e as modalidades do mecanismo de resolução de litígios que permitirá garantir o respeito dessas regras.

84.

De facto, cada uma das partes contratantes não confia necessariamente no sistema jurisdicional da outra Parte para assegurar o respeito das regras constantes do acordo. Importa, por isso, que ambas as Partes cheguem a acordo quanto a um mecanismo neutro de resolução de litígios que, pelas suas características, mereça a sua confiança, bem como a dos investidores. É tranquilizando os investidores estrangeiros quanto à proteção dos seus investimentos que o Estado de acolhimento poderá atrair novos investimentos. Ora, esse é o objetivo principal dos acordos em matéria de investimentos. Desse ponto de vista, a instituição de um mecanismo de resolução de litígios pode afigurar‑se como a pedra angular do sistema de proteção instituído.

85.

Por conseguinte, a reflexão sobre a questão de saber se a autonomia do direito da União é suficientemente preservada pelo CETA não pode ser levada a cabo sem ter em conta esta dimensão recíproca da proteção material e processual pretendida ( 77 ).

86.

No âmbito dessa reflexão, o facto de a outra Parte contratante no acordo projetado ser o Canadá, cujo sistema judiciário se presume que oferece garantias suficientes, não se afigura determinante, uma vez que se trata, na verdade, de um mecanismo tipo que se destina a ser inserido em acordos internacionais com Estados terceiros que podem não oferecer as mesmas garantias. Assim, a análise não deve variar consoante o Estado terceiro em causa, dado que o que está em jogo é a definição de um modelo que esteja em conformidade com os princípios que estruturam a ordem jurídica da União e que, simultaneamente, possa ser aplicado em todos os acordos comerciais entre a União e Estados terceiros. Em todo o caso, tornou‑se claro, no presente processo, que existem divergências na proteção material que é conferida aos investidores estrangeiros em cada uma das Partes contratantes ( 78 ).

87.

Decorre das considerações que antecedem que, admitindo que, na perspetiva da União, possa parecer supérfluo prever num acordo internacional em matéria de investimentos normas de proteção dos investidores que podem, em determinados aspetos, constituir uma duplicação de normas em vigor no direito da União e, consequentemente, levar a pôr em causa a instituição de um mecanismo específico de resolução de litígios, importa sublinhar que tal linha de raciocínio não tem em conta que não existe necessariamente uma simetria entre o nível de proteção, quer material quer processual, que existe na União e nos Estados terceiros com os quais a União pretende desenvolver as suas relações em matéria de investimentos. É precisamente esta potencial assimetria que torna necessária a negociação de um padrão comum de proteção material e processual, o único meio de garantir a reciprocidade na aplicação do acordo em causa e de assegurar aos investidores da União uma proteção eficaz e uniforme quando efetuem operações de investimento em Estados terceiros.

88.

Contrariamente ao que por vezes se sustenta, a instituição de um mecanismo de resolução de litígios como o que está em apreço não significa, na nossa opinião, que se esteja a pôr em causa o sistema jurisdicional da União e dos seus Estados‑Membros nem a capacidade desse sistema para tratar de forma efetiva, independente e imparcial as ações judiciais dos investidores estrangeiros. Ao instituir tal mecanismo nas suas relações bilaterais em matéria de investimentos, a União pretende responder a um imperativo de neutralidade e de especialidade na resolução de litígios entre investidores e Estados, o qual, não podemos esquecer, beneficiará igualmente os investidores europeus quando efetuem operações em Estados terceiros.

89.

Assim, para decidir sobre a compatibilidade do mecanismo de resolução de litígios previsto na secção F do capítulo oito do CETA com o direito primário da União, deve alargar‑se a perspetiva e ter em conta a necessidade de proteger os investidores da União quando efetuem operações em Estados terceiros.

90.

Raciocinar sob este prisma pode igualmente enfraquecer de forma significativa o argumento de que existe, em grande medida, uma sobreposição entre as normas de proteção dos investimentos constantes do direito da União e as previstas no CETA, o que torna inútil a instituição de um mecanismo de resolução de litígios que acresce às vias de ação possíveis nos órgãos jurisdicionais da União e dos Estados‑Membros.

4. Um mecanismo coerente com a inexistência de efeito direto do CETA

91.

Recorde‑se que o Tribunal de Justiça já decidiu que «as instituições da União que têm competência para negociar e celebrar [um acordo celebrado por esta com Estados terceiros] podem acordar com os Estados terceiros em causa os efeitos que as disposições desse acordo devem produzir na ordem jurídica interna das partes contratantes» ( 79 ). Como a Comissão salienta nas suas observações, na prática, todos os acordos de comércio livre recentemente celebrados pela União excluem expressamente o seu efeito direto. A razão principal para excluir o efeito direto desses acordos é assegurar uma reciprocidade efetiva entre as Partes, em conformidade com os objetivos da política comercial comum.

92.

A propósito da invocabilidade do acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), assinado em Marraquexe em 15 de abril de 1994, bem como dos acordos constantes dos anexos 1 a 3 desse acordo (a seguir, conjuntamente, «acordos OMC») ( 80 ), perante o juiz da União para efeitos de fiscalizar a conformidade do direito da União com esses acordos, o Tribunal de Justiça, para excluir, em princípio, tal invocabilidade ( 81 ), adotou uma argumentação que tem em conta a exigência de «reciprocidade», para não «privar os órgãos legislativos ou executivos da União da margem de manobra de que gozam os órgãos semelhantes dos parceiros comerciais da União» ( 82 ). O Tribunal de Justiça tem em conta, a este respeito, para definir a sua própria posição, a posição adotada por esses parceiros sobre a questão da invocabilidade direta dos acordos OMC, sublinhando que «algumas das partes contratantes, entre as quais figuram os maiores parceiros da União do ponto de vista comercial, extraíram do objeto e da finalidade dos acordos OMC, precisamente, a consequência de que estes não fazem parte das normas à luz das quais os seus tribunais fiscalizam a legalidade das suas normas de direito interno» ( 83 ). O Tribunal de Justiça sublinha que «[a] admitir‑se esta falta de reciprocidade, existiria o risco de um desequilíbrio na aplicação dos acordos OMC» ( 84 ). Assim, a solução acolhida ilustra a vontade do Tribunal de Justiça, numa preocupação de preservar a reciprocidade na aplicação do acordo, de não prejudicar a União em relação aos seus parceiros comerciais mais importantes, preservando assim a posição da União na cena internacional ( 85 ).

93.

Como referimos anteriormente, as Partes contratantes optaram por recusar expressamente o reconhecimento de efeito direto ao CETA ( 86 ).

94.

Para preservar o equilíbrio entre as Partes contratantes na aplicação deste acordo, e, portanto, manter a reciprocidade na execução dos compromissos assumidos entre elas, as referidas Partes decidiram instituir um mecanismo específico de resolução de litígios entre investidores e Estados. Assim, a exclusão do efeito direto do referido acordo reforça a utilidade de tal mecanismo. Na medida em que os órgãos jurisdicionais internos de cada uma das referidas Partes não têm como missão aplicar os padrões de proteção definidos no CETA, é coerente prever um mecanismo de resolução de litígios que se situe fora do sistema jurisdicional interno das partes contratantes.

5. O Acórdão Achmea não afeta a compatibilidade do SJI com a exigência de autonomia da ordem jurídica da União

95.

No processo que deu origem a esse acórdão, o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar‑se sobre se os artigos 267.o e 344.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição constante de um acordo internacional celebrado entre os Estados‑Membros, como o artigo 8.o do Acordo sobre o Encorajamento e a Proteção Recíprocos dos Investimentos entre o Reino dos Países Baixos e a República Federal Checa e Eslovaca (a seguir «TBI»), nos termos da qual um investidor de um desses Estados‑Membros pode, em caso de litígio relativo a investimentos realizados no outro Estado‑Membro, intentar uma ação contra este último Estado‑Membro num tribunal arbitral, cuja competência esse Estado‑Membro se comprometeu a aceitar.

96.

No Acórdão Achmea, o Tribunal de Justiça respondeu afirmativamente a esta questão.

97.

Para chegar a esta conclusão, começou por recordar que, de acordo com jurisprudência constante, «um acordo internacional não pode violar a ordem das competências estabelecida pelos Tratados, e, portanto, a autonomia do sistema jurídico da União, cujo cumprimento o Tribunal de Justiça assegura. Este princípio está nomeadamente consagrado no artigo 344.o TFUE, segundo o qual os Estados‑Membros se comprometem a não submeter um diferendo relativo à interpretação ou à aplicação dos Tratados a um modo de resolução diverso dos que neles estão previstos» ( 87 ).

98.

Em seguida, o Tribunal de Justiça insistiu no facto de as relações entre os Estados‑Membros se regerem pelo princípio da confiança mútua no respeito do direito da União e de ser neste contexto que «compete aos Estados‑Membros, designadamente, por força do princípio da cooperação leal, enunciado no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, TUE, assegurar, nos respetivos territórios, a aplicação e o respeito do direito da União e tomar, para esse efeito, todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União» ( 88 ).

99.

Depois de realçar o papel fundamental que o artigo 19.o TUE atribui aos órgãos jurisdicionais nacionais e ao Tribunal de Justiça para «garantir a aplicação plena do direito da União em todos os Estados‑Membros, bem como a proteção jurisdicional dos direitos conferidos aos particulares pelo referido direito» ( 89 ) e de realçar que «a pedra angular do sistema jurisdicional assim concebido é constituída pelo processo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE» ( 90 ), o Tribunal de Justiça analisou as características do mecanismo de resolução de litígios instituído pelo TBI.

100.

A este respeito, concluiu, em primeiro lugar, que o tribunal arbitral referido no artigo 8.o do TBI era, se necessário, «chamado a interpretar, ou inclusivamente a aplicar, o direito da União, e, em particular, as disposições relativas às liberdades fundamentais, entre as quais a liberdade de estabelecimento e a livre circulação de capitais» ( 91 ). Em segundo lugar, de acordo com o Tribunal de Justiça, um tribunal desse tipo «não pode ser considerado um “órgão jurisdicional de um dos Estados‑Membros”, na aceção do artigo 267.o TFUE, e não pode, assim, submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça» ( 92 ). Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça teve em conta que a sentença arbitral proferida por tal tribunal não está sujeita, de forma sistemática e completa, à fiscalização de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro ( 93 ), pelo que não é garantido que «as questões de direito da União que esse tribunal seja chamado a apreciar possam, eventualmente, ser submetidas ao Tribunal de Justiça no âmbito de um reenvio prejudicial» ( 94 ).

101.

Quanto a este último aspeto, o Tribunal de Justiça estabeleceu uma distinção entre o processo de arbitragem comercial, que tem a sua origem na autonomia da vontade das partes em causa, e o processo de arbitragem entre um investidor e um Estado‑Membro previsto num tratado celebrado entre Estados‑Membros.

102.

No que diz respeito aos processos de arbitragem comercial, que são instituídos de acordo com a vontade expressa das partes, o Tribunal de Justiça declarou, nos seus Acórdãos de 1 de junho de 1999, Eco Swiss ( 95 ), e de 26 de outubro de 2006, Mostaza Claro ( 96 ), que «as exigências relativas à eficácia do processo arbitral justificam que a fiscalização das decisões arbitrais exercida pelos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros revista um caráter limitado, desde que as disposições fundamentais do direito da União possam ser examinadas no âmbito dessa fiscalização e, se necessário for, ser objeto de um reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça» ( 97 ).

103.

Em contrapartida, de acordo com o Tribunal de Justiça, tais considerações não se aplicam a um processo de arbitragem como o previsto no artigo 8.o do TBI, na medida em que este «resulta de um tratado, por meio do qual os Estados‑Membros consentem subtrair à competência dos seus próprios órgãos jurisdicionais e, por conseguinte, ao sistema de vias de recurso jurisdicionais que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE lhes impõe que estabeleçam nos domínios abrangidos pelo direito da União […] os litígios que possam dizer respeito à aplicação ou à interpretação desse direito» ( 98 ). De acordo com o Tribunal de Justiça, tal «é suscetível de excluir que tais litígios, ainda que possam dizer respeito à interpretação ou à aplicação do direito da União, sejam dirimidos de uma forma que garanta a plena eficácia deste direito» ( 99 ).

104.

O Tribunal de Justiça considerou, por isso, que a cláusula de arbitragem constante do TBI em causa violava a autonomia do direito da União ( 100 ). De facto, dois Estados‑Membros tinham, através de um acordo bilateral em matéria de investimentos, acordado subtrair o direito da União à competência dos seus próprios órgãos jurisdicionais e, desse modo, do diálogo judiciário entre esses órgãos jurisdicionais e o Tribunal de Justiça, o que era suscetível de lesar a uniformidade e a eficácia do direito da União.

105.

Assim, afigura‑se que a solução acolhida pelo Tribunal de Justiça foi orientada principalmente pela ideia de que o sistema jurisdicional da União, na medida em que se baseia na confiança mútua entre os Estados‑Membros e na cooperação leal destes, é intrinsecamente incompatível com a possibilidade de os Estados‑Membros instituírem, nas suas relações bilaterais, um mecanismo paralelo de resolução de litígios suscetível de incidir sobre a interpretação e a aplicação do direito da União. Nessa medida, o Tribunal de Justiça considerou que o artigo 344.o TFUE se opunha a tal mecanismo e que o facto de se tratar de litígios entre investidores e Estados não constituía um obstáculo a esse respeito. Também o artigo 267.o TFUE se opunha a tal mecanismo, dado que o processo de reenvio prejudicial seria necessariamente afetado pelo seu funcionamento.

106.

Na nossa opinião, a solução acolhida pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão Achmea não pode ser transposta para a análise do SJI, pois as premissas que devem orientar o raciocínio são diferentes.

107.

De facto, já referimos que as relações entre Partes contratantes como, por um lado, a União e os seus Estados‑Membros, e, por outro, o Canadá não assentam na confiança mútua ( 101 ), e essa é, de resto, a razão pela qual essas partes pretendem definir, numa base de reciprocidade, um padrão de proteção material e processual no acordo projetado.

108.

Nesta medida, este acordo não é suscetível de violar nem o princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros ( 102 ) nem o princípio da cooperação leal que estes estão obrigados a respeitar.

109.

Assim, na medida em que a secção F do capítulo oito do CETA faz parte de um acordo com um Estado terceiro, a celebrar pela União e os seus Estados‑Membros, que rege as relações entre essas Partes contratantes e não as relações mútuas entre Estados‑Membros, não se afigura que a argumentação desenvolvida pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão Achmea no que diz respeito aos artigos 267.o e 344.o TFUE possa aplicar‑se ao SJI.

110.

Acrescente‑se, a este respeito, que, contrariamente ao que sucedia no caso do TBI em causa no processo que deu origem ao Acórdão Achmea, cuja cláusula relativa ao direito aplicável podia levar a pensar que o tribunal arbitral em questão tinha competência para se pronunciar sobre litígios relativos à interpretação e à aplicação do direito da União, o CETA especifica claramente, como teremos oportunidade de explicar em seguida, que o direito aplicável no tribunal do CETA consiste exclusivamente nas disposições relevantes desse acordo, tal como interpretadas em conformidade com o direito internacional. O direito interno de cada Parte contratante, do qual faz parte, no que diz respeito aos Estados‑Membros, o direito da União ( 103 ), apenas pode ser tido em conta por esse tribunal como uma questão de facto, e a interpretação dada ao direito interno não vincula os órgãos jurisdicionais e as autoridades da Parte contratante demandada. Além disso, contrariamente ao que sucede no caso dos tratados bilaterais de investimento entre Estados‑Membros como o que estava em causa no processo que deu origem ao Acórdão Achmea, o direito da União não faz parte do direito internacional aplicável entre as Partes contratantes.

111.

De resto, para distinguir claramente o caso dos tratados bilaterais de investimento entre Estados‑Membros do caso dos acordos em matéria de investimentos como o CETA, o Tribunal de Justiça teve a preocupação de recordar, no seu Acórdão Achmea, a sua jurisprudência constante de acordo com a qual «um acordo internacional que prevê a criação de um órgão jurisdicional encarregue da interpretação das suas disposições e cujas decisões vinculam as instituições, incluindo o Tribunal de Justiça, não é, em princípio, incompatível com o direito da União. Com efeito, a competência da União em matéria de relações internacionais e a sua capacidade para celebrar acordos internacionais comportam necessariamente a faculdade de se submeter às decisões de um órgão jurisdicional criado ou designado ao abrigo de tais acordos, no que respeita à interpretação e à aplicação das suas disposições, desde que a autonomia da União e da sua ordem jurídica seja respeitada» ( 104 ).

112.

Em conexão com esta jurisprudência e para pôr em evidência as razões pelas quais o mecanismo de resolução de litígios previsto no TBI em causa violava a autonomia da ordem jurídica da União, o Tribunal de Justiça salientou que, «no presente caso, para além do facto de os litígios que cabem na competência do tribunal arbitral visado no artigo 8.o TBI poderem ser relativos à interpretação tanto deste acordo como do direito da União, a possibilidade de submeter esses litígios a um organismo que não constitui um elemento do sistema jurisdicional da União está prevista por um acordo que não foi celebrado pela União, mas por Estados‑Membros. Ora, o referido artigo 8.o é suscetível de pôr em causa, para além do princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros, a preservação do caráter adequado do direito instituído pelos Tratados, assegurada pelo mecanismo do reenvio prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE, e não é, por conseguinte, compatível com o princípio da cooperação leal» ( 105 ).

113.

Feitos estes esclarecimentos, ainda que a grelha de análise não possa ser idêntica à que foi aplicada pelo Tribunal de Justiça no que diz respeito a um tratado bilateral de investimento entre Estados‑Membros, a verdade é que a instituição de um mecanismo de resolução de litígios entre investidores e Estados através de um acordo entre, por um lado, a União e os seus Estados‑Membros, e, por outro, um Estado terceiro, deve respeitar a autonomia da ordem jurídica da União.

114.

Nesta perspetiva, e tendo em mente as considerações que antecedem, importa agora verificar, como o Reino da Bélgica nos convida a fazer no seu pedido de parecer, se o SJI, tal como previsto na secção F do capítulo oito do CETA, é ou não suscetível de violar a autonomia da ordem jurídica da União, nomeadamente afetando a competência exclusiva do Tribunal de Justiça para fazer uma interpretação definitiva do direito da União.

6. Garantias previstas pelas Partes contratantes para preservar a competência exclusiva do Tribunal de Justiça na interpretação definitiva do direito da União

115.

A missão conferida ao Tribunal de Justiça e aos órgãos jurisdicionais nacionais pelo artigo 19.o, n.o 1, TUE, que consiste em garantir o respeito do direito da União na ordem jurídica desta não é, na nossa opinião, afetada pela instituição de um mecanismo de resolução de litígios entre investidores e Estados, como o previsto na secção F do capítulo oito do CETA.

116.

De facto, este acordo prevê garantias suficientes que permitem salvaguardar, por um lado, o papel do Tribunal de Justiça como intérprete último do direito da União, e, por outro, o mecanismo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça que constitui o processo prejudicial.

117.

Os negociadores do CETA procederam, assim, deliberadamente de forma a que as regras que este institui interfiram o mínimo possível com as regras do direito da União.

118.

Por conseguinte, na nossa opinião, a secção F do capítulo oito do CETA consegue garantir o equilíbrio entre, por um lado, a aceitação de uma fiscalização externa da ação da União e dos seus Estados‑Membros à luz das normas de proteção dos investimentos constantes desse capítulo, e, por outro, a preservação da autonomia do direito da União.

119.

A este respeito, é essencial saber exatamente sobre que regras de direito incide a competência do tribunal do CETA e de que modo este deve apreender o direito interno das Partes contratantes, do qual faz parte o direito da União.

120.

Salientamos que o tribunal do CETA dispõe de uma competência rigorosamente delimitada. De facto, nos termos do artigo 8.18, n.o 1, do CETA, este tribunal, tem competência apenas para se pronunciar sobre o incumprimento de uma obrigação prevista na secção C («Tratamento não discriminatório») ( 106 ) ou na secção D («Proteção dos investimentos») do capítulo oito do CETA. Essa limitação de competência é sublinhada no artigo 8.18, n.o 5, deste acordo, que dispõe que o tribunal do CETA «não se pode pronunciar sobre pedidos que não sejam abrangidos pelo âmbito de aplicação do presente artigo». Por outro lado, decorre da redação do artigo 8.18, n.o 1, do CETA que um investidor apenas pode apresentar um pedido contra uma medida adotada pela União ou por um Estado‑Membro quando possa provar que essa medida lhe causou um prejuízo. Não pode contestar tal medida de forma abstrata.

121.

Além disso, quanto ao direito aplicável e à sua interpretação, o artigo 8.31, n.o 1, do CETA dispõe que, «[a]o proferir a sua decisão, o tribunal […] deve aplicar o presente Acordo, interpretado em conformidade com a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados [celebrada em Viena em 23 de maio de 1969] e com outras regras e princípios do direito internacional aplicáveis entre as Partes».

122.

Decorre dessa disposição que, ao proferir a sua decisão, o tribunal do CETA limita‑se a aplicar esse acordo e as demais regras e princípios de direito internacional aplicáveis entre as Partes, pelo que não é competente para aplicar as normas do direito da União ( 107 ). Assim, o direito interno das Partes contratantes não faz parte das normas de direito aplicáveis aos litígios que o tribunal do CETA é chamado a decidir.

123.

Por outro lado, nos termos do artigo 8.31, n.o 2, do CETA, «[o]tribunal não é competente para decidir quanto à legalidade de uma medida que constitua uma alegada violação do presente Acordo ao abrigo da legislação interna de uma Parte». Tal significa, por outras palavras, que o tribunal não está, de forma nenhuma, habilitado a pronunciar‑se sobre a legalidade de um ato emitido por um Estado‑Membro ou pela União à luz do direito nacional desse Estado ou do direito da União, consoante o caso. Por força desta exclusão de competência, pode considerar‑se que o tribunal não condiciona a competência dos órgãos jurisdicionais nacionais e da União em matéria de fiscalização da legalidade dos atos jurídicos que integram as ordens jurídicas dos Estados‑Membros e a ordem jurídica da União ( 108 ).

124.

Assim, se é verdade que o Tribunal de Justiça sublinhou que o sistema jurisdicional da União é «um sistema completo de vias de recurso e de meios processuais destinado a garantir a fiscalização da legalidade dos atos das instituições» ( 109 ), o mecanismo de resolução de litígios instituído pelo CETA não viola esse sistema, na medida em que não se destina a fiscalizar a legalidade dos atos da União. Este mecanismo destina‑se apenas a fiscalizar a compatibilidade dos atos adotados pelas Partes contratantes com as disposições relevantes do CETA, com vista a atribuir aos investidores lesados uma indemnização no caso de ser declarada uma incompatibilidade. O monopólio da função de fiscalização da legalidade dos atos da União, reconhecido aos órgãos jurisdicionais da União pelos Tratados, não é, portanto, posto em causa.

125.

Decorre do artigo 8.39, n.o 1, do CETA que o tribunal do CETA, quando exerça a sua competência para se pronunciar sobre a conformidade de uma medida adotada por uma das Partes contratantes com o CETA, não tem poder para declarar a anulação dessa medida se considerar que é contrária às disposições do capítulo oito do CETA nem para exigir que tal medida seja tornada conforme com essas disposições ( 110 ). Nos termos dessa disposição, o tribunal do CETA apenas pode conceder o pagamento de uma indemnização pecuniária ou, com o acordo da parte demandada, a restituição de bens de que um investidor tenha sido desapossado ( 111 ). O SJI situa‑se, assim, na linha do contencioso de arbitragem em matéria de investimento, que é, antes de mais, um contencioso de indemnização.

126.

Como observa, corretamente, o Governo francês, não cabe ao tribunal do CETA decidir litígios entre duas partes que tenham posições diferentes sobre a validade ou a interpretação de um ato de direito da União nem, a fortiori, declarar a anulação de tal ato ou recomendar que este seja tornado conforme. Pelo contrário, o tribunal do CETA terá competência apenas para verificar se uma dada aplicação do direito da União está em conformidade com o CETA, da mesma forma que o ORL apenas verifica se uma dada aplicação do direito da União está em conformidade com os acordos da OMC.

127.

Assim, importa sublinhar, a propósito das garantias que permitem excluir uma violação do princípio da autonomia da ordem jurídica da União, que os efeitos que as sentenças proferidas pelo tribunal do CETA podem produzir são limitados. Acrescente‑se, a este respeito, que decorre do artigo 8.41, n.o 1, do CETA que essas sentenças devem ser vinculativas «para as partes em litígio e no que diz respeito ao processo em causa».

128.

No âmbito do exercício dessa competência assim delimitada, a margem interpretativa de que o tribunal do CETA dispõe está igualmente circunscrita.

129.

No que diz respeito ao direito interno de cada Parte contratante, o artigo 8.31, n.o 2, do CETA esclarece, de facto, que «para decidir quanto à compatibilidade de uma medida com o presente Acordo, o tribunal pode ter em consideração, se for caso disso, a legislação interna de uma Parte como uma questão de facto». Esta disposição ilustra a abordagem adotada pelas Partes contratantes, nos termos da qual o tribunal do CETA deve interpretar o menos possível o direito interno de cada uma das Partes, devendo tê‑lo em conta na sua forma literal.

130.

Quanto a este aspeto, importa sublinhar que, na nossa opinião, é realmente necessário que o tribunal do CETA esteja habilitado a «ter em consideração» o direito interno de cada Parte contratante. De facto, enquadra‑se na lógica dos novos acordos de comércio livre negociados pela União e, mais concretamente, das suas disposições em matéria de investimentos internacionais proceder a um reequilíbrio entre os interesses privados dos investidores e os interesses públicos que as Partes contratantes defendem. Tal implica que as Partes contratantes possam invocar as suas regras internas no tribunal quando estas prevejam a proteção de um interesse público, a fim de justificar a medida ou o comportamento que está na base da acusação que lhes é dirigida. Se o tribunal não pudesse tomar em consideração as regras constantes do direito interno das Partes contratantes, ser‑lhe‑ia impossível ter em conta objetivos legítimos de interesse público.

131.

Quanto ao equilíbrio assim expresso pelo CETA, o n.o 6, alínea a), do Instrumento Comum Interpretativo refere que este acordo «contém regras de investimento modernas que mantêm o direito dos governos de regulamentarem em prol do interesse público, mesmo quando essa regulamentação afeta um investimento estrangeiro, assegurando simultaneamente um elevado nível de proteção dos investimentos e fornecendo mecanismos de resolução de litígios justos e transparentes». O n.o 6, alínea b), do Instrumento Comum Interpretativo acrescenta que «[o] CETA esclarece que os governos podem alterar a sua legislação, independentemente da questão de saber se essa alteração pode afetar negativamente um investimento ou as expectativas de um investidor em termos de lucros» ( 112 ).

132.

Concretizando esta ideia, o artigo 8.9 do CETA, intitulado «Medidas regulamentares e de investimento», dispõe, no seu n.o 1, que «[p]ara efeitos do presente capítulo, as Partes reiteram o direito de regularem nos seus respetivos territórios para realizar objetivos políticos legítimos, em domínios tais como a proteção da saúde pública, a segurança, o ambiente, a moral pública, a proteção social e a defesa dos consumidores ou a promoção e proteção da diversidade cultural». O artigo 8.9, n.o 2, desse acordo refere que «[p]ara maior clareza, o simples facto de uma Parte regular, inclusive mediante a alteração da sua legislação, de uma forma que afete negativamente um investimento ou interfira nas expectativas de um investidor, entre as quais as suas expectativas em termos de lucros, não constitui uma violação das obrigações decorrentes da presente secção».

133.

Estas disposições demonstram um equilíbrio entre os interesses económicos dos investidores e o direito soberano dos Estados de legislar no interesse público. O imperativo económico de promover e de proteger os investimentos é, assim, ponderado com a defesa de objetivos de interesse público.

134.

Contudo, a tomada em consideração do direito interno das Partes contratantes não deve levar o tribunal do CETA a alterá‑lo. Este deve tê‑lo em conta tal como é. É esse o significado da regra de que, quando o Tribunal tome em consideração o direito interno de uma Parte, apenas pode fazê‑lo «como uma questão de facto». Importa sublinhar, a este respeito, que os órgãos jurisdicionais internacionais que devem analisar se um Estado respeitou as obrigações decorrentes de um tratado internacional e que, para tal, devem analisar o direito desse Estado, consideram tradicionalmente a interpretação a dar a esse direito nacional uma questão de facto ( 113 ).

135.

Assim, é como elementos de facto que o tribunal do CETA pode tomar em consideração as normas constantes do direito interno das Partes contratantes para se pronunciar sobre a conformidade do comportamento ou da medida objeto do litígio com esse acordo ( 114 ).

136.

Além disso, existe uma outra limitação prevista no artigo 8.31, n.o 2, do acordo projetado para evitar que o tribunal do CETA efetue uma interpretação criativa do direito interno. De facto, quando tenha em conta a legislação interna de uma Parte como uma questão de facto, o tribunal deve seguir «a interpretação da legislação interna habitualmente seguida pelos tribunais ou autoridades dessa Parte e qualquer interpretação da legislação interna pelo tribunal não é vinculativa para os tribunais ou autoridades dessa Parte». Por conseguinte, o tribunal do CETA não pode fazer interpretações vinculativas do direito da União.

137.

Assim, embora seja concebível que, para efetuar a sua fiscalização, o Tribunal seja levado a proceder a uma determinada interpretação do direito da União, por exemplo se tiver de delimitar o alcance do comportamento censurado, o tribunal do CETA está, contudo, obrigado, nos termos do artigo 8.31, n.o 2, do CETA, a seguir a interpretação que o Tribunal de Justiça tenha dado, se for o caso, ao direito da União, a qual não fica, em todo o caso, de forma nenhuma, vinculada pela interpretação que o tribunal do CETA possa dar ao direito da União. Por conseguinte, uma eventual interpretação do direito interno pelo tribunal do CETA não tem como consequência vincular as autoridades e os órgãos jurisdicionais da Parte contratante em causa.

138.

Decorre das considerações que antecedem que o tribunal do CETA está vinculado pela interpretação do direito da União dada pelo Tribunal de Justiça, que o artigo 8.31, n.o 2, do CETA lhe impõe que siga, ao passo que nem o Tribunal de Justiça nem as instituições da União nem os órgãos jurisdicionais ou as autoridades nacionais ficam vinculados pela interpretação do direito da União que esse tribunal efetue.

139.

O artigo 8.31, n.o 2, do CETA garante, por isso, que uma interpretação do direito da União pelo tribunal do CETA apenas possa ocorrer se não constar da ordem jurídica da União nenhuma indicação a esse respeito e se, quando tal interpretação seja efetuada por esse tribunal, for apenas para dirimir o litígio que lhe seja apresentado, não ficando nem as autoridades nem os órgãos jurisdicionais da União vinculados pela referida interpretação.

140.

Assim, o artigo 8.31, n.o 2, do CETA contém garantias suficientes para impedir que o tribunal do CETA possa impor uma interpretação do direito da União na ordem jurídica desta. Nessa medida, as funções essenciais do Tribunal de Justiça não são afetadas. Em especial, o mecanismo de resolução de litígios instituído pela secção F do capítulo oito do CETA não afeta a função do Tribunal de Justiça de interpretar em última instância e de forma vinculativa o direito da União.

141.

Esta disposição demonstra a tomada em consideração da jurisprudência do Tribunal de Justiça, nos termos da qual os órgãos investidos de competências decisórias no âmbito de um acordo celebrado pela União não devem poder «impor à União e às suas instituições, no exercício das suas competências internas, uma interpretação determinada das regras de direito da União» ( 115 ).

142.

É verdade que o Tribunal de Justiça salientou, no seu Parecer 2/13, que «a interpretação de uma disposição do direito da União, incluindo do direito derivado, exige, em princípio, uma decisão do Tribunal de Justiça, quando essa disposição se preste a várias interpretações plausíveis» ( 116 ). Ora, de acordo com o Tribunal de Justiça, «se não [lhe] fosse permitido […] fornecer a interpretação definitiva do direito derivado e se o [Tribunal Europeu dos Direitos do Homem], no seu exame da conformidade desse direito com a CEDH, devesse ele próprio proceder a uma dada interpretação entre as plausíveis, o princípio da competência exclusiva do Tribunal de Justiça na interpretação definitiva do direito da União seria seguramente infringido» ( 117 ). Contudo, tal princípio não é violado na medida em que, quando seja possível e efetivamente aplicada pelo tribunal do CETA, a sua interpretação do direito da União não tem efeito vinculativo para as autoridades e os órgãos jurisdicionais da União.

143.

Tal não é posto em causa pela conclusão de que, como referimos anteriormente, nos termos do artigo 8.41, n.o 1, do CETA, uma sentença do tribunal do CETA é vinculativa para as partes em litígio no que diz respeito ao processo em causa. Caso o tribunal do CETA tenha de fazer, ele próprio, uma interpretação do direito da União, numa situação em que não exista nenhuma interpretação que deva ter em conta, o Tribunal de Justiça mantém a sua competência para fazer uma interpretação definitiva do direito da União. A sentença do tribunal do CETA será vinculativa apenas para as partes em litígio no âmbito desse processo. Assim, se uma interpretação do direito da União pelo tribunal do CETA lhe parecer incorreta, o Tribunal de Justiça poderá, sem que tal implique uma violação pela União das suas obrigações internacionais, afastar tal interpretação e adotar a que lhe parecer mais adequada.

144.

Além disso, a margem interpretativa do tribunal está limitada pela possibilidade de que as Partes contratantes dispõem de «formular notas de interpretação vinculativas» destinadas a «evitar e retificar qualquer interpretação errónea do CETA por parte dos tribunais» ( 118 ).

145.

Assim, o artigo 8.31, n.o 3, do CETA prevê que, «[c]aso surjam graves preocupações no que respeita a questões de interpretação suscetíveis de afetar o investimento, o Comité de Serviços e Investimento pode, nos termos do artigo 8.44, n.o 3, alínea a), recomendar ao Comité Misto CETA a adoção de interpretações do presente Acordo. Uma interpretação adotada pelo Comité Misto CETA é vinculativa para o tribunal constituído ao abrigo da presente secção. O Comité Misto CETA pode decidir que uma interpretação produz efeitos vinculativos a partir de uma data determinada» ( 119 ).

146.

Importa igualmente esclarecer que, de acordo com o artigo 26.3, n.o 3, do CETA, «[o] Comité Misto aprova as suas decisões e recomendações de comum acordo». Por analogia com o que o Tribunal de Justiça referiu no seu Parecer 1/00, tal processo de tomada de decisão constitui uma garantia, para a União, de que não lhe seja imposta, nas suas relações com os Estados‑Membros ou com os nacionais destes, uma interpretação contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 120 ). Refira‑se igualmente que o texto do CETA não se opõe a que a posição adotada pela União no Comité Misto possa, se for caso disso, ser submetida ao Tribunal de Justiça através das vias de recurso previstas no Tratado FUE ( 121 ).

147.

Além disso, importa sublinhar que, nos termos do artigo 8.28, n.o 1, do CETA, «[é] criada uma instância de recurso para reexaminar as sentenças proferidas ao abrigo da presente secção». De acordo com o artigo 8.28, n.o 7, do CETA, compete ao Comité Misto CETA adotar, «de imediato, uma decisão que defina as […] questões administrativas e organizacionais relativas ao funcionamento da instância de recurso», sobre os aspetos elencados nessa mesma disposição.

148.

A própria existência de uma instância de recurso é uma garantia complementar de que, na tomada de decisão no âmbito do mecanismo de resolução de litígios previsto na secção F do capítulo oito do CETA, não será dada ao direito da União, tomado em consideração como elemento de facto, uma interpretação errada. De facto, de acordo com o artigo 8.28, n.o 2, alínea b), do CETA, a instância de recurso pode alterar ou revogar uma sentença do tribunal do CETA igualmente com base em «erros manifestos na apreciação dos factos, ou de apreciação do direito interno pertinente». Tal significa que, no que diz respeito à interpretação a dar ao direito da União, um eventual erro do tribunal do CETA ainda poderá ser corrigido no âmbito da fiscalização das suas sentenças pela instância de recurso.

149.

Por conseguinte, ao abrigo do artigo 8.28, n.o 2, alínea b), do CETA, um requerente na fase do recurso que conteste a apreciação do direito interno relevante efetuada pelo tribunal deve provar, para responder à exigência de demonstração de um erro manifesto, que o Tribunal efetuou considerações que vão, de forma manifesta, contra o conteúdo das disposições do direito interno em causa ou atribuiu a este direito um alcance que este manifestamente não tem.

150.

A restrição da fiscalização, na fase do recurso, aos erros manifestos na apreciação dos factos é coerente com a ideia de que o tribunal deve interpretar o menos possível o direito interno das Partes contratantes. Importa, por isso, evitar que, quer na primeira instância quer na fase do recurso, a discussão contraditória incida sobre o significado desse direito interno.

151.

Importa observar que esta fiscalização na fase do recurso, tal como prevista no artigo 8.28, n.o 2, alínea b), do CETA, corresponde à competência do Tribunal de Justiça no âmbito do recurso. A este respeito, recorde‑se que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça «este é exclusivamente competente, no âmbito do recurso, para verificar se houve desvirtuação do direito nacional, a qual deve resultar de modo manifesto das peças dos autos» ( 122 ).

152.

Contudo, a fiscalização da instância de recurso limitada ao erro manifesto apenas deve ocorrer na hipótese, que se pode considerar relativamente rara, de não existir nenhum elemento que permita esclarecer a interpretação a dar a uma disposição do direito da União na ordem jurídica desta.

153.

Em contrapartida, se ficar demonstrado que o tribunal do CETA se afastou de uma interpretação existente do direito da União, a sua apreciação pode, na nossa opinião, ser censurada através da demonstração de um simples erro de direito, ao abrigo do artigo 8.28, n.o 2, alínea a), do CETA, na medida em que se pode então considerar que esse tribunal violou o artigo 8.31, n.o 2, do CETA, que delimita a sua competência.

154.

De facto, como referimos anteriormente, decorre do artigo 8.31, n.o 2, do CETA que o tribunal do CETA está obrigado, quando tenha em conta o direito interno de uma Parte como uma questão de facto, a seguir a interpretação dominante dada ao direito interno pelos órgãos jurisdicionais ou pelas autoridades dessa Parte. Por conseguinte, na nossa opinião, constitui um erro na aplicação do direito aplicável, na aceção do artigo 8.28, n.o 2, alínea a), do CETA, a violação do artigo 8.31, n.o 2, desse acordo, o qual pode ser declarado se o tribunal adotar uma interpretação própria do direito da União, sem ter em conta a interpretação desse direito acolhida pelas instituições ou pelos órgãos jurisdicionais da União, quando esta disposição lhe impõe que se apoie na interpretação dominante do direito da União. Por outras palavras, o incumprimento desta obrigação constitui um erro de direito cujo caráter manifesto, na aceção do artigo 8.28, n.o 2, alínea b), do CETA, não carece de ser demonstrado para ser dado como verificado.

155.

Decorre das considerações que antecedem que o tribunal do CETA é competente para interpretar e aplicar o CETA e que, em virtude dessa competência bem delimitada, não é suscetível de prejudicar o objetivo de unidade de interpretação do direito da União ou a função de fiscalização da legalidade dos atos das instituições, que é da competência dos órgãos jurisdicionais da União.

156.

Tendo em conta as garantias que rodeiam a instituição do mecanismo de resolução de litígios previsto na secção F do capítulo oito do CETA, consideramos que a União pode submeter‑se a uma fiscalização externa que tem como objetivo o respeito dos padrões de proteção dos investimentos constantes desse acordo, sem que a autonomia da ordem jurídica da União seja violada.

157.

Além disso, como vários intervenientes no presente processo salientaram, importa sublinhar que o CETA não é comparável com o projeto de acordo relativo à criação do Espaço Económico Europeu (EEE), na versão que estava em causa no Parecer 1/91 (Acordo EEE — I), de 14 de dezembro de 1991 ( 123 ), nem com o projeto de acordo relativo ao estabelecimento de um Espaço de Aviação Comum Europeu (Acordo EACE), que estava em causa no Parecer 1/00 ( 124 ). De facto, as secções C e D do capítulo oito do CETA não têm nem como objetivo nem como efeito estender o acervo da União ao Canadá, replicando disposições do direito da União. Embora existam, na verdade, sobreposições substanciais com a proteção dos investimentos prevista no direito interno da União, as regras que constam das secções C e D do capítulo oito do CETA não podem ser qualificadas de «idênticas». Essas regras refletem os padrões habituais em matéria de proteção internacional dos investimentos, especificando‑os e reforçando‑os. Por outro lado, o CETA também não prevê a obrigação de garantir uma interpretação uniforme das normas de proteção que contém e das que constam do direito interno das partes ( 125 ). Sob este prisma, não existe qualquer risco de a interpretação das secções C e D do capítulo oito do CETA pelo tribunal do CETA ter repercussões na interpretação do direito interno da União, que o Tribunal de Justiça considerou incompatíveis com o princípio da autonomia da ordem jurídica da União no seu Parecer 1/91 ( 126 ).

158.

Em todo o caso, o que importa é que, tendo em conta as garantias que referimos nas considerações que antecedem, mesmo no que diz respeito às normas de proteção que são, no essencial, idênticas, o mecanismo instituído pelo CETA não tem como efeito impor à União e às suas instituições, no exercício da sua competência interna, uma determinada interpretação das regras de direito da União que pode encontrar uma expressão equivalente nesse acordo, uma vez que cada tipo de normas é formalmente distinto e pode conservar a sua própria interpretação ( 127 ).

159.

Importa igualmente distinguir as estipulações do CETA relativas ao tribunal do CETA das do projeto de acordo de adesão da União à CEDH, que foi objeto do Parecer 2/13. Neste parecer, o Tribunal de Justiça realçou vários fundamentos que revelavam uma violação da autonomia do direito da União, incluindo, nomeadamente, o facto de o acordo projetado poder afetar as relações recíprocas entre a União e os Estados‑Membros, bem como a repartição de competências entre a União e os seus Estados‑Membros.

160.

Ora, o tribunal do CETA não tem qualquer competência para se pronunciar sobre as relações recíprocas entre a União e os seus Estados‑Membros, nem tão‑pouco entre os próprios Estados‑Membros ou entre os investidores de um Estado‑Membro e os outros Estados‑Membros. O tribunal do CETA distingue‑se dos órgãos jurisdicionais que foram objeto dos Pareceres 1/09 e 2/13 na medida em que, se o acordo projetado em cada um desses pareceres tivesse sido celebrado pela União, tanto o tribunal de patentes europeias e comunitárias como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem passariam a ser competentes para se pronunciar sobre litígios internos da União. Tal não é o caso do tribunal do CETA, que apenas pode conhecer de litígios que oponham os investidores de uma Parte contratante à outra Parte contratante.

161.

Por outro lado, o tribunal do CETA não é chamado a pronunciar‑se sobre a repartição de competências entre a União e os seus Estados‑Membros. De facto, o CETA previu, no seu artigo 8.21, modalidades automáticas de determinação da parte demandada no âmbito de um processo desencadeado por um investidor canadiano, sem prejuízo do Regulamento (UE) n.o 912/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014, que estabelece um regime de gestão da responsabilidade financeira relacionada com os órgãos jurisdicionais de resolução de litígios entre os investidores e o Estado, estabelecidos por acordos internacionais em que a União é parte ( 128 ). Assim, o artigo 8.21, n.o 1, do CETA prevê que, em caso de violação desse acordo pela União ou por um Estado‑Membro, um investidor que tencione apresentar um pedido nos termos do artigo 8.23 do referido acordo deve apresentar «à [União] um pedido de determinação da parte demandada». A União determina então se a parte demandada é a União ou um dos seus Estados‑Membros e transmite essa informação ao investidor ( 129 ). Se o investidor não for informado da determinação no prazo de 50 dias a contar da apresentação do pedido de determinação, e caso as medidas identificadas no pedido de determinação sejam medidas adotadas exclusivamente por um Estado‑Membro, esse Estado‑Membro é a parte demandada. Caso as medidas identificadas no pedido de determinação incluam medidas da União, a União é a parte demandada ( 130 ). Essa determinação, efetuada de acordo com o artigo 8.21, n.os 3 ou 4, do CETA, vincula o tribunal do CETA ( 131 ).

162.

As regras que permitem determinar se a parte demandada é a União ou o Estado‑Membro em causa constam do Regulamento n.o 912/2014. As decisões adotadas pela Comissão constituem atos de execução. Trata‑se, portanto, de atos que podem ser sujeitos a uma fiscalização da legalidade pelos órgãos jurisdicionais da União. Por conseguinte, como o Conselho salienta, corretamente, o Tribunal de Justiça continua a ser o juiz de última instância no que diz respeito à questão de saber quem deve ser considerado parte demandada.

163.

Tendo em conta estes elementos, o presente processo distingue‑se do Parecer 2/13, no qual o Tribunal de Justiça considerou que as modalidades de funcionamento do mecanismo do corresponsável previstas no acordo projetado não garantiam a preservação das características específicas da União e do seu direito. De facto, essas modalidades infringiam a competência exclusiva do Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre a repartição de competências entre a União e os seus Estados‑Membros ( 132 ).

164.

Assim, na medida em que o tribunal do CETA não está habilitado, por força das disposições do artigo 8.21 deste acordo, a pronunciar‑se sobre a repartição de competências entre a União e os seus Estados‑Membros, não se pode considerar que o referido acordo viola, sob este prisma, a autonomia da ordem jurídica da União.

7. O SJI não afeta a missão dos órgãos jurisdicionais nacionais que consiste em assegurar a aplicação efetiva do direito da União

165.

A secção F do capítulo oito do CETA institui um mecanismo que se pode qualificar como «quase‑jurisdicional», conservando ainda, em determinados aspetos, características das regras aplicáveis à arbitragem em matéria de investimento, e que visa, no essencial, a resolução de litígios que tenham por objeto a interpretação ou a aplicação das próprias disposições do acordo internacional em questão. Além disso, na medida em que constitui um modo alternativo de resolução de litígios em matéria de proteção dos investimentos, tendo por objeto a aplicação do CETA, esse mecanismo não afeta as competências dos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros relativas à interpretação e à aplicação do direito da União, nem a faculdade, ou mesmo a obrigação, de estes últimos submeterem ao Tribunal de Justiça pedidos de decisão prejudicial e a competência deste para dar resposta às questões submetidas pelos referidos órgãos jurisdicionais ( 133 ).

166.

Embora o tribunal do CETA, à semelhança do tribunal de patentes europeias e comunitárias que foi objeto do Parecer 1/09, se situe fora do quadro institucional e jurisdicional da União, não lhe é atribuída, contrariamente ao que sucedia no caso deste órgão jurisdicional no que diz respeito a um número significativo de ações intentadas por particulares no domínio da patente comunitária ( 134 ), competência exclusiva para se pronunciar sobre as ações intentadas por investidores estrangeiros no domínio da proteção dos investimentos, nem para interpretar e aplicar o direito da União nesse domínio.

167.

Como a Comissão refere, corretamente, nas suas observações, o tribunal do CETA não se destina a aplicar o direito interno da União, mas apenas as disposições desse acordo. O CETA cria proteções adicionais de direito internacional e prevê um mecanismo específico que permite aos investidores da outra Parte fazer valer essas proteções. No entanto, não restringe os direitos substantivos de que os investidores estrangeiros beneficiam nos termos do direito da União. Também não tem como efeito limitar a competência do Tribunal de Justiça ou dos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros para apreciar ações intentadas com vista a assegurar o respeito de tais direitos conferidos pelo direito interno da União.

168.

Assim, a instituição do SJI não impede os investidores estrangeiros de procurar proteção para os seus investimentos demandando os órgãos jurisdicionais das Partes contratantes a fim de obter a aplicação do direito interno dessas Partes ( 135 ). Recorde‑se, a este respeito, que, tendo em conta a inexistência de efeito direto do CETA, os investidores estrangeiros não poderão, neste caso, invocar diretamente a violação desse acordo nos órgãos jurisdicionais das Partes contratantes, mas apenas o direito interno dessas Partes, desde que, obviamente, este contenha normas de proteção adequadas. Assim, para além de se basearem em normas jurídicas de referência diferentes, os dois tipos de ações não têm necessariamente o mesmo objeto. De facto, contrariamente ao que sucede quando um pedido seja apresentado ao tribunal do CETA, a demanda dos órgãos jurisdicionais internos das Partes contratantes pode ir além do mero contencioso indemnizatório e visar a anulação de uma medida constante do direito interno dessas Partes. Por conseguinte, trata‑se de duas vias de ação judicial que são complementares, mas que não se substituem uma à outra.

169.

As Partes contratantes previram regras que regulam as opções de que os investidores estrangeiros dispõem.

170.

Nos termos do artigo 8.22 do CETA, intitulado «Requisitos processuais e outros requisitos para a apresentação de um pedido ao tribunal»:

«1.   Um investidor só pode apresentar um pedido ao abrigo do artigo 8.23 se:

[…]

f)

desistir do pedido ou da instância em curso num tribunal ou órgão jurisdicional ao abrigo do direito nacional ou internacional, que se refira a uma medida que alegadamente constitua uma infração que seja objeto do seu pedido; e

g)

renunciar ao seu direito de apresentar um pedido ou instaurar um processo num tribunal ou órgão jurisdicional, ao abrigo do direito nacional ou internacional, que se refira a uma medida que alegadamente constitua uma infração que seja objeto do seu pedido».

171.

Estas disposições demonstram que ao tribunal do CETA é conferida apenas uma competência alternativa. Assim, como se esclarece no n.o 6, alínea a), do Instrumento Comum Interpretativo, «[o] CETA não privilegia o recurso ao [SJI] instituído pelo Acordo. Os investidores podem, em vez disso, optar por interpor recurso junto dos tribunais nacionais». Por outro lado, a impossibilidade de propor, em simultâneo com a demanda do tribunal do CETA ou mesmo posteriormente a esta, uma ação nos órgãos jurisdicionais das Partes contratantes pode ter como efeito incitar os investidores a demandar previamente estes órgãos jurisdicionais. Mesmo que tal não seja imposto como condição prévia à demanda do tribunal do CETA, o esgotamento das vias de recurso internas é, assim, incentivado por estas disposições.

172.

Tendo em conta estes elementos, há que considerar que, ainda que, face à inexistência de efeito direto do CETA, os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros não tenham como missão aplicar este acordo, não estão, contudo, privados do seu estatuto de juízes de «direito comum» da ordem jurídica da União, incluindo do seu papel na eventual submissão de pedidos prejudiciais. Por outro lado, o Tribunal de Justiça não está privado da sua competência para responder a título prejudicial às questões submetidas pelos referidos órgãos jurisdicionais. Por conseguinte, não é possível concluir por qualquer desvirtuação das competências que os Tratados atribuem às instituições da União e aos Estados‑Membros, as quais são essenciais à preservação da própria natureza do direito da União ( 136 ).

8. Coerência com os objetivos da ação externa da União

173.

Consideramos que a análise da compatibilidade da secção F do capítulo oito do CETA com o princípio da autonomia do direito da União deve ser efetuada tendo devidamente em conta a necessidade de preservar a capacidade da União para contribuir para a realização dos princípios e dos objetivos da sua ação externa.

174.

Como o Governo eslovaco referiu, corretamente, na audiência, o Tribunal de Justiça deve dar ao princípio da autonomia do direito da União um conteúdo que permita não apenas a manutenção das características específicas do direito da União, mas igualmente a participação da União no desenvolvimento do direito internacional e de uma ordem jurídica internacional assente em regras.

175.

Na nossa opinião, as disposições constantes do capítulo oito do CETA permitem alcançar um equilíbrio entre a preservação da estrutura constitucional específica da União e o desenvolvimento da ação externa desta.

176.

De acordo com o artigo 3.o, n.o 5, TUE, «[n]as suas relações com o resto do mundo, a União afirma e promove os seus valores e interesses e contribui para a proteção dos seus cidadãos. Contribui para […] o desenvolvimento sustentável do planeta, […] o comércio livre e equitativo, […] bem como para a rigorosa observância e o desenvolvimento do direito internacional […]». Este último objetivo implica, logicamente, que a União deve favorecer as iniciativas e os mecanismos de fiscalização que reforcem a eficácia dos tratados internacionais nos quais seja parte ( 137 ).

177.

De acordo com o artigo 21.o, n.o 2, TUE, a ação da União na cena internacional deve ter como objetivo assegurar um «elevado grau de cooperação em todos os domínios das relações internacionais», nomeadamente consolidando e apoiando «o Estado de direito […] e os princípios do direito internacional» ( 138 ), incentivando a «integração de todos os países na economia mundial, inclusivamente através da eliminação progressiva dos obstáculos ao comércio internacional» ( 139 ), contribuindo «para o desenvolvimento de medidas internacionais […] a fim de assegurar um desenvolvimento sustentável» ( 140 ), e promovendo «um sistema internacional baseado numa cooperação multilateral reforçada e uma boa governação ao nível mundial» ( 141 ). De acordo com o artigo 207.o, n.o 1, TFUE, «[a] política comercial comum é conduzida de acordo com os princípios e objetivos da ação externa da União».

178.

Na nossa opinião, o capítulo oito do CETA inscreve‑se plenamente nesses objetivos ao conjugar regras sobre a proteção dos investimentos, que contribuem para a segurança jurídica dos investidores, bem como para o desenvolvimento das trocas comerciais entre a União e o Canadá ( 142 ), e um mecanismo específico de resolução de litígios com a afirmação expressa do direito das Partes contratantes de adotarem a legislação necessária para realizar objetivos legítimos de interesse público, por exemplo em matéria de saúde pública, de segurança, de ambiente ou de proteção social.

9. A instauração de um mecanismo de apreciação prévia pelo Tribunal de Justiça e a possibilidade de fiscalização completa das sentenças pelos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros não são necessárias

179.

Recorde‑se que a razão de ser de um mecanismo de resolução de litígios como o que está previsto na secção F do capítulo oito do CETA consiste em assegurar a neutralidade e a autonomia da resolução de litígios entre investidores e Estados em relação aos sistemas jurisdicionais das Partes contratantes. Seguindo essa lógica, é compreensível que nem estas Partes tenham previsto um mecanismo de apreciação prévia pelo Tribunal de Justiça nem as sentenças proferidas pelo tribunal do CETA devam, sistematicamente, poder ser submetidas a uma fiscalização completa pelos órgãos jurisdicionais das referidas Partes. Prever semelhante ponto de conexão com o sistema jurisdicional das Partes contratantes estaria em contradição com a vontade destas de instituir um mecanismo de resolução de litígios que se situe precisamente fora dos seus sistemas jurisdicionais.

180.

Uma vez que se admite que a secção F do capítulo oito do CETA contém garantias suficientes para impedir que esse mecanismo afete a competência exclusiva do Tribunal de Justiça para fazer uma interpretação definitiva do direito da União, não se afigura que a escolha assim efetuada pelas Partes contratantes possa ser posta em causa.

181.

Assim sendo, importa observar que, dependendo da escolha das regras de arbitragem nos termos das quais um pedido tenha sido apresentado ( 143 ), a fiscalização pelos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro onde a execução seja pedida, nomeadamente em caso de conflito com a ordem pública desse Estado ( 144 ), não está excluída ( 145 ). Contudo, na nossa opinião, a existência de tal fiscalização não condiciona a compatibilidade do mecanismo de resolução de litígios entre investidores e Estados previsto na secção F do capítulo oito do CETA com o princípio da autonomia do direito da União.

182.

Por outro lado, quanto à ideia, por vezes expressa, de prever nesse tipo de acordo um mecanismo de apreciação prévia pelo Tribunal de Justiça no caso de existirem problemas relativos à interpretação do direito da União, deve ter‑se em conta a exigência de reciprocidade, como observam, corretamente, o Governo alemão e a Comissão. De facto, não só tal mecanismo seria difícil, ou mesmo impossível, de negociar com os Estados terceiros ( 146 ), como a União teria, em caso de aceitação por parte destes, de conceder igualmente aos seus parceiros, por força da reciprocidade que rege as suas relações mútuas, a possibilidade de prever uma competência prejudicial dos seus órgãos jurisdicionais internos no que diz respeito à interpretação do direito interno. Do ponto de vista dos investidores da União, tal seria então contrário à razão de ser do mecanismo de resolução de litígios, ou seja, ser neutro e independente dos órgãos jurisdicionais internos da outra Parte contratante. Tal reduziria claramente o interesse e a atratividade de tal mecanismo, em especial quando a União estabeleça relações com Estados terceiros cujos órgãos jurisdicionais internos não cumpram, ou façam‑no apenas de forma imperfeita, os critérios de imparcialidade, independência e celeridade, e seria suscetível, em última análise, de reduzir o nível de proteção dos investimentos efetuados nesses Estados pelos investidores da União.

183.

Por conseguinte, aprovamos a iniciativa levada a cabo pelos negociadores do CETA, que consistiu em incluir nas disposições deste acordo uma preocupação especial de que o mecanismo de resolução de litígios instituído interfira o menos possível com os sistemas jurisdicionais das partes contratantes.

184.

Tendo em conta todas estas considerações, entendemos que o mecanismo de resolução de litígios entre investidores e Estados previsto na secção F do capítulo oito do CETA não viola a autonomia do direito da União e, em especial, não afeta o princípio da competência exclusiva do Tribunal de Justiça na interpretação definitiva do direito da União.

B.   Quanto ao princípio geral da igualdade de tratamento e à exigência de efetividade do direito da União

185.

Nesta parte do seu pedido de parecer, o Reino da Bélgica observa, antes de mais, que o CETA prevê uma via jurisdicional privilegiada para os investidores canadianos. De facto, as empresas canadianas que invistam na União poderão submeter um litígio à apreciação de um órgão jurisdicional interno da União ou do tribunal do CETA, enquanto as empresas da União que invistam na União não terão essa possibilidade de escolher.

186.

Há que verificar se tal situação é compatível com o artigo 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais de União Europeia ( 147 ), nos termos do qual «[t]odas as pessoas são iguais perante a lei», bem como com o artigo 21.o, n.o 2, da Carta, que dispõe que «[n]o âmbito de aplicação dos Tratados e sem prejuízo das suas disposições específicas, é proibida toda a discriminação em razão da nacionalidade».

187.

O Reino da Bélgica salienta, em seguida, que o artigo 8.39, n.o 2, alínea a), do CETA prevê que, quando um investidor canadiano apresente um pedido ao tribunal do CETA em nome de uma «empresa estabelecida localmente» (ou seja, de uma empresa estabelecida na União, que esse investidor canadiano detenha ou controle direta ou indiretamente) ( 148 ), a indemnização pecuniária e os juros eventualmente aplicáveis por esse Tribunal deverão ser pagos à empresa estabelecida localmente.

188.

É verdade que esta regra pode ser justificada pelo objetivo, próprio dos acordos internacionais que visam a proteção dos investimentos, de promover a economia da Parte onde essa empresa esteja estabelecida. Todavia, há que analisar a compatibilidade da referida regra com os artigos 20.o e 21.o da Carta.

189.

Por último, o Reino da Bélgica pretende saber se, na hipótese em que o tribunal do CETA concluísse que uma coima aplicada a um investidor canadiano (ou a uma empresa estabelecida localmente) pela Comissão ou por uma autoridade da concorrência de um Estado‑Membro não respeita uma disposição da secção C ou D do capítulo oito do CETA e atribuísse uma indemnização equivalente a essa coima, o desaparecimento dos efeitos da referida coima seria compatível com o princípio da igualdade de tratamento, bem como com a exigência de efetividade do direito da União.

190.

Decorre do artigo 8.9, n.os 3 e 4, do CETA que, quando a União tenha declarado um auxílio de Estado incompatível com o artigo 108.o TFUE e tenha ordenado o seu reembolso, o tribunal do CETA não pode julgar esta decisão contrária ao CETA e também não pode, portanto, atribuir uma indemnização pecuniária e juros num montante equivalente ao desse auxílio de Estado. Ora, o CETA não inclui uma regra semelhante que vise proteger as decisões adotadas pela Comissão ou pelas autoridades da concorrência dos Estados‑Membros no âmbito dos artigos 101.o e 102.o TFUE. Por conseguinte, não se pode excluir que um investidor canadiano evite as consequências financeiras de uma violação do direito da concorrência da União, enquanto os investidores da União não podem evitá‑las.

191.

Em suma, o Reino da Bélgica deseja saber se as sentenças do tribunal do CETA podem, em determinadas circunstâncias, violar os artigos 20.o e 21.o da Carta, bem como a exigência de efetividade do direito da União. A este respeito, este Estado‑Membro identifica duas situações, designadamente, em primeiro lugar, quando seja paga uma indemnização pecuniária e juros a uma empresa estabelecida localmente, de acordo com o artigo 8.39, n.o 2, alínea a), do CETA, e, em segundo lugar, no caso de o tribunal poder atribuir uma indemnização pecuniária e juros em consequência de uma coima aplicada nos termos do direito da concorrência da União.

192.

A primeira parte das questões suscitadas pelo Reino da Bélgica decorre do facto de, nos termos do artigo 8.23, n.o 1, do CETA, um pedido poder ser apresentado pelo investidor de uma Parte em seu próprio nome ou pelo investidor de uma Parte em nome de uma empresa estabelecida localmente, que este detenha ou controle direta ou indiretamente. Nesta última hipótese, decorre do artigo 8.39, n.o 2, alínea a), do CETA que a indemnização fixada pela sentença deve ser paga à empresa estabelecida localmente. Na nossa opinião, este facto não é suscetível de criar uma discriminação em relação aos investidores da União que invistam no território desta.

193.

A este respeito, importa salientar que a empresa estabelecida localmente, como previsto nessas duas disposições, constitui, ela própria, uma forma de investimento. De facto, de acordo com o artigo 8.1 do CETA, entende‑se por «investimento abrangido», no que diz respeito a uma Parte, um investimento que seja, nomeadamente, «detido ou controlado direta ou indiretamente por um investidor da outra Parte» e por «investimento», «todo o tipo de ativos, detidos ou controlados direta ou indiretamente por um investidor», que pode, nomeadamente, assumir a forma de uma empresa. Tendo em conta o controlo assim exercido pelo investidor de uma Parte sobre a empresa estabelecida localmente no território da outra Parte, uma indemnização atribuída pelo tribunal do CETA, ainda que seja paga à empresa estabelecida localmente, beneficia, em última análise, o investidor da primeira Parte, que é, de resto, o único com legitimidade, nos termos do artigo 8.23, n.o 1, do CETA, para apresentar um pedido ao referido tribunal.

194.

Na medida em que o investidor de uma Parte e a empresa estabelecida localmente no território da outra Parte devem, na verdade, ser equiparados ( 149 ), a questão suscitada pelo Reino da Bélgica é a da existência ou não de uma discriminação entre os investidores estrangeiros, que dispõem de uma proteção material e processual específica, e os investidores locais, que não beneficiam de tal proteção.

195.

Quanto a esta questão, importa esclarecer que decorre do artigo 207.o, n.o 1, segunda frase, TFUE, lido em conjugação com o artigo 21.o TUE, que a União deve, no exercício das competências que lhe são atribuídas pelos Tratados UE e FUE, incluindo as competências em matéria de política comercial comum, respeitar os direitos fundamentais, dos quais faz parte o princípio da igualdade de tratamento ( 150 ). A União é uma União de Direito cujas instituições estão sujeitas à fiscalização da conformidade dos seus atos, nomeadamente, com os Tratados, com os princípios gerais do direito e com os direitos fundamentais ( 151 ). Tal diz respeito igualmente à ação externa da União ( 152 ). Recorde‑se, a este respeito, que, de acordo com jurisprudência constante, os acordos internacionais celebrados pela União, «a partir da sua entrada em vigor, fazem parte integrante da ordem jurídica da União […]. Por essa razão, as suas disposições devem ser plenamente compatíveis com as disposições dos Tratados e com os princípios constitucionais deles decorrentes» ( 153 ). Tal inclui, naturalmente, a Carta, de acordo com o artigo 51.o desta, a qual, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, TUE «tem o mesmo valor jurídico que os Tratados». Mesmo antes da entrada em vigor formal da Carta, o Tribunal de Justiça já estabelecera o princípio de que a condução das relações externas da União deve respeitar os direitos fundamentais da União ( 154 ).

196.

É verdade que, de acordo com as anotações relativas à Carta ( 155 ), o artigo 21.o, n.o 2, desta «corresponde ao primeiro parágrafo do artigo 18.o do [TFUE] e deve ser aplicado em conformidade com esse artigo». Além disso, nos termos do artigo 52.o, n.o 2, da Carta, os direitos que esta reconhece e que se regem por disposições constantes dos Tratados são exercidos de acordo com as condições e limites por eles definidos. Daqui decorre que o artigo 21.o, n.o 2, da Carta deve ser entendido no sentido de que tem o mesmo alcance que o artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE.

197.

O artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE dispõe que, «[n]o âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade». Esta disposição consta da Parte II desse tratado, intitulada «Não discriminação e cidadania da União». Diz respeito às situações abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União nas quais um nacional de um Estado‑Membro seja tratado de forma discriminatória relativamente aos nacionais de outro Estado‑Membro devido à sua nacionalidade. A referida disposição não se destina, por isso, de acordo com o Tribunal de Justiça, a ser aplicada no caso de uma eventual diferença de tratamento entre os nacionais dos Estados‑Membros e os dos Estados terceiros ( 156 ).

198.

Na nossa opinião, tal não isenta, contudo, um acordo internacional como o CETA de respeitar o princípio da igualdade de tratamento, que constitui um princípio geral de direito da União, consagrado no artigo 20.o da Carta ( 157 ).

199.

Acrescente‑se, quanto a este aspeto, que a jurisprudência que visa preservar a capacidade de ação política das instituições e dos órgãos da União no plano internacional, permitindo‑lhes estabelecer diferenças de tratamento entre Estados terceiros, não é aqui posta em causa ( 158 ).

200.

No plano da proteção dos investimentos, observamos que o n.o 6, alínea a), do Instrumento Comum Interpretativo dispõe que «[o] CETA não fará com que os investidores estrangeiros sejam tratados de forma mais favorável do que os investidores nacionais».

201.

Quanto à verificação da questão de saber se o princípio geral da igualdade de tratamento é respeitado no âmbito da instituição do SJI, há que recordar que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio da igualdade de tratamento exige que as situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que as situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento seja objetivamente justificado ( 159 ).

202.

A maior parte dos Governos que apresentaram observações, bem como o Conselho e a Comissão, consideram que o Reino da Bélgica parte da premissa errada de que as empresas canadianas que investem na União, por um lado, e as empresas da União que investem na União, por outro, estão na mesma situação.

203.

Tal não é exatamente o caso, uma vez que uma das categorias de empresas referidas faz investimentos internacionais e a outra faz investimentos intracomunitários, o que não é comparável. Os investimentos intracomunitários estão inevitavelmente, em certa medida, sujeitos a regras diferentes dos investimentos internacionais. As únicas situações comparáveis são a das empresas canadianas que investem na União, por um lado, e a das empresas da União que investem no Canadá, por outro.

204.

Por conseguinte, a diferença que reside no facto de as empresas canadianas que investem na União poderem submeter litígios ao tribunal do CETA, enquanto as empresas da União que investem na União não têm essa possibilidade, não pode ser qualificada como «discriminatória». A este respeito, os referidos interessados remetem, por analogia, para a jurisprudência do Tribunal de Justiça de acordo com a qual a diferença de tratamento entre os particulares que beneficiam das regras enunciadas numa convenção preventiva da dupla tributação celebrada entre Estados‑Membros, por um lado, e os particulares que não beneficiam de tais regras, por outro, não constitui uma discriminação, uma vez que as situações dessas duas categorias de pessoas não são comparáveis ( 160 ).

205.

Em todo o caso, é errado considerar que as empresas canadianas que investem na União são colocadas numa situação privilegiada, devido à possibilidade de demandar o tribunal do CETA, em relação às empresas da União que investem na União. Essa possibilidade limita‑se a compensar o facto de o CETA não poder ser invocado diretamente nos órgãos jurisdicionais internos das Partes.

206.

À semelhança da maior parte dos interessados que apresentaram observações, consideramos que apenas os investidores de cada Parte contratante que investem no território da outra Parte contratante estão em situações comparáveis.

207.

Como o Governo alemão salientou, corretamente, na audiência, a situação dos investidores canadianos que investem na União não é comparável com a situação dos investidores europeus que investem no seu próprio espaço económico. Apenas se pode comparar os investidores canadianos ou europeus no que diz respeito aos investimentos que estes efetuam no território da outra Parte. Com base nessa comparação, todos os investidores que se encontram numa situação comparável são tratados de forma comparável. É verdade que os investidores de cada Parte contratante não têm acesso ao tribunal do CETA no que diz respeito aos investimentos efetuados no território da Parte contratante de que dependem. Tal explica‑se, como o Governo alemão referiu, pelo facto de esses investidores não assumirem os riscos e os custos de um investimento num espaço económico estrangeiro e atuarem num ambiente jurídico que lhes é familiar.

208.

Por outro lado, recorde‑se que as relações entre Partes contratantes como, por um lado, a União e os seus Estados‑Membros, e, por outro, o Canadá, não se baseiam na confiança mútua e que é por esta razão que essas Partes pretendem definir, numa base de reciprocidade, um padrão de proteção material e processual no acordo projetado. Assim, o facto de os direitos e as obrigações recíprocos criados pelo CETA só se aplicarem a investidores de uma das Partes contratantes é uma consequência inerente à natureza bilateral desse acordo ( 161 ), que tem por objeto proteger os investidores de cada Parte das desvantagens a que podem ficar sujeitos ao investir na outra Parte. Daqui decorre que um investidor da União não está na mesma situação que um investidor canadiano no que diz respeito a um investimento efetuado no território da União.

209.

Em todo o caso, mesmo que se deva considerar que os investidores canadianos que efetuam investimentos na União e os investidores da União que efetuam investimentos no território desta estão numa situação comparável, o facto de apenas a primeira categoria de investidores poder beneficiar do mecanismo de resolução de litígios entre investidores e Estados instituído pelo CETA é objetivamente justificado pela finalidade que consiste em incentivar os investimentos estrangeiros no território de cada Parte.

210.

A este respeito, há que referir que, de acordo com o Tribunal de Justiça, «[q]uando é constatada uma diferença de tratamento entre duas situações comparáveis, o princípio da igualdade de tratamento não é, porém, violado se essa diferença for devidamente justificada» ( 162 ). É esse o caso, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, «quando a diferença de tratamento está relacionada com um objetivo legalmente admissível prosseguido pela medida que tem por efeito instituir essa diferença, e seja proporcionada a esse objetivo» ( 163 ).

211.

Como já salientámos, o Tribunal de Justiça considerou que «[a]s instituições e os órgãos da União dispõem, na condução das relações externas, de uma grande flexibilidade na tomada de decisões políticas» e que «a condução das relações externas implica necessariamente escolhas de natureza política» ( 164 ). Por conseguinte, há que reconhecer às instituições da União, neste âmbito, um amplo poder de apreciação, pelo que a fiscalização jurisdicional da questão de saber se uma diferença de tratamento está relacionada com um objetivo legalmente admissível prosseguido pela medida que tem por efeito instituir essa diferença, e se é proporcionada a esse objetivo, deve limitar‑se ao erro manifesto ( 165 ).

212.

Ora, o caráter legalmente admissível do objetivo que é prosseguido no âmbito da instituição do SJI não pode, razoavelmente, ser posto em causa. A este respeito, remetemos para os n.os 173 a 178 das presentes conclusões, nos quais referimos que a instituição do SJI está em conformidade com os objetivos que os Tratados conferem à União no âmbito da sua ação externa e, em especial, na implementação da sua política comercial comum, entre os quais figura o que consiste em incentivar os investimentos estrangeiros com base na reciprocidade. O mecanismo de resolução de litígios entre investidores e Estados instituído pelo CETA faz parte integrante do quadro protetor previsto neste acordo, pelo que os negociadores do referido acordo consideraram legitimamente, no âmbito da margem de apreciação que lhes deve ser reconhecida, que, sem tal mecanismo, o CETA não atingiria de forma tão eficaz a sua finalidade, que é incentivar e atrair os investimentos estrangeiros.

213.

Decorre das considerações que antecedem que, na nossa opinião, as estipulações do capítulo oito do CETA não violam o princípio geral da igualdade de tratamento ( 166 ).

214.

Quanto à segunda parte das questões suscitadas pelo Reino da Bélgica, que diz respeito, no essencial, à questão de saber se o tribunal do CETA pode neutralizar os efeitos de uma coima aplicada pela Comissão ou por uma autoridade da concorrência de um Estado‑Membro decidindo atribuir a um investidor canadiano uma indemnização pecuniária e juros num montante equivalente, consideramos, à semelhança da maior parte dos interessados que apresentaram observações, que várias regras limitam o risco de o tribunal do CETA poder ser chamado a decidir, sem ultrapassar a sua competência, que uma coima aplicada a um investidor canadiano por força do direito da concorrência da União viola uma regra de proteção dos investimentos estabelecida no capítulo oito do CETA.

215.

Assim, importa recordar que o artigo 8.9, n.os 1 e 2, do CETA reconhece o direito de as Partes contratantes regularem nos respetivos territórios para realizar objetivos políticos legítimos. Como o Conselho salienta, corretamente, nas suas observações, esse direito inclui o de manter e aplicar políticas que visem combater os comportamentos anticoncorrenciais no mercado interno da União ( 167 ).

216.

Por outro lado, no capítulo dezassete do CETA, intitulado «Política de concorrência», o artigo 17.2, n.o 1, dispõe que «[a]s Partes reconhecem a importância de uma concorrência livre e não distorcida nas suas relações comerciais. As Partes reconhecem que as condutas empresariais anticoncorrenciais podem distorcer o bom funcionamento dos mercados e minar as vantagens da liberalização do comércio». Além disso, o n.o 2 desse artigo dispõe que «[a]s Partes tomam as medidas adequadas para proibir condutas empresariais anticoncorrenciais, cientes de que tais medidas reforçarão o cumprimento dos objetivos do presente Acordo».

217.

Tendo em conta as disposições constantes do artigo 8.9, n.os 1 e 2, do CETA, bem como do capítulo dezassete deste acordo, afigura‑se que o risco de uma neutralização das decisões adotadas pelas Partes contratantes para sancionar comportamentos anticoncorrenciais está estritamente limitado.

218.

A estas garantias de ordem material acrescem as garantias processuais, invocadas nas considerações que antecedem, que consistem, por um lado, na obrigação do tribunal do CETA, nos termos do artigo 8.31, n.o 2, deste acordo, de seguir a interpretação da legislação interna seguida pelos tribunais ou autoridades da Parte contratante em causa, e, por outro, em retificar, se necessário, uma interpretação errada efetuada por esse tribunal, graças à existência de um mecanismo de recurso ou à possibilidade de o Comité Misto adotar interpretações vinculativas do CETA.

219.

Decorre destas considerações que não se afigura que a exigência de efetividade do direito da concorrência da União seja afetada pela instituição do SJI.

C.   Quanto à compatibilidade da secção F do capítulo oito do CETA com o direito de acesso a um tribunal independente e imparcial

220.

O Reino da Bélgica pretende saber se a secção F do capítulo oito do CETA é compatível com o artigo 47.o da Carta, considerado isoladamente ou em conjugação com o princípio da igualdade de tratamento consagrado nos artigos 20.o e 21.o da Carta. Nesta parte do seu pedido de parecer, o referido Estado‑Membro remete igualmente para a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre o artigo 6.o da CEDH.

221.

A este respeito, o Reino da Bélgica observa, em primeiro lugar, que o regime previsto nessa secção F pode tornar excessivamente difícil o acesso das pequenas e médias empresas ao tribunal do CETA, uma vez que o artigo 8.27, n.o 14, do CETA prevê que os honorários e as despesas dos membros do tribunal em funções numa secção constituída para apreciar um pedido devem ser pagos pelas partes em litígio e que o artigo 8.39, n.o 5, do CETA determina que quer os custos do processo — que incluem as despesas do secretariado do CIRDI — quer as despesas de representação e de assistência jurídica são — salvo circunstâncias excecionais — suportados pela parte vencida.

222.

Além disso, atualmente, o CETA não prevê a possibilidade de concessão de apoio jurisdicional, apesar de o artigo 47.o, terceiro parágrafo, da Carta consagrar expressamente o direito a tal apoio na medida em que este seja necessário para garantir a efetividade do acesso à justiça, tendo o Tribunal de Justiça esclarecido, no n.o 59 do seu Acórdão de 22 de dezembro de 2010, DEB ( 168 ), que esse direito é extensível às empresas.

223.

O risco de ter de suportar integralmente os custos em processos intrinsecamente onerosos pode ser suscetível de dissuadir um investidor que apenas disponha de meios financeiros limitados de apresentar um pedido. Assim, pode considerar‑se que o CETA viola o direito de acesso a um tribunal.

224.

Em segundo lugar, o Reino da Bélgica questiona a compatibilidade das condições de remuneração dos membros dos tribunais projetados, previstas no artigo 8.27, n.os 12 a 15, e no artigo 8.28, n.o 7, alínea d), do CETA, com o direito de acesso a «um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei», previsto no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta.

225.

Uma vez que essas condições de remuneração não são predominantemente fixadas no próprio texto do CETA, mas deixadas, em grande medida, à apreciação discricionária do Comité Misto instituído pelo CETA, pode haver dúvidas quanto à sua compatibilidade com os princípios relativos à separação de poderes.

226.

O Reino da Bélgica considera, a este respeito, que as modalidades de remuneração dos juízes devem ser previamente fixadas pelo legislador e não podem ser determinadas pelo poder executivo. Este Estado‑Membro remete, neste contexto, para a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e para a Magna Carta dos Juízes, adotada em 17 de novembro de 2010 pelo Conselho Consultivo dos Juízes Europeus (CCJE).

227.

O facto de o CETA prever que a remuneração dos membros dos tribunais projetados não consistirá (ou, pelo menos, ainda não) num salário fixo e regular, mas numa retribuição mensal à qual serão acrescidos honorários em função dos dias de trabalho consagrados a um litígio, pode igualmente revelar‑se incompatível com o direito de acesso a um tribunal independente e imparcial.

228.

A este respeito, o Reino da Bélgica remete para o artigo 6.1 da Carta Europeia sobre o Estatuto dos Juízes, adotada de 8 a 10 de julho de 1998 pelo Conselho da Europa, nos termos do qual a remuneração dos juízes deve ser fixada «de forma a protegê‑los de pressões que visem influenciar o sentido das suas decisões e, em geral, a sua atuação jurisdicional alterando, assim, a sua independência e a sua imparcialidade». O Reino da Bélgica cita igualmente diversas recomendações adotadas no âmbito do Conselho da Europa, de acordo com as quais a remuneração dos juízes deve ser determinada em função de uma tabela geral e não em função dos seus desempenhos.

229.

Resulta das condições de remuneração atualmente previstas no CETA que a remuneração depende parcialmente do número de litígios apresentados pelos investidores. Por conseguinte, o desenvolvimento de uma jurisprudência favorável aos investidores pode ter um efeito positivo na remuneração.

230.

Em terceiro lugar, o Reino da Bélgica questiona a compatibilidade do mecanismo de nomeação dos membros dos tribunais projetados, previsto no artigo 8.27, n.os 2 e 3, e no artigo 8.28, n.o 3 e n.o 7, alínea c), do CETA, com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta.

231.

Observa que esses membros são nomeados pelo Comité Misto, ou seja, pelo órgão executivo do CETA, que é presidido pelo ministro do comércio internacional do Canadá e pelo membro da Comissão Europeia responsável pelo Comércio (ou pelos representantes que estes designarem) ( 169 ).

232.

Ora, resulta da Carta Europeia sobre o Estatuto dos Juízes, na qual o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já se baseou e para a qual remetem, aliás, as recomendações do CCJE, que, quando a nomeação de juízes seja efetuada pelo poder executivo, esta deve imperativamente ter lugar após recomendação por uma autoridade independente constituída, numa parte substancial, por membros do poder judicial.

233.

Em quarto lugar, o Reino da Bélgica questiona a compatibilidade das condições de destituição dos membros dos tribunais projetados, previstas no artigo 8.28, n.o 4, e no artigo 8.30, n.o 4, do CETA, com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta.

234.

Observa que essas disposições permitem que um membro seja, por iniciativa conjunta das Partes e sem possibilidade de recurso, destituído através de uma decisão do Comité Misto. Ora, decorre da Carta Europeia sobre o Estatuto dos Juízes e das recomendações do CCJE que qualquer decisão de destituição de um juiz deve envolver um órgão independente, ser proferida com observância de um procedimento equitativo que respeite os direitos de defesa e ser passível de recurso para uma instância superior de caráter jurisdicional. Em todo o caso, para assegurar a independência dos juízes, não deve ser possível que estes sejam destituídos pelo poder executivo.

235.

Em quinto e último lugar, o Reino da Bélgica questiona a compatibilidade das regras deontológicas que os membros dos tribunais projetados deverão respeitar, nos termos do artigo 8.28, n.o 4, do artigo 8.30, n.o 1, e do artigo 8.44, n.o 2, do CETA, com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta.

236.

Observa que essas disposições preveem, no essencial, que os referidos membros deverão respeitar as orientações da Ordem dos Advogados Internacional (Internacional Bar Association, a seguir «IBA») em matéria de conflitos de interesses no quadro de uma arbitragem internacional, aprovadas em 22 de maio de 2004 pelo Conselho da IBA (a seguir «orientações»), enquanto se aguarda a adoção de um código de conduta pelo Comité de Serviços e Investimento.

237.

Ora, decorre das recomendações do CCJE e da Magna Carta dos Juízes que as regras de deontologia aplicáveis aos juízes devem emanar dos próprios juízes. Pelo menos, os juízes devem ter um papel importante na adoção dessas regras.

238.

O Reino da Bélgica observa que as orientações se aplicam a árbitros e não a juízes. Ora, os padrões de independência e de imparcialidade podem ser diferentes para os árbitros, por um lado, e para os juízes, por outro.

239.

Observa igualmente que, embora o CETA preveja, no seu artigo 8.30, n.o 1, que os membros «devem abster‑se de exercer funções na qualidade quer de advogados quer de peritos ou testemunhas designados por uma parte em qualquer litígio pendente ou novo litígio em matéria de investimentos ao abrigo do presente acordo ou de qualquer outro acordo internacional», não exige, em contrapartida, que declarem as suas atividades suplementares nem, a fortiori, que essas atividades estejam sujeitas a uma aprovação prévia. Ora, os instrumentos internacionais relevantes, como a Carta Europeia sobre o Estatuto dos Juízes, preveem que o exercício de uma atividade externa que dê origem à receção de uma remuneração deve ser declarado e objeto de autorização prévia.

1. Considerações gerais

240.

Para responder às questões suscitadas pelo Reino da Bélgica, importa recordar que, sempre que a União pretenda, no âmbito das suas competências, celebrar um acordo internacional deve respeitar os direitos fundamentais ( 170 ), entre os quais figuram os que estão consagrados no artigo 47.o da Carta. Por conseguinte, quando o Conselho pretenda celebrar um acordo internacional que estabeleça um mecanismo de resolução de litígios, como o que está previsto na secção F do capítulo oito do CETA, deve velar por que as condições de acesso a esse mecanismo e as modalidades do seu funcionamento estejam em conformidade com os direitos fundamentais garantidos pela União.

241.

O Tribunal de Justiça teve oportunidade de sublinhar, a propósito das instâncias que, enquanto «órgãos jurisdicionais» na aceção do direito da União, fazem parte do sistema de vias de recurso de cada Estado‑Membro nos domínios abrangidos pelo direito da União, que «é fundamental que seja preservada a independência das ditas instâncias, como confirma o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, que refere o acesso a um tribunal “independente” de entre as exigências associadas ao direito fundamental a uma ação» ( 171 ).

242.

Dito isto, importa sublinhar, antes de mais, que a apreciação que o Reino da Bélgica pede que o Tribunal de Justiça efetue sobre vários aspetos da organização e do funcionamento do SJI não pode, na nossa opinião, abstrair‑se do facto de o modelo adotado pelos negociadores do CETA se caracterizar por ter vários traços originais que lhe conferem um caráter híbrido, uma mistura entre um tribunal arbitral e um órgão jurisdicional internacional. Nesse sentido, o mecanismo de resolução de litígios instituído pelo CETA inclui não apenas elementos característicos de um órgão jurisdicional, mas igualmente elementos relativos à arbitragem internacional. Embora tenha sido qualificado como «tribunal» no acordo projetado, o que pode levar a pensar que se trata de um verdadeiro órgão jurisdicional, trata‑se de um mecanismo que continua a ser muito inspirado pelas regras em matéria de arbitragem. Na secção F do capítulo oito do CETA, as características das regras relativas à arbitragem em matéria de investimento surgem, assim, de forma expressa, nomeadamente no artigo 8.23, relativo à apresentação de um pedido ao tribunal, no artigo 8.25, relativo ao consentimento para a resolução do litígio pelo tribunal, no artigo 8.36, relativo à transparência dos processos, bem como no artigo 8.41, relativo à execução das sentenças. Além disso, no que diz respeito à remuneração dos membros do tribunal do CETA e às regras deontológicas, consta, respetivamente, do artigo 8.27, n.o 14, e do artigo 8.30, n.o 1, do CETA uma referência expressa às regras aplicáveis em matéria de arbitragem. Por último, importa sublinhar que o tribunal do CETA profere sentenças, e não decisões arbitrais.

243.

É verdade que existe a expressão de uma vontade das Partes contratantes de avançar para um sistema novo inspirado nos sistemas judiciais em vigor nas ordens jurídicas dessas Partes ( 172 ). Como a Comissão referiu, corretamente, na audiência, o facto de se inspirar nos sistemas judiciais não faz, contudo, desse órgão um órgão jurisdicional, na aceção plena e completa do termo, mas também não faz dele uma simples instância arbitral tradicional.

244.

Ora, as questões colocadas pelo Reino da Bélgica assentam na premissa de que o mecanismo de resolução de litígios entre investidores e Estados previsto na secção F do capítulo oito do CETA deve ser equiparado a um verdadeiro órgão jurisdicional. Partindo desta premissa, esse Estado‑Membro põe em causa vários aspetos relativos à organização e ao funcionamento desse mecanismo à luz de padrões que foram definidos para ser aplicados a órgãos jurisdicionais. Contudo, tendo em conta o caráter híbrido do referido mecanismo, essa premissa afigura‑se errada. Daqui decorre que o padrão de independência e de imparcialidade que é exigido para um órgão desse tipo deve ser adequado às especificidades acima referidas.

245.

Neste contexto, a apreciação do Tribunal de Justiça deve, na nossa opinião, orientar‑se pela constatação de que os negociadores do acordo projetado chegaram a um consenso sobre um modelo que introduz, em vários aspetos, melhoramentos em relação às regras em vigor na arbitragem clássica em matéria de investimento, quer em termos de transparência dos processos quer de independência no tratamento dos pedidos. Embora um modelo deste tipo possa sempre ser melhorado, o Tribunal de Justiça deve, na nossa opinião, ter em conta que se trata de um modelo negociado bilateralmente numa base de reciprocidade e apreciar, sob este prisma, se esse modelo contém um nível de garantias suficiente.

246.

A respeito do que acaba de ser exposto, a apreciação solicitada pelo Reino da Bélgica deve ser efetuada tendo igualmente em conta que o modelo instituído na secção F do capítulo oito do CETA é apenas uma etapa para a criação de um tribunal multilateral de investimento e de um mecanismo de recurso conexo, como demonstra a vontade manifestada a este elas Partes contratantes no artigo 8.29 do CETA ( 173 ). Assim, na nossa opinião, importa ter em conta o caráter simultaneamente experimental e evolutivo do mecanismo em análise.

247.

Por outro lado, há que sublinhar que, para se tornarem aplicáveis; as disposições processuais constantes da secção F do capítulo oito do CETA exigem, em vários aspetos, a adoção de regras pelo Comité Misto ou pelo Comité de Serviços e Investimento. No presente processo de parecer, a Comissão indicou ao Tribunal de Justiça que deu início a trabalhos, em primeiro lugar, sobre a organização e o funcionamento da instância de recurso, em segundo lugar, sobre um código de conduta obrigatório com vista a reforçar as garantias de imparcialidade e de independência dos membros dos tribunais e dos mediadores, e, em terceiro lugar, sobre regras em matéria de mediação destinadas a ser utilizadas pelas partes nos litígios. Na nossa opinião, o Tribunal de Justiça deve tomar em consideração os compromissos assumidos pelas Partes contratantes com vista a especificar as garantias processuais previstas na secção F do capítulo oito do CETA, a qual não pode conter todos os pormenores relativos à organização e ao funcionamento do SJI.

248.

Além disso, para responder a uma questão formulada várias vezes pelo Reino da Bélgica no seu pedido de parecer, não nos parece, em si mesmo, criticável, à luz dos direitos consagrados no artigo 47.o da Carta, o facto de, no âmbito de um acordo internacional como o CETA, uma instância composta paritariamente por representantes da União e por representantes do Canadá, cujas decisões são aprovadas de comum acordo ( 174 ), como o Comité Misto CETA previsto no artigo 26.o deste acordo ( 175 ), ter como missão aplicar várias disposições que dizem respeito à organização e ao funcionamento do SJI, uma vez que a secção F do capítulo oito do CETA institui o quadro geral desse mecanismo, fixando as suas características essenciais.

249.

Como sublinharam vários interessados, a composição bipartida e paritária do Comité Misto, bem como o seu processo de tomada de decisão por comum acordo, favorecem a adoção por esse comité de decisões que respeitem as regras constantes da secção F do capítulo oito do CETA. De facto, para que uma decisão seja adotada pelo referido comité, deve ter o apoio, por um lado, da União e dos seus Estados‑Membros, e, por outro, do Canadá, podendo cada Parte contratante opor‑se a uma decisão que considere afastar‑se dos princípios da independência e da imparcialidade ou do direito a uma ação efetiva. A este respeito, importa sublinhar que, em consequência do princípio da reciprocidade que está no cerne do acordo projetado, cada Parte contratante deverá favorecer decisões adequadas para garantir aos seus investidores, quando atuem no território da outra Parte contratante, um sistema de resolução de litígios em conformidade com as exigências de celeridade, de especialização, de independência e de imparcialidade. O mesmo se aplica ao interesse de cada Parte contratante sempre que seja parte demandada num litígio.

250.

Acrescente‑se que as posições que a União defenderá no Comité Misto CETA deverão ser adotadas de acordo com o artigo 218.o, n.o 9, TFUE, o que implica que deverão respeitar as exigências do direito da União, incluindo os direitos fundamentais, e estar sujeitas à fiscalização do Tribunal de Justiça ( 176 ).

251.

Com base nestas considerações, indicaremos, em seguida, quais as garantias processuais que, na nossa opinião, permitem, em cada um dos aspetos realçados pelo Reino da Bélgica, assegurar um nível suficiente de proteção do direito de acesso a um tribunal independente e imparcial, consagrado no artigo 47.o da Carta.

2. Quanto ao acesso ao tribunal do CETA pelas pequenas e médias empresas

252.

Recorde‑se que o tribunal do CETA não dispõe de competência exclusiva para se pronunciar sobre as ações intentadas por investidores estrangeiros no domínio da proteção dos investimentos. Constitui apenas um meio alternativo de resolução de litígios nesse domínio, relativo à aplicação do CETA, que acresce às vias de recurso oferecidas pelas Partes contratantes. Assim, na medida em que o direito interno das Partes contratantes contenha normas de proteção adequadas ( 177 ), a instituição do SJI não impede os investidores estrangeiros de procurar proteção para os seus investimentos demandando os órgãos jurisdicionais dessas Partes a fim de obter a aplicação do direito interno das referidas Partes. Esses investidores poderão então beneficiar das garantias processuais, nomeadamente no que diz respeito ao apoio jurisdicional, previstas nos órgãos jurisdicionais das Partes contratantes.

253.

Por outro lado, quando os investidores estrangeiros optem, a invés, por demandar o tribunal do CETA, renunciam voluntariamente ( 178 ) a demandar os órgãos jurisdicionais das Partes contratantes e, portanto, às garantias processuais neles previstas.

254.

Em todo o caso, as Partes contratantes tiveram em conta a preocupação manifestada pelo Reino da Bélgica quanto à tomada em consideração da situação financeira dos investidores que desejem apresentar um pedido no tribunal do CETA, em especial quando se trate de pequenas e médias empresas, de forma a dar respostas que permitam garantir o acesso efetivo a este meio de resolução de litígios.

255.

Assim, embora a regra enunciada no artigo 8.39, n.o 5, do CETA, de que os custos do processo e outros custos razoáveis, incluindo as despesas de representação e assistência jurídica, devem ser suportados pela parte vencida no litígio, prossiga uma finalidade legítima que consiste em desencorajar os processos abusivos, essa mesma disposição permite ao tribunal afastar esta regra sempre que as «circunstâncias do pedido» o justifiquem, o que pode, na nossa opinião, ser interpretado no sentido de que abrange a situação financeira do requerente ( 179 ). Por conseguinte, o tribunal dispõe de uma certa liberdade para atenuar uma aplicação mecânica, suscetível de ser demasiado rigorosa em determinados casos específicos, do princípio de que as despesas e os outros custos devem ser suportados pela parte vencida.

256.

Cite‑se igualmente, como medida que permite a redução dos custos do processo, o artigo 8.27, n.o 9, do CETA, que possibilita às partes no litígio «decidir por comum acordo que um processo seja apreciado por um único membro do tribunal, selecionado aleatoriamente de entre os cidadãos nacionais de países terceiros. A parte demandada deve mostrar recetividade em relação a um pedido da parte demandante no sentido de que o processo seja apreciado por um único membro do tribunal, sobretudo nos casos em que a parte demandante seja uma pequena ou média empresa […]». Importa igualmente sublinhar que, como decorre do artigo 8.19 do CETA, a resolução amigável dos litígios é incentivada, sendo organizado para esse efeito um regime de consultas entre as partes ( 180 ). Neste âmbito, o artigo 8.19, n.o 3, do CETA dispõe que «[a]s partes em litígio podem realizar as consultas através de videoconferência ou de outros meios quando adequado, nomeadamente, nos casos em que o investidor seja uma pequena ou média empresa».

257.

Por último, o artigo 8.39, n.o 6, do CETA prevê que «[o] Comité Misto CETA deve avaliar a possibilidade de introduzir regras suplementares destinadas a reduzir o ónus financeiro que recai sobre as partes demandantes que são pessoas singulares ou pequenas e médias empresas. Essas regras suplementares devem sobretudo ter em conta os recursos financeiros dessas partes demandantes e os montantes de indemnização pedidos».

258.

Trata‑se de uma problemática tida em conta na declaração n.o 36, que contém os seguintes compromissos:

«O acesso dos utentes mais vulneráveis, ou seja, as [pequenas e médias empresas] e as pessoas singulares, a este novo órgão jurisdicional, será melhorado e facilitado. Para o efeito:

A adoção pelo Comité Misto, prevista pelo artigo 8.39, n.o 6, do CETA, de regras suplementares destinadas a reduzir o ónus financeiro que recai sobre as partes demandantes que são pessoas singulares ou pequenas e médias empresas, será efetuada de modo a que estas regras suplementares possam ser adotadas o mais rapidamente possível.

Independentemente dos resultados dos debates no Comité Misto, a Comissão proporá medidas adequadas de (co)financiamento público das ações das pequenas e médias empresas perante esse órgão jurisdicional, bem como a concessão de assistência técnica.»

259.

Tendo em conta estes elementos, consideramos que a secção F do capítulo oito do CETA não viola o direito de acesso a um tribunal, consagrado no artigo 47.o da Carta.

3. Quanto às condições de remuneração dos membros do tribunal e da instância de recurso

260.

Salientamos que o artigo 8.27, n.os 12 a 15, do CETA fixa os aspetos essenciais do regime de remuneração dos membros do tribunal do CETA, ou seja, numa primeira fase, honorários mensais, pagos equitativamente por ambas as Partes, completados por honorários e despesas fixados nos termos da regra 14, n.o 1, do Regulamento Administrativo e Financeiro do CIRDI, repartidos pelo tribunal entre as partes em litígio, em conformidade com o artigo 8.39, n.o 5., do CETA. Esta dupla composição da remuneração dos membros do tribunal, que inclui uma parte fixa e uma parte dependente da quantidade e da complexidade dos litígios que são submetidos à sua apreciação, é coerente com o caráter híbrido do mecanismo de resolução de litígios instituído, bem como com o facto de, pelo menos num primeiro momento, esses membros não trabalharem a tempo inteiro no tribunal. Por outro lado, não se afigura que a independência e a imparcialidade dos membros do tribunal sejam, enquanto tais, afetadas pela regra, prevista no artigo 8.27, n.o 12, do CETA, de que os honorários mensais são determinados pelo Comité Misto CETA ( 181 ).

261.

O mesmo se aplica, na nossa opinião, à regra constante do artigo 8.27, n.o 15, do CETA, que permite iniciar uma segunda fase, na qual «[o] Comité Misto CETA pode, mediante decisão, transformar os honorários e outros pagamentos e despesas num salário normal, e determinar as modalidades e condições aplicáveis». Esta regra corresponde à vontade manifestada na declaração n.o 36 de «evoluir para um sistema em que os juízes trabalham a tempo inteiro» e reflete o caráter evolutivo do mecanismo pretendido pelas Partes contratantes, que deve, progressivamente, adquirir as características de um verdadeiro órgão jurisdicional.

4. Quanto às condições relativas à nomeação e à eventual destituição dos membros do tribunal e da instância de recurso

262.

O processo de nomeação dos membros do tribunal e da instância de recurso está previsto no artigo 8.27, n.os 2 e 3, e no artigo 8.28, n.os 3 e 7, do CETA, dos quais decorre, nomeadamente, que são nomeados por decisão do Comité Misto CETA.

263.

A secção F do capítulo oito do CETA contém regras essenciais que permitem definir o alcance desse poder de execução confiado ao Comité Misto CETA, com vista a garantir a independência e a imparcialidade dos membros que serão nomeados.

264.

Assim, decorre do artigo 8.27, n.o 4, do CETA que a escolha do Comité Misto incidirá sobre candidatos que «devem possuir as habilitações exigidas nos respetivos países para o exercício de funções jurisdicionais ou ser juristas de reconhecida competência». Esta disposição prevê igualmente que «[d]evem possuir conhecimentos especializados comprovados no domínio do direito internacional público» e que «[é] conveniente que possuam conhecimentos especializados sobretudo no domínio do direito internacional em matéria de investimentos, do direito comercial internacional e da resolução de litígios no quadro de acordos internacionais de comércio ou de investimento» ( 182 ).

265.

Uma vez nomeados, os membros do tribunal e da instância de recurso estão obrigados a respeitar as disposições do artigo 8.30 do CETA, intitulado «Deontologia», cujo n.o 1 se destina, sobretudo, a garantir a sua independência e a sua imparcialidade ( 183 ).

266.

De acordo com o artigo 8.30, n.o 4, do CETA, «[m]ediante recomendação fundamentada do presidente do tribunal, ou por iniciativa conjunta das Partes, estas, através de uma decisão do Comité Misto CETA, podem destituir um membro do tribunal, se o seu comportamento for incompatível com as obrigações previstas no n.o 1 e com a sua permanência na qualidade de membro do tribunal».

267.

As garantias anteriormente referidas, que resultam da composição bipartida e paritária do Comité Misto, bem como do seu processo de tomada de decisão por comum acordo, permitem, na nossa opinião, considerar que nem a nomeação nem a eventual destituição de um membro do tribunal ou da instância de recurso obedecem a condições diferentes das estabelecidas, respetivamente, no artigo 8.27, n.o 4, e no artigo 8.30, n.o 1, do CETA.

5. Quanto às regras deontológicas aplicáveis aos membros do tribunal e da instância de recurso

268.

Importa citar o artigo 8.30, n.o 1, do CETA, que contém regras precisas destinadas a garantir a independência e a imparcialidade dos membros do tribunal e da instância de recurso:

«Os membros do tribunal devem ser independentes. Não devem estar dependentes de qualquer governo [ ( 184 )], nem devem aceitar instruções de nenhuma organização ou governo no que diz respeito às questões relativas ao litígio. Não devem participar na apreciação de qualquer litígio que possa criar um conflito de interesses direto ou indireto. Devem respeitar as [orientações] ou quaisquer regras suplementares adotadas nos termos do artigo 8.44, n.o 2. Além disso, uma vez nomeados, devem abster‑se de exercer funções na qualidade quer de advogados quer de peritos ou testemunhas designados por uma parte em qualquer litígio pendente ou novo litígio em matéria de investimentos ao abrigo do presente acordo ou de qualquer outro acordo internacional».

269.

Para assegurar o respeito destas exigências, importa mencionar, para além do artigo 8.30, n.o 4, do CETA, acima referido, o artigo 8.30, n.o 2, deste acordo, que prevê que, se uma parte em litígio considerar que existe um conflito de interesses em relação a um membro do tribunal, pode «convidar o presidente do Tribunal Internacional de Justiça a proferir uma decisão sobre a contestação da nomeação desse membro».

270.

Por outro lado, as disposições constantes da secção F do capítulo oito do CETA em matéria de independência e de imparcialidade destinam‑se a ser completadas por um código de conduta, que o artigo 8.44, n.o 2, do CETA prevê que deve ser adotado pelo Comité de Serviços e Investimento ( 185 ). De acordo com esta disposição, esse código de conduta abrangerá, nomeadamente, a questão da obrigação de declaração, da independência e da imparcialidade dos membros, bem como da confidencialidade. O referido código contribuirá, assim, para especificar e reforçar as garantias que já figuram expressamente no artigo 8.30, n.o 1, do CETA, com vista a evitar conflitos de interesses, nomeadamente no que diz respeito às atividades externas dos membros e à sua autorização prévia ( 186 ).

271.

Por todas as razões anteriores, e tendo devidamente em conta as considerações gerais que formulámos, consideramos que as disposições constantes da secção F do capítulo oito do CETA não violam o direito de acesso a um tribunal independente e imparcial, consagrado no artigo 47.o da Carta, na medida em que garantem um nível de proteção desse direito que é adequado às características específicas do mecanismo de resolução de litígios entre investidores e Estados previsto nessa secção.

IV. Conclusão

272.

Tendo em conta todas as considerações que antecedem, propomos que o Tribunal de Justiça emita o seguinte parecer:

A secção F do capítulo oito do Acordo Económico e Comercial Global (AEGC) entre o Canadá, por um lado, e a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, que institui um mecanismo de resolução de litígios em matéria de investimentos entre investidores e Estados, é compatível com o Tratado da União Europeia, o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Acordo Económico e Comercial Global (CETA) entre o Canadá, por um lado, e a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro (JO 2017, L 11, p. 23). A decisão do Conselho da União Europeia relativa à assinatura está publicada no JO 2017, L 11, p. 1 [Decisão (UE) 2017/37 do Conselho, de 28 de outubro de 2016].

( 3 ) EU:C:2017:376, a seguir «Parecer 2/15».

( 4 ) V. Decisão (UE) 2017/38 do Conselho, de 28 de outubro de 2016, relativa à aplicação provisória do Acordo Económico e Comercial Global (CETA) entre o Canadá, por um lado, e a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro (JO 2017, L 11, p. 1080).

( 5 ) V. nota de síntese da Comissão, de 5 de maio de 2015, intitulada «O investimento no âmbito do TTIP e mais além: a via da reforma. Reforçar o direito de legislar e evoluir e assegurar a transição do atual sistema de arbitragem ad hoc para um tribunal de investimento», disponível no seguinte endereço Internet: http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2015/may/tradoc_153456.pdf.

( 6 ) V. documento de trabalho dos serviços da Comissão, relatório de 13 de janeiro de 2015, intitulado «Consulta pública em linha sobre as modalidades da proteção dos investimentos e a resolução de litígios entre investidores e Estados (RLIE) no âmbito da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP)» [SWD(2015) 3 final], disponível no seguinte endereço Internet: http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2015/march/tradoc_153307.pdf.

( 7 ) V., a este respeito, Diretrizes de negociação de uma convenção que estabelece um tribunal multilateral para a resolução de litígios em matéria de investimentos. Documento do Conselho de 20 de março de 2018, n.o 12981/17, disponível no seguinte endereço Internet: http://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST‑12981‑2017‑ADD1‑DCL1/pt/pdf.

( 8 ) V. Jean, G‑A., Le droit des investissements internationaux face à l’Union européenne, tese de doutoramento defendida em 28 de novembro de 2016, n.o 847.

( 9 ) Como o Governo alemão referiu na audiência, a proteção do investimento, tal como concebida num acordo como o CETA, permite a emancipação do investidor em relação ao seu Estado. Assim, os acordos relativos à proteção dos investimentos permitem aos investidores intentar, eles próprios, uma ação, sem depender da boa vontade do Estado da sua nacionalidade.

( 10 ) Na audiência, a Comissão referiu que concluiu a negociação de três outros acordos, que contêm disposições quase idênticas, com os Estados Unidos Mexicanos, a República de Singapura e a República Socialista do Vietname, e que estão a ser negociados acordos semelhantes com a República do Chile, a República Popular da China, a República da Indonésia, o Japão, a Malásia, Mianmar e a República das Filipinas.

( 11 ) Uma das maiores críticas ao regime de RLIE é, de facto, o risco de efeito dissuasor indireto sobre as políticas públicas, no sentido de que determinados governos, considerando o risco de uma ação judicial, podem ser levados a se censurar nas suas opções políticas para limitar os riscos de serem atacados na arbitragem e de terem que pagar o montante das coimas, bem como as despesas dos processos.

( 12 ) V. Jean, G‑A., op. cit., n.o 25.

( 13 ) V., a este respeito, comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, intitulada «Rumo a uma política europeia global em matéria de investimento internacional» [COM(2010) 343final], p. 11.

( 14 ) O artigo 8.29 do CETA, intitulado «Instituição de um tribunal multilateral de investimento e de um mecanismo de recurso», prevê assim que «[a]s Partes, em conjunto com outros parceiros comerciais, procedem à instituição de um tribunal multilateral de investimento e de um mecanismo de recurso para a resolução de litígios em matéria de investimento. Quando da instituição desse mecanismo multilateral, o Comité Misto CETA adota uma decisão que estabelece que os litígios em matéria de investimento ao abrigo da presente secção devem ser decididos mediante recurso ao referido mecanismo multilateral e adota as disposições transitórias adequadas».

( 15 ) V. nota 6 das presentes conclusões.

( 16 ) O caráter mais preciso das cláusulas de proteção constantes do CETA permite, assim, limitar a margem de interpretação relativamente ampla de que os tribunais de arbitragem habitualmente dispõem: v. Tercier, P., «Voies de recours», em Kessedjian, C., Le droit européen et l’arbitrage d’investissement, éditions Panthéon‑Assas, Paris, 2011, p. 165 a 177, que sublinha que, perante «textos dos tratados […] frequentemente muito vagos, que se limitam a enunciar alguns princípios gerais», os tribunais arbitrais «têm uma função interpretativa, ou mesmo criativa, considerável», exercendo assim «uma atividade quase normativa» (p. 171).

( 17 ) De facto, o artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Decisão 2017/38 prevê que, entre as disposições do capítulo oito do CETA, apenas os artigos 8.1 a 8.8, 8.13, 8.15 e 8.16 são, em certa medida, aplicados a título provisório.

( 18 ) Artigo 8.27 do CETA.

( 19 ) Artigo 8.27, n.o 2, do CETA.

( 20 ) Artigo 8.27, n.o 5, do CETA. No entanto, o mandato de sete dos quinze membros nomeados imediatamente após a entrada em vigor do acordo projetado, a determinar por sorteio, tem uma duração de seis anos.

( 21 ) Artigo 8.27, n.o 4, do CETA.

( 22 ) Artigo 8.30 do CETA, intitulado «Deontologia».

( 23 ) Artigo 8.27, n.os 6 e 7, do CETA.

( 24 ) Artigo 8.28 do CETA. Decorre da Declaração n.o 36 da Comissão e do Conselho sobre a proteção dos investimentos e o sistema de tribunais de investimento (STI) (JO 2017, L 11, p. 20, a seguir «declaração n.o 36»), que o mecanismo de recurso se destina a «assegurar a coerência das decisões proferidas em primeira instância e a contribuir assim para a segurança jurídica».

( 25 ) Artigo 8.28, n.o 2, do CETA.

( 26 ) Artigo 8.28, n.o 3, do CETA.

( 27 ) Artigo 8.28, n.o 4, do CETA.

( 28 ) V. artigo 8.9 do CETA.

( 29 ) Designadamente o tratamento nacional (artigo 8.6 do CETA), o Tratamento de nação mais favorecida (artigo 8.7 do CETA), o tratamento justo e equitativo (artigo 8.10 do CETA) e a proteção em caso de expropriação (artigo 8.12 do CETA).

( 30 ) V., num plano geral, Bonomo, S., Les traités bilatéraux relatifs aux investissements: entre protection des investissements étrangers et sauvegarde de la souveraineté des États, Presses universitaires d’Aix‑Marseille, Aix‑en‑Provence, 2012.

( 31 ) Instrumento Comum Interpretativo sobre o Acordo Económico e Comercial Global (CETA) entre o Canadá e a União Europeia e os seus Estados‑Membros (JO 2017, L 11, p. 3, a seguir «Instrumento Comum Interpretativo»).

( 32 ) V., nomeadamente, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Swiss International Air Lines (C‑272/15, EU:C:2016:993, n.o 24), no qual o Tribunal de Justiça referiu que «[a]s instituições e os órgãos da União dispõem, na condução das relações externas, de uma grande flexibilidade na tomada de decisões políticas» e que «a condução das relações externas implica necessariamente escolhas de natureza política».

( 33 ) V., nomeadamente, Parecer 2/13 (Adesão da União Europeia à CEDH), de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454, n.o 145 e jurisprudência referida), a seguir «Parecer 2/13».

( 34 ) V. Parecer 2/13 (n.o 146 e jurisprudência referida).

( 35 ) EU:C:2011:123, a seguir «Parecer 1/09».

( 36 ) V. Parecer 2/15 (n.o 243).

( 37 ) V. Parecer 2/15 (n.os 78 a 109).

( 38 ) V. Parecer 2/15 (n.o 293).

( 39 ) Parecer 2/15 (n.o 292).

( 40 ) V. Parecer 2/13 (n.o 174).

( 41 ) V. Parecer 2/13 (n.o 175 e jurisprudência referida).

( 42 ) Parecer 1/09 (n.o 67).

( 43 ) Parecer 1/09 (n.o 66). V., igualmente, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 32 e jurisprudência referida).

( 44 ) V., nomeadamente, Parecer 2/13 (n.o 173 e jurisprudência referida). V., igualmente, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 34 e jurisprudência referida).

( 45 ) Parecer 1/09 (n.o 69). V., igualmente, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 33 e jurisprudência referida).

( 46 ) V. Parecer 2/13 (n.o 176 e jurisprudência referida).

( 47 ) Simon, D., «Avis négatif sur le projet de création d’une juridiction des brevets», Europe, n.o 5, LexisNexis, Paris, 2011, pp. 4 a 7, n.o 20.

( 48 ) V. Lenaerts, K., «Les fondements constitutionnels de l’Union européenne dans leur rapport avec le droit international», La Cour de justice de l’Union européenne sous la présidence de Vassilios Skouris (2003‑2015): Liber amicorum Vassilios Skouris, Bruylant, Bruxelas, 2015, pp. 367 a 385, que refere que «a autonomia constitucional da União não contém, entre os seus traços característicos, qualquer vocação isolacionista» (p. 369).

( 49 ) V., nomeadamente, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK (C‑266/16, EU:C:2018:118, n.o 45 e jurisprudência referida).

( 50 ) V., nomeadamente, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK (C‑266/16, EU:C:2018:118, n.o 46 e jurisprudência referida).

( 51 ) V., nomeadamente, Acórdão de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA (C‑344/04, EU:C:2006:10, n.o 35 e jurisprudência referida).

( 52 ) V., sobre esta questão, Lenaerts, K., «Droit international et monisme de l’ordre juridique de l’Union», Revue de la Faculté de droit de l’Université de Liège, n.o 4, Larcier, Bruxelas, 2010, pp. 505 a 519.

( 53 ) V., nomeadamente, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK (C‑266/16, EU:C:2018:118, n.o 44 e jurisprudência referida).

( 54 ) V., nomeadamente, Acórdão de 20 de setembro de 1990, Sevince (C‑192/89, EU:C:1990:322, n.o 10 e jurisprudência referida). De acordo com o Tribunal de Justiça, assim deve ser, tanto mais que o artigo 267.o TFUE tem como função garantir a aplicação uniforme na União de todas as disposições que fazem parte da ordem jurídica da União, com vista a evitar que os seus efeitos variem conforme a interpretação que lhes é dada nos diferentes Estados‑Membros (n.o 11 e jurisprudência referida).

( 55 ) V., nomeadamente, Acórdão de 3 de junho de 2008, Intertanko e o. (C‑308/06, EU:C:2008:312, n.o 45 e jurisprudência referida).

( 56 ) V., igualmente, artigo 30.6, n.o 2, do CETA, que dispõe que «[a]s Partes não preveem nas respetivas ordens jurídicas internas um direito de ação contra a outra Parte com fundamento no facto de uma medida da outra Parte ser incompatível com o presente Acordo».

( 57 ) V., nesse sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK (C‑266/16, EU:C:2018:118, n.o 46 e jurisprudência referida).

( 58 ) V. Lenaerts, K., «Droit international et monisme de l’ordre juridique de l’Union», op. cit., em especial p. 506.

( 59 ) V., nomeadamente, Parecer 2/13 (n.o 182 e jurisprudência referida).

( 60 ) Ibidem.

( 61 ) Parecer 2/15 (n.o 299).

( 62 ) V., nomeadamente, Parecer 2/13 (n.o 183 e jurisprudência referida).

( 63 ) V., nomeadamente, Parecer 1/00 (Acordo relativo ao estabelecimento de um Espaço de Aviação Comum Europeu), de 18 de abril de 2002 (EU:C:2002:231, n.o 12 e jurisprudência referida, a seguir «Parecer 1/00»).

( 64 ) V., nomeadamente, Parecer 1/00 (n.o 13 e jurisprudência referida).

( 65 ) Assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, a seguir «CEDH».

( 66 ) V. Parecer 2/13 (n.o 184 e jurisprudência referida). No seu Parecer 1/92 (Acordo EEE — II), de 10 de abril de 1992 (EU:C:1992:189), o Tribunal de Justiça considerou igualmente que a preservação da autonomia do direito da União implica que os órgãos instituídos pelo acordo internacional em causa não podem ignorar o caráter vinculativo das decisões do Tribunal de Justiça na ordem jurídica da União, nem afetar a jurisprudência do Tribunal de Justiça (n.os 22 a 24). Este princípio constitui, de acordo com o Tribunal de Justiça, «uma garantia essencial, indispensável à autonomia da ordem jurídica [da União]» (n.o 24).

( 67 ) V. Parecer 1/09 (n.o 77).

( 68 ) V. Parecer 1/09 (n.o 78).

( 69 ) Parecer 2/13 (n.o 246).

( 70 ) V. Dero, D., La réciprocité et le droit des Communautés et de l’Union européennes, Bruylant, Bruxelles, 2006, p. 227.

( 71 ) V. Dero, D., op. cit., p. 230.

( 72 ) Parecer 2/15 (n.o 240).

( 73 ) V. nota 5 das presentes conclusões.

( 74 ) V. p. 1 dessa nota de síntese.

( 75 ) C‑284/16, EU:C:2018:158, a seguir «Acórdão Achmea».

( 76 ) Acórdão Achmea (n.o 34 e jurisprudência referida).

( 77 ) Assim, como salienta Dero, D., op. cit. (p. 287), a reciprocidade «está no cerne de uma dialética entre autonomização e subordinação do direito [da União] em relação ao direito internacional».

( 78 ) Como a Comissão referiu na audiência, e como vários Estados‑Membros salientaram, o direito da outra Parte contratante, no caso em apreço, o direito canadiano, não oferece necessariamente uma proteção adequada aos investidores europeus em matéria de discriminação ou de expropriação.

( 79 ) V., nomeadamente, Acórdão de 13 de janeiro de 2015, Conselho e Comissão/Stichting Natuur en Milieu e Pesticide Action Network Europe (C‑404/12 P e C‑405/12 P, EU:C:2015:5, n.o 45 e jurisprudência referida).

( 80 ) Acordos aprovados pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO 1994, L 336, p. 1).

( 81 ) V., nomeadamente, Acórdão de 4 de fevereiro de 2016, C & J Clark International e Puma (C‑659/13 e C‑34/14, EU:C:2016:74), no qual o Tribunal de Justiça recordou que, «tendo em conta a sua natureza e a sua economia, os acordos OMC não figuram, em princípio, entre as normas à luz das quais a legalidade dos atos das instituições da União pode ser fiscalizada» (n.o 85). O Tribunal de Justiça alargou esta conclusão às decisões e recomendações do órgão de resolução de litígios da OMC (ORL) (n.os 94 a 96).

( 82 ) Ibidem, n.o 86 e jurisprudência referida.

( 83 ) Ibidem. O Tribunal de Justiça demonstra assim que «a reciprocidade na aplicação de um acordo pode condicionar o reconhecimento do efeito direto das suas disposições» (v. Dero, D., op. cit., p. 496).

( 84 ) Ibidem.

( 85 ) V. Dero, D., op. cit., p. 499.

( 86 ) V. artigo 30.6, n.o 1, do CETA.

( 87 ) Acórdão Achmea (n.o 32 e jurisprudência referida).

( 88 ) Acórdão Achmea (n.o 34 e jurisprudência referida).

( 89 ) Acórdão Achmea (n.o 36 e jurisprudência referida).

( 90 ) Acórdão Achmea (n.o 37 e jurisprudência referida).

( 91 ) Acórdão Achmea (n.o 42).

( 92 ) Acórdão Achmea (n.o 49).

( 93 ) De facto, «tal fiscalização jurisdicional só pode ser exercida pelo referido órgão jurisdicional na medida em que o direito nacional o permita» (n.o 53 do Acórdão Achmea).

( 94 ) Acórdão Achmea (n.o 50).

( 95 ) C‑126/97, EU:C:1999:269 (n.os 35, 36 e 40).

( 96 ) C‑168/05, EU:C:2006:675 (n.os 34 a 39).

( 97 ) Acórdão Achmea (n.o 54).

( 98 ) Acórdão Achmea (n.o 55 e jurisprudência referida).

( 99 ) Acórdão Achmea (n.o 56).

( 100 ) Acórdão Achmea (n.o 59).

( 101 ) Assim, o direito da União não impõe a confiança nas ordens jurídicas dos Estados terceiros, seja qual for o nível de fiabilidade do sistema jurisdicional desse Estados.

( 102 ) Em especial, ao contrário do TBI em causa no Acórdão Achmea, o CETA em nada abala «a confiança que os Estados‑Membros concedem reciprocamente aos seus sistemas jurídicos e às respetivas instituições judiciárias» [V., nomeadamente, Acórdão de 10 de fevereiro de 2009, Allianz e Generali Assicurazioni Generali (C‑185/07, EU:C:2009:69, n.o 30)].

( 103 ) Acórdão Achmea (n.o 41).

( 104 ) Acórdão Achmea (n.o 57 e jurisprudência referida).

( 105 ) Acórdão Achmea (n.o 58).

( 106 ) No que diz respeito à expansão, realização, gestão, manutenção, utilização, fruição e venda ou alienação do seu investimento abrangido, e com ressalva das condições estabelecidas no artigo 8.18, n.o 2, do CETA.

( 107 ) Referimo‑nos aqui às normas do direito da União que não as que constam do CETA, na medida em que, como referimos anteriormente, a partir do momento em que este acordo entrar em vigor, será integrado automaticamente na ordem jurídica da União, da qual fará parte à semelhança das outras fontes normativas da União.

( 108 ) V., em contrapartida, Parecer 1/09, no qual o Tribunal de Justiça teve em conta que o tribunal de patentes europeias e comunitárias podia ser chamado a examinar a validade de um ato da União (n.o 78).

( 109 ) V., nomeadamente, Parecer 1/09 (n.o 70 e jurisprudência referida). Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que «[a] fiscalização da legalidade dos atos da União assegurada [por este] nos termos dos Tratados assenta […] em dois processos judiciais complementares. Com efeito, o Tratado FUE estabeleceu, nos seus artigos 263.o e 277.o, por um lado, e no seu artigo 267.o, por outro, um sistema completo de vias de recurso e de meios processuais destinado a garantir a fiscalização da legalidade dos atos da União, confiando‑a ao juiz da União» [v., nomeadamente, Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 66 e jurisprudência referida)].

( 110 ) V., em contrapartida, Parecer 2/13 (n.o 22), que descreve o leque de medidas que as partes contratantes estão obrigadas a tomar a fim de respeitar os acórdãos definitivos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos litígios em que sejam partes, entre as quais a alteração do seu direito interno.

( 111 ) Mesmo no segundo caso, a parte demandada deve ter a possibilidade, em alternativa à restituição dos bens, de pagar uma indemnização correspondente.

( 112 ) V., igualmente, n.o 2 do Instrumento Comum Interpretativo, que refere que «[o] CETA preserva a capacidade de [a União] e os seus Estados‑Membros e o Canadá adotarem e aplicarem as suas próprias disposições legislativas e regulamentares aplicáveis à atividade económica no interesse público [e] alcançarem objetivos legítimos de política pública […]».

( 113 ) A teoria de que o direito estadual é apenas um facto em relação ao direito internacional tem a sua origem na jurisprudência internacional. Assim, de acordo com a fórmula utilizada pelo Tribunal Permanente de Justiça Internacional, «[n]o que respeita ao direito internacional e ao Tribunal que é um órgão desse direito internacional, as leis nacionais são simples factos, manifestações de vontade e da atividade dos Estados, do mesmo modo que as decisões judiciais ou as medidas administrativas» [Acórdão de 25 de maio de 1926, Processo relativo a certos interesses alemães na Alta‑Silésia polaca (fundo), TPJI, Série A, n.o 7, p. 19]. V., a este respeito, Santulli, C., Le statut international de l’ordre juridique étatique — Étude du traitement du droit interne par le droit international, Éditions Pedone, Paris, 2001, pp. 259 e segs.. V., igualmente, para recordar este princípio na jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça, Acórdão de 12 de julho de 2005, Affaire du différend frontalier Bénin c. Niger (CIJ Recueil 2005, p. 90, § 28).

( 114 ) V., a este respeito, Nouvel, Y., Commentaire de l’arrêt Achmea, Journal du Droit International (Clunet), LexisNexis, Paris, n.o 3, julho de 2018, comentário 14, p. 903, de acordo com o qual, por força do artigo 8.31, n.o 2, do CETA, «proferir uma decisão com base no direito da União — por outras palavras, retirar da regra de direito a consequência que desta decorre — constitui uma missão que não integra a competência do Tribunal; em contrapartida, ter em consideração a regra de direito europeu como elemento de facto é uma tarefa que os árbitros podem levar a cabo desde que tal seja relevante. No exercício da sua função jurisdicional, o Tribunal arbitral pode ser levado a tomar conhecimento de uma situação jurídica de direito europeu que, assim, integrará os elementos de facto da causa e cuja consistência como elemento material relevante procurará estabelecer».

( 115 ) V., nomeadamente, Parecer 2/13 (n.o 184 e jurisprudência referida).

( 116 ) V. Parecer 2/13 (n. 245).

( 117 ) V. Parecer 2/13 (n.o 246, sublinhado nosso).

( 118 ) V. n.o 6, alínea e), do Instrumento Comum Interpretativo.

( 119 ) V., igualmente, artigo 26.1, n.o 5, alínea e), do CETA, que prevê que o Comité Misto CETA pode «adotar interpretações das disposições do presente Acordo, que são vinculativas para os tribunais constituídos ao abrigo da secção F do capítulo oito (Resolução de litígios em matéria de investimentos entre investidores e Estados) e do capítulo vinte e nove (Resolução de litígios)». De acordo com o artigo 26.1, n.o 1, do CETA, o Comité Misto CETA, é composto por representantes da União Europeia e por representantes do Canadá.

( 120 ) V. Parecer 1/00 (n.o 40).

( 121 ) V., por analogia, Parecer 1/00 (n.o 39).

( 122 ) V., nomeadamente, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Espanha/Comissão (C‑81/16 P, EU:C:2017:1003, n.o 42 e jurisprudência referida).

( 123 ) EU:C:1991:490 (n.os 4 e 5, bem como n.os 41 e 42), a seguir «Parecer 1/91».

( 124 ) V. Parecer 1/00 (n.o 3).

( 125 ) Contrariamente ao que prevê o projeto de acordo relativo à criação do EEE, em causa no Parecer 1/91 (n.os 8, 9 e 43). V., igualmente, quanto ao acordo EACE, Parecer 1/00 (n.os 4, 5 e 10).

( 126 ) A este respeito, recorde‑se que o Tribunal de Justiça considerou, no essencial, que um acordo que preveja a competência de um órgão jurisdicional diferente do Tribunal de Justiça para interpretar e aplicar as suas disposições, quando esse acordo retome uma parte essencial das normas, incluindo as de direito derivado, que regem as relações económicas e comerciais no interior da União e que constituem, na sua maior parte, disposições fundamentais da ordem jurídica da União, tendo assim como efeito inserir na ordem jurídica da União um vasto conjunto de normas jurídicas que se justapõe a um conjunto de regras da União cujo texto é idêntico, viola a autonomia da ordem jurídica da União [V. Parecer 1/91 (n.os 41 e 42)].

( 127 ) V. Parecer 1/00 (n.o 41).

( 128 ) JO 2014, L 257, p. 121.

( 129 ) V. artigo 8.21, n.o 3, do CETA.

( 130 ) V. artigo 8.21, n.o 4, do CETA.

( 131 ) V. artigo 8.21, n.o 7, do CETA.

( 132 ) V. Parecer 2/13 (n.os 215 a 235). Neste aspeto, o CETA distingue‑se igualmente do acordo que esteve na origem do Parecer 1/91 (n.os 30 a 36).

( 133 ) V., a este respeito, Parecer 1/09 (n.o 77).

( 134 ) Parecer 1/09 (n.o 89).

( 135 ) No seu Parecer 2/15, o Tribunal de Justiça refere, a este respeito, que se trata de uma «possibilidade que pode ser exercida à discrição do investidor demandante» (n.o 290).

( 136 ) Parecer 1/09 (n.o 89).

( 137 ) V., a este respeito, De Witte, B., «A selfish Court? The Court of justice and the Design of International Dispute Settlement Beyond the European Union», The European Court of Justice and external relations law: constitutional challenges, Hart Publishing, Oxford, 2014, pp. 33 a 46, em especial p. 34.

( 138 ) Artigo 21.o, n.o 2, alínea b), TUE.

( 139 ) Artigo 21.o, n.o 2, alínea e), TUE.

( 140 ) Artigo 21, n.o 2, alínea f), TUE.

( 141 ) Artigo 21.o, n.o 2, alínea h), TUE.

( 142 ) V., nesse sentido, Parecer 2/15 (n.o 94).

( 143 ) V., a este respeito, artigo 8.23, n.o 2, do CETA. V., igualmente, quanto à execução das sentenças, artigo 8.41, n.os 3 a 6, do CETA.

( 144 ) V., a este respeito, artigo V da Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, assinada em Nova Iorque em 10 de junho de 1958, que enumera os únicos motivos que permitem recusar a sua execução.

( 145 ) Em contrapartida, uma sentença proferida no âmbito do capítulo oito do CETA pode escapar a tal fiscalização jurisdicional se o investidor optar pela Convenção para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos entre Estados e Nacionais de Outros Estados, do Centro Internacional para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos (CIRDI), assinada em Washington em 18 de março de 1965. V., contudo, para uma opinião mais flexível sobre esta questão, Jean, G‑A., op. cit., n.os 1036 e segs.

( 146 ) Como a Comissão refere, corretamente, nas suas observações, os Estados terceiros poderiam considerar a apreciação prévia pelo Tribunal de Justiça um privilégio unilateral que poria em perigo a neutralidade do mecanismo de resolução de litígios.

( 147 ) A seguir «Carta».

( 148 ) V., a este respeito, artigo 8.23, n.o 1, alínea b), do CETA.

( 149 ) Como a Comissão salienta nas suas observações, as empresas estabelecidas localmente são uma extensão do investidor estrangeiro e, por isso, justifica‑se equipará‑las ao investidor estrangeiro que as detém ou as controla.

( 150 ) O princípio da igualdade é referido no artigo 21.o, n.o 1, TUE.

( 151 ) V., nomeadamente, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Schrems (C‑362/14, EU:C:2015:650, n.o 60 e jurisprudência referida).

( 152 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 19 de julho de 2016, H/Conselho e Comissão (C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.o 41), e de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 72).

( 153 ) V., nomeadamente, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK (C‑266/16, EU:C:2018:118, n.o 46 e jurisprudência referida).

( 154 ) V. Acórdão de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 285).

( 155 ) JO 2007, C 303, p. 17.

( 156 ) V., nesse sentido, Acórdãos de 4 de junho de 2009, Vatsouras e Koupatantze (C‑22/08 e C‑23/08, EU:C:2009:344, n.os 51 e 52), e de 7 de abril de 2011, Francesco Guarnieri & Cie (C‑291/09, EU:C:2011:217, n.o 20). V., igualmente, Acórdão de 20 de novembro de 2017, Petrov e o./Parlamento (T‑452/15, EU:T:2017:822, n.os 39 a 41). Para uma opinião de que o artigo 21.o, n.o 2, da Carta pode ser interpretado no sentido de que se aplica às diferenças de tratamento entre cidadãos da União e nacionais de Estados terceiros, v., Bribosia, E., Rorive, I., e Hislaire, J., «Article 21 — Non‑discrimination», Charte des droits fondamentaux de l’Union européenne, Commentaire article par article, Bruylant, Bruxelas, 2018, pp. 489 a 514, em especial n.os 10 e 11.

( 157 ) V., nomeadamente, Acórdão de 22 de maio de 2014, Glatzel (C‑356/12, EU:C:2014:350, n.o 43).

( 158 ) V., nomeadamente, a este respeito, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Swiss International Air Lines (C‑272/15, EU:C:2016:993, n.os 25 e segs.). De acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, «não existe no Tratado FUE um princípio geral que obrigue a União, nas suas relações externas, a atribuir em todos os aspetos um tratamento igual aos diferentes países terceiros» (n.o 26 e jurisprudência referida).

( 159 ) V., nomeadamente, Acórdão de 7 de março de 2017, RPO (C‑390/15, EU:C:2017:174, n.o 41 e jurisprudência referida).

( 160 ) V. Acórdão de 5 de julho de 2005, D. (C‑376/03, EU:C:2005:424, n.os 53 a 63).

( 161 ) V., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Achmea (C‑284/16, EU:C:2017:699, n.o 75).

( 162 ) V., nomeadamente, Acórdão de 7 de março de 2017, RPO (C‑390/15, EU:C:2017:174, n.o 52 e jurisprudência referida).

( 163 ) Ibidem (n.o 53 e jurisprudência referida).

( 164 ) V., nomeadamente, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Swiss International Air Lines (C‑272/15, EU:C:2016:993, n.o 24).

( 165 ) V., nesse sentido, Acórdão de 7 de março de 2017, RPO (C‑390/15, EU:C:2017:174, n.o 54 e jurisprudência referida).

( 166 ) V., no mesmo sentido, decisão n.o 2017‑749‑DC do Conseil constitutionnel (Conselho Constitucional, França), de 31 de julho de 2017, sobre o Acordo Económico e Comercial Global entre o Canadá, por um lado, e a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro (JORF de 11 de agosto de 2017).

( 167 ) Por outro lado, recorde‑se que o n.o 6, alínea a), do Instrumento Comum Interpretativo refere que o CETA «contém regras de investimento modernas que mantêm o direito dos governos de regulamentarem em prol do interesse público, mesmo quando essa regulamentação afeta um investimento estrangeiro, assegurando simultaneamente um elevado nível de proteção dos investimentos e fornecendo mecanismos de resolução de litígios justos e transparentes». O n.o 6, alínea b), desse Instrumento Comum Interpretativo acrescenta que «[o] CETA esclarece que os governos podem alterar a sua legislação, independentemente da questão de saber se essa alteração pode afetar negativamente um investimento ou as expectativas de um investidor em termos de lucros». V., igualmente, de forma mais geral, n.o 2 do referido Instrumento Comum Interpretativo.

( 168 ) C‑279/09, EU:C:2010:811.

( 169 ) Artigo 26.1, n.o 1, do CETA.

( 170 ) V. n.o 195 das presentes conclusões.

( 171 ) V., nomeadamente, Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 53 e jurisprudência referida). De acordo com o Tribunal de Justiça nesse mesmo acórdão, «a exigência de independência judicial está abrangida pelo conteúdo essencial do direito fundamental a um processo equitativo, que reveste importância cardinal enquanto garante da proteção do conjunto dos direitos que para os litigantes emergem do direito da União e da preservação dos valores comuns aos Estados‑Membros, enunciados no artigo 2.o TUE, designadamente, do valor do Estado de direito» (n.o 48). Por outro lado, no seu Acórdão de 14 de junho de 2017, Online Games e o. (C‑685/15, EU:C:2017:452), o Tribunal de Justiça declarou que, «[n]o que respeita ao direito a um tribunal independente e imparcial, enunciado pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, o conceito de “independência”, inerente à missão do juiz, comporta dois aspetos. O primeiro aspeto, externo, pressupõe que a instância esteja protegida contra as intervenções ou as pressões externas suscetíveis de pôr em risco a independência de julgamento dos seus membros quanto aos litígios que lhes são submetidos» (n.o 60). Em seguida, o Tribunal de Justiça referiu que «[o] segundo aspeto, interno, está ligado ao conceito de “imparcialidade” e visa o igual distanciamento em relação às partes no litígio e aos seus interesses respetivos, tendo em conta o objeto deste. Este aspeto […] exige o respeito da objetividade e a inexistência de qualquer interesse na resolução do litígio que não seja a estrita aplicação da norma de direito» (n.o 61). De acordo com o Tribunal de Justiça, «[e]stas garantias de independência e de imparcialidade postulam a existência de regras, designadamente estatutárias e processuais, que permitem afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos particulares, quanto à impermeabilidade da referida instância em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto» (n.o 62).

( 172 ) V. n.o 6, alínea f), do Instrumento Comum Interpretativo.

( 173 ) V., igualmente, no mesmo sentido, n.o 6, alínea i), do Instrumento Comum Interpretativo, bem como declaração n.o 36.

( 174 ) V. artigo 26.3, n.o 3, do CETA.

( 175 ) O Comité de Serviços e Investimento constitui, por seu turno, um comité especializado estabelecido sob os auspícios do Comité Misto CETA (v. artigo 26.2, n.o 1, alínea b), do CETA).

( 176 ) V., nesse sentido, Parecer 1/00 (n.o 39).

( 177 ) O que, no que diz respeito à União e aos seus Estados‑Membros, não coloca qualquer dúvida.

( 178 ) V., no que diz respeito ao consentimento do investidor para a resolução do litígio pelo tribunal do CETA, em conformidade com o procedimento previsto na secção F do capítulo oito do CETA, artigo 8.22, n.o 1, alínea a), desse acordo. No que diz respeito à desistência do pedido ou da instância ou à renúncia ao direito de apresentar um pedido ou de instaurar um processo nos órgãos jurisdicionais das Partes contratantes, v. artigo 8.22, n.o 1, alíneas f) e g), do CETA.

( 179 ) Além disso, o artigo 8.39, n.o 5, do CETA dispõe que «[n]os casos em que se julguem parcialmente procedentes os pedidos, os custos devem ser calculados proporcionalmente, em função do número ou da extensão dos pedidos considerados procedentes».

( 180 ) Na mesma ordem de ideias, v., igualmente, artigo 8.20 do CETA, que permite às partes em litígio recorrer à mediação.

( 181 ) Quanto a este aspeto, remetemos para as nossas considerações gerais relativas ao Comité Misto CETA (v. n.os 248 a 250 das presentes conclusões). V., igualmente, no que diz respeito à remuneração dos membros da instância de recurso, artigo 8.28, n.o 7, alínea d), do CETA.

( 182 ) V., no que respeito à instância de recurso, artigo 8.28, n.o 4, do CETA.

( 183 ) Ibidem.

( 184 ) A nota que figura nesta passagem do texto esclarece, a este respeito, que «[p]ara maior clareza, o facto de uma pessoa receber uma remuneração por parte de um governo não torna, por si só, essa pessoa inelegível». Quanto a este aspeto, a Comissão referiu, na audiência, que a categoria mais concretamente visada por esta especificação é a dos professores universitários, que recebem uma remuneração do Estado, mas que reúnem também as características de independência e de imparcialidade. A Comissão referiu igualmente a categoria das pessoas que recebem uma reforma do Estado. Em todo o caso, é claro que essas pessoas continuam sujeitas a todas as regras previstas no artigo 8.30 do CETA para evitar e, se for o caso, punir um eventual conflito de interesses que possa afetar a sua independência e a sua imparcialidade.

( 185 ) Nos termos do segundo parágrafo desta disposição, «[a]s Partes envidam todos os esforços no sentido de assegurar que o código de conduta é adotado o mais tardar no primeiro dia da aplicação provisória ou da entrada em vigor do presente Acordo, consoante o caso, e, em qualquer caso, o mais tardar dois anos após essa data». V., igualmente, n.o 6, alínea f), do Instrumento Comum Interpretativo, bem como a declaração n.o 36, que prevê que «[o]s requisitos éticos para os membros do tribunal e da instância de recurso […] serão desenvolvidos de forma pormenorizada — o mais rapidamente possível […] — num código de conduta obrigatório e vinculativo […]».

( 186 ) A este propósito, o Governo alemão salienta, nas suas observações, que a regra geral n.o 3 das orientações da IBA, que os membros do tribunal e da instância de recurso devem respeitar por força do artigo 8.30, n.o 1, do CETA, prevê uma obrigação de divulgação ampla no que diz respeito a todos os elementos que possam afetar a imparcialidade ou a independência dos árbitros.

Início