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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62017CJ0482

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 3 de dezembro de 2019.
    República Checa contra Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia.
    Recurso de anulação — Aproximação das legislações — Diretiva (UE) 2017/853 — Controlo da aquisição e da detenção de armas — Validade — Base jurídica — Artigo 114.o TFUE — Alteração de uma diretiva existente — Princípio da proporcionalidade — Inexistência de avaliação de impacto — Afetação do direito de propriedade — Proporcionalidade das medidas adotadas — Medidas que criam entraves no mercado interno — Princípio da segurança jurídica — Princípio da proteção da confiança legítima — Medidas que obrigam os Estados‑Membros a adotar uma legislação com efeito retroativo — Princípio da não discriminação — Derrogação para a Confederação Suíça — Discriminação que afeta os Estados‑Membros da União Europeia ou os Estados‑Membros da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) diferentes daquele Estado.
    Processo C-482/17.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2019:1035

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    3 de dezembro de 2019 ( *1 )

    «Recurso de anulação — Aproximação das legislações — Diretiva (UE) 2017/853 — Controlo da aquisição e da detenção de armas — Validade — Base jurídica — Artigo 114.o TFUE — Alteração de uma diretiva existente — Princípio da proporcionalidade — Inexistência de avaliação de impacto — Afetação do direito de propriedade — Proporcionalidade das medidas adotadas — Medidas que criam entraves no mercado interno — Princípio da segurança jurídica — Princípio da proteção da confiança legítima — Medidas que obrigam os Estados‑Membros a adotar uma legislação com efeito retroativo — Princípio da não discriminação — Derrogação para a Confederação Suíça — Discriminação que afeta os Estados‑Membros da União Europeia ou os Estados‑Membros da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) diferentes daquele Estado»

    No processo C‑482/17,

    que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, interposto em 9 de agosto de 2017,

    República Checa, representada por M. Smolek, O. Serdula e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

    recorrente,

    apoiada por:

    Hungria, representada por M. Z. Fehér, G. Koós e G. Tornyai, na qualidade de agentes,

    República da Polónia, representada por B. Majczyna, M. Wiącek e D. Lutostańska, na qualidade de agentes,

    intervenientes,

    contra

    Parlamento Europeu, representado por O. Hrstková Šolcová e R. van de Westelaken, na qualidade de agentes,

    Conselho da União Europeia, representado inicialmente por A. Westerhof Löfflerová, E. Moro e M. Chavrier e, em seguida, por A. Westerhof Löfflerová e M. Chavrier, na qualidade de agentes,

    recorridos,

    apoiados por:

    República Francesa, representada por A. Daly, E. de Moustier, R. Coesme e D. Colas, na qualidade de agentes,

    Comissão Europeia, representada por M. Šimerdová, Y. G. Marinova e E. Kružíková, na qualidade de agentes,

    intervenientes,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, A. Arabadjiev (relator), A. Prechal, M. Vilaras, M. Safjan e I. Jarukaitis, presidentes de secção, T. von Danwitz, C. Toader, D. Šváby e F. Biltgen, juízes,

    advogado‑geral: E. Sharpston,

    secretário: C. Strömholm, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 5 de março de 2019,

    ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 11 de abril de 2019,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com a sua petição, a República Checa pede, a título principal, a anulação da Diretiva (UE) 2017/853 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2017, que altera a Diretiva 91/477/CEE do Conselho[,] relativa ao controlo da aquisição e da detenção de armas (JO 2017, L 137, p. 22; a seguir «diretiva impugnada»), e, a título subsidiário, a anulação parcial do artigo 1.o, pontos 6, 7 e 19, dessa diretiva.

    Quadro jurídico

    Diretiva 91/477/CEE

    2

    Nos termos do primeiro a quinto considerandos da Diretiva 91/477/CEE do Conselho, de 18 de junho de 1991, relativa ao controlo da aquisição e da detenção de armas (JO 1991, L 256, p. 51):

    «Considerando que o artigo 8.o‑A do Tratado prevê que o mercado interno deverá ser estabelecido o mais tardar até 31 de dezembro de 1992; que o mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições do Tratado;

    Considerando que, na reunião de Fontainebleau de 25 e 26 de junho de 1984, o Conselho Europeu fixou expressamente como objetivo a supressão de todas as formalidades policiais e aduaneiras nas fronteiras intracomunitárias;

    Considerando que a supressão total dos controlos e formalidades nas fronteiras intracomunitárias pressupõe que determinadas condições de fundo sejam satisfeitas; que a Comissão indicou, no seu “Livro Branco — A realização do mercado interno”, que a supressão dos controlos da segurança dos objetos transportados e das pessoas pressupõe, designadamente, uma aproximação das legislações sobre as armas;

    Considerando que a abolição dos controlos da detenção de armas nas fronteiras intracomunitárias exige uma regulamentação eficaz que permita o controlo, no interior dos Estados‑Membros, da aquisição e da detenção de armas de fogo e da sua transferência para outro Estado‑Membro; que, consequentemente, os controlos sistemáticos devem ser suprimidos nas fronteiras intracomunitárias;

    Considerando que desta regulamentação resultará uma maior confiança mútua entre os Estados‑Membros no domínio da salvaguarda da segurança das pessoas, na medida em que se apoia em legislações parcialmente harmonizadas; que é conveniente, para o efeito, prever categorias de armas de fogo cuja aquisição e detenção por particulares sejam proibidas ou sujeitas a uma autorização ou a uma declaração.»

    3

    O anexo I, parte II, da Diretiva 91/477 prevê as categorias de armas de fogo A, B, C e D. O artigo 6.o desta diretiva proíbe, em princípio, a aquisição e a detenção de armas da categoria A, o seu artigo 7.o impõe a obtenção de uma autorização para as armas de fogo da categoria B e o seu artigo 8.o institui a obrigação de declarar as armas da categoria C. O artigo 5.o da referida diretiva define as condições a preencher pelas pessoas que pretendam adquirir ou deter uma arma de fogo e, no capítulo 3 da Diretiva 91/477, os seus artigos 11.o a 14.o determinam as formalidades exigidas para a circulação de armas entre os Estados‑Membros.

    Diretiva 2008/51/CE

    4

    A Diretiva 2008/51/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, que altera a Diretiva 91/477 (JO 2008, L 179, p. 5), alterou esta última, nomeadamente para integrar no direito da União o Protocolo das Nações Unidas contra o Fabrico e Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, das suas Partes e Componentes e de Munições, anexo à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, que foi assinado, em nome da Comunidade Europeia, em 16 de janeiro de 2002, pela Comissão, em conformidade com a Decisão 2001/748/CE do Conselho, de 16 de outubro de 2001 (JO 2001, L 280, p. 5).

    5

    Entre as alterações introduzidas, figuram o estabelecimento de exigências detalhadas relativas à marcação e ao registo das armas de fogo, no artigo 4.o da Diretiva 91/477, conforme alterada pela Diretiva 2008/51, e à harmonização das regras aplicáveis à desativação das armas de fogo, no anexo I, parte III, segundo parágrafo, desta diretiva, conforme alterada. A Diretiva 2008/51 inseriu igualmente, no artigo 17.o da Diretiva 91/477, a obrigação de a Comissão apresentar ao Parlamento Europeu e ao Conselho da União Europeia, até 28 de julho de 2015, um relatório sobre a situação resultante da aplicação dessa diretiva, acompanhado, sendo caso disso, de propostas.

    6

    Com esse fundamento, foi adotada a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, de 21 de outubro de 2013, intitulada «Armas de fogo e segurança interna na UE: proteger os cidadãos e combater o tráfico» [COM(2013) 716 final], que descreve certos problemas colocados pelas armas de fogo na União e que anuncia a realização de uma série de estudos e de consultas junto dos agentes envolvidos, que serão seguidas, se necessário, da apresentação de uma proposta legislativa.

    7

    Com a publicação do Relatório da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, de 18 de novembro de 2015, intitulado «Avaliação REFIT da [Diretiva 91/477], com a redação que lhe foi dada pela [Diretiva 2008/51]» [COM(2015) 751 final] (a seguir «Avaliação REFIT»), a Comissão concluiu a sua análise da aplicação da Diretiva 91/477 e acompanhou‑a de uma proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de novembro de 2015, alterando a Diretiva 91/477 [COM(2015) 750 final], a qual incluía uma exposição de motivos e que se veio a tornar na diretiva impugnada.

    Diretiva impugnada

    8

    Nos termos dos considerandos 1, 2, 6, 9, 15, 20, 21, 23, 27, 33 e 36 da diretiva impugnada:

    «(1)

    A [Diretiva 91/477] estabeleceu uma medida de acompanhamento do mercado interno. Estabeleceu um equilíbrio entre, por um lado, o compromisso de assegurar uma certa liberdade de circulação de determinadas armas de fogo e dos seus componentes essenciais na União e, por outro lado, a necessidade de controlar essa liberdade através de garantias de segurança, adequadas a esses produtos.

    (2)

    É necessário melhorar de forma proporcionada alguns aspetos da [Diretiva 91/477], a fim de combater a utilização indevida das armas de fogo para atividades criminosas, e tendo em consideração os recentes atos terroristas. Neste contexto, a Comissão apelou[,] na sua Comunicação de 28 de abril de 2015 relativa à Agenda Europeia para a Segurança, à revisão da referida diretiva e à adoção de uma abordagem comum para a desativação das armas de fogo, de modo a impedir a sua reativação e utilização por parte de criminosos.

    […]

    (6)

    A fim de aumentar a rastreabilidade de todas as armas de fogo e dos seus componentes essenciais e de facilitar a sua livre circulação, todas as armas de fogo ou os seus componentes essenciais deverão ser marcados com uma marcação clara, permanente e única e registadas nos ficheiros de dados dos Estados‑Membros.

    […]

    (9)

    Tendo em conta a perigosidade e a durabilidade das armas de fogo e dos seus componentes essenciais, a fim de assegurar que as autoridades competentes são capazes de localizar as armas de fogo e seus componentes essenciais para efeitos de processos administrativos e penais e à luz do direito processual nacional, é necessário que os registos nos ficheiros de dados sejam conservados durante 30 anos após a destruição das armas de fogo ou dos seus componentes essenciais. Apenas as autoridades competentes deverão ter acesso a esses registos e a outros dados pessoais conexos. Esse acesso deverá ser autorizado durante apenas 10 anos após a destruição da arma de fogo ou dos seus componentes essenciais em causa, para efeitos da concessão ou revogação de autorizações ou de processos aduaneiros, incluindo a eventual imposição de sanções administrativas, e durante 30 anos após a destruição da arma de fogo ou dos seus componentes essenciais se tal for necessário para efeitos de aplicação do direito penal.

    […]

    (15)

    Deverão ser introduzidas na [Diretiva 91/477] regras mais rigorosas para as armas de fogo mais perigosas, a fim de assegurar que não é permitida a aquisição, a detenção ou o comércio destas armas de fogo, com algumas exceções limitadas e devidamente fundamentadas. Caso estas regras não sejam respeitadas, os Estados‑Membros deverão tomar todas as medidas apropriadas, incluindo o confisco dessas armas de fogo.

    […]

    (20)

    O risco de conversão de armas de alarme e de outros tipos de armas sem projétil em armas de fogo é elevado. É, por conseguinte, essencial encontrar uma solução para o problema da utilização destas armas convertidas para a prática de crimes, nomeadamente incluindo‑as no âmbito de aplicação da [Diretiva 91/477]. Além disso, a fim de evitar o risco de as armas utilizadas para fins de alarme e sinalização serem fabricadas de forma que lhes permita serem convertidas para disparar chumbos, balas ou projéteis através da ação de um propulsor de combustão, a Comissão deverá adotar especificações técnicas de modo a garantir que não possam ser convertidas para esse efeito.

    (21)

    Tendo em conta o elevado risco de reativação de armas de fogo incorretamente desativadas, e no intuito de melhorar a segurança na União, essas armas de fogo incorretamente desativadas deverão ser abrangidas pela [Diretiva 91/477]. […]

    […]

    (23)

    Algumas armas de fogo semiautomáticas podem ser facilmente convertidas em armas de fogo automáticas, o que constitui uma ameaça para a segurança. Mesmo se não forem convertidas, certas armas de fogo semiautomáticas podem ser muito perigosas quando a sua capacidade, em termos do número de munições que podem conter, é elevada. Essas armas semiautomáticas de depósito que permitam disparar um elevado número de munições, bem como as armas semiautomáticas de carregador amovível com capacidade para conter um elevado número de munições, deverão, por conseguinte, ser proibidas para uso civil. A mera possibilidade de instalar um carregador com capacidade superior a 10 munições para armas de fogo longas e 20 munições para armas de fogo curtas não determina a classificação da arma de fogo numa categoria específica.

    […]

    (27)

    As armas antigas não estão sujeitas aos requisitos da [Diretiva 91/477], caso a legislação nacional dos Estados‑Membros regule estas armas. No entanto, réplicas de armas antigas não têm a mesma importância ou interesse histórico e podem ser fabricadas utilizando técnicas modernas que podem melhorar a sua durabilidade e fiabilidade. Por conseguinte, estas réplicas deverão ser abrangidas pelo âmbito de aplicação da [Diretiva 91/477]. A [Diretiva 91/477] não se deverá aplicar a outros objetos, como dispositivos de airsoft, que não correspondem à definição de arma de fogo, não sendo, portanto, regulados por essa diretiva.

    […]

    (33)

    Atendendo a que os objetivos da presente diretiva não podem ser suficientemente alcançados pelos Estados‑Membros, mas podem, devido à dimensão e aos efeitos da ação prevista, ser mais bem alcançados ao nível da União, a União pode tomar medidas, em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.o [TUE]. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade consagrado no mesmo artigo, a presente diretiva não excede o necessário para alcançar esses objetivos.

    […]

    (36)

    Em relação à Suíça, a presente diretiva e a [Diretiva 91/477] constituem um desenvolvimento das disposições do acervo de Schengen, na aceção do Acordo entre a União Europeia, a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça relativo à Associação da Confederação Suíça à Execução, à Aplicação e ao Desenvolvimento do Acervo de Schengen [JO 2008, L 53, p. 52], que se inserem nos domínios a que se refere o artigo 1.o da Decisão 1999/437/CE [do Conselho, de 17 de maio de 1999, relativa a determinadas regras de aplicação do Acordo celebrado pelo Conselho da União Europeia com a República da Islândia e o Reino da Noruega relativo à Associação dos Dois Estados à Execução, à Aplicação e ao Desenvolvimento do Acervo de Schengen (JO 1999, L 176, p. 31)], em conjugação com o artigo 3.o da Decisão 2008/146/CE do Conselho[, de 28 de janeiro de 2008, respeitante à celebração, em nome da Comunidade Europeia, do Acordo entre a União Europeia, a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça relativo à Associação da Confederação Suíça à Execução, à Aplicação e ao Desenvolvimento do Acervo de Schengen (JO 2008, L 53, p. 1)].»

    9

    Nos termos do artigo 1.o, ponto 6, da diretiva impugnada:

    «Os artigos 5.o e 6.o passam a ter a seguinte redação:

    “Artigo 5.o

    […]

    3.   Os Estados‑Membros devem assegurar que as autorizações de aquisição e detenção de uma arma de fogo classificada na categoria B sejam revogadas se a pessoa a quem foi concedida a autorização for encontrad[a] na posse de um carregador apto a ser acoplado a armas de fogo semiautomáticas ou armas de fogo de repetição, de percussão central, com:

    a)

    Capacidade para mais de 20 munições; ou

    b)

    Capacidade para mais de 10 munições, no caso de armas de fogo longas,

    exceto nos casos em que tenha sido concedida uma autorização ao abrigo do artigo 6.o ou uma autorização confirmada, renovada ou prorrogada nos termos do artigo 7.o, n.o 4‑A.

    […]

    Artigo 6.o

    1.   Sem prejuízo do disposto no artigo 2.o, n.o 2, os Estados‑Membros devem tomar medidas adequadas para proibir a aquisição e detenção das armas, dos seus componentes essenciais e das munições classificados na categoria A. Devem garantir que essas armas de fogo, esses componentes essenciais e munições, quando detidos ilegalmente em violação da referida proibição, sejam apreendidos.

    2.   Para a proteção da segurança das infraestruturas críticas, da marinha mercante, dos comboios de valor elevado e das instalações sensíveis, bem como para efeitos de defesa nacional, educação, cultura, investigação e história, e sem prejuízo do disposto no n.o 1, as autoridades nacionais competentes podem, em casos individuais, conceder, a título excecional e de forma devidamente fundamentada, autorizações para as armas de fogo, os componentes essenciais e munições classificadas na categoria A se tal não for contrário à segurança pública ou à ordem pública.

    3.   Os Estados‑Membros podem optar por conceder em certos casos especiais, a título excecional e de forma devidamente fundamentada, autorizações a colecionadores para a aquisição e detenção de armas de fogo, dos seus componentes essenciais e de munições classificadas na categoria A, sujeitas a condições rigorosas em matéria de segurança, incluindo o fornecimento às autoridades nacionais competentes de provas de que estão em vigor medidas destinadas a lidar com os riscos para a segurança pública ou para a ordem pública e que as armas de fogo, os componentes essenciais ou munições em causa estão armazenados com um nível de segurança proporcional aos riscos associados ao acesso não autorizado a esses objetos.

    Os Estados‑Membros devem assegurar que esses colecionadores autorizados nos termos do primeiro parágrafo do presente número são identificáveis no ficheiro de dados a que se refere o artigo 4.o Esses colecionadores autorizados devem conservar um registo de todas as armas de fogo na sua posse classificadas na categoria A, o qual deve ser acessível às autoridades nacionais competentes. Os Estados‑Membros devem criar um sistema de controlo apropriado relativamente a esses colecionadores autorizados, tendo em conta todos os aspetos pertinentes.

    4.   Os Estados‑Membros podem autorizar os armeiros ou intermediário, no âmbito das respetivas atividades profissionais, a adquirir, [a] fabricar, [a] desativar, [a] reparar, [a] fornecer, [a] transferir e [a] deter armas de fogo, seus componentes essenciais e munições classificados na categoria A, sob rigorosas condições de segurança.

    5.   Os Estados‑Membros podem autorizar os museus a adquirir e deter armas de fogo, seus componentes essenciais e munições classificados na categoria A, sob rigorosas condições de segurança.

    6.   Os Estados‑Membros podem autorizar os atiradores desportivos a adquirir e deter armas de fogo semiautomáticas classificadas nos pontos 6 e 7 da categoria A do anexo I, nas seguintes condições:

    a)

    Obtenção de uma avaliação satisfatória da informação pertinente derivada da aplicação do artigo 5.o, n.o 2;

    b)

    Prestação de prova de que o atirador desportivo em causa treina ativamente ou participa em competições de tiro reconhecidas por uma organização de tiro desportivo do Estado‑Membro em causa oficialmente reconhecida ou por uma federação de tiro desportivo internacionalmente instituída e oficialmente reconhecida; e

    c)

    Apresentação de um certificado emitido por uma organização de tiro desportivo oficialmente reconhecida, comprovando que:

    i)

    o atirador desportivo é sócio de um clube de tiro onde tem treinado regularmente tiro ao alvo durante pelo menos doze meses, e

    ii)

    a arma de fogo em questão cumpre as especificações requeridas para uma disciplina de tiro reconhecida por uma federação de tiro desportivo internacionalmente instituída e oficialmente reconhecida.

    No que respeita às armas de fogo classificadas no ponto 6 da categoria A, os Estados‑Membros que dispõem de um sistema baseado no serviço militar obrigatório e que, nos últimos cinquenta anos, tenham tido um sistema de transferência de armas de fogo militares para pessoas que deixam o exército depois de cumpridos os seus deveres militares podem conceder a essas pessoas, na qualidade de atiradores desportivos, uma autorização para conservarem uma arma de fogo utilizada durante o período de serviço militar obrigatório. A autoridade pública competente deve transformar essas armas de fogo em armas de fogo semiautomáticas e deve verificar periodicamente se as pessoas que as utilizam não representam um risco para a segurança pública. Aplica‑se o disposto no primeiro parágrafo, alíneas a), b) e c).

    7.   As autorizações concedidas ao abrigo do presente artigo devem ser revistas periodicamente pelo menos de cinco em cinco anos.”»

    10

    O artigo 1.o, ponto 7, da referida diretiva prevê:

    «O artigo 7.o passa a ter a seguinte redação:

    […]

    b)

    É aditado o seguinte número:

    “4‑A Os Estados‑Membros podem decidir confirmar, renovar ou prorrogar as autorizações para armas de fogo semiautomáticas classificadas nos pontos 6, 7 ou 8 da categoria A para uma arma de fogo classificada na categoria B e legalmente adquirida e registada antes de 13 de junho de 2017, sem prejuízo das restantes condições estabelecidas na presente diretiva. Além disso, os Estados‑Membros podem permitir a aquisição destas armas de fogo por outras pessoas por si autorizadas nos termos da presente diretiva, com a redação que lhe foi dada pela [diretiva impugnada].”»

    11

    O artigo 1.o, ponto 13, da diretiva impugnada dispõe:

    «O artigo 12.o, n.o 2, é alterado do seguinte modo:

    […]

    b)

    O terceiro parágrafo passa a ter a seguinte redação:

    “Contudo, esta derrogação não se aplica às viagens para um Estado‑Membro que, nos termos do artigo 8.o, n.o 3, proíba a aquisição e detenção da arma de fogo em causa ou que para ela exija uma autorização. Neste caso, deve ser aposta uma menção expressa no cartão europeu de arma de fogo. Os Estados‑Membros podem igualmente recusar a aplicação desta derrogação no caso de armas de fogo classificadas na categoria A para as quais tenha sido concedida uma autorização nos termos do artigo 6.o, n.o 6, ou cuja autorização tenha sido confirmada, renovada ou prorrogada nos termos do artigo 7.o, n.o 4‑A.”»

    12

    O artigo 1.o, ponto 19, da diretiva impugnada altera o anexo I, parte II, da Diretiva 91/477 do seguinte modo:

    «[…]

    ii)

    na categoria A, são aditados os seguintes pontos:

    “6.

    Armas de fogo automáticas convertidas em armas de fogo semiautomáticas, sem prejuízo do artigo 7.o, n.o 4‑A.

    7.

    Qualquer das seguintes armas de fogo semiautomáticas, de percussão central:

    a)

    Armas de fogo curtas que permitam disparar mais de 21 munições sem recarga, se:

    i)

    um carregador com capacidade para mais de 20 munições fizer parte da arma de fogo, ou

    ii)

    um carregador amovível com capacidade para mais de 20 munições estiver inserido na arma de fogo;

    b)

    Armas de fogo longas que permitam disparar mais de 11 munições sem recarga, se:

    i)

    um carregador com capacidade para mais de 10 munições fizer parte da arma, ou

    ii)

    um carregador amovível com capacidade para mais de 10 munições estiver inserido na arma de fogo.

    8.

    Armas de fogo longas semiautomáticas (isto é, armas de fogo originalmente concebidas para disparar a partir do ombro), suscetíveis de ser reduzidas a um comprimento inferior a 60 cm sem perda de funcionalidades através de uma coronha rebatível ou telescópica ou de uma coronha que possa ser removida sem utilizar ferramentas.

    9.

    Qualquer arma de fogo desta categoria convertida para disparar munições sem projétil, irritantes, outras substâncias ativas ou cartuchos de pirotecnia, ou após ter sido convertida numa arma de alarme ou de salva.”

    […]

    iv)

    a categoria C passa a ter a seguinte redação:

    “Categoria C ‑ Armas de fogo e armas sujeitas a declaração

    […]

    3.

    Armas de fogo longas semiautomáticas não enumeradas nas categorias A ou B.

    […]

    5.

    Qualquer arma de fogo desta categoria convertida para disparar munições sem projétil, irritantes, outras substâncias ativas ou cartuchos de pirotecnia, ou após ter sido convertida numa arma de alarme ou de salva.

    6.

    As armas de fogo classificadas nas categorias A ou B ou na presente categoria que tenham sido desativadas nos termos do Regulamento de Execução (UE) 2015/2403.

    […]”

    v)

    a categoria D é suprimida;

    […]»

    Acordo interinstitucional

    13

    O Acordo Interinstitucional entre o Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia «sobre legislar melhor», de 13 de abril de 2016 (JO 2016, L 123, p. 1; a seguir «Acordo Interinstitucional»), visa, nos pontos 12 a 18, as avaliações de impacto e estipula, nos seus pontos 12 a 15:

    «12.

    As três instituições reconhecem o contributo positivo das avaliações de impacto para melhorar a qualidade da legislação da União.

    As avaliações de impacto auxiliam as três instituições a tomarem decisões com pleno conhecimento de causa, e não são um substituto de decisões políticas tomadas no âmbito do processo decisório democrático. As avaliações de impacto não podem atrasar indevidamente o processo legislativo nem restringir o direito do colegislador de propor alterações.

    As avaliações de impacto deverão abranger a existência, a amplitude e as consequências de um problema e a questão de saber se é necessária uma ação da União. As avaliações de impacto deverão definir soluções alternativas e, se possível, os potenciais custos e benefícios a curto e longo prazo, determinando o seu impacto económico, ambiental e social de forma integrada e equilibrada graças a análises qualitativas e quantitativas. Os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade deverão ser plenamente respeitados, bem como os direitos humanos. As avaliações de impacto deverão também abordar, sempre que possível, o “custo da não‑Europa” e o impacto das diferentes opções na competitividade e nos encargos administrativos, atendendo especialmente às [pequenas e médias empresas (PME)] (segundo o princípio “pensar primeiro em pequena escala”), aos aspetos digitais e ao impacto territorial. As avaliações de impacto deverão basear‑se em informações exatas, objetivas e completas, e ser proporcionadas no que diz respeito ao âmbito de aplicação e incidência.

    13.

    A Comissão efetuará avaliações de impacto das suas iniciativas legislativas […] que são suscetíveis de ter repercussões importantes a nível económico, ambiental ou social. Regra geral, as iniciativas constantes do programa de trabalho da Comissão e da declaração conjunta deverão ser acompanhadas de uma avaliação de impacto.

    No seu próprio processo de avaliação de impacto, a Comissão procederá a consultas tão amplas quanto possível. O Comité de Controlo da Regulamentação da Comissão efetuará um controlo de qualidade objetivo das suas avaliações de impacto. Os resultados finais das avaliações de impacto serão colocados à disposição do [Parlamento], do Conselho e dos parlamentos nacionais e serão tornados públicos juntamente com o(s) parecer(es) do Comité de Controlo da Regulamentação da Comissão aquando da adoção da iniciativa da Comissão.

    14.

    Ao ponderarem as propostas legislativas da Comissão, o [Parlamento] e o Conselho tomarão plenamente em conta as avaliações de impacto da Comissão. Para esse efeito, as avaliações de impacto são apresentadas de modo a facilitar a análise, pelo [Parlamento] e pelo Conselho, das escolhas feitas pela Comissão.

    15.

    Quando o considerarem adequado e necessário ao processo legislativo, o [Parlamento] e o Conselho efetuarão avaliações de impacto relativas a alterações substanciais que introduzam na proposta da Comissão. Regra geral, o [Parlamento] e o Conselho tomarão a avaliação de impacto da Comissão como ponto de partida para os seus trabalhos subsequentes. Deverá competir à respetiva instituição determinar a definição de alteração “substancial”.»

    Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    14

    A República Checa pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    a título principal, anular a diretiva impugnada e condenar o Parlamento e o Conselho nas despesas ou,

    a título subsidiário,

    anular o artigo 1.o, ponto 6, da diretiva impugnada, na medida em que adita o artigo 5.o, n.o 3, e o artigo 6.o, n.o 6, segundo parágrafo, à Diretiva 91/477;

    anular o artigo 1.o, ponto 7, da diretiva impugnada, na medida em que adita o artigo 7.o, n.o 4‑A, à Diretiva 91/477;

    anular o artigo 1.o, ponto 19, da diretiva impugnada na medida em que

    adita os pontos 6 a 8 da categoria A ao anexo I, parte II, da Diretiva 91/477;

    altera a categoria B nesse anexo I, parte II;

    adita o ponto 6 da categoria C ao referido anexo I, parte II;

    altera o mesmo anexo I, parte III, e

    condenar o Parlamento e o Conselho nas despesas.

    15

    O Parlamento e, a título principal, o Conselho pedem que o Tribunal de Justiça negue provimento ao recurso e condene a República Checa nas despesas. A título subsidiário, no caso de o Tribunal de Justiça anular a diretiva impugnada, o Conselho pede que o Tribunal de Justiça ordene a manutenção dos seus efeitos durante um período suficientemente longo para permitir a adoção das medidas necessárias.

    16

    Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 5 de janeiro de 2018, foram admitidas as intervenções da Hungria e da República da Polónia em apoio dos pedidos da República Checa.

    17

    Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça desse mesmo dia, foram admitidas as intervenções da República Francesa e da Comissão em apoio dos pedidos do Parlamento e do Conselho.

    18

    Paralelamente à interposição do presente recurso, a República Checa apresentou um pedido de medidas provisórias através do qual solicitou ao Tribunal de Justiça que ordenasse a suspensão da execução da diretiva impugnada.

    19

    Por Despacho de 27 de fevereiro de 2018, República Checa/Parlamento e Conselho (C‑482/17 R, não publicado, EU:C:2018:119), o vice‑presidente do Tribunal de Justiça indeferiu esse pedido de medidas provisórias, uma vez que a República Checa não tinha demonstrado estar preenchido o requisito relativo à urgência, e reservou para final a decisão sobre as despesas.

    Quanto ao recurso

    20

    A República Checa invoca quatro fundamentos de recurso, relativos à violação, o primeiro, do princípio da atribuição, o segundo, do princípio da proporcionalidade, o terceiro, dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima e, o quarto, do princípio da não discriminação.

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do princípio da atribuição

    Argumentos das partes

    21

    Com o seu primeiro fundamento, a República Checa alega que, enquanto a Diretiva 91/477 prosseguia o objetivo de harmonizar as diferentes normas nacionais em matéria de aquisição e detenção de armas de fogo a fim de eliminar os obstáculos ao mercado interno, tal não é o caso da diretiva impugnada. Com efeito, resulta do conteúdo e da fundamentação desta diretiva que os objetivos que prossegue consistem exclusivamente em garantir um nível mais elevado de segurança pública em relação à ameaça terrorista e a outras formas de criminalidade. Em particular, resulta da exposição de motivos da diretiva impugnada que esta não é justificada nem por entraves existentes nem por riscos de entraves ao funcionamento do mercado interno, mas apenas pelo combate à utilização indevida das armas de fogo para atividades criminosas ou terroristas.

    22

    Nestas circunstâncias, a República Checa considera que o artigo 114.o TFUE não pode constituir uma base jurídica adequada para a adoção da diretiva impugnada. Com efeito, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a aproximação das legislações dos Estados‑Membros em matéria de livre circulação de mercadorias deve constituir o principal objetivo da legislação da União adotada com base neste artigo, devendo quaisquer outros objetivos ser apenas acessórios. Ora, a proibição da detenção de certas armas de fogo semiautomáticas e dos seus carregadores, que constitui a principal novidade da diretiva impugnada, não está relacionada com as deficiências pontuais do funcionamento do mercado interno identificadas pela Comissão.

    23

    Além disso, não existe atualmente nenhuma base jurídica nos Tratados que permita a adoção de uma medida de proibição daquela natureza. Com efeito, no domínio da prevenção da criminalidade e do terrorismo, a harmonização está expressamente excluída pelo artigo 84.o TFUE. Isso é um reflexo do artigo 4.o, n.o 2, TUE, nos termos do qual os Estados‑Membros têm a responsabilidade exclusiva pela segurança nacional no seu território e devem ter a possibilidade de assegurar a manutenção da ordem pública nesse território. Por conseguinte, ao adotar a diretiva impugnada, o legislador da União extravasou as suas competências e violou o artigo 5.o, n.o 2, TUE.

    24

    A República Checa sublinha que não põe em causa o direito do legislador da União de alterar as diretivas em vigor. Todavia, as alterações que lhes forem introduzidas devem ser adotadas com fundamento numa base jurídica conforme aos seus objetivos e dentro dos limites das competências da União, com exclusão de medidas que não poderiam ter sido incluídas no texto original, que não assentam na sua própria base jurídica e que extravasam as competências da União.

    25

    A Hungria apoia a argumentação da República Checa e acrescenta que, embora, para determinar a base jurídica de um regulamento de alteração, se deva examinar, no seu conjunto, o ato em que a regulamentação em causa se integra, daí não decorre que a base jurídica do ato modificativo deva ser estabelecida tendo apenas em conta as finalidades e o conteúdo do ato alterado. Com efeito, tal permitiria ao legislador da União derrogar as regras de procedimento previstas nos Tratados, como a votação por maioria qualificada ou por unanimidade, bem como, no caso vertente, contornar o princípio da atribuição de competências.

    26

    No caso em apreço, mesmo que se admitisse que, atendendo aos objetivos iniciais da Diretiva 91/477, o objeto da diretiva impugnada não é totalmente estranho aos objetivos prosseguidos pelo artigo 114.o TFUE, mesmo esses objetivos são, no que respeita à diretiva impugnada, quando muito, acessórios do objetivo principal das alterações nela contidas, a saber, a prevenção da criminalidade. Por conseguinte, o artigo 114.o TFUE não pode servir de base jurídica à referida diretiva.

    27

    A República da Polónia apoia igualmente a argumentação da República Checa e acrescenta que a própria essência do princípio da atribuição é posta em causa quando uma alteração a um ato da União é adotada com fundamento na base jurídica inicialmente utilizada para a adoção desse ato, independentemente do objetivo e do conteúdo da alteração introduzida.

    28

    Além disso, a República da Polónia alega que apenas as munições, e não as armas de fogo, constituem mercadorias perigosas à luz do direito da União, pelo que não se pode invocar nenhum argumento relativo ao caráter alegadamente perigoso das armas de fogo para justificar medidas que consistem em proibir a comercialização de determinadas armas de fogo ou em harmonizar as suas condições de aquisição, de detenção e de circulação no mercado interno.

    29

    Por outro lado, a proibição de comercializar determinadas categorias de armas de fogo não facilita o funcionamento do mercado interno. Pelo contrário, a diretiva impugnada cria novos entraves a esse funcionamento, uma vez que não uniformizou a data a partir da qual as armas de fogo são consideradas antigas e introduziu não só novas definições ambíguas, mas também regras que incluem elementos suscetíveis de conduzir a uma transposição diferente para o direito nacional dos Estados‑Membros.

    30

    O Parlamento e o Conselho, apoiados pela República Francesa e pela Comissão, contestam os argumentos da República Checa e os argumentos apresentados em seu apoio pela Hungria e pela República da Polónia.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    31

    Há que recordar, a título preliminar, que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a escolha da base jurídica de um ato da União deve assentar em elementos objetivos suscetíveis de ser objeto de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram a finalidade e o conteúdo desse ato. Se a análise do ato em causa demonstrar que ele prossegue uma dupla finalidade ou que tem uma componente dupla, e se uma dessas finalidades ou componentes for identificável como principal ou preponderante, enquanto a outra é apenas acessória, esse ato deve ter uma única base jurídica, a saber, a que for exigida pela finalidade ou pela componente principal ou preponderante (Acórdão de 23 de janeiro de 2018, Buhagiar e o., C‑267/16, EU:C:2018:26, n.o 41 e jurisprudência referida).

    32

    Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para determinar a base jurídica adequada, pode ser tido em conta o contexto jurídico em que se inscreve um novo regulamento, nomeadamente na medida em que esse contexto seja suscetível de esclarecer a finalidade da referida regulamentação (Acórdão de 3 de setembro de 2009, Parlamento/Conselho, C‑166/07, EU:C:2009:499, n.o 52).

    33

    Nos termos do artigo 114.o, n.o 1, TFUE, o Parlamento e o Conselho adotam as medidas relativas à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros que tenham por objeto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno.

    34

    No que respeita às condições de aplicação desta disposição, é jurisprudência constante que, embora a simples constatação de disparidades entre as regulamentações nacionais não seja suficiente para justificar o recurso ao artigo 114.o TFUE, o mesmo não acontece no caso de divergências entre as disposições legislativas, regulamentares ou administrativas dos Estados‑Membros suscetíveis de colocar entraves às liberdades fundamentais e de ter, assim, influência direta no funcionamento do mercado interno (Acórdão de 4 de maio de 2016, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑358/14, EU:C:2016:323, n.o 32 e jurisprudência referida).

    35

    Por outro lado, embora o recurso ao artigo 114.o TFUE como base jurídica seja possível a fim de prevenir obstáculos futuros às trocas comerciais resultantes da evolução heterogénea das legislações nacionais, o aparecimento desses obstáculos deve ser verosímil e a medida em causa deve ter por objeto a sua prevenção (Acórdão de 4 de maio de 2016, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑358/14, EU:C:2016:323, n.o 33 e jurisprudência referida).

    36

    Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que, quando estejam preenchidas as condições de recurso ao artigo 114.o TFUE como base jurídica, o legislador da União não pode ser impedido de se fundar nesta base jurídica em razão do facto de a proteção dos interesses gerais referidos no n.o 3 desse artigo, entre os quais figura a segurança, ser determinante nas opções a tomar (Acórdão de 4 de maio de 2016, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑358/14, EU:C:2016:323, n.o 34 e jurisprudência referida).

    37

    Resulta do exposto que, quando existam obstáculos às trocas comerciais ou seja verosímil o surgimento desses obstáculos no futuro, devido ao facto de os Estados‑Membros terem tomado, ou estarem em vias de tomar, a respeito de um produto ou de uma categoria de produtos, medidas divergentes suscetíveis de assegurar um nível de proteção diferente e impedir, dessa forma, o ou os produtos em questão de circularem livremente na União, o artigo 114.o TFUE habilita o legislador da União a intervir, tomando as medidas adequadas, com observância, por um lado, do n.o 3 do mesmo artigo e, por outro, dos princípios jurídicos mencionados no Tratado FUE ou desenvolvidos pela jurisprudência, nomeadamente o princípio da proporcionalidade (Acórdão de 4 de maio de 2016, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑358/14, EU:C:2016:323, n.o 36 e jurisprudência referida).

    38

    Além disso, resulta de jurisprudência constante que, quando um ato baseado no artigo 114.o TFUE já tenha eliminado todos os obstáculos às trocas comerciais no domínio que harmoniza, o legislador da União não pode ser privado da possibilidade de adaptar este ato a qualquer alteração de circunstâncias ou a qualquer evolução dos conhecimentos, tendo em conta a missão que lhe incumbe de velar pela proteção dos interesses gerais reconhecidos pelo Tratado (Acórdão de 8 de junho de 2010, Vodafone e o., C‑58/08, EU:C:2010:321, n.o 34 e jurisprudência referida).

    39

    Com efeito, nessa situação, o legislador da União só pode executar convenientemente a sua missão de velar pela proteção dos interesses gerais reconhecidos pelo Tratado se puder adaptar a legislação da União relevante a tais alterações ou evoluções [v., neste sentido, Acórdão de 10 de dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, C‑491/01, EU:C:2002:741, n.o 77].

    40

    Ora, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a luta contra o terrorismo internacional constitui um objetivo de interesse geral da União, com vista à manutenção da paz e da segurança internacionais. O mesmo acontece com a luta contra a criminalidade grave, com o objetivo de garantir a segurança pública (Acórdão de 8 de abril de 2014, Digital Rights Ireland e o., C‑293/12 e C‑594/12, EU:C:2014:238, n.o 42 e jurisprudência referida).

    41

    No caso vertente, enquanto a República Checa, apoiada pela Hungria e pela República da Polónia, alega, em substância, que a base jurídica da diretiva impugnada deve ser identificada através da sua análise isolada, o Parlamento e o Conselho, apoiados neste ponto pela República Francesa, alegam que esta análise deve ser efetuada tendo em conta, em particular, a Diretiva 91/477, que a diretiva impugnada visa alterar.

    42

    A este respeito, importa salientar, por um lado, que resulta, nomeadamente, da jurisprudência recordada nos n.os 32, 38 e 39 do presente acórdão que, no que se refere a uma regulamentação que altere uma outra existente, há igualmente que ter em conta, para efeitos da identificação da sua base jurídica, a regulamentação existente que aquela altera, nomeadamente o seu objetivo e o seu conteúdo.

    43

    Uma vez que a diretiva impugnada altera a Diretiva 91/477, nomeadamente através do aditamento de novas disposições, esta última constitui o contexto jurídico da diretiva impugnada. Tal é demonstrado, nomeadamente, pelos considerandos 1 e 2 da diretiva impugnada, que referem o equilíbrio estabelecido pela Diretiva 91/477 entre, por um lado, o compromisso de assegurar uma certa liberdade de circulação de determinadas armas de fogo e dos seus componentes essenciais na União e, por outro, a necessidade de controlar essa liberdade através de garantias de segurança, adequadas a esses produtos, bem como a necessidade de ajustar esse equilíbrio, a fim de combater a utilização indevida das armas de fogo para atividades criminosas, e tendo em consideração os «recentes atos terroristas».

    44

    Por outro lado, a abordagem preconizada pela República Checa, apoiada pela Hungria e pela República da Polónia, é suscetível de conduzir a um resultado paradoxal, a saber, que, embora o ato modificativo não pudesse ser adotado com base no artigo 114.o TFUE, o legislador da União poderia, em contrapartida, alcançar o mesmo resultado normativo revogando o ato inicial e reformulando‑o completamente num novo ato, adotado com base nessa disposição.

    45

    Conclui‑se que, contrariamente ao que sustentam estes Estados‑Membros e como alegam corretamente o Parlamento e o Conselho, é necessário, no caso vertente, identificar a base jurídica com fundamento na qual a diretiva impugnada devia ter sido adotada tendo em conta, em particular, tanto o contexto constituído pela Diretiva 91/477 como a regulamentação resultante das alterações que lhe foram introduzidas pela diretiva impugnada.

    46

    Em primeiro lugar, no que se refere à Diretiva 91/477, resulta do seu segundo a quarto considerandos que esta foi adotada com o objetivo de estabelecer um mercado interno e que, neste contexto, a supressão dos controlos da segurança dos objetos transportados e das pessoas pressupunha, entre outros, uma aproximação das legislações através de uma regulamentação eficaz sobre as armas de fogo, visando estabelecer o controlo, no interior dos Estados‑Membros, da sua aquisição, da sua detenção e da sua transferência. De acordo com o quinto considerando dessa diretiva, uma regulamentação deste tipo cria, com efeito, uma maior confiança mútua entre os Estados‑Membros no domínio da salvaguarda da segurança das pessoas (Acórdão de 23 de janeiro de 2018, Buhagiar e o., C‑267/16, EU:C:2018:26, n.o 43).

    47

    No que respeita ao conteúdo da Diretiva 91/477, esta estabelece um quadro mínimo harmonizado relativo à detenção e à aquisição de armas de fogo e à sua transferência entre os Estados‑Membros. Para o efeito, esta diretiva prevê disposições relativas às condições em que armas de fogo de diferentes categorias podem ser adquiridas e detidas, prevendo ao mesmo tempo, por imperativos de segurança pública, que a aquisição de certos tipos de armas de fogo deve ser proibida. Além disso, a referida diretiva contém regras que visam harmonizar as medidas administrativas dos Estados‑Membros relativas à circulação de armas de fogo para uso civil, cujo princípio de base é a proibição de circulação, exceto se forem seguidos os procedimentos previstos para esse efeito pela mesma diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 23 de janeiro de 2018, Buhagiar e o., C‑267/16, EU:C:2018:26, n.os 49 a 51).

    48

    Assim, o Tribunal de Justiça considerou que a Diretiva 91/477 constitui uma medida que visa assegurar, a respeito da livre circulação de mercadorias, a saber, das armas de fogo para uso civil, uma aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros, enquadrando simultaneamente essa liberdade com garantias de ordem securitária adaptadas à natureza das referidas mercadorias (Acórdão de 23 de janeiro de 2018, Buhagiar e o., C‑267/16, EU:C:2018:26, n.o 52).

    49

    Em segundo lugar, no que respeita à finalidade da diretiva impugnada, resulta, antes de mais, do seu considerando 2 que esta visa melhorar de forma proporcionada alguns aspetos da Diretiva 91/477 e ajustar o equilíbrio entre a livre circulação das mercadorias em causa e as garantias de segurança, nomeadamente tendo em consideração os «recentes atos terroristas». Embora resulte, nomeadamente, dos considerandos 9, 15, 20, 21 e 23 da diretiva impugnada, que dizem respeito, entre outros, às armas de fogo mais perigosas, desativadas e semiautomáticas, que as preocupações de segurança associadas a estes diferentes tipos de armas de fogo levaram o legislador da União a estabelecer regras mais estritas a seu respeito, não deixa de ser verdade que, através da adoção desta diretiva, o legislador visava igualmente facilitar a livre circulação de determinadas armas, como demonstra, nomeadamente, o considerando 6 da referida diretiva, relativo à marcação das armas de fogo e dos seus componentes essenciais.

    50

    Em seguida, no que se refere ao conteúdo da diretiva impugnada, importa salientar que o seu artigo 1.o, ponto 1, fornece definições precisas, nomeadamente, das pessoas, dos objetos e das atividades sujeitos à nova regulamentação. O ponto 3 deste artigo estabelece um novo sistema de marcação das armas de fogo e dos seus componentes essenciais, regula a atividade dos armeiros e dos intermediários e especifica os dados a registar nas bases de dados dos Estados‑Membros, o seu armazenamento e a sua acessibilidade. O ponto 6 do referido artigo especifica as condições em que são concedidas e em que devem ser retiradas as autorizações de aquisição e de detenção de armas de fogo, contém regras relativas à supervisão das armas de fogo, a fim de reduzir o risco de acesso às mesmas por pessoas não autorizadas, proíbe a aquisição e a detenção de armas de fogo da categoria A e especifica as derrogações a esta proibição. O ponto 7 do mesmo artigo impõe um controlo regular das autorizações de detenção de armas de fogo e prevê a possibilidade de os Estados‑Membros concederem outra derrogação à proibição de detenção de armas de fogo da categoria A. O artigo 1.o, ponto 8, da diretiva impugnada recorda que os Estados‑Membros podem proibir a aquisição ou a detenção de armas de fogo das categorias B e C. O ponto 9 desse artigo sujeita as munições e determinados carregadores às regras aplicáveis à aquisição e à detenção das armas de fogo a que se destinam. O ponto 10 do referido artigo regula as armas de alarme, de sinalização e desativadas. O ponto 12 do mesmo artigo proíbe, em princípio, a transferência de armas de fogo de um Estado‑Membro para outro e o seu ponto 13 prevê as derrogações aplicáveis a essa transferência. O artigo 1.o, ponto 14, da diretiva impugnada diz respeito ao intercâmbio de informações entre os Estados‑Membros e o ponto 19 desse artigo altera o anexo I da Diretiva 91/477, detalhando a classificação das armas nas categorias A a C.

    51

    Assim, a diretiva impugnada contém, tal como a Diretiva 91/477, disposições relativas à detenção e à aquisição de armas de fogo, bem como à sua transferência entre os Estados‑Membros. Em particular, estas disposições regem a aquisição e a detenção de armas de fogo por particulares, prevendo, nomeadamente, que algumas dessas armas são proibidas, ao passo que outras estão sujeitas a autorização ou a declaração. Além disso, harmonizam as medidas administrativas dos Estados‑Membros relativas à circulação de armas de fogo para uso civil.

    52

    Por último, resulta de vários documentos utilizados na elaboração da diretiva impugnada submetidos ao Tribunal de Justiça que, através da adoção dessa diretiva, o legislador da União pretendia efetivamente garantir, num quadro de segurança que tinha evoluído, a segurança dos cidadãos da União, melhorando simultaneamente o funcionamento do mercado interno das armas de fogo através de soluções para os problemas identificados. Em particular, a avaliação REFIT revelou que o bom funcionamento do mercado interno das armas de fogo para utilização civil estava comprometido por disparidades normativas entre os Estados‑Membros relativas à classificação das armas de fogo nas categorias C e D, bem como por disparidades na aplicação das disposições relativas ao cartão europeu de arma de fogo.

    53

    Ora, ao ajustar desta forma o equilíbrio entre a livre circulação de mercadorias e as garantias de segurança, o legislador da União limitou‑se a adaptar as regras relativas à detenção e à aquisição de armas de fogo previstas na Diretiva 91/477 à evolução das circunstâncias.

    54

    Com efeito, primeiro, como alegam, corretamente, o Parlamento e o Conselho, ao adotar a diretiva impugnada, o legislador da União continuou a prosseguir, no contexto da evolução dos riscos de segurança, o objetivo anunciado no quinto considerando da Diretiva 91/477 de reforçar a confiança mútua entre os Estados‑Membros no domínio da salvaguarda da segurança das pessoas, prevendo, para o efeito, categorias de armas de fogo cuja aquisição e detenção por particulares são, respetivamente, proibidas, sujeitas a uma autorização ou sujeitas a declaração, objetivo que visa, ele próprio, assegurar o bom funcionamento do mercado interno.

    55

    A este respeito, não é contestado que as circunstâncias evoluíram substancialmente desde a adoção da Diretiva 91/477, tendo em conta, desde logo, que a União foi alargada em diversas ocasiões, em seguida, que o espaço Schengen foi criado e alargado a uma parte substancial da União e, por último, que se agravaram as ameaças terroristas e a criminalidade transfronteiriça.

    56

    Ora, resulta da jurisprudência recordada nos n.os 38 a 40 do presente acórdão que o legislador da União não pode ser privado da possibilidade de adaptar, com base no artigo 114.o TFUE, um ato como a Diretiva 91/477 a qualquer alteração das circunstâncias ou a qualquer evolução dos conhecimentos tendo em conta a missão que lhe incumbe de velar pela proteção dos interesses gerais reconhecidos pelos Tratados, incluindo a manutenção da segurança pública.

    57

    Segundo, como recordou a advogada‑geral nos n.os 46 e 47 das suas conclusões, a harmonização dos aspetos relativos à segurança das mercadorias é um dos elementos essenciais para assegurar o bom funcionamento do mercado interno, uma vez que regulamentações díspares nesta matéria são suscetíveis de criar obstáculos às trocas comerciais. Ora, uma vez que a particularidade das armas de fogo consiste, contrariamente ao que alega a República da Polónia, na sua perigosidade não só para os utilizadores mas também para o grande público, como já salientou o Tribunal de Justiça no n.o 54 do Acórdão de 23 de janeiro de 2018, Buhagiar e o. (C‑267/16, EU:C:2018:26), as considerações de segurança pública revelam‑se, conforme recorda o quinto considerando da Diretiva 91/477, indispensáveis no âmbito de uma regulamentação sobre a aquisição e a detenção dessas mercadorias.

    58

    Terceiro, não está de modo algum demonstrado, à luz dos elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, que o legislador da União teria ignorado a base jurídica constituída pelo artigo 114.o TFUE e, portanto, que teria excedido os limites das competências atribuídas à União, se, em vez de adotar a diretiva impugnada, tivesse procedido a uma reformulação da Diretiva 91/477 incorporando, por essa via legislativa alternativa, as alterações introduzidas pela diretiva impugnada.

    59

    Pelo contrário, decorre desses mesmos elementos que o ato que resulta das alterações introduzidas à Diretiva 91/477 pela diretiva impugnada contém uma regulamentação do mercado interno das armas de fogo para uso civil que está adaptada às particularidades das referidas mercadorias e que continua a assegurar, à semelhança do que o Tribunal de Justiça concluiu no n.o 52 do seu Acórdão de 23 de janeiro de 2018, Buhagiar e o. (C‑267/16, EU:C:2018:26), no que respeita à livre circulação de mercadorias, uma aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros, enquadrando simultaneamente essa liberdade por garantias de ordem securitária adaptadas à natureza das referidas mercadorias.

    60

    Em terceiro lugar, na medida em que a República da Polónia alega que a proibição da comercialização de determinadas categorias de armas de fogo não facilita o funcionamento do mercado interno e que a diretiva impugnada cria novos entraves à livre circulação de armas de fogo para uso civil, por um lado, importa recordar que, com a expressão «medidas relativas à aproximação», que figura no artigo 114.o TFUE, os autores do Tratado quiseram conferir ao legislador da União, em função do contexto geral e das circunstâncias específicas da matéria a harmonizar, uma margem de apreciação quanto à técnica de aproximação mais adequada para alcançar o resultado pretendido, em particular nos domínios que se caracterizam por particularidades técnicas complexas (Acórdão de 4 de maio de 2016, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑358/14, EU:C:2016:323, n.o 37 e jurisprudência referida).

    61

    Em função das circunstâncias, essas medidas podem consistir em obrigar todos os Estados‑Membros a autorizarem a comercialização do ou dos produtos em causa, em acompanhar essa obrigação de autorização de determinadas condições, ou mesmo em proibir, provisória ou definitivamente, a comercialização de um ou de certos produtos (Acórdão de 4 de maio de 2016, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑358/14, EU:C:2016:323, n.o 38 e jurisprudência referida).

    62

    Ora, no caso vertente, à luz dos elementos expostos nos n.os 54 a 57 do presente acórdão, não parece que o legislador da União tenha excedido a margem de apreciação que lhe é conferida pela base jurídica do artigo 114.o TFUE no que respeita à técnica de aproximação, quando adotou, com o objetivo de assegurar a manutenção de uma livre circulação limitada de armas de fogo para uso civil no mercado interno, as medidas que consistiram em acrescentar à categoria A das armas de fogo proibidas pela Diretiva 91/477 determinadas armas de fogo semiautomáticas e em aditar as outras disposições que, segundo a República da Polónia, criam novos entraves.

    63

    Por outro lado, na medida em que a referida argumentação visa contestar o facto de as medidas criticadas serem adequadas para alcançar os objetivos do artigo 114.o TFUE, importa salientar que essa argumentação se confunde com a argumentação apresentada pela República Checa em apoio da segunda parte do seu segundo fundamento, pelo que devem ser apreciadas em conjunto no âmbito dessa parte.

    64

    Face às considerações anteriores, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

    Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

    Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à análise pelo legislador da União da proporcionalidade de determinadas disposições da diretiva impugnada

     Argumentos das partes

    65

    Com a primeira parte do seu segundo fundamento, a República Checa alega que o legislador da União adotou a diretiva impugnada quando não dispunha manifestamente de informações suficientes sobre o potencial impacto das medidas adotadas. Por conseguinte, não pode ter respeitado a sua obrigação de investigar se estas medidas respeitavam o princípio da proporcionalidade.

    66

    Desde logo, nem a constatação formal no considerando 33 da diretiva impugnada nem as passagens correspondentes da exposição de motivos contêm uma consideração suficientemente concreta sobre a proporcionalidade de determinadas disposições da referida diretiva.

    67

    Em seguida, a Comissão tem de realizar uma avaliação do impacto da regulamentação proposta em todos os casos em que seja de esperar uma incidência significativa nos direitos e nas obrigações das pessoas. Proceder a uma avaliação do impacto da regulamentação proposta é, assim, uma obrigação estabelecida no Acordo Interinstitucional. Em particular, o ponto 12, segundo parágrafo, do referido acordo não pode ser interpretado no sentido de que autoriza a Comissão a renunciar à realização de uma avaliação de impacto se considerar oportuno, devendo ser entendido como um convite à Comissão no sentido de que garanta que uma avaliação de impacto não atrase o processo legislativo.

    68

    Ora, a adoção da diretiva impugnada não foi precedida de nenhuma avaliação de impacto, apesar de ter uma incidência significativa em todos os Estados‑Membros, nomeadamente no direito de propriedade dos cidadãos. Em particular, a avaliação REFIT não pode ser considerada um substituto dessa avaliação, uma vez que não tem por objeto o impacto das novas medidas adotadas.

    69

    Além disso, a experiência da República Checa permite duvidar da adequação das medidas adotadas para alcançar o objetivo de combater a utilização indevida de armas de fogo, uma vez que nesse Estado‑Membro, nos últimos dez anos apenas, foi cometida uma única infração, por sinal involuntária, com uma arma agora incluída na categoria A, cuja comercialização e detenção são, em princípio, proibidas.

    70

    Do mesmo modo, no que se refere à possibilidade de transformar armas de fogo semiautomáticas em armas de fogo automáticas, a própria avaliação REFIT constatou que não foi identificado nenhum caso de utilização indevida de armas de fogo para utilização criminosa transformadas dessa forma. Além disso, as transformações aí mencionadas foram efetuadas quer através de acessórios que a diretiva impugnada não regulamenta, quer através da instalação de componentes essenciais de armas de fogo automáticas já proibidas pela Diretiva 91/477 antes da sua alteração pela diretiva impugnada.

    71

    Por último, embora a República Checa admita que uma apreciação do potencial impacto das medidas adotadas possa ser efetuada sem ser através de uma avaliação de impacto formal, o legislador da União não pode renunciar por completo a essa avaliação. Ora, no caso vertente, este também não dispunha, através de outras fontes, de informações suficientes que lhe permitissem apreciar a proporcionalidade de algumas das medidas introduzidas pela diretiva impugnada, uma vez que nenhum dos estudos referidos para o efeito pelas instituições recorridas e pela Comissão respeitava ao impacto dessas medidas.

    72

    Entre as referidas medidas contam‑se a proibição das armas de fogo semiautomáticas abrangidas pelo anexo I, parte II, categoria A, pontos 6 a 8, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, atendendo à inexistência de informações sobre a taxa de utilização, em atividades criminosas, das armas abrangidas por esses pontos e legalmente detidas em relação ao número de detentores não problemáticos que estão sujeitos a essa proibição. O legislador da União proibiu igualmente determinados carregadores para as armas de fogo semiautomáticas, embora nada demonstre que essa medida seja adequada para alcançar o objetivo prosseguido.

    73

    Acresce que o legislador da União tornou mais rigorosa a regulamentação aplicável a outros tipos de armas de fogo, entre os quais as réplicas de armas antigas, sem dispor de dados relativos ao risco de estas armas serem utilizadas em atividades relacionadas com o terrorismo e com formas graves de criminalidade e sem ter avaliado esse risco à luz do impacto desse endurecimento nos direitos dos detentores não problemáticos.

    74

    A Hungria apoia a argumentação da República Checa e acrescenta que, em conformidade com o ponto 13, primeiro parágrafo, segundo período, do Acordo Interinstitucional, as iniciativas constantes do programa de trabalho da Comissão devem, em princípio, ser acompanhadas de uma avaliação de impacto. Portanto, a Comissão agiu de forma contrária a esta disposição ao apresentar a sua proposta de diretiva sem ter efetuado uma avaliação de impacto e sem ter corrigido posteriormente essa falha. Além disso, nas fases posteriores do processo legislativo, as recorridas também não procederam a nenhuma avaliação de impacto. Por conseguinte, e tendo igualmente em conta o facto de que nem a avaliação REFIT nem os outros estudos invocados contêm esse tipo de avaliações, o legislador da União não dispunha de informações suficientes para examinar o caráter proporcionado das medidas constantes da diretiva impugnada.

    75

    O Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, contestam a argumentação da República Checa e a argumentação apresentada, em apoio dela, pela Hungria.

    – Apreciação do Tribunal de Justiça

    76

    Resulta de jurisprudência constante que o princípio da proporcionalidade faz parte dos princípios gerais do direito da União e exige que os meios postos em prática por uma disposição do direito da União sejam adequados a realizar os objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa e não vão além do que é necessário para os alcançar (Acórdão de 8 de junho de 2010, Vodafone e o., C‑58/08, EU:C:2010:321, n.o 51 e jurisprudência referida).

    77

    No que diz respeito à fiscalização jurisdicional do respeito destas condições, o Tribunal de Justiça reconheceu ao legislador da União, no âmbito do exercício das competências que lhe são conferidas, um amplo poder de apreciação nos domínios em que a sua ação implica opções de natureza tanto política como económica ou social, e em que é chamado a efetuar apreciações e avaliações complexas. Assim, não se trata de saber se uma medida adotada nesse domínio era a única ou a melhor possível, visto que só o caráter manifestamente inadequado desta, em relação ao objetivo que as instituições competentes pretendem prosseguir, pode afetar a legalidade de tal medida (Acórdão de 8 de junho de 2010, Vodafone e o., C‑58/08, EU:C:2010:321, n.o 52 e jurisprudência referida).

    78

    Além disso, o amplo poder de apreciação do legislador da União, que implica uma fiscalização jurisdicional limitada do seu exercício, não se aplica exclusivamente à natureza e ao alcance das disposições a adotar, mas também, em certa medida, ao apuramento dos dados de base (Acórdão de 21 de junho de 2018, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑5/16, EU:C:2018:483, n.o 151 e jurisprudência referida).

    79

    Mesmo na presença de um amplo poder de apreciação, o legislador da União tem de basear a sua escolha em critérios objetivos e examinar se os fins prosseguidos pela medida escolhida são suscetíveis de justificar consequências económicas negativas, até consideráveis, para certos operadores. Com efeito, nos termos do artigo 5.o do Protocolo (n.o 2) relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, anexo ao Tratado UE e ao Tratado FUE, os projetos de atos legislativos devem ter em conta a necessidade de assegurar que qualquer encargo que incumba aos agentes económicos seja o menos elevado possível e seja proporcional ao objetivo a atingir (Acórdão de 4 de maio de 2016, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑358/14, EU:C:2016:323, n.os 97 e 98).

    80

    Além disso, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a validade de um ato da União deve ser apreciada à luz dos elementos de que o legislador da União dispunha no momento da adoção da regulamentação em causa (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho, C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.o 221).

    81

    Por outro lado, mesmo uma fiscalização jurisdicional com um alcance limitado requer que as instituições da União, autoras do ato em causa, estejam em condições de demonstrar ao Tribunal de Justiça que o ato foi adotado mediante um exercício efetivo do seu poder de apreciação, que pressupõe a tomada em consideração de todos os elementos e circunstâncias pertinentes da situação que esse ato pretendeu regular. Daqui resulta que essas instituições devem, pelo menos, poder apresentar e expor de forma clara e inequívoca os dados de base que tiveram de ser tidos em conta para fundamentar as medidas contestadas do referido ato e de que dependia o exercício do seu poder de apreciação (Acórdão de 21 de junho de 2018, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑5/16, EU:C:2018:483, n.os 152 e 153 e jurisprudência referida).

    82

    No caso vertente, importa, em primeiro lugar, observar, como fez a advogada‑geral nos n.os 94 a 97 das suas conclusões, que, contrariamente ao que alega a República Checa, apoiada pela Hungria, a existência de uma obrigação de realizar uma avaliação de impacto em todos os casos não resulta dos termos dos pontos 12 a 15 do Acordo Interinstitucional.

    83

    Decorre desses pontos, primeiro, que o Parlamento, o Conselho e a Comissão reconhecem o contributo positivo das avaliações de impacto para melhorar a qualidade da legislação da União e que essas avaliações auxiliam as três instituições a tomarem decisões com pleno conhecimento de causa. Segundo, os referidos pontos especificam que as avaliações de impacto não podem atrasar indevidamente o processo legislativo nem restringir o direito do colegislador de propor alterações, para as quais está, aliás, previsto que podem ser efetuadas avaliações de impacto complementares quando o Parlamento e o Conselho o considerarem adequado e necessário. Terceiro, esses mesmos pontos salientam que a Comissão efetuará uma avaliação de impacto das suas iniciativas legislativas que são suscetíveis de ter repercussões importantes a nível económico, ambiental ou social. Quarto, é precisado que o Parlamento e o Conselho, ao ponderarem as propostas legislativas da Comissão, tomam plenamente em conta as avaliações de impacto da Comissão.

    84

    Resulta daqui que a elaboração de avaliações de impacto é uma etapa do processo legislativo que, regra geral, deve ter lugar quando uma iniciativa legislativa é suscetível de ter essa incidência.

    85

    Ora, a não realização de uma avaliação de impacto não pode ser qualificada de violação do princípio da proporcionalidade quando o legislador da União se encontre numa situação particular que exija a dispensa dessa avaliação e disponha de elementos suficientes que lhe permitem apreciar a proporcionalidade de uma medida adotada.

    86

    A este respeito, em segundo lugar, para exercerem efetivamente o seu poder de apreciação, os colegisladores devem ter em conta, durante o processo legislativo, os dados científicos e outras constatações que tenham ficado disponíveis, incluindo documentos científicos utilizados pelos Estados‑Membros nas reuniões do Conselho e que este não detém (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2018, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑5/16, EU:C:2018:483, n.os 160 a 163).

    87

    No que se refere às informações disponíveis no momento da elaboração, pela Comissão, da sua iniciativa legislativa que conduziu à adoção da diretiva impugnada, esta instituição indicou que tinha tido em conta, desde logo, um estudo aprofundado sobre o funcionamento do sistema instituído pela Diretiva 91/477, intitulado «Evaluation of the Firearms Directive», de dezembro de 2014, e a avaliação REFIT, que punham em evidência diferenças significativas entre os Estados‑Membros na aplicação dessa diretiva, nomeadamente relativas à classificação das armas de fogo, sugeriam que fossem definidos critérios uniformes para as armas de alarme ou de salva a fim de evitar a sua transformação em armas de fogo operacionais, propunham a harmonização das regras relativas à desativação das armas de fogo, sublinhavam que, na maioria dos Estados‑Membros, não era possível encontrar o proprietário original de uma arma de fogo, propunham que se adaptasse as regras relativas à marcação das armas de fogo e melhorasse o funcionamento do intercâmbio de informações entre os Estados‑Membros ou ainda que se introduzisse disposições que regulassem as atividades dos intermediários, sublinhavam as preocupações resultantes da possível transformação de armas de fogo semiautomáticas em armas de fogo automáticas e formulavam recomendações sobre os domínios em que o funcionamento do mercado interno das armas de fogo para uso civil deveria ser melhorado.

    88

    Em seguida, a referida instituição baseou‑se em nove estudos sobre, respetivamente, a melhoria das regras de desativação de armas de fogo e dos procedimentos de autorização na União, as armas de alarme e as réplicas, as possíveis opções em matéria de combate do tráfico de armas de fogo na União, os homicídios, tendo este último estudo sido elaborado pelo Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e o Crime, a relação entre as mortes violentas e a acessibilidade a armas de fogo, o impacto do controlo da aquisição e da detenção de armas de fogo nas mortes por causadas por elas, as regras aplicáveis à desativação de armas de fogo, à transformação dessas armas, às armas de alarme e às armas de fogo antigas e sobre as armas de fogo utilizadas em tiroteios em massa na Europa.

    89

    Estes estudos punham, nomeadamente, em evidência, tendo em conta o contexto de segurança, o risco acrescido da transformação de armas de fogo desativadas em armas de fogo operacionais e os problemas de identificação dos proprietários dessas armas, indicavam que a marcação e a desativação das armas de fogo não tinham sido objeto de harmonização pela Diretiva 91/477 e, por conseguinte, propunham uma revisão dessa diretiva tendo vista a harmonização das regras de marcação das armas de fogo e o reforço das regras de autorização para a aquisição e a detenção de armas de fogo, sugeriam a introdução de regras para as armas de fogo desativadas, indicavam a necessidade de estabelecer normas técnicas relativas à transformação das armas de alarme e de salva e das réplicas, consideravam necessário melhorar a recolha de dados sobre a produção, a aquisição e a detenção de armas de fogo e sobre as armas de fogo desativadas, as armas de alarme e as réplicas, recomendavam melhorias das regras aplicáveis à desativação das armas de fogo, à sua transformação e às armas de alarme e antigas, evocavam a necessidade de regulamentar as atividades dos armeiros e dos intermediários, estabeleciam uma correlação entre as quantidades de armas de fogo de mão detidas num Estado, por um lado, e a taxa de crimes envolvendo armas de fogo, por outro, indicavam que a implementação de uma regulamentação mais restritiva em matéria de acesso a armas de fogo era suscetível de reduzir significativamente tanto o número de crimes cometidos como de homicídios envolvendo armas de fogo, salientavam que quase todas as armas de fogo utilizadas em tiroteios em massa na Europa eram legalmente detidas, indicavam que essas armas eram armas de fogo automáticas, semiautomáticas, reativadas ou constituídas por componentes de diferentes armas e recomendavam, nomeadamente, a limitação do acesso legal a essas armas de fogo.

    90

    Por último, a Comissão invocou as informações obtidas no âmbito de uma consulta pública, em particular a consulta das autoridades dos Estados‑Membros, de armeiros, de peritos em armamento, de representantes de associações europeias de fabricantes de armas de fogo e de munições para uso civil, de atiradores, de colecionadores, de organizações sem fins lucrativos e de organismos de investigação. Referiu igualmente as informações obtidas no âmbito da consulta dos Estados‑Membros e dos Estados do Espaço Económico Europeu, bem como no âmbito dos trabalhos do comité instituído pela Diretiva 91/477, tendo a Comissão convidado os peritos dos Estados‑Membros a formular pareceres e observações sobre as principais conclusões constantes da avaliação REFIT.

    91

    Ainda no que se refere aos dados recolhidos durante o processo legislativo, o Parlamento menciona consultas às partes interessadas, visitas a um museu que coleciona armas, uma audiência pública, dados técnicos e estatísticos solicitados à Comissão e uma conferência sobre a Diretiva 91/477.

    92

    Finalmente, o Conselho indicou que tinha efetuado os seus trabalhos com base na proposta da Comissão e nos estudos referidos por essa instituição, em consultas com os deputados do Parlamento e em avaliações de impacto das medidas apresentadas pelos Estados‑Membros.

    93

    Os elementos referidos nos n.os 87 a 92 do presente acórdão permitem assim concluir que, durante o processo legislativo que conduziu à adoção da diretiva impugnada, as três instituições em causa dispunham, desde logo, de análises detalhadas do funcionamento do mercado interno das armas de fogo para uso civil, tal como este resultava da Diretiva 91/477 antes da sua alteração pela diretiva impugnada, que compreendiam recomendações específicas para melhorar esse funcionamento. Em seguida, contaram com numerosas análises e recomendações que abrangiam, nomeadamente, todas as questões de segurança suscitadas na argumentação da República Checa, conforme resumida nos n.os 69 a 73 do presente acórdão, e tendo em conta a experiência adquirida, em particular, no que respeita à perigosidade de determinadas armas de fogo no contexto de segurança avaliado. Por último, estas três instituições completaram estes dados com consultas de peritos e de representantes das partes interessadas e com avaliações das autoridades dos Estados‑Membros.

    94

    Face a estas considerações, há que julgar improcedente a primeira parte do segundo fundamento.

    Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa à proporcionalidade de certas disposições da diretiva impugnada

    – Argumentos das partes

    95

    Através da segunda parte do seu segundo fundamento, a República Checa considera, a título principal, que, em primeiro lugar, as medidas adotadas pela diretiva impugnada não são adequadas para realizar o objetivo de garantir um nível mais elevado de segurança pública, o qual não pode ser alcançado através de uma restrição suplementar da detenção legal de armas de fogo. Pelo contrário, a passagem à ilegalidade das armas de fogo legalmente detidas, em razão do endurecimento da regulamentação aplicável, é que comporta um risco real para a segurança pública.

    96

    Em particular, no que se refere à proibição de certas armas de fogo semiautomáticas, nos últimos dez anos não foi cometido nenhum atentado terrorista no território da União com essas armas legalmente detidas e nenhum estudo indica que essas armas tenham sido utilizadas em tiroteios em massa. A proibição das armas de fogo semiautomáticas convertidas de maneira definitiva a partir de armas de fogo automáticas, referidas no anexo I, parte II, categoria A, ponto 6, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, também não faz sentido do ponto de vista técnico, uma vez que a sua reconversão em armas de fogo automáticas é mais difícil e mais dispendiosa do que a aquisição de uma nova arma de fogo semiautomática comum e sua posterior conversão numa arma de fogo automática.

    97

    Do mesmo modo, o risco de utilização indevida de armas de fogo definitivamente inoperáveis e de réplicas de armas de fogo antigas é quase nulo, uma vez que a reativação de tais armas exige a utilização de ferramentas profissionais e é pelo menos tão complexa e dispendiosa como o fabrico de uma arma nova. O facto de as armas de fogo definitivamente inoperáveis estarem abrangidas pela mesma categoria que o mesmo tipo de armas operacionais demonstrada a natureza desproporcionada desta medida.

    98

    Em segundo lugar, a República Checa considera que as medidas adotadas pela diretiva impugnada não são necessárias para alcançar o objetivo de garantir um nível mais elevado de segurança pública. Segundo este Estado‑Membro, a proibição da detenção de armas de fogo semiautomáticas classificadas no anexo I, parte II, categoria A, pontos 6 a 8, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, é a medida mais estrita possível e respeita a todos os detentores atuais e potenciais dessas armas, não obstante a inexistência de um risco de cometerem uma infração penal. O endurecimento da regulamentação de outros tipos de armas de fogo, entre as quais as réplicas de armas de fogo antigas, também não é necessário, atendendo ao perigo mínimo associado a estas armas.

    99

    Assim, existem medidas menos restritivas, incluindo o combate sistemático contra a detenção ilegal de armas de fogo, o reforço da cooperação no âmbito da investigação de infrações penais graves, a melhoria do intercâmbio de informações entre os Estados‑Membros e o reforço da regulamentação sobre armas de alarme e armas semelhantes.

    100

    Em terceiro lugar, a República Checa alega que as medidas adotadas na diretiva impugnada são contrárias ao princípio da proporcionalidade stricto sensu. Com efeito, essas medidas restringem substancialmente o direito de propriedade de um grande número de detentores de armas de fogo não problemáticos e o legislador da União em nada atenuou, nem sequer examinou, este impacto.

    101

    A título subsidiário, na medida em que se deve considerar que a diretiva impugnada prossegue o objetivo de eliminar os entraves ao bom funcionamento do mercado interno, a República Checa sustenta, na segunda parte do seu segundo fundamento, que as medidas adotadas por esta diretiva também não respeitam as condições de adequação, de necessidade e de proporcionalidade stricto sensu. Estas medidas, que estabelecem regras ambíguas e impossíveis de implementar, não são, com efeito, adequadas para eliminar estes entraves.

    102

    Desde logo, o anexo I, parte II, categoria A, ponto 7, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, passou a incluir as armas de fogo semiautomáticas em que esteja inserido um carregador que exceda os limites estabelecidos. Em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, os Estados‑Membros são assim obrigados a apreender essas armas. Ora, o considerando 23 da diretiva impugnada indica que a possibilidade de tal carregador ser inserido não é determinante para a classificação das armas em causa. Assim, a mesma arma é, consoante o caso, uma arma abrangida pela categoria A ou pela categoria B, podendo a passagem de uma categoria para a outra efetuar‑se mudando de carregador. Ao mesmo tempo, a detenção desse carregador é sancionada, de acordo com o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, através da revogação da autorização de aquisição e de detenção de armas da categoria B, o que é distinto da sanção prevista no artigo 6.o, n.o 1, dessa mesma diretiva.

    103

    Em seguida, a República Checa salienta que a diretiva impugnada passou a classificar no anexo I, parte II, categoria A, ponto 8, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, sem especificar como devem ser identificadas, as armas de fogo semiautomáticas originalmente concebidas para disparar a partir do ombro, suscetíveis de ser reduzidas a um comprimento inferior a 60 cm sem perda de funcionalidades através de uma coronha rebatível ou telescópica. Ora, quase todas essas armas são concebidas para funcionar com ou sem as referidas coronhas, pelo que não há como identificar para que foram originalmente concebidas. Também não está especificado como determinar o comprimento das referidas armas, nomeadamente com ou sem os equipamentos do cano ou as diferentes extensões. Nestas condições, o aparafusamento de um compensador ou de um silenciador pode resultar numa mudança de categoria.

    104

    Por último, no que se refere à passagem de certas armas de fogo para a categoria A, a saber, as armas de fogo proibidas, a diretiva impugnada autoriza os Estados‑Membros a escolher uma abordagem diferente para com os atuais detentores dessas armas, o que significa que, em alguns Estados‑Membros, haverá sempre um grande número de detentores autorizados, ao passo que noutros a detenção dessas armas será proibida. Ora, esta situação cria novos entraves que não podem ser ultrapassados pelo cartão europeu de arma de fogo. Com efeito, o artigo 12.o, n.o 2, terceiro parágrafo, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, sujeita a possibilidade de viajar com estas armas à decisão dos outros Estados‑Membros, que podem doravante recusar aplicar a derrogação prevista no primeiro parágrafo do referido artigo 12.o, n.o 2, e sujeitar a viagem à concessão de uma autorização prévia.

    105

    Quanto à necessidade e à proporcionalidade stricto sensu das medidas adotadas pela diretiva impugnada, a República Checa remete para a argumentação resumida nos n.os 98 a 100 do presente acórdão. Considera, além disso, que a anulação das disposições impugnadas dessa diretiva deve conduzir à anulação da diretiva na totalidade.

    106

    A Hungria duvida, em primeiro lugar, do caráter proporcionado da marcação dos diferentes componentes das armas de fogo, o que pode causar perturbações significativas no âmbito dos controlos aeroportuários.

    107

    Em segundo lugar, esse Estado‑Membro considera contrária aos objetivos prosseguidos a obrigação de rever, no âmbito da prorrogação das autorizações prestes a caducarem, todas as condições da sua emissão.

    108

    Em terceiro lugar, a Hungria considera injustificado que as armas de fogo desativadas adquiridas ou detidas legalmente antes do termo do prazo de transposição da diretiva impugnada, mesmo sem uma autorização oficial, sejam classificadas na categoria de armas de fogo que têm obrigatoriamente de ser objeto de uma autorização. O reforço da regulamentação não altera em nada a inexistência de perigosidade destas armas, pelo que a nova regulamentação impõe novas obrigações aos seus detentores, sem que tal se justifique por qualquer razão imperiosa.

    109

    Em quarto lugar, a Hungria sustenta que a extensão do período obrigatório de conservação dos dados constantes dos registos oficiais de armas de fogo dos Estados‑Membros, a contar da data da sua destruição, constitui uma ingerência desproporcionada no direito à proteção dos dados pessoais, garantido pelo artigo 16.o TFUE e pelo artigo 8.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

    110

    A República da Polónia considera, em primeiro lugar, que, uma vez que não foi apresentada nenhuma prova da utilização, para fins criminosos no território da União, de armas de fogo automáticas convertidas em armas de fogo semiautomáticas legalmente detidas, a proibição de deter essas armas não reforça a segurança dos cidadãos da União.

    111

    Em segundo lugar, a proibição das armas de fogo semiautomáticas de percussão central, quando equipadas com um carregador cuja capacidade exceda os limites previstos, é igualmente inadequada para garantir a segurança dos cidadãos da União. Desde logo, uma vez que esses carregadores não estão ligados a uma arma específica, não é possível provar nem que esse carregador faz parte de uma arma de fogo desse tipo, nem que pertence à pessoa que detém essa arma, nem que uma pessoa detém uma arma conforme com a autorização emitida. Em seguida, a referida capacidade não tem uma incidência significativa nem na cadência do tiro nem no número de cartuchos que podem ser disparados. Por último, a referida proibição afeta de forma desproporcionada as pessoas que detêm armas de fogo da categoria B, mesmo que não tenham a possibilidade de inserir esses carregadores nas suas armas.

    112

    Em terceiro lugar, devido às considerações já expostas nos n.os 97 e 103 do presente acórdão, a República da Polónia considera que não existe nenhuma ligação entre, por um lado, a classificação, no anexo I, parte II, categoria C, pontos 6 e 7, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, das armas de fogo desativadas e das reproduções de armas de fogo antigas e a proibição das armas de fogo definidas nesse anexo, parte II, categoria A, ponto 8, e, por outro lado, a garantia de um elevado nível de segurança dos cidadãos da União.

    113

    Em quarto lugar, a República da Polónia sustenta que a classificação das armas de fogo referidas nos n.os 110 a 112 do presente acórdão é desproporcionada stricto sensu, uma vez que existem medidas preventivas mais eficazes e menos restritivas para reforçar a segurança pública, tais como exames psiquiátricos e psicológicos obrigatórios e uniformes para os adquirentes e os detentores de armas de fogo, bem como exames relativos às regras de utilização dessas armas e à regulamentação respeitante à sua detenção e à sua utilização.

    114

    O Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, contestam a argumentação da República Checa, bem como as argumentações apresentadas, em apoio desta, pela Hungria e pela República da Polónia.

    115

    Em particular, o Parlamento e o Conselho alegam que a argumentação da Hungria relativa a uma violação do artigo 16.o TFUE e do artigo 8.o da Carta é inadmissível, uma vez que contém um fundamento novo. O mesmo se aplica à argumentação tanto da Hungria como da República da Polónia através da qual estes Estados‑Membros põem em causa a proporcionalidade de disposições da diretiva impugnada que a República Checa não contesta.

    – Apreciação do Tribunal de Justiça

    116

    Em primeiro lugar, importa recordar que uma parte que, nos termos do artigo 40.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, é admitida a intervir num litígio pendente neste último não pode alterar o objeto do litígio conforme circunscrito pelos pedidos das partes principais. Daí decorre que só são admissíveis os argumentos de um interveniente que se inscrevam no quadro definido por esses pedidos e fundamentos (Acórdão de 7 de outubro de 2014, Alemanha/Conselho,C‑399/12, EU:C:2014:2258, n.o 27).

    117

    Ora, uma vez que a argumentação da Hungria resumida nos n.os 106, 107 e 109 do presente acórdão põe em causa, como alegam corretamente o Parlamento e o Conselho, a proporcionalidade de disposições da diretiva impugnada que não as impugnadas pela República Checa, deve considerar‑se que essa argumentação é suscetível de alterar o objeto do litígio conforme circunscrito pelos pedidos e fundamentos deste último Estado‑Membro e que a referida argumentação deve, como tal, ser julgada inadmissível.

    118

    Em segundo lugar, no que respeita ao objeto da fiscalização jurisdicional a exercer pelo Tribunal de Justiça, importa salientar que resulta da jurisprudência recordada nos n.os 77 a 79 do presente acórdão que não cabe ao Tribunal de Justiça substituir a apreciação do legislador da União pela sua própria apreciação.

    119

    Com efeito, segundo esta jurisprudência, incumbe ao Tribunal de Justiça verificar se o legislador da União excedeu manifestamente os limites do seu poder de apreciação no que se refere às apreciações e avaliações complexas que teve de efetuar no caso em apreço, optando por medidas manifestamente inadequadas face ao objetivo prosseguido.

    120

    Em terceiro lugar, quanto à proporcionalidade da proibição das armas de fogo semiautomáticas classificadas no anexo I, parte II, categoria A, pontos 6 a 8, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, primeiro, como alegam o Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, resulta nomeadamente dos estudos referidos nos n.os 88 e 89 do presente acórdão que é possível estabelecer uma correlação entre, por um lado, as quantidades de armas de fogo detidas num Estado, a taxa de crimes que envolvem essas armas, por outro, que a introdução de uma regulamentação que restrinja o acesso às armas de fogo é suscetível de ter um impacto significativo na redução do número tanto dos crimes cometidos como dos homicídios que envolvem armas de fogo, que a quase totalidade das armas de fogo utilizadas em tiroteios em massa na Europa eram legalmente detidas e que essas armas eram armas de fogo automáticas, semiautomáticas, reativadas a partir de armas de fogo desativadas ou constituídas por componentes de diferentes armas.

    121

    Além disso, embora alguns desses estudos também recomendem as medidas evocadas pela República Checa e, em seu apoio, pela República da Polónia, conforme resumidas nos n.os 99 e 113 do presente acórdão, é, como sublinhou o Parlamento, a título complementar de um endurecimento do regime de aquisição e de detenção de armas de fogo, em particular das armas mais perigosas, e não alternativas com uma eficácia igual à proibição das armas de fogo em causa.

    122

    Segundo, a proibição das armas de fogo classificadas no anexo I, parte II, categoria A, pontos 6 a 8, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, é acompanhada, como salientam o Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, pelas múltiplas exceções e derrogações previstas no artigo 6.o, n.os 2 a 6, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, que reduzem o impacto dessa proibição num grande número de potenciais detentores ou adquirentes dessas armas e visam, assim, garantir a proporcionalidade da referida proibição.

    123

    Terceiro, no que se refere à definição das armas de fogo classificadas no anexo I, parte II, categoria A, pontos 7 e 8, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, como alegam o Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, os referidos pontos identificam de maneira clara as armas de fogo proibidas em função quer da capacidade do carregador inserido quer do comprimento da arma. Em particular, nada se opõe à interpretação proposta por estas instituições, segundo a qual as armas construídas para permitir simultaneamente o tiro ao ombro e o tiro à mão livre devem ser consideradas como armas concebidas originalmente para disparar ao ombro, pelo que estão abrangidas pelo ponto 8 da referida categoria A.

    124

    Do mesmo modo, no que se refere ao considerando 23 da diretiva impugnada, bem como ao artigo 5.o, n.o 3, e ao artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, por um lado, como salientaram o Parlamento e o Conselho, é manifestamente para impedir tentativas de contornar a classificação de certas armas de fogo nas diferentes categorias que o referido artigo 5.o, n.o 3, proíbe, em substância, a posse, em simultâneo, de uma arma de fogo semiautomática abrangida pelo anexo I, parte II, categoria B, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, e de um carregador que ultrapasse os limites referidos nesse anexo, parte II, categoria A, ponto 7. Por outro lado, o referido considerando 23 e o referido artigo 6.o, n.o 1, limitam‑se, respetivamente, a fornecer uma explicação para a classificação em causa e a prever a proibição em questão.

    125

    Quarto, uma vez que os Estados‑Membros já podiam proibir as armas de fogo abrangidas, nomeadamente, pelo anexo I, parte II, categorias B e C, da Diretiva 91/477 antes da classificação dessas armas na categoria A pela diretiva impugnada, as três instituições em causa sustentam, com razão, que as disposições relativas ao cartão europeu de arma de fogo e o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, não alteram o estado do direito, limitando‑se a registá‑lo.

    126

    Nestas condições, não parece que as referidas instituições tenham excedido o seu amplo poder de apreciação. Com efeito, contrariamente ao que alega a República Checa, apoiada pela Hungria e pela República da Polónia, as medidas criticadas não podem ser consideradas manifestamente inadequadas em relação aos objetivos, respetivamente, de garantir a segurança pública dos cidadãos da União e de facilitar o funcionamento do mercado interno.

    127

    Em quarto lugar, no que respeita à proporcionalidade da inclusão das armas de fogo desativadas e das reproduções de armas de fogo antigas no anexo I, parte II, categoria A ou C, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, primeiro, o Parlamento e, em seu apoio, a Comissão esclareceram que os peritos certificaram, no âmbito das audições referidas nos n.os 90 e 91 do presente acórdão, que o risco de reativação de uma arma de fogo desativada não pode ser completamente excluído. Ora, já foi salientado, no n.o 120 do presente acórdão, que resulta nomeadamente dos estudos referidos nos n.os 88 e 89 deste acórdão que as armas de fogo utilizadas nos tiroteios em massa na Europa incluíam armas reativadas a partir de armas de fogo desativadas ou constituídas por componentes provenientes de armas diferentes e que eram legalmente detidas.

    128

    Segundo, como recordam o Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, é pacífico que a inclusão das armas de fogo desativadas no anexo I, parte II, categoria C, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, se limita a criar, em substância, a obrigação de declarar essas armas e que, na medida em que essas armas devam ser incluídas na categoria A do referido anexo I, parte II, são aplicáveis as exceções e derrogações previstas no artigo 6.o, n.os 2 a 6, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada. Além disso, nem a República Checa nem, em seu apoio, a Hungria ou a República da Polónia apresentaram qualquer elemento concreto suscetível de pôr em causa a argumentação do Parlamento segundo a qual a circunstância de não se declarar uma arma de fogo desativada tornar ilegal a sua detenção não aumenta, em si mesma, o risco para a segurança pública.

    129

    Terceiro, no que se refere às reproduções de armas antigas, é igualmente forçoso constatar que nem a República Checa nem, em seu apoio, a Hungria ou a República da Polónia apresentaram qualquer elemento concreto suscetível de pôr em causa as constatações, operadas no considerando 27 da diretiva impugnada e invocadas pelo Parlamento e pelo Conselho, apoiados pela Comissão, de que tais reproduções, por um lado, não têm a mesma importância ou o mesmo interesse histórico que as verdadeiras armas antigas e, por outro, que podem ser fabricadas utilizando técnicas modernas que podem melhorar a sua durabilidade e fiabilidade, sugerindo assim que tais armas são suscetíveis de apresentar uma perigosidade superior à das verdadeiras armas antigas.

    130

    Quarto, no que se refere às alternativas mencionadas pela República Checa e, em seu apoio, pela República da Polónia, basta remeter para a conclusão retirada no n.o 121 do presente acórdão.

    131

    Nestas condições, importa igualmente observar que não parece que as três instituições tenham excedido o seu amplo poder de apreciação e que, contrariamente ao que alega a República Checa, apoiada pela Hungria e pela República da Polónia, as medidas criticadas não podem ser consideradas manifestamente inadequadas em relação ao objetivo de garantir a segurança pública dos cidadãos da União.

    132

    Em quinto lugar, a República Checa, apoiada pela Hungria e pela República da Polónia, alega, nomeadamente, que a proibição das armas de fogo semiautomáticas previstas no anexo I, parte II, categoria A, pontos 6 a 8, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, constitui uma ingerência desmedida no direito de propriedade dos seus detentores.

    133

    A este respeito, importa recordar que, embora o artigo 17.o, n.o 1, da Carta não proíba, de forma absoluta, as privações de propriedade, esta disposição prevê, contudo, que estas só podem ocorrer por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela perda dessa propriedade, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulada por lei na medida necessária ao interesse geral.

    134

    No que se refere a essas exigências, importa ter igualmente em conta as precisões que figuram no artigo 52.o, n.o 1, da Carta, disposição segundo a qual podem ser introduzidas restrições ao exercício dos direitos reconhecidos pela Carta, desde que estas restrições estejam previstas na lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e que, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e das liberdades de terceiros [Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Tele2 Sverige e Watson e o., C‑203/15 e C‑698/15, EU:C:2016:970, n.o 94 e jurisprudência referida, e de 21 de maio de 2019, Comissão/Hungria (Usufruto sobre terrenos agrícolas), C‑235/17, EU:C:2019:432, n.o 88].

    135

    No caso vertente, desde logo, não é contestado que o artigo 1.o, ponto 7, alínea b), da diretiva impugnada acrescenta ao artigo 7.o da Diretiva 91/477 um n.o 4‑A, que permite, em substância, aos Estados‑Membros manter as autorizações já concedidas para essas armas, desde que estas tenham sido legalmente adquiridas e registadas antes de 13 de junho de 2017. Por conseguinte, por um lado, a diretiva impugnada não impõe a expropriação dos detentores de tais armas que tenham sido adquiridas antes da sua entrada em vigor e, por outro, deve considerar‑se que qualquer privação de propriedade dessas armas em consequência da transposição da diretiva impugnada para o direito dos Estados‑Membros foi efetuada em virtude da escolha dos Estados‑Membros.

    136

    Em seguida, na medida em que os Estados‑Membros são obrigados, por força dessa diretiva, a proibir, em princípio, a aquisição e a detenção dessas armas após a entrada em vigor da referida diretiva, essa proibição, por um lado, limita‑se em princípio a impedir a aquisição da propriedade de um bem e, por outro, é acompanhada pelo conjunto de exceções e derrogações previstas no artigo 6.o, n.os 2 a 6, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, que visam, em particular, a proteção das infraestruturas críticas, dos comboios de valor elevado e das instalações sensíveis, bem como a situação específica dos colecionadores, dos armeiros, dos intermediários, dos museus e dos atiradores desportivos.

    137

    Por último, na medida em que a República Checa e, em seu apoio, a Hungria e a República da Polónia pretendem, através das suas respetivas argumentações, pôr em causa, à luz do direito de propriedade, a proibição de adquirir a propriedade de certas armas e outras medidas da diretiva impugnada que não essas proibições, basta salientar que essas outras medidas constituem uma regulamentação da utilização dos bens de interesse geral, na aceção do artigo 17.o, n.o 1, terceiro período, da Carta, e que, atendendo aos elementos expostos nos n.os 120 a 131 do presente acórdão, não está demonstrado que essas medidas excedam, a este respeito, o que é necessário para este efeito.

    138

    Daqui resulta que não está demonstrado, com base nos elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, que as limitações introduzidas pela diretiva impugnada ao exercício do direito de propriedade reconhecido pela Carta, no que se refere, nomeadamente, às armas de fogo semiautomáticas previstas no anexo I, parte II, categoria A, pontos 6 a 8, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, constitua uma ingerência excessiva nesse direito.

    139

    Face às considerações precedentes, a segunda parte do segundo fundamento e, portanto, o segundo fundamento no seu todo devem ser julgados improcedentes.

    Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima

    Argumentos das partes

    140

    Com o seu terceiro fundamento, a República Checa considera, antes de mais, que as circunstâncias enunciadas nos n.os 102 e 103 do presente acórdão não satisfazem as exigências de clareza e de precisão exigidas pelo princípio da segurança jurídica.

    141

    Em seguida, as circunstâncias enunciadas no n.o 104 do presente acórdão constituem, segundo esse Estado‑Membro, uma violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima. Com efeito, se um Estado‑Membro fizesse uso da derrogação para a detenção de determinadas armas de fogo agora proibidas por pessoas que possuíam essa autorização na data de entrada em vigor da diretiva impugnada, seria obrigado a continuar a conceder as autorizações pedidas com base na regulamentação nacional vigente, entre o momento dessa entrada em vigor e o momento de adoção das medidas de transposição, mas deveria em seguida retirar a essas pessoas as referidas autorizações e as próprias armas, uma vez que essas pessoas não podem, ratione temporis, beneficiar dessa derrogação.

    142

    Ora, tal significa que o Estado‑Membro em causa deve, em violação dos referidos princípios, aplicar retroativamente a nova proibição a situações adquiridas antes da sua entrada em vigor ou dar efeito direto à diretiva impugnada, em detrimento dos particulares em causa. Portanto, a possibilidade de aplicar a referida derrogação deixaria de existir no dia da entrada em vigor da diretiva impugnada, sendo que os Estados‑Membros não poderiam, por força do direito da União, limitá‑la a essa data.

    143

    Por último, a República Checa entende que as considerações precedentes devem conduzir à anulação do artigo 1.o, n.os 6, 7 e 19, da diretiva impugnada e, consequentemente, dessa diretiva na totalidade.

    144

    A Hungria alega que as circunstâncias expostas nos n.os 102 e 111 do presente acórdão violam o princípio da segurança jurídica, na medida em que não são suficientemente claras para que os direitos e obrigações dos interessados sejam determinados de forma inequívoca. Assim, não é possível determinar claramente se a autorização de aquisição e de detenção de uma arma de fogo classificada no anexo I, parte II, categoria B, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, deve ser retirada independentemente da questão de saber se foi constatado que a pessoa em causa tem na sua posse um carregador que ultrapassa os limites previstos, quando essa pessoa tenha na sua posse armas de fogo semiautomáticas de percussão central.

    145

    Esse Estado‑Membro considera igualmente que o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, nos termos do qual os intermediários e os armeiros podem recusar qualquer transação tendo em vista a aquisição de munições completas ou de componentes de munições, caso haja motivos razoáveis para a considerarem suspeita devido à sua natureza, tão‑pouco é compatível com o princípio da segurança jurídica. Esta disposição, na medida em que permite que os profissionais ponham em causa a decisão da autoridade emissora, pode constituir uma discriminação e uma utilização abusiva.

    146

    O Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, contestam a argumentação apresentada pela República Checa e, em apoio desta, pela Hungria.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    147

    Em primeiro lugar, há que julgar inadmissível, à luz da jurisprudência recordada no n.o 116 do presente acórdão, a argumentação da Hungria resumida no n.o 145 do presente acórdão, uma vez que põe em causa a legalidade de uma disposição da diretiva impugnada que não foi contestada pela República Checa e pretende, assim, alterar o objeto do litígio tal como definido pelos pedidos e fundamentos invocados por aquele Estado‑Membro.

    148

    Em segundo lugar, no que se refere à compatibilidade das definições constantes do anexo I, parte II, categoria A, pontos 7 e 8, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, com o princípio da segurança jurídica, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o princípio da segurança jurídica exige que as normas jurídicas sejam claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, para que os interessados se possam orientar nas situações e relações jurídicas abrangidas pela ordem jurídica da União (Acórdão de 5 de maio de 2015, Espanha/Conselho,C‑147/13, EU:C:2015:299, n.o 79 e jurisprudência referida).

    149

    No que respeita à compatibilidade deste princípio com as definições constantes do anexo I, parte II, categoria A, pontos 7 e 8, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, impõe‑se concluir que, à semelhança do que foi já referido nos n.os 123 e 124 do presente acórdão, esses pontos 7 e 8 identificam de forma clara, precisa e previsível as armas de fogo proibidas em função quer do carregador inserido quer do comprimento da arma. Em particular, como alegam corretamente o Parlamento e o Conselho, se as armas de fogo forem construídas para permitir simultaneamente o disparo a partir do ombro e o disparo de mão livre, essas armas podem ser consideradas originalmente concebidas para o tiro a partir do ombro, pelo que estão abrangidas pelo ponto 8 da referida categoria A.

    150

    Além disso, contrariamente ao que alega a República Checa, apoiada pela Hungria, uma leitura conjugada do anexo I, parte II, categoria A, ponto 7, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, com o considerando 23 dessa diretiva, e com os artigos 5.o, n.o 3, e 6.o, n.o 1, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, não é suscetível de criar qualquer confusão.

    151

    Com efeito, como alegam corretamente o Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, é para atenuar as tentativas de contornar as novas proibições resultantes da inclusão daquele ponto 7 no anexo I, parte II, categoria A, da Diretiva 91/477 que o referido artigo 5.o, n.o 3, proíbe, em substância, a posse, em simultâneo, de uma arma de fogo semiautomática abrangida pelo anexo I, parte II, categoria B, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, e de um carregador que ultrapasse os limites previstos no referido ponto. De resto, o referido considerando 23 e o referido artigo 6.o, n.o 1, limitam‑se a fornecer uma explicação para a classificação em causa e a prever a proibição em questão.

    152

    Conclui‑se que a República Checa não demonstrou, nem, de resto, a Hungria, que a apoia, que estas disposições constituem uma violação do princípio da segurança jurídica.

    153

    Em terceiro lugar, no que respeita à compatibilidade da derrogação prevista no artigo 7.o, n.o 4‑A, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, com o princípio da proteção da confiança legítima, importa recordar que o direito de exigir a proteção da confiança legítima se estende, enquanto corolário do princípio da segurança jurídica recordado no n.o 148 do presente acórdão, a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulte que a Administração da União fez nascer na sua esfera jurídica esperanças fundadas. Constituem garantias suscetíveis de fazer surgir tais expectativas, qualquer que seja a forma como são comunicadas, as informações precisas, incondicionais e concordantes que emanam de fontes autorizadas e fiáveis. Em contrapartida, ninguém pode invocar uma violação deste princípio quando a Administração não tenha fornecido garantias precisas. Assim sendo, quando um operador económico prudente e avisado estiver em condições de prever a adoção de uma medida da União suscetível de afetar os seus interesses, não pode invocar o princípio da proteção da confiança legítima no momento em que essa medida for adotada [Acórdão de 30 de abril de 2019, Itália/Conselho (Quota de pesca do espadarte mediterrânico), C‑611/17, EU:C:2019:332, n.o 112 e jurisprudência referida].

    154

    No caso vertente, há que salientar, desde logo, que a disposição criticada visa prevenir um aumento, entre a entrada em vigor da diretiva impugnada, em 13 de junho de 2017, e o termo do seu prazo de transposição para o direito dos Estados‑Membros, em 14 de setembro de 2018, de aquisições de armas de fogo proibidas a partir desta data.

    155

    Em seguida, uma vez que a diretiva impugnada foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia 20 dias antes da sua entrada em vigor, qualquer pessoa que pretendesse adquirir, após a sua entrada em vigor, uma arma desse tipo podia saber que, por força dessa diretiva, o seu Estado‑Membro seria obrigado, o mais tardar no termo do período de transposição da referida diretiva, a revogar todas as autorizações concedidas para essa arma.

    156

    Por último, nada impedia os Estados‑Membros de alterar a sua legislação para limitar a 14 de setembro de 2018 a validade das autorizações concedidas após 13 de junho de 2017.

    157

    Nestas condições, não está demonstrado, à luz da jurisprudência recordada no n.o 153 do presente acórdão, que o legislador da União possa ter criado uma confiança legítima nos particulares que pretendessem adquirir após 13 de junho de 2017 armas abrangidas pelo anexo I, parte II, categoria A, pontos 7 e 8, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, nem que tenha imposto aos Estados‑Membros qualquer aplicação retroativa da diretiva impugnada.

    158

    Portanto, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

    Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da não discriminação

    Argumentos das partes

    159

    Com o seu quarto fundamento, a República Checa alega que a derrogação prevista no artigo 6.o, n.o 6, segundo parágrafo, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, foi feita à medida da Confederação Suíça, para a qual a diretiva impugnada constitui, nos termos do seu considerando 36, um desenvolvimento das disposições do acervo de Schengen, na aceção do Acordo entre a União Europeia, a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça relativo à Associação da Confederação Suíça à Execução, à Aplicação e ao Desenvolvimento do Acervo de Schengen. Ora, uma vez que as suas condições de aplicação são desprovidas de qualquer fundamentação à luz dos objetivos da diretiva impugnada, aquele artigo constitui uma disposição discriminatória que deve ser anulada.

    160

    Com efeito, segundo este Estado‑Membro, a condição relativa à existência de um sistema baseado no serviço militar obrigatório e que, nos últimos cinquenta anos, tenha tido um sistema de transferência de armas de fogo militares para pessoas que deixam o exército, tal como a condição de que não se podem tratar de armas de fogo abrangidas pelo anexo I, parte II, categoria A, ponto 6, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, não podem ser justificadas por nenhum dos objetivos da diretiva impugnada e fazem com que esta derrogação se aplique apenas à Confederação Suíça, objetivo que foi expressamente reconhecido durante o processo legislativo.

    161

    Ora, uma vez que nenhum Estado‑Membro pode, devido à condição de natureza histórica assim estabelecida, beneficiar da referida derrogação, esta introduz uma diferença de tratamento entre, por um lado, a Confederação Suíça e, por outro, os Estados‑Membros da União e os Estados‑Membros da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) diferentes da Confederação Suíça, que não pode ser justificada objetivamente. Com efeito, a própria duração da existência do sistema relativo à conservação das armas de fogo após o termo das obrigações militares não assegura, em caso algum, um nível mais elevado de garantias em matéria de segurança. Mesmo que se admita que a duração de tal sistema pudesse ter alguma relevância, manter o prazo dos últimos cinquenta anos é, contudo, arbitrário e desproporcionado.

    162

    A Hungria observa que, se o artigo 6.o, n.o 6, segundo parágrafo, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, for interpretado no sentido de que apenas se destina a clarificar as consequências do primeiro parágrafo desse artigo 6.o, n.o 6, para os Estados que, em conformidade com uma longa tradição, autorizam os veteranos, uma vez cumpridas as suas obrigações militares, a conservarem a sua arma, então esta disposição impõe uma exigência suplementar injustificada às pessoas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, visto que seria necessário verificar periodicamente se essas pessoas, contrariamente aos atiradores desportivos que não efetuaram o serviço militar e que são titulares de uma licença com base no primeiro parágrafo, constituem uma ameaça para a segurança pública.

    163

    O Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, contestam a argumentação apresentada pela República Checa e, em apoio desta, pela Hungria.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    164

    Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (Acórdão de 29 de março de 2012, Comissão/Polónia, C‑504/09 P, EU:C:2012:178, n.o 62 e jurisprudência referida).

    165

    Portanto, apesar de não ser contestado que, como alega a República Checa, apoiada pela Hungria, as condições previstas para beneficiar da derrogação prevista no artigo 6.o, n.o 6, segundo parágrafo, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, apenas são preenchidas pela Confederação Suíça, para que o quarto fundamento possa prosperar será ainda necessário que a Confederação Suíça, por um lado, e os Estados‑Membros da União e os Estados‑Membros da EFTA diferentes da Confederação Suíça, por outro, se encontrem, no que respeita ao objeto dessa derrogação, numa situação comparável.

    166

    Ora, como salientou a advogada‑geral nos n.os 139 e 140 das suas conclusões, a condição relativa à existência de um sistema baseado no serviço militar obrigatório e que, nos últimos cinquenta anos, tenha tido um sistema de transferência de armas de fogo militares para pessoas que deixam o exército tem em conta, simultaneamente, a cultura e as tradições da Confederação Suíça e o facto de, em virtude dessas tradições, o referido Estado possuir uma experiência e uma capacidade comprovada de localizar e de vigiar as pessoas e as armas em causa, que permitem presumir que os objetivos de segurança pública prosseguidos pela diretiva impugnada serão, apesar da referida derrogação, alcançados.

    167

    Uma vez que não se pode presumir que seja esse o caso de Estados que não têm nem a tradição de um sistema de transferência de armas de fogo militares nem, consequentemente, a experiência e a capacidade comprovada de localizar e de vigiar as pessoas e as armas em causa, deve considerar‑se que apenas se encontram numa situação comparável à da Confederação Suíça os Estados que também tenham, desde longa data, tal sistema. Ora, os autos submetidos ao Tribunal de Justiça não contêm indicações a este respeito nem, como tal, elementos suscetíveis de demonstrar uma discriminação dos Estados‑Membros da União e da EFTA.

    168

    Na medida em que a República Checa critica, por ser arbitrária, a circunstância de o legislador da União ter adotado a condição dos últimos 50 anos relativa à existência de um sistema de transferência de armas de fogo militares, bem como a condição de apenas poder tratar‑se de armas de fogo abrangidas pelo anexo I, parte II, categoria A, ponto 6, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, basta salientar que esse Estado‑Membro não referiu nenhum outro Estado que tenha há menos de 50 anos um sistema de transferência de armas de fogo militares, ou mesmo de outras armas que não as desta categoria, pelo que essa crítica deve, em qualquer caso, ser julgada improcedente por ser inoperante.

    169

    Por último, na medida em que a Hungria alega que o artigo 6.o, n.o 6, segundo parágrafo, da Diretiva 91/477, conforme alterada pela diretiva impugnada, impõe, em relação ao primeiro parágrafo desse artigo 6.o, n.o 6, a exigência «suplementar» de se verificar periodicamente se as pessoas em causa não constituem uma ameaça para a segurança pública, basta salientar que o referido segundo parágrafo prevê uma derrogação distinta da que figura no primeiro parágrafo e que essa derrogação distinta está sujeita a condições específicas. Portanto, uma vez que estes parágrafos visam situações diferentes, a circunstância de preverem condições distintas não constitui uma discriminação.

    170

    Face às considerações precedentes, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

    171

    Por conseguinte, deve ser negado provimento ao recurso na totalidade.

    Quanto às despesas

    172

    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Parlamento e o Conselho pedido a condenação da República Checa e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas, incluindo no pagamento das despesas relativas ao processo de medidas provisórias.

    173

    Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a República Francesa, a Hungria, a República da Polónia e a Comissão suportarão as suas próprias despesas, na qualidade de intervenientes no litígio.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    A República Checa é condenada a suportar as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia.

     

    3)

    A República Francesa, a Hungria, a República da Polónia e a Comissão Europeia suportarão as suas próprias despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: checo.

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