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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62017CJ0544

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 7 de novembro de 2018.
    BPC Lux 2 Sàrl e o. contra Comissão Europeia.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Recurso de anulação — Admissibilidade — Auxílio das autoridades portuguesas à resolução da instituição financeira Banco Espírito Santo SA — Criação e capitalização de um banco de transição — Decisão da Comissão Europeia que declara o auxílio compatível com o mercado interno — Interesse em agir — Recurso nos tribunais nacionais destinado a obter a anulação da decisão de resolução do Banco Espírito Santo.
    Processo C-544/17 P.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2018:880

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    7 de novembro de 2018 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Recurso de anulação — Admissibilidade — Auxílio das autoridades portuguesas à resolução da instituição financeira Banco Espírito Santo SA — Criação e capitalização de um banco de transição — Decisão da Comissão Europeia que declara o auxílio compatível com o mercado interno — Interesse em agir — Recurso nos tribunais nacionais destinado a obter a anulação da decisão de resolução do Banco Espírito Santo»

    No processo C‑544/17 P,

    que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 18 de setembro de 2017,

    BPC Lux 2 Sàrl, com sede em Senningerberg (Luxemburgo), e as outras recorrentes cujos nomes figuram no anexo do presente recurso, representadas por J. Webber e M. Steenson, solicitors, B. Woolgar, barrister, e K. Bacon, QC,

    recorrentes,

    sendo as outras partes no processo:

    Comissão Europeia, representada por L. Flynn e P.‑J. Loewenthal, na qualidade de agentes,

    recorrida em primeira instância,

    República Portuguesa,

    interveniente em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, J.‑C. Bonichot, E. Regan (relator), C. G. Fernlund e S. Rodin, juízes,

    advogado‑geral: P. Mengozzi,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o seu recurso, as recorrentes pedem a anulação do Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 19 de julho de 2017, BPC Lux 2 e o./Comissão (T‑812/14, não publicado, a seguir «despacho recorrido», EU:T:2017:560), que julgou inadmissível o recurso de anulação que interpuseram da Decisão C (2014) 5682 final da Comissão, de 3 de agosto de 2014, relativa ao auxílio de Estado SA.39250 (2014/N) — Portugal — Resolução do Banco Espírito Santo (a seguir «decisão controvertida»).

    Antecedentes do litígio e decisão controvertida

    2

    As recorrentes são credoras subordinadas do Banco Espírito Santo SA (a seguir «BES»), titulares de créditos de categoria 2 inferior.

    3

    Em maio de 2014, uma auditoria efetuada pelo Banco de Portugal junto do grupo Espírito Santo International SA tinha concluído que este último se encontrava numa situação financeira difícil, suscetível de ter um impacto negativo na solvência do BES, do qual era acionista maioritário.

    4

    Em 30 de julho de 2014, o BES publicou os seus resultados do primeiro semestre de 2014, os quais indicavam uma elevada perda financeira. Seguiu‑se uma importante quebra nos seus depósitos durante o mês de julho de 2014.

    5

    Nesse contexto, as autoridades portuguesas decidiram submeter o BES a um procedimento de resolução, que implicou a criação de um estabelecimento de crédito temporário, o «banco de transição», para o qual foram transferidas as atividades comerciais sãs do BES. Uma vez terminadas essas transferências de ativos e passivos para o banco de transição, os demais ativos e passivos residuais deveriam permanecer no BES, que deveria tornar‑se no «banco mau».

    6

    Em 3 de agosto de 2014, as autoridades portuguesas notificaram a Comissão Europeia de um projeto de auxílio de Estado no montante de 4899 milhões de euros concedido através do Fundo de Resolução (Portugal), destinado a fornecer ao banco de transição um capital inicial. Juntamente com esta notificação, as autoridades portuguesas transmitiram à Comissão dois relatórios do Banco de Portugal, a saber, por um lado, uma avaliação das opções possíveis para a resolução do BES, concluindo que a criação de um banco de transição era a única solução que permitiria preservar a estabilidade financeira da República Portuguesa, e, por outro, uma descrição do processo a seguir para a resolução do BES. Na sequência deste último relatório, as autoridades portuguesas apresentaram à Comissão compromissos relativos quer ao banco de transição quer ao banco mau e à sua liquidação ordenada. Os compromissos comuns a estes dois estabelecimentos diziam respeito à gestão dos ativos existentes, à imposição de tetos salariais, à proibição de aquisição de participações, à proibição de pagamento de cupões ou de dividendos e à proibição de fazer publicidade com o apoio estatal.

    7

    No mesmo dia, no termo da fase preliminar de apreciação, ao abrigo do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, a Comissão adotou a decisão controvertida, na qual concluiu que a medida notificada, concretamente, a injeção de capital no banco de transição no montante de 4899 milhões de euros por parte das autoridades portuguesas, acompanhada dos compromissos assumidos por essas autoridades, constituía um auxílio de Estado compatível com o mercado interno ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE (a seguir «auxílio de Estado em causa»).

    8

    Relativamente aos compromissos apresentados pelas autoridades portuguesas, era previsto, nomeadamente, que nenhum dos ativos dos acionistas e dos detentores de créditos subordinados, nem nenhum instrumento híbrido, podia ser transferido para o banco de transição. Foi igualmente indicado que a liquidação do BES devia ocorrer o mais tardar até 31 de dezembro de 2016.

    Tramitação processual no Tribunal Geral e despacho recorrido

    9

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de dezembro de 2014, as recorrentes interpuseram um recurso de anulação da decisão controvertida.

    10

    Em 7 de dezembro de 2016, o Tribunal Geral interrogou as recorrentes sobre o seu interesse em agir contra a decisão controvertida.

    11

    Em 23 de janeiro de 2017, as recorrentes responderam à questão do Tribunal Geral.

    12

    No despacho recorrido, o Tribunal Geral julgou inadmissível o recurso depois de ter concluído oficiosamente pela falta de interesse em agir das recorrentes contra a decisão controvertida. O Tribunal Geral considerou que não era necessário pronunciar‑se sobre a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão e relativa à falta de legitimidade ativa, por parte das recorrentes, para recorrer da referida decisão.

    Pedidos das partes

    13

    Com o seu recurso, as recorrentes pedem que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular o despacho recorrido;

    remeter o processo ao Tribunal Geral para uma reapreciação do mérito; e

    condenar a Comissão nas despesas.

    14

    A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar provimento ao recurso; e

    condenar as recorrentes nas despesas.

    Quanto ao presente recurso

    Argumentos das partes

    15

    As recorrentes invocam um fundamento único, relativo a um erro de direito do Tribunal Geral ao declarar que não tinham interesse na anulação da decisão controvertida.

    16

    Afirmam que resulta dos n.os 27 e 33 do despacho recorrido que as recorrentes alegaram perante o Tribunal Geral que a anulação da decisão controvertida aumentaria de forma muito significativa a probabilidade de um desfecho positivo do recurso de anulação que tinham interposto nos tribunais nacionais contra a decisão de resolução do BES e que esse desfecho teria como consequência quer a anulação da resolução do BES quer o direito de exigir indemnizações. Em especial, afirmam ter apresentado uma declaração de um advogado português, na qual este expunha em pormenor as razões pelas quais a anulação da decisão controvertida teria um efeito no referido processo nacional, apesar de o seu objeto ser diferente do objeto do recurso no Tribunal Geral. Além disso, consideram que essa prova não foi contestada em primeira instância.

    17

    Por outro lado, como declarou o Tribunal de Justiça nos n.os 68, 69 e 79 do Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão (C‑33/14 P, EU:C:2015:609), o facto de a anulação de uma decisão pelo juiz da União ser suscetível de conferir um benefício no âmbito de um recurso interposto nos tribunais nacionais, incluindo uma ação de indemnização, basta, em princípio, para fundar esse interesse em agir perante os tribunais da União. O despacho recorrido não contradiz esse princípio.

    18

    No entanto, o Tribunal Geral concluiu, nos n.os 34 e 35 do despacho recorrido, que, uma vez que o processo perante ele pendente e o que foi instaurado nos tribunais portugueses não tinham o mesmo objeto, a anulação da decisão controvertida não teria um efeito na interpretação por estes últimos das regras constitucionais portuguesas. Ora, segundo as recorrentes, cabe em exclusivo aos tribunais portugueses, com base no direito português, tirar essa conclusão, e não ao juiz da União com base no direito da União. Assim, o Tribunal Geral substituiu‑se indevidamente aos tribunais nacionais na apreciação do mérito do recurso nacional.

    19

    A título subsidiário, as recorrentes alegam que, mesmo que o Tribunal Geral tivesse o direito de apreciar o mérito dos argumentos jurídicos de direito português expostos na declaração do seu advogado português, a sua apreciação desvirtuou manifestamente as provas que lhe foram apresentadas.

    20

    Contestando, a Comissão alega, em primeiro lugar, que, relativamente à impugnação pelas recorrentes da interpretação do direito português efetuada pelo Tribunal Geral, essa interpretação constitui uma questão de facto que escapa, em princípio, à fiscalização do Tribunal de Justiça. O Tribunal de Justiça só é competente para verificar se houve desvirtuação do direito nacional pelo Tribunal Geral. Essa desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, sem que seja necessário proceder a uma reapreciação dos factos e das provas.

    21

    Ora, no caso em apreço, as recorrentes não indicam que factos ou elementos de prova foram desvirtuados pelo Tribunal Geral, nem demonstram a existência de erros cometidos pelo Tribunal Geral que poderiam tê‑lo levado a desvirtuar os factos ou as provas. Contrariamente ao que afirmam as recorrentes, o Tribunal Geral não concluiu, por sua própria iniciativa, que os argumentos expostos pelo seu advogado português na sua declaração não procediam. Com efeito, considerou que, uma vez que o objeto do processo perante ele pendente era diferente do objeto do processo instaurado nos tribunais portugueses, o que não é contestado pelas recorrentes, a anulação da decisão controvertida não pode ter tido um efeito na interpretação do direito português efetuada pelo tribunal nacional. Por conseguinte, a Comissão considera que o recurso das recorrentes é manifestamente inadmissível, uma vez que diz respeito a uma questão de facto.

    22

    Em seguida, a Comissão recorda que é ao recorrente que incumbe apresentar a prova do seu interesse em agir. Não cabe ao Tribunal Geral procurar e identificar, nos anexos, os fundamentos que poderia considerar como fundamento do recurso, tendo os anexos uma função meramente probatória e instrumental.

    23

    No caso em apreço, embora as recorrentes aleguem que a anulação da decisão controvertida confortaria o argumento que apresentaram de que a resolução do BES era desproporcionada à luz do direito português, não foi dada nenhuma explicação em apoio desta afirmação na resposta das recorrentes relativamente ao interesse em agir. Em especial, as explicações dadas pelas recorrentes ao Tribunal Geral a este respeito encontravam‑se não no próprio texto desta resposta, mas apenas numa declaração redigida por um advogado português, anexada à mesma.

    24

    Na resposta das recorrentes relativamente ao seu interesse em agir, estas alegaram, além disso, que a anulação da decisão controvertida lhes permitiria igualmente sustentar que a medida de resolução do BES, na falta de capitalização do banco de transição pela concessão do auxílio de Estado em causa, não era suscetível de evitar a insolvência do BES. Ora, nessa resposta não foi dada nenhuma explicação quanto à maneira como a anulação da decisão controvertida era suscetível de implicar a anulação da decisão de resolução do BES ou de servir de base a uma ação posterior fundada em responsabilidade contra o Estado português ou o Banco de Portugal.

    25

    Por último, e em todo o caso, para que exista um interesse em agir contra uma decisão da Comissão, a procedência de uma ação fundada em responsabilidade intentada no âmbito de um processo judicial nacional deve depender da procedência do recurso de anulação contra essa decisão, como foi o caso no processo que deu origem ao Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão (C‑33/14 P, EU:C:2015:609). Ora, as recorrentes não demonstraram a existência de uma relação comparável entre o processo de anulação que instauraram no Tribunal Geral contra a decisão controvertida e a hipotética ação fundada em responsabilidade que afirmam ter o direito de intentar contra o Estado português e o Banco de Portugal, no caso de ser dado provimento ao seu recurso no âmbito do processo judicial nacional contra a decisão de resolução.

    26

    Em especial, como explicou o Tribunal Geral nos n.os 28 a 31 do despacho recorrido, é a decisão de resolução do BES, e não a decisão controvertida, que pode ter tido um efeito concreto no valor dos créditos das recorrentes, pelo que uma eventual anulação da decisão controvertida não teria por efeito obrigar o Estado português a reverter essa decisão de resolução. Por conseguinte, as recorrentes não têm necessariamente fundamentos para intentar uma ação fundada em responsabilidade contra o Estado português ou o Banco de Portugal nos tribunais nacionais.

    27

    Além disso, mesmo que a anulação da decisão controvertida possa ter como consequência a anulação da decisão de resolução do BES e caso a anulação desta última decisão possa fundamentar uma ação fundada em responsabilidade contra o Estado português e o Banco de Portugal, essa futura ação não pode constituir a base para as recorrentes poderem invocar um interesse na anulação da decisão controvertida. Com efeito, como resulta dos n.os 56, 69 e 79 do Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão (C‑33/14 P, EU:C:2015:609), essa ação de indemnização é puramente hipotética uma vez que depende do desfecho positivo do processo nacional.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    28

    O Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva só é admissível se essa pessoa tiver interesse na anulação do ato recorrido. Esse interesse pressupõe que a anulação desse ato seja suscetível, por si só, de produzir consequências jurídicas e que, assim, o resultado do recurso possa proporcionar um benefício à parte que o interpôs (Acórdão de 4 de junho de 2015, Andechser Molkerei Scheitz/Comissão, C‑682/13 P, não publicado, EU:C:2015:356, n.o 25 e jurisprudência referida).

    29

    Além disso, o interesse num recurso de anulação deve ser efetivo e atual, e é apreciado no dia em que o recurso é interposto (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de setembro de 2009, Comissão/Koninklijke FrieslandCampina,C‑519/07 P, EU:C:2009:556, n.o 65, e de 4 de junho de 2015, Andechser Molkerei Scheitz/Comissão, C‑682/13 P, não publicado, EU:C:2015:356, n.o 26).

    30

    No caso em apreço, importa, em primeiro lugar, rejeitar a argumentação da Comissão de que o recurso é inadmissível na medida em que contesta a apreciação factual efetuada pelo Tribunal Geral relativamente ao eventual efeito do recurso interposto perante si sobre o recurso de anulação interposto pelas recorrentes nos tribunais nacionais.

    31

    É verdade que o Tribunal Geral tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos e, em princípio, para analisar os elementos de prova que considera sustentarem esses factos. Contudo, cabe ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização, desde que o Tribunal Geral proceda à sua qualificação jurídica e deles retire consequências jurídicas. Consequentemente, a questão de saber se, face a esses factos e elementos de prova, a anulação da decisão controvertida pelo juiz da União é suscetível de proporcionar às recorrentes um benefício, no âmbito de uma ação proposta nos tribunais nacionais, que possa provar o interesse daquelas em agir perante o juiz da União, é uma questão de direito abrangida pela fiscalização que o Tribunal de Justiça exerce no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral (v., por analogia, Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 68).

    32

    Em seguida, há também que rejeitar a argumentação da Comissão de que as recorrentes não tinham justificado suficientemente o seu interesse em agir, uma vez que as explicações aduzidas a este respeito no Tribunal Geral não se encontravam no próprio texto da sua resposta relativamente ao seu interesse em agir, mas apenas num anexo desta.

    33

    É certo que, como já declarou o Tribunal de Justiça, cabe ao recorrente apresentar a prova do seu interesse em agir, que constitui a condição essencial e primeira de qualquer ação judicial (Acórdão de 4 de junho de 2015, Andechser Molkerei Scheitz/Comissão, C‑682/13 P, não publicado, EU:C:2015:356, n.o 27 e jurisprudência referida).

    34

    Em especial, para que um recurso de anulação de um ato, apresentado por uma pessoa singular ou coletiva, seja admissível, o recorrente deve justificar de forma pertinente o interesse que a anulação desse ato apresenta para ele (Acórdãos de 4 de junho de 2015, Andechser Molkerei Scheitz/Comissão, C‑682/13 P, não publicado, EU:C:2015:356, n.o 28, e de 20 de dezembro de 2017, Binca Seafoods/Comissão, C‑268/16 P, EU:C:2017:1001, n.o 45).

    35

    Ora, como resulta dos n.os 27 e 33 do despacho recorrido, as recorrentes, em resposta a uma questão submetida a este respeito pelo Tribunal Geral, alegaram que a anulação da decisão controvertida aumentaria de forma muito significativa a probabilidade de um desfecho positivo do processo de fiscalização jurisdicional que tinham desencadeado nos tribunais portugueses contra a decisão de resolução do BES. Em especial, precisaram que esse desfecho teria como consequência quer a anulação dessa decisão de resolução do BES quer um direito de reclamar indemnizações pelas perdas sofridas em razão da resolução ilícita do BES.

    36

    Por outro lado, resulta desta mesma resposta relativamente ao seu interesse em agir que as recorrentes desenvolveram, em várias páginas, a sua argumentação a este respeito. Em particular, basearam‑se em acórdãos do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral na matéria e explicaram, de forma sucinta, mas suficiente, as razões pelas quais, segundo a declaração de um advogado português anexa a esta resposta, a anulação da decisão controvertida aumentaria significativamente as suas hipóteses de um desfecho positivo no âmbito do recurso nacional de anulação da decisão de resolução do BES. Em especial, segundo as recorrentes, a anulação da decisão controvertida pelo Tribunal Geral permitiria, por um lado, confortar os argumentos que já tinham aduzido no âmbito do recurso nacional segundo os quais a resolução do BES era desproporcionada em direito português e, por outro, aduzir, ainda no âmbito do referido recurso, o argumento de que, sem o auxílio de Estado em causa, a resolução do BES não poderia ter alcançado o objetivo de evitar a sua insolvência.

    37

    Embora seja verdade, por um lado, que os pormenores da argumentação das recorrentes relativamente ao seu interesse em agir não figuravam no próprio texto da resposta que tinham enviado ao Tribunal Geral, mas no anexo a esta, e, por outro, que as recorrentes acrescentaram, no seu recurso, elementos que não constavam da referida resposta, não é menos certo que as principais linhas da argumentação das recorrentes a este respeito se encontravam na própria resposta.

    38

    Além disso, tendo em conta a extensão e o caráter probatório da declaração do advogado português anexa à resposta das recorrentes relativamente ao seu interesse em agir e as outras provas relativas a este, as recorrentes não podem ser censuradas por as terem anexado à referida resposta, uma vez que esta última tinha por objetivo, além disso, aprofundar a argumentação que apresentaram relativamente à sua legitimidade ativa, também em resposta a um convite do Tribunal Geral nesse sentido.

    39

    Quanto ao restante, na medida em que, com a sua argumentação, a Comissão pretende demonstrar a própria insuficiência dos elementos aduzidos pelas recorrentes em primeira instância a fim de demonstrar o seu interesse em agir contra a decisão controvertida, esta argumentação diz respeito à conclusão a que o Tribunal Geral chegou no despacho recorrido de que as recorrentes não tinham interesse em agir a este respeito. Por conseguinte, a referida argumentação deve ser tratada no âmbito da apreciação do mérito do fundamento único invocado no âmbito do presente recurso.

    40

    Assim, há que analisar se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito nos n.os 34 a 36 do despacho recorrido, ao concluir que, uma vez que o processo pendente perante si e o processo nos tribunais nacionais não tinham o mesmo objeto, uma eventual anulação da decisão controvertida não teria nenhum efeito no referido processo nacional e, por conseguinte, não proporcionaria nenhum benefício às recorrentes.

    41

    Resulta desses números do despacho recorrido que o Tribunal Geral salientou que o processo nacional tinha unicamente por objeto a questão da conformidade do recurso a um procedimento de resolução com o direito nacional, enquanto o recurso interposto perante si dizia apenas respeito à conformidade do financiamento desse procedimento de resolução com o direito da União. Daqui concluiu que uma eventual apreciação a que procedesse do cumprimento do direito da União pela Comissão não teria efeito na interpretação do direito nacional pelos tribunais portugueses, em particular na questão de saber se tinha sido violado o princípio da proporcionalidade, conforme protegido pelo direito constitucional português.

    42

    A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, em princípio, uma parte mantém o seu interesse em prosseguir um recurso de anulação, desde que este último possa constituir a base de uma eventual ação fundada em responsabilidade (Acórdão de 20 de junho de 2013, Cañas/Comissão, C‑269/12 P, não publicado, EU:C:2013:415, n.o 17).

    43

    A eventualidade de uma ação de indemnização basta para fundar esse interesse em agir, desde que essa ação não seja hipotética (v. Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 79).

    44

    O Tribunal de Justiça também declarou que o interesse em agir pode decorrer de qualquer ação intentada nos tribunais nacionais no âmbito da qual a eventual anulação do ato impugnado perante o juiz da União seja suscetível de proporcionar um benefício ao autor (Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 81).

    45

    Por último, a manutenção do interesse em agir de um recorrente deve ser apreciada em concreto, tendo em conta, nomeadamente, as consequências da ilegalidade alegada e a natureza do prejuízo pretensamente sofrido (Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 70 e jurisprudência referida).

    46

    No caso em apreço, no seu recurso, as recorrentes alegam que o prejuízo que sofreram consiste no facto de que, uma vez que as suas obrigações permaneceram no banco mau, o procedimento de resolução teve como consequência fazê‑las passar de titulares de obrigações do BES a titulares de obrigações de um banco que não tinha um ativo valioso, que não podia celebrar novos negócios e cuja licença bancária devia ser retirada após um curto período de liquidação. Por conseguinte, sofreram perdas substanciais e a sua situação jurídica foi alterada. Além disso, como resulta da sua resposta ao Tribunal Geral relativamente ao seu interesse em agir e dos anexos a esta resposta, as recorrentes alegam que, tendo em conta o montante das suas perdas financeiras, a sua situação não é comparável com a situação existente quando se aplicam as regras normais de insolvência do direito português, uma vez que estas últimas preveem o reembolso de todos os credores de uma empresa, incluindo os titulares de créditos subordinados, com base nos ativos da empresa e em conformidade com a ordem de reembolso. Na referida resposta, as recorrentes concluíram que tinham perdido o direito de reclamação contra todos os ativos do BES, incluindo os ativos sãos, segundo as regras normais portuguesas na matéria.

    47

    No que diz respeito às consequências da ilegalidade alegada, como resulta do n.o 35 do presente acórdão, as recorrentes alegaram perante o Tribunal Geral, tal como alegam perante o Tribunal de Justiça, que o desfecho positivo de um recurso de anulação interposto nos tribunais portugueses contra a decisão de resolução do BES teria como consequência quer a anulação dessa decisão quer um direito de reclamarem indemnizações pelas perdas que sofreram em razão da resolução ilegal do BES.

    48

    Por sua vez, a Comissão sublinha, em substância, que a futura ação de indemnização nacional na qual as recorrentes se baseiam para demonstrar o seu interesse em agir contra a decisão controvertida é hipotética, uma vez que não é certo que essa ação nacional seja efetivamente intentada e que as recorrentes não demonstraram uma relação suficiente entre a referida ação nacional e o recurso em primeira instância no Tribunal Geral.

    49

    No entanto, mesmo que a possibilidade de as recorrentes intentarem uma ação de indemnização no futuro não lhes possa conferir um interesse efetivo e atual para pedir a anulação da decisão controvertida, há que recordar que esse interesse pode, não obstante, decorrer, como resulta do n.o 44 do presente acórdão, de qualquer ação nos tribunais nacionais no âmbito da qual a eventual anulação do ato impugnado seja suscetível de conferir uma vantagem ao recorrente.

    50

    Ora, é facto assente que as recorrentes já interpuseram um recurso de anulação contra a decisão de resolução do BES nos tribunais portugueses. Além disso, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que esse recurso é, em si mesmo, suscetível de proporcionar um benefício às recorrentes.

    51

    Por conseguinte, há que examinar se, como alegam as recorrentes, a anulação da decisão controvertida pelo Tribunal Geral é suscetível de ter um efeito no recurso de anulação que interpuseram nos tribunais nacionais contra a decisão de resolução do BES.

    52

    É verdade, e isso também não é contestado no âmbito do presente recurso, que, como salientou o Tribunal Geral no n.o 34 do despacho recorrido, o recurso interposto neste último não tinha o mesmo objeto que o recurso interposto nos tribunais portugueses, uma vez que o primeiro se destinava a obter a declaração da incompatibilidade do auxílio de Estado em causa com o direito da União, enquanto o segundo se destina a obter a declaração da incompatibilidade da decisão de resolução do BES com o direito português.

    53

    No entanto, resulta tanto do despacho recorrido como dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a decisão controvertida e a decisão de resolução do BES estão indissociavelmente ligadas. Em especial, decorre dos n.os 4 a 7 deste despacho que o procedimento de resolução «implicava» a criação de um estabelecimento de crédito temporário, para o qual foram transferidas as atividades comerciais sãs do BES. Resulta também desses números que, segundo uma avaliação transmitida à Comissão pelas autoridades portuguesas relativamente às opções possíveis para a resolução, a criação de um banco de transição foi considerada a «única solução» que permitiria preservar a estabilidade financeira da República Portuguesa, e que a Comissão considerou o auxílio de Estado em causa compatível com o mercado interno tendo em conta os compromissos apresentados pelas autoridades portuguesas, os quais diziam respeito tanto ao banco de transição como ao banco mau e tinham por objeto a sua liquidação ordenada. Entre os compromissos previstos figurava, nomeadamente, a proibição de transferir para o banco de transição os ativos dos acionistas e dos detentores de créditos subordinados.

    54

    É facto assente que, como recordou o Tribunal Geral no n.o 28 do despacho recorrido, a diminuição do valor das obrigações de que as recorrentes são titulares tem origem na decisão de resolução do BES. Da mesma forma, como enunciou o Tribunal Geral no n.o 31 do despacho recorrido, o qual não foi contestado pelas recorrentes, uma eventual anulação da decisão controvertida não teria por efeito obrigar a República Portuguesa a reverter a sua decisão de criar um banco de transição e a não incluir no seu património as obrigações do tipo das que são detidas pelas recorrentes.

    55

    Contudo, atendendo às ligações indissociáveis entre a decisão controvertida e a decisão de resolução do BES, conforme expostas no n.o 53 do presente acórdão, que demonstram, nomeadamente, que o auxílio de Estado em causa foi concedido no âmbito da resolução do BES, impõe‑se constatar que, como alegam as recorrentes, o Tribunal Geral não podia concluir, sem se substituir aos tribunais portugueses para efeitos da apreciação do mérito do recurso de anulação por elas interposto contra a decisão de resolução do BES, que, pelo facto de o objeto deste último recurso não ser o mesmo que o do recurso interposto no Tribunal Geral, uma eventual anulação da decisão controvertida não poderia de modo nenhum afetar a apreciação pelos tribunais portugueses do recurso perante eles interposto, em especial da forma delineada pelas recorrentes tanto nos seus articulados no Tribunal Geral como no recurso que interpuseram para o Tribunal de Justiça.

    56

    Com efeito, não cabe ao juiz da União apreciar, para efeitos da análise do interesse em agir perante ele, a probabilidade da procedência de uma ação proposta nos tribunais nacionais ao abrigo do direito interno e, assim, substituir‑se a estes para efeitos dessa apreciação. Em contrapartida, é necessário, mas suficiente, que o recurso de anulação interposto perante o juiz da União seja suscetível, pelo seu resultado, de proporcionar um benefício à parte que o interpôs (Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 76). Ora, é o que sucede no caso vertente, como resulta dos n.os 42 a 55 do presente acórdão.

    57

    Atendendo a todas as considerações precedentes, há que declarar que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir, nos n.os 34 a 36 do despacho recorrido, que, uma vez que o processo perante ele pendente e o processo nacional não tinham o mesmo objeto, a eventual anulação da decisão controvertida não teria efeito neste último processo e não proporcionaria, por conseguinte, um benefício às recorrentes, na aceção da jurisprudência pertinente.

    58

    Por conseguinte, foi também erradamente que o Tribunal Geral concluiu, no n.o 37 desse despacho, que o recurso das recorrentes devia ser julgado inadmissível por falta de interesse em agir contra a decisão controvertida.

    59

    Nestas circunstâncias, há que dar provimento ao presente recurso e, por conseguinte, anular o despacho recorrido.

    Quanto à remessa do processo ao Tribunal Geral

    60

    Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral.

    61

    No caso em apreço, o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos necessários para decidir definitivamente sobre a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão no âmbito do processo em primeira instância, relativa à falta de interesse em agir das recorrentes contra a decisão controvertida. O mesmo se diga no que respeita ao mérito do recurso, uma vez que este aspeto do litígio implica igualmente a análise de elementos que não foram apreciados pelo Tribunal Geral no despacho recorrido nem debatidos no Tribunal de Justiça.

    62

    Por conseguinte, há que remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie sobre a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão, relativa ao facto de as recorrentes não satisfazerem as exigências do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

    Quanto às despesas

    63

    Uma vez que o processo é remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas do presente recurso.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

     

    1)

    O Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 19 de julho de 2017, BPC Lux 2 e o./Comissão (T‑812/14, não publicado, EU:T:2017:560), é anulado.

     

    2)

    O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia.

     

    3)

    Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

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