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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62016CJ0684

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de novembro de 2018.
Max-Planck-Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften eV contra Tetsuji Shimizu.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesarbeitsgericht.
Reenvio prejudicial — Política social — Organização do tempo de trabalho — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 7.o — Direito a férias anuais remuneradas — Legislação nacional que prevê a perda das férias anuais remuneradas não gozadas e da retribuição financeira a título das referidas férias caso o trabalhador não tenha apresentado um pedido de férias antes da cessação da relação de trabalho — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 7.o — Obrigação de interpretação conforme do direito nacional — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 31.o, n.o 2 — Invocabilidade no âmbito de um litígio entre particulares.
Processo C-684/16.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2018:874

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

6 de novembro de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política social — Organização do tempo de trabalho — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 7.o — Direito a férias anuais remuneradas — Legislação nacional que prevê a perda das férias anuais remuneradas não gozadas e da retribuição financeira a título das referidas férias caso o trabalhador não tenha apresentado um pedido de férias antes da cessação da relação de trabalho — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 7.o — Obrigação de interpretação conforme do direito nacional — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 31.o, n.o 2 — Invocabilidade no âmbito de um litígio entre particulares»

No processo C‑684/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesarbeitsgericht (Tribunal Federal do Trabalho, Alemanha), por decisão de 13 de dezembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de dezembro de 2016, no processo

Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften eV

contra

Tetsuji Shimizu,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, J.‑C. Bonichot, A. Prechal (relatora), M. Vilaras, T. von Danwitz, F. Biltgen, K. Jürimäe e C. Lycourgos, presidentes de secção, M. Ilešič, J. Malenovský, E. Levits, L. Bay Larsen e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 9 de janeiro de 2018,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften eV, por J. Röckl, Rechtsanwalt,

em representação de T. Shimizu, por N. Zimmermann, Rechtsanwalt,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

em representação do Governo francês, por D. Colas e R. Coesme, na qualidade de agentes,

em representação do Governo húngaro, por E. Sebestyén e M. Z. Fehér, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek e T. S. Bohr, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de maio de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 2003, L 299, p. 9), e do artigo 31.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften eV (a seguir «Max‑Planck») a Tetsuji Shimizu, um dos seus antigos empregados, a respeito da recusa da Max‑Planck em pagar‑lhe uma retribuição financeira a título de férias anuais remuneradas não gozadas antes da cessação da sua relação de trabalho.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O quarto considerando da Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 1993, L 307, p. 18), enunciava:

«Considerando que a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, adotada pelos chefes de Estado ou de Governo de onze Estados‑Membros na reunião do Conselho Europeu de Estrasburgo de 9 de dezembro de 1989, declara, nomeadamente no […] ponto 8 […]:

“[…]

8.

Todos os trabalhadores da Comunidade Europeia têm direito ao descanso semanal e a férias remuneradas cuja duração deve ser aproximada no progresso, de acordo com as práticas nacionais.

[…]”»

4

Como resulta do seu considerando 1, a Diretiva 2003/88, que revogou a Diretiva 93/104, procedeu a uma codificação das disposições desta.

5

Nos termos dos considerandos 4 a 6 da Diretiva 2003/88:

«(4)

A melhoria da segurança, da higiene e de saúde dos trabalhadores no trabalho constitui um objetivo que não se pode subordinar a considerações de ordem puramente económica.

(5)

Todos os trabalhadores devem beneficiar de períodos de descanso suficientes. O conceito de “descanso” deve ser expresso em unidades de tempo, ou seja, em dias, horas e/ou suas frações. Os trabalhadores da Comunidade devem beneficiar de períodos mínimos de descanso — diários, semanais e anuais — e de períodos de pausa adequados. […]

(6)

Deve ter‑se em conta os princípios da Organização Internacional do Trabalho em matéria de organização do tempo de trabalho, incluindo os relativos ao trabalho noturno.»

6

O artigo 7.o da Diretiva 2003/88, que reproduz, em termos idênticos, o artigo 7.o da Diretiva 93/104, tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais.

2.   O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, exceto nos casos de cessação da relação de trabalho.»

7

O artigo 17.o da Diretiva 2003/88 prevê que os Estados‑Membros podem derrogar algumas das suas disposições. No entanto, não é admitida qualquer derrogação no que respeita ao seu artigo 7.o

Direito alemão

8

O § 7 da Bundesurlaubsgesetz (Lei federal relativa às férias), de 8 de janeiro de 1963 (BGBl. 1963, p. 2), na versão de 7 de maio de 2002 (BGBl. 2002 I, p. 1529) (a seguir «BUrlG»), prevê:

«(1)   Na fixação do período de férias, deve ser tida em conta a vontade do trabalhador, salvo se a isso se opuserem interesses imperiosos da empresa ou os interesses de outros trabalhadores que gozem de prioridade por motivos de índole social. As férias devem ser concedidas quando o pedido do trabalhador o solicite no seguimento de um tratamento médico preventivo ou de reabilitação.

[…]

(3)   As férias devem ser concedidas e gozadas durante o ano civil em curso. Só podem ser transferidas para o ano civil seguinte quando tal se justifique por motivos imperiosos de serviço ou por motivos pessoais do trabalhador. […]

(4)   Caso deixe de poder gozar todas ou parte das férias, devido à cessação da relação de trabalho, o trabalhador tem direito a uma retribuição financeira.»

9

Da Tarifvertrag für den öffentlichen Dienst (Convenção Coletiva Aplicável à Função Pública) consta o § 26, sob a epígrafe «Férias», que dispõe, no seu n.o 1:

«[…] As férias devem ser concedidas durante o ano civil em curso; […]

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10

T. Shimizu trabalhou para a Max‑Planck, ao abrigo de vários contratos de trabalho a termo, de 1 de agosto de 2001 a 31 de dezembro de 2013. A relação de trabalho entre as partes era regida pelas disposições da BUrlG e da Convenção Coletiva Aplicável à Função Pública.

11

Por carta de 23 de outubro de 2013, a Max‑Planck convidou T. Shimizu a gozar as suas férias antes da cessação da relação de trabalho, sem, contudo, lhe ter imposto que as gozasse nas datas por si fixadas. T. Shimizu gozou dois dias de férias, respetivamente, em 15 de novembro e em 2 de dezembro de 2013.

12

Depois de, por carta de 23 de dezembro de 2013, ter pedido, sem sucesso, à Max‑Planck o pagamento de uma indemnização de 11979 euros, correspondente a 51 dias de férias anuais remuneradas não gozadas em 2012 e 2013, T. Shimizu intentou uma ação, destinada a obter a condenação da Max‑Planck no referido pagamento.

13

Tendo este recurso sido julgado procedente tanto em primeira como em segunda instância, a Max‑Planck interpôs no órgão jurisdicional de reenvio, o Bundesarbeitsgericht (Tribunal Federal do Trabalho, Alemanha), um recurso de «Revision».

14

Este órgão jurisdicional explica que o direito a férias anuais remuneradas em causa no processo principal se extinguiu, por força do § 7, n.o 3, da BUrlG, por não ter sido exercido durante o ano relativamente ao qual foi concedido. Com efeito, nos termos do § 7, n.o 3, da BUrlG, as férias do trabalhador que não tenham sido gozadas no decurso do ano a que respeitam caducam, em princípio, no termo desse ano, salvo se estiverem preenchidos os requisitos de transferência enunciados nessa disposição. Assim, caso o trabalhador esteja em posição de gozar as suas férias no decurso do ano relativamente ao qual estas foram concedidas, extingue‑se o direito a férias anuais remuneradas no final desse ano. Devido à extinção do referido direito, este deixa de poder ser convertido num direito a uma retribuição nos termos do § 7, n.o 4, da BUrlG. Só assim não seria se, apesar de o trabalhador ter apresentado em tempo útil um pedido de férias à sua entidade patronal, esta lhe tivesse recusado as referidas férias. Em contrapartida, o § 7 da BUrlG não pode ser interpretado no sentido de que a entidade patronal tem de forçar o trabalhador a gozar as suas férias anuais remuneradas.

15

O órgão jurisdicional de reenvio considera que a jurisprudência do Tribunal de Justiça não permite determinar se uma legislação nacional que tenha os efeitos descritos no número anterior é ou não conforme com o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e com o artigo 31.o, n.o 2, da Carta, e a doutrina, por seu turno, está dividida a este respeito. Em particular, coloca‑se a questão de saber se a entidade patronal é obrigada, por força do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, a fixar unilateralmente a data das férias ou se o Acórdão de 12 de junho de 2014, Bollacke (C‑118/13, EU:C:2014:1755), deve ser interpretado no sentido de que o direito a férias anuais remuneradas não se pode extinguir no termo do ano de referência ou do período de reporte, mesmo que o trabalhador tenha estado em posição de exercer este direito.

16

Por outro lado, o referido órgão jurisdicional afirma que a Max‑Planck é uma organização sem fins lucrativos de direito privado, financiada, em grande parte, é certo, por fundos públicos, mas que, no entanto, não dispõe de poderes excecionais relativamente às regras aplicáveis nas relações entre particulares, pelo que deve ser considerada um particular. Nestas condições, cabe igualmente ao Tribunal de Justiça esclarecer se o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 ou o artigo 31.o, n.o 2, da Carta gozam de um eventual efeito direto nas relações entre particulares.

17

Nestas condições o Bundesarbeitsgericht (Tribunal Federal do Trabalho) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva [2003/88] ou o artigo 31.o, n.o 2, da [Carta] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional como o § 7 da [BUrlG], que, como modalidade de exercício do direito a férias, prevê que o trabalhador deve requerer férias, indicando as suas preferências quanto ao período em que pretende gozá‑las, sob pena de perder o direito a férias no termo do período de referência, sem direito a qualquer compensação, não estando o empregador obrigado a fixar unilateral e vinculativamente o período de férias dentro do período de referência?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

O mesmo se aplica quando esteja em causa uma relação de trabalho entre particulares?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

18

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e o artigo 31.o, n.o 2, da Carta devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual, caso o trabalhador não tenha pedido para exercer o seu direito a férias anuais remuneradas durante o período de referência em causa, esse trabalhador perde, no final desse período, os dias de férias anuais remuneradas adquiridos por força das referidas disposições a título do referido período, bem como, correlativamente, o seu direito ao pagamento de uma retribuição financeira a título dessas férias anuais remuneradas não gozadas em caso de cessação da relação de trabalho.

19

A título preliminar, importa recordar, que, nos termos de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito a férias anuais remuneradas de cada trabalhador deve ser considerado um princípio do direito social da União que reveste particular importância, que não pode ser derrogado e cuja concretização pelas autoridades nacionais competentes só pode ser efetuada dentro dos limites expressamente previstos na própria Diretiva 2003/88 (v., neste sentido, Acórdão de 12 de junho de 2014, Bollacke, C‑118/13, EU:C:2014:1755, n.o 15 e jurisprudência referida).

20

Por outro lado, o direito a férias anuais remuneradas não só se reveste de particular importância enquanto princípio do direito social da União, como está expressamente consagrado no artigo 31.o, n.o 2, da Carta, à qual o artigo 6.o, n.o 1, TUE reconhece o mesmo valor jurídico que os Tratados (Acórdão de 30 de junho de 2016, Sobczyszyn, C‑178/15, EU:C:2016:502, n.o 20 e jurisprudência referida).

21

No que se refere, em primeiro lugar, ao artigo 7.o da Diretiva 2003/88, importa salientar, desde logo, que o processo principal diz respeito a uma recusa de pagamento de uma retribuição a título de férias anuais remuneradas não gozadas à data da cessação da relação de trabalho que existia entre as partes no processo principal.

22

A este respeito, importa recordar que, no momento da cessação da relação de trabalho, deixa de ser possível o gozo efetivo das férias anuais remuneradas a que o trabalhador tinha direito. Para evitar que, devido a esta impossibilidade, qualquer gozo deste direito pelo trabalhador, mesmo que sob a forma pecuniária, seja excluído, o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 prevê que o trabalhador tem direito a uma retribuição financeira pelos dias de férias anuais remuneradas não gozados (v., neste sentido, Acórdão de 12 de junho de 2014, Bollacke, C‑118/13, EU:C:2014:1755, n.o 17 e jurisprudência referida).

23

Como o Tribunal de Justiça já declarou, o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 não estabelece nenhuma condição para a aquisição do direito à retribuição financeira para além, por um lado, da cessação da relação de trabalho e, por outro, que o trabalhador não tenha gozado a totalidade das férias anuais a que tinha direito na data em que ocorreu a cessação (Acórdão de 20 de julho de 2016, Maschek, C‑341/15, EU:C:2016:576, n.o 27 e jurisprudência referida).

24

A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a referida disposição se opõe a legislações ou práticas nacionais segundo as quais, no momento da cessação da relação de trabalho, nenhuma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas é paga ao trabalhador que não pôde gozar a totalidade das férias anuais a que tinha direito antes da cessação dessa relação de trabalho, nomeadamente porque se encontrava de baixa por doença durante todo ou parte do período de referência e/ou de um período de reporte (Acórdãos de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o., C‑350/06 e C‑520/06, EU:C:2009:18, n.o 62; de 20 de julho de 2016, Maschek, C‑341/15, EU:C:2016:576, n.o 31; e de 29 de novembro de 2017, King, C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 65).

25

De igual modo, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 não pode ser interpretado no sentido de que o direito a férias anuais remuneradas e, portanto, o direito à retribuição financeira prevista no n.o 2 deste artigo, se podem extinguir devido à morte do trabalhador. A este respeito, o Tribunal de Justiça sublinhou, nomeadamente, que se a obrigação de pagamento de tal retribuição se extinguisse devido à cessação da relação de trabalho causada pela morte do trabalhador, esse facto teria como consequência que um acontecimento fortuito causasse retroativamente a perda total do próprio direito a férias anuais remuneradas (v., neste sentido, Acórdão de 12 de junho de 2014, Bollacke, C‑118/13, EU:C:2014:1755, n.os 25, 26 e 30).

26

Com efeito, a extinção do direito adquirido de um trabalhador a férias anuais remuneradas ou do seu direito correlativo ao pagamento de uma retribuição a título de férias não gozadas em caso de cessação da relação de trabalho, sem que o interessado tenha tido efetivamente a possibilidade de exercer esse direito a férias anuais remuneradas, violaria a própria substância desse direito (v., neste sentido, Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack, C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:570, n.o 32).

27

No que se refere ao processo principal, importa salientar que, segundo as explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, a recusa da antiga entidade patronal de T. Shimizu em pagar‑lhe uma retribuição financeira a título das férias anuais remuneradas não gozadas antes da cessação da relação de trabalho se baseia numa norma de direito nacional nos termos da qual o direito às referidas férias se extingue, em princípio, devido não à cessação da referida relação de trabalho enquanto tal, mas ao facto de o trabalhador não ter, no decurso dessa relação de trabalho, pedido para gozar as referidas férias durante o período de referência a que estas respeitam.

28

A questão submetida no caso vertente é, portanto, em substância, a de saber se, atendendo à jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 23 do presente acórdão, na data em que cessou a relação de trabalho em causa no processo principal, T. Shimizu ainda tinha, ou não, direito a férias anuais remuneradas suscetíveis de se converterem numa retribuição financeira em virtude da cessação da relação de trabalho.

29

A referida questão tem, assim, por objeto, em primeira linha, a interpretação do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, e destina‑se a saber se esta disposição se opõe a que a manutenção do direito a férias anuais remuneradas não gozadas no termo de um período de referência pode ser sujeita ao requisito de o trabalhador ter pedido para exercer esse direito durante o referido período e a que seja decretada a perda dessas férias em caso de inexistência de tal pedido, sem que a entidade patronal seja obrigada a fixar unilateralmente e de forma vinculativa para o trabalhador a data das férias no decorrer desse período.

30

A este respeito, em primeiro lugar, não se pode deduzir da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida nos n.os 22 a 25 do presente acórdão que o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que, independentemente de quais forem as circunstâncias que levem a que o trabalhador não goze as suas férias anuais remuneradas, o direito a férias anuais previsto no n.o 1 do referido artigo e, em caso de cessação da relação de trabalho, o direito à retribuição suscetível de as substituir, em conformidade com o n.o 2 desse artigo, devem sempre continuar a beneficiar o referido trabalhador.

31

Em segundo lugar, sendo certo que é jurisprudência constante que, com o objetivo de garantir o respeito do direito fundamental do trabalhador a férias anuais remuneradas consagrado pelo direito da União, o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 não pode ser objeto de uma interpretação restritiva em detrimento dos direitos que esta confere ao trabalhador (v., neste sentido, Acórdão de 12 de junho de 2014, Bollacke, C‑118/13, EU:C:2014:1755, n.o 22 e jurisprudência referida), importa contudo recordar igualmente que o pagamento das férias previsto no n.o 1 desse artigo se destina a permitir que o trabalhador goze efetivamente as férias a que tem direito (v., neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2006, Robinson‑Steele e o., C‑131/04 e C‑257/04, EU:C:2006:177, n.o 49).

32

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito às férias anuais, consagrado no artigo 7.o da Diretiva 2003/88, visa, com efeito, permitir ao trabalhador dispor de um período de descanso relativamente à execução das tarefas que lhe incumbem nos termos do seu contrato de trabalho, por um lado, e dispor de um período de descontração e de lazer, por outro (Acórdão de 20 de julho de 2016, Maschek, C‑341/15, EU:C:2016:576, n.o 34 e jurisprudência referida).

33

De resto, ao prever que o período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, exceto nos casos de cessação da relação de trabalho, o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, destina‑se igualmente a garantir que o trabalhador possa beneficiar de um descanso efetivo, numa preocupação de proteção eficaz da sua segurança e da sua saúde (v., neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2006, Robinson‑Steele e o., C‑131/04 e C‑257/04, EU:C:2006:177, n.o 60 e jurisprudência referida).

34

Em terceiro lugar, como resulta dos próprios termos do artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e da jurisprudência do Tribunal de Justiça, cabe aos Estados‑Membros definir, na sua legislação interna, as condições de exercício e de execução desse direito, precisando em que circunstâncias concretas os trabalhadores podem fazer uso desse direito (Acórdão de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o., C‑350/06 e C‑520/06, EU:C:2009:18, n.o 28 e jurisprudência referida).

35

A este respeito, o Tribunal de Justiça indicou designadamente que o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 não se opõe, em princípio, a uma legislação nacional que fixa as modalidades de exercício do direito a férias anuais remuneradas expressamente conferido por essa diretiva, incluindo mesmo a perda do direito no final de um período de referência ou de um período de reporte, desde que, contudo, o trabalhador que perdeu o direito a férias anuais remuneradas tenha tido efetivamente a possibilidade de exercer o direito que a diretiva lhe confere (Acórdão de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o., C‑350/06 e C‑520/06, EU:C:2009:18, n.o 43).

36

Ora, uma legislação nacional como o § 7, n.os 1 e 3, da BUrlG, que prevê que, no momento da determinação das datas das férias, deve ser tida em conta a vontade do trabalhador a este respeito, salvo se existirem razões imperiosas relacionadas com os interesses da empresa ou a vontade de outros trabalhadores que, por motivos de índole social, gozem de prioridade, ou que as férias devem, regra geral, ser gozadas durante o ano de referência, insere‑se no domínio das modalidades de exercício do direito a férias anuais remuneradas, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 e da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no número anterior.

37

Uma legislação desta natureza é parte das regras e procedimentos de direito nacional aplicáveis à fixação das férias dos trabalhadores, que se destinam a ter em conta os diferentes interesses presentes (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2009, Vicente Pereda, C‑277/08, EU:C:2009:542, n.o 22).

38

No entanto, e como resulta do n.o 35 do presente acórdão, importa garantir que a aplicação de tais normas nacionais não pode implicar a extinção do direito a férias anuais remuneradas adquirido pelo trabalhador, mesmo quando este não tenha efetivamente tido a possibilidade de exercer esse direito.

39

No caso vertente, há que salientar que resulta da decisão de reenvio que as disposições nacionais mencionadas no n.o 36 do presente acórdão são interpretadas no sentido de que a circunstância de um trabalhador não pedir para gozar as suas férias anuais remuneradas durante o período de referência em causa tem, em princípio, como consequência que este trabalhador perca o seu direito às referidas férias no final desse período e, correlativamente, que perca o seu direito a uma retribuição a título dessas férias não gozadas em caso de cessação da relação de trabalho.

40

Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 32 das suas conclusões, tal perda automática do direito a férias anuais remuneradas, que não está subordinada à verificação prévia de que o trabalhador foi efetivamente colocado em posição de exercer este direito, infringe os limites, recordados no n.o 35 do presente acórdão, que se impõem imperativamente aos Estados‑Membros quando estes determinam as modalidades de exercício do referido direito.

41

Com efeito, o trabalhador deve ser considerado a parte fraca na relação de trabalho, pelo que é necessário impedir que a entidade patronal lhe possa impor uma restrição dos seus direitos. Tendo em conta esta posição de fraqueza, tal trabalhador pode ser dissuadido de fazer valer explicitamente os seus direitos face à sua entidade patronal, nomeadamente, quando o facto de os reivindicar seja suscetível de o expor a medidas tomadas por esta última, que possam afetar a relação de trabalho em detrimento deste trabalhador (v., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2010, Fuß, C‑429/09, EU:C:2010:717, n.os 80 e 81 e jurisprudência referida).

42

Além disso, os estímulos para que os trabalhadores prescindam das férias ou a incitação a que os trabalhadores o façam são incompatíveis com os objetivos do direito a férias anuais remuneradas, como recordados nos n.os 32 e 33 do presente acórdão e que são relativos, nomeadamente, à necessidade de garantir que o trabalhador possa beneficiar de um descanso efetivo, numa preocupação de proteção eficaz da sua segurança e da sua saúde (v., neste sentido, Acórdão de 6 de abril de 2006, Federatie Nederlandse Vakbeweging, C‑124/05, EU:C:2006:244, n.o 32). Assim, qualquer prática ou omissão, de uma entidade patronal, que tenha um efeito potencialmente dissuasor sobre o gozo das férias anuais por um trabalhador é igualmente incompatível com a finalidade do direito a férias anuais remuneradas (Acórdão de 29 de novembro de 2017, King, C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 39 e jurisprudência referida).

43

Nestas condições, importa evitar uma situação em que o ónus de assegurar o exercício efetivo do direito a férias anuais remuneradas recai inteiramente sobre o trabalhador, ao passo que à entidade patronal seria dada, assim, uma possibilidade de se eximir do cumprimento das suas próprias obrigações, sob o pretexto de que o trabalhador não apresentou um pedido de férias anuais remuneradas.

44

Embora importe esclarecer, em resposta à interrogação contida a este respeito na primeira questão, que o cumprimento da obrigação que decorre, para a entidade patronal, do artigo 7.o da Diretiva 2003/88 não pode ir ao ponto de a obrigar a impor aos seus trabalhadores que exerçam efetivamente o seu direito a férias anuais remuneradas (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2006, Comissão/Reino Unido, C‑484/04, EU:C:2006:526, n.o 43), não deixa de ser verdade que a referida entidade patronal deve, em contrapartida, garantir que dá ao trabalhador condições para exercer tal direito (v., neste sentido, Acórdão de 29 de novembro de 2017, King, C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 63 e jurisprudência referida).

45

Para este efeito, e como salientou igualmente o advogado‑geral nos n.os 41 a 43 das suas conclusões, a entidade patronal deve, nomeadamente, tendo em conta o caráter imperativo do direito a férias anuais remuneradas e a fim de garantir o efeito útil do artigo 7.o da Diretiva 2003/88, garantir de forma concreta e com total transparência que o trabalhador esteja efetivamente em condições de gozar as suas férias anuais remuneradas, incentivando‑o, se necessário formalmente, a fazê‑lo, e informando‑o, de forma precisa e em tempo útil para garantir que as referidas férias sejam adequadas para assegurar ao interessado o repouso e descontração que devem permitir, de que, se não as gozar, serão perdidas no termo do período de referência ou de um período de reporte autorizado.

46

Além disso, o ónus da prova nesta matéria cabe à entidade patronal (v., por analogia, Acórdão de 16 de março de 2006, Robinson‑Steele e o., C‑131/04 e C‑257/04, EU:C:2006:177, n.o 68). Caso a entidade patronal não esteja em posição de provar que demonstrou toda a diligência exigida para que o trabalhador estivesse efetivamente em posição de gozar as férias anuais remuneradas a que tinha direito, há que considerar que a extinção do direito às referidas férias no termo do período de referência ou de reporte autorizado e, em caso de cessação da relação de trabalho, o não pagamento correlativo de uma retribuição financeira a título das férias anuais não gozadas infringem, respetivamente, o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88.

47

Em contrapartida, se a entidade patronal for capaz de fazer a prova que lhe incumbe a este respeito, de modo que se afigura que é deliberadamente e com pleno conhecimento de causa das consequências suscetíveis de daí decorrerem que o trabalhador não gozou as suas férias anuais remuneradas após ter tido oportunidade de exercer plenamente este seu direito, o artigo 7.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2003/88 não se opõe à perda desse direito nem, em caso de cessação da relação de trabalho, ao não pagamento da retribuição financeira correlativa a título das férias anuais remuneradas não gozadas.

48

Com efeito, como indicou o advogado‑geral nos n.os 50 e 51 das suas conclusões, qualquer interpretação do artigo 7.o da Diretiva 2003/88 que seja suscetível de incitar o trabalhador a abster‑se deliberadamente de gozar as suas férias anuais remuneradas durante os períodos de referência ou de reporte autorizado aplicáveis, a fim de aumentar a sua remuneração no momento da cessação da relação de trabalho, é, como resulta do n.o 42 do presente acórdão, incompatível com os objetivos prosseguidos pela introdução do direito a férias anuais remuneradas.

49

No que se refere, em segundo lugar, ao artigo 31.o, n.o 2, da Carta, deve recordar‑se que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União são aplicáveis em todas as situações reguladas pelo direito da União (v., nomeadamente, Acórdão de 15 de janeiro de 2014, Association de médiation sociale, C‑176/12, EU:C:2014:2, n.o 42 e jurisprudência referida).

50

Assim, uma vez que a legislação em causa no processo principal procede à implementação da Diretiva 2003/88, o artigo 31.o, n.o 2, da Carta tem vocação para ser aplicado no processo principal (v., por analogia, Acórdão de 15 de janeiro de 2014, Association de médiation sociale, C‑176/12, EU:C:2014:2, n.o 43).

51

A este respeito, resulta, antes de mais, da própria redação do artigo 31.o, n.o 2, da Carta que a referida disposição consagra o «direito» de todos os trabalhadores a um «período anual de férias pagas».

52

Em seguida, segundo as anotações relativas ao artigo 31.o da Carta, as quais, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TUE e do artigo 52.o, n.o 7, dessa Carta, devem ser tidas em conta para a interpretação da mesma, o artigo 31.o, n.o 2, da referida Carta baseia‑se na Diretiva 93/104 e no artigo 2.o da Carta Social Europeia, assinada em Turim, em 18 de outubro de 1961, e revista em Estrasburgo, em 3 de maio de 1996, e no n.o 8 da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, adotada na reunião do Conselho Europeu realizada em Estrasburgo, em 9 de dezembro de 1989 (Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack, C‑579/12 RX—II, EU:C:2013:570, n.o 27).

53

Ora, como resulta do considerando 1 da Diretiva 2003/88, esta codificou a Diretiva 93/104 e o artigo 7.o da Diretiva 2003/88, relativo ao direito a férias anuais remuneradas, reproduz em termos idênticos o disposto no artigo 7.o da Diretiva 93/104 (Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack, C‑579/12 RX—II, EU:C:2013:570, n.o 28).

54

Neste contexto, há, por último, que recordar que só podem ser introduzidas restrições ao direito fundamental a férias anuais remuneradas consagrado no artigo 31.o, n.o 2, da Carta caso estas respeitem as condições estritas previstas no artigo 52.o, n.o 1, desta e, nomeadamente, o conteúdo essencial do referido direito. Assim, os Estados‑Membros não podem derrogar o princípio decorrente do artigo 7.o da Diretiva 2003/88, analisado à luz do artigo 31.o, n.o 2, da Carta, segundo o qual um direito adquirido a férias anuais remuneradas não se pode extinguir no termo do período de referência e/ou de um período de transferência previsto no direito nacional, quando o trabalhador não teve condições de gozar as suas férias (v., neste sentido, Acórdão de 29 de novembro de 2017, King, C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 56).

55

Resulta destas considerações que, tanto o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 como, no que respeita às situações abrangidas pelo âmbito de aplicação da Carta, o artigo 31.o, n.o 2, desta devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional por força da qual a circunstância de um trabalhador não ter pedido para poder exercer o seu direito a férias anuais remuneradas, adquirido ao abrigo das referidas disposições, durante o período de referência, tem como consequência automática, sem que seja previamente verificado se esse trabalhador foi efetivamente colocado em posição de exercer este direito, que o referido trabalhador perde o benefício do referido direito e, correlativamente, perde o seu direito a uma retribuição financeira a título das férias anuais remuneradas não gozadas em caso de cessação da relação de trabalho.

56

Em contrapartida, quando o trabalhador não tenha gozado as suas férias anuais remuneradas deliberadamente e com pleno conhecimento de causa das consequências suscetíveis de daí resultarem, após ter sido posto em condições de exercer plenamente o seu direito a estas, o artigo 7.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2003/88 e o artigo 31.o, n.o 2, da Carta não se opõem à perda deste direito nem, em caso de cessação da relação de trabalho, à correlativa inexistência da retribuição financeira a título das férias anuais remuneradas não gozadas, não sendo a entidade patronal obrigada a impor a esse trabalhador que exerça efetivamente o referido direito.

57

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a legislação nacional em causa no processo principal pode ser objeto de uma interpretação conforme com o artigo 7.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2003/88 e com o artigo 31.o, n.o 2, da Carta.

58

A este respeito, importa recordar, com efeito, que, nos termos de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, ao aplicar o direito interno, os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a interpretá‑lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva em causa para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir assim o disposto no artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE (Acórdão de 24 de janeiro de 2012, Dominguez, C‑282/10, EU:C:2012:33, n.o 24 e jurisprudência referida).

59

O princípio da interpretação conforme exige que os órgãos jurisdicionais nacionais façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração todo o direito interno e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, a fim de garantir a plena eficácia da diretiva em causa e alcançar uma solução conforme ao objetivo por ela prosseguido (Acórdão de 24 de janeiro de 2012, Dominguez, C‑282/10, EU:C:2012:33, n.o 27 e jurisprudência referida).

60

Como o Tribunal de Justiça também já declarou, a exigência de tal interpretação conforme inclui, nomeadamente, a obrigação de o órgão jurisdicional nacional alterar, sendo caso disso, uma jurisprudência assente, caso esta se baseie numa interpretação do direito nacional incompatível com os objetivos de uma diretiva. Por conseguinte, um órgão jurisdicional nacional não pode validamente considerar que lhe é impossível interpretar uma disposição nacional em conformidade com o direito da União pelo simples facto de essa disposição ter, de forma constante, sido interpretada num sentido que não é compatível com este direito (Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.os 72 e 73 e jurisprudência referida).

61

Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e o artigo 31.o, n.o 2, da Carta devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual, caso o trabalhador não tenha pedido para poder exercer o seu direito a férias anuais remuneradas no decurso do período de referência em causa, esse trabalhador perde, no final desse período, automaticamente e sem verificação prévia da questão de saber se este foi efetivamente posto em posição de exercer esse direito, pela entidade patronal, nomeadamente através de uma informação adequada por parte desta, os dias de férias anuais remuneradas adquiridos nos termos das referidas disposições a título do referido período, bem como, correlativamente, o seu direito a uma retribuição financeira a título de férias anuais remuneradas não gozadas em caso de cessação da relação de trabalho. A este respeito, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tomando em consideração todo o direito interno e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, se pode efetuar uma interpretação deste direito que seja suscetível de garantir a plena eficácia do direito da União.

Quanto à segunda questão

62

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, em caso de impossibilidade de interpretar uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal de forma a garantir a conformidade com o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e com o artigo 31.o, n.o 2, da Carta, as referidas disposições do direito da União devem ser interpretadas no sentido de que têm como consequência que, no âmbito de um litígio que oponha o trabalhador à sua antiga entidade patronal que tenha a qualidade de particular, deve ser afastada a aplicação dessa legislação nacional pelo órgão jurisdicional nacional e deve ser concedida ao referido trabalhador, a expensas dessa entidade patronal, uma retribuição financeira a título das férias anuais adquiridas ao abrigo dessas mesmas disposições e não gozadas antes da cessação da relação de trabalho.

63

No que se refere, em primeiro lugar, ao eventual efeito direto que há que reconhecer ao artigo 7.o da Diretiva 2003/88, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, em todos os casos em que, tendo em conta o seu conteúdo, as disposições de uma diretiva sejam incondicionais e suficientemente precisas, os particulares têm o direito de as invocar nos tribunais nacionais contra o Estado, seja quando este não tenha transposto dentro do prazo a diretiva para o direito nacional, seja quando tenha feito uma transposição incorreta desta (Acórdão de 24 de janeiro de 2012, Dominguez, C‑282/10, EU:C:2012:33, n.o 33 e jurisprudência referida). Acresce que, quando os sujeitos de direito estão em condições de invocar uma diretiva contra o Estado, podem fazê‑lo qualquer que seja a qualidade em que este age, como empregador ou como autoridade pública. Num e noutro caso, importa evitar que o Estado possa tirar proveito da sua inobservância do direito da União (Acórdão de 24 de janeiro de 2012, Dominguez, C‑282/10, EU:C:2012:33, n.o 38 e jurisprudência referida).

64

Com base nestas considerações, o Tribunal de Justiça admitiu que disposições incondicionais e suficientemente precisas de uma diretiva podem ser invocadas por um particular contra um Estado‑Membro e a totalidade dos órgãos da sua Administração, incluindo entidades descentralizadas, mas também organismos e entidades que estejam sujeitos à autoridade ou ao controlo do Estado ou às quais um Estado‑Membro tenha confiado o cumprimento de uma missão de interesse público e que, para esse efeito, disponham de poderes exorbitantes face aos que resultam das normas aplicáveis nas relações entre particulares (v., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith, C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 45 e jurisprudência referida).

65

No caso vertente, é ao órgão jurisdicional de reenvio, que, aliás, é o único que dispõe de informações úteis a este respeito, que cabe efetuar as verificações necessárias a este nível. Ora, o referido órgão jurisdicional considerou, como resulta do n.o 16 do presente acórdão, que a Max‑Planck deve ser considerada um particular.

66

Em face das considerações precedentes, há, em primeiro lugar, que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma diretiva não pode, por si mesma, criar obrigações na esfera jurídica de um particular e não pode, portanto, ser invocada enquanto tal contra ele. Com efeito, alargar a invocabilidade de uma disposição de uma diretiva não transposta, ou incorretamente transposta, ao domínio das relações entre particulares equivaleria a reconhecer à União o poder de criar, com efeito imediato, deveres na esfera jurídica dos particulares, quando esta só tem essa competência nas áreas em que lhe é atribuído o poder de adotar regulamentos (Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith, C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 42 e jurisprudência referida).

67

Desta forma, mesmo clara, precisa e incondicional, uma disposição de uma diretiva que tenha por objeto conferir direitos ou impor obrigações aos particulares não pode ter aplicação, enquanto tal, no âmbito de um litígio exclusivamente entre particulares (Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith, C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 43 e jurisprudência referida).

68

Como tal, pese embora o artigo 7.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2003/88 satisfazer os critérios de incondicionalidade e de precisão suficiente exigidos para gozar de efeito direto (v., neste sentido, Acórdão da mesma data, Bauer e Willmeroth, C‑569/16 e C‑570/16, n.os 71 a 73), as referidas disposições não podem ser invocadas num litígio entre particulares a fim de garantir o pleno efeito do direito a férias anuais remuneradas, deixando de aplicar qualquer disposição nacional contrária (Acórdão de 26 de março de 2015, Fenoll, C‑316/13, EU:C:2015:200, n.o 48).

69

No que respeita, em segundo lugar, ao artigo 31.o, n.o 2, da Carta, disposição que, conforme se estabeleceu nos n.os 49 a 55 do presente acórdão, tem vocação para se aplicar a uma situação como a do litígio no processo principal e deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação como a que está em causa no processo principal, importa desde já recordar que o direito a férias anuais remuneradas constitui um princípio essencial do direito social da União.

70

Este princípio encontra a sua fonte tanto nos instrumentos desenvolvidos pelos Estados‑Membros a nível da União, como a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, que é, aliás, referida no artigo 151.o TFUE, como em instrumentos internacionais em que os Estados‑Membros cooperaram ou a que aderiram. Entre estes encontra‑se a Carta Social Europeia, da qual todos os Estados‑Membros são partes, na medida em que a ela aderiram na sua versão original, na sua versão revista ou nas suas duas versões, também referida no artigo 151.o TFUE. Importa igualmente referir a Convenção n.o 132 da Organização Internacional do Trabalho, de 24 de junho de 1970, sobre as férias anuais remuneradas (revista), que, como o Tribunal de Justiça salientou nos n.os 37 e 38 do Acórdão de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o. (C‑350/06 e C‑520/06, EU:C:2009:18), enuncia princípios da referida organização que o considerando 6 da Diretiva 2003/88 indica deverem ser tidos em conta.

71

A este respeito, o quarto considerando da Diretiva 93/104 recorda, em particular, que a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores declara, no seu ponto 8, que todos os trabalhadores da União têm direito, nomeadamente, a férias anuais remuneradas cuja duração deve ser progressivamente aproximada, de acordo com as práticas nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 26 de junho de 2001, BECTU, C‑173/99, EU:C:2001:356, n.o 39).

72

Portanto, o artigo 7.o da Diretiva 93/104 e o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 não consagraram, em si mesmos, o direito a férias anuais remuneradas, o qual tem, assim, a sua origem em diversos instrumentos internacionais (v., por analogia, Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 75) e se reveste, enquanto princípio essencial do direito social da União, de caráter imperativo (v., neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2006, Robinson‑Steele e o., C‑131/04 e C‑257/04, EU:C:2006:177, n.os 48 e 68), uma vez que o referido princípio essencial comporta o direito a férias anuais «remuneradas» enquanto tal e o direito, inerente ao primeiro, a uma retribuição financeira a título das férias anuais não gozadas à data da cessação da relação de trabalho (v. Acórdão da mesma data, Bauer e Willmeroth, C‑569/16 e C‑570/16, n.o 83).

73

Ao dispor, em termos imperativos, que «todos os trabalhadores» têm «direito»«a um período anual de férias pagas», sem remeter a este respeito, nomeadamente à semelhança, por exemplo, do artigo 27.o da Carta que esteve na origem do Acórdão de 15 de janeiro de 2014, Association de médiation sociale (C 176/12, EU:C:2014:2), para «[os] casos e […] condições previstos pelo direito da União e pelas legislações e práticas nacionais», o artigo 31.o, n.o 2, da Carta reflete o princípio essencial do direito social da União que apenas pode ser derrogado se forem respeitadas as condições estritas previstas no artigo 52.o, n.o 1, da Carta e, nomeadamente, o conteúdo essencial do direito fundamental a férias anuais remuneradas.

74

O direito a um período de férias anuais remuneradas, consagrado na esfera jurídica de qualquer trabalhador pelo artigo 31.o, n.o 2, da Carta, reveste, assim, quanto à sua própria existência, um caráter simultaneamente imperativo e incondicional, não carecendo esta segunda vertente, com efeito, de ser concretizada por disposições do direito da União ou do direito nacional, as quais são apenas chamadas para especificar a duração exata das férias anuais e, se for caso disso, certas condições do exercício deste direito. Daqui decorre que a referida disposição basta, por si só, para conferir aos particulares um direito que pode ser invocado enquanto tal num litígio que os oponha à sua entidade patronal numa situação abrangida pelo direito da União e que, consequentemente, se insere no âmbito de aplicação da Carta (v., por analogia, Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 76).

75

Como tal, o artigo 31.o, n.o 2, da Carta tem como consequência, em particular, no que respeita às situações abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, que o órgão jurisdicional nacional deve afastar a aplicação de uma legislação nacional que viole o princípio, recordado no n.o 54 do presente acórdão, segundo o qual um trabalhador não pode ser privado de um direito adquirido a férias anuais remuneradas no termo do período de referência e/ou do período de reporte fixado pelo direito nacional caso esse trabalhador não tenha estado em posição de gozar as suas férias, ou, correlativamente, do benefício da retribuição financeira que as substitui no termo da relação de trabalho, enquanto direito consubstancial a esse direito às férias anuais «remuneradas». Por força desta mesma disposição, também não é lícito às entidades patronais invocarem a existência de tal legislação nacional para se subtraírem ao pagamento da referida retribuição a que estão obrigadas em virtude do direito fundamental garantido pela referida disposição.

76

No que se refere ao efeito assim exercido pelo artigo 31.o, n.o 2, da Carta sobre as entidades patronais que tenham a qualidade de particular, há que salientar que, embora o artigo 51.o, n.o 1, da referida Carta indique que as suas disposições têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio da subsidiariedade, bem como os Estados‑Membros, apenas quando apliquem o direito da União, em contrapartida, o referido artigo 51.o, n.o 1, não aborda a questão de saber se os particulares podem, se for caso disso, estar diretamente obrigados a respeitar certas disposições da referida Carta e não pode, portanto, ser interpretado no sentido de que exclui sistematicamente essa possibilidade.

77

Desde logo, e como o advogado geral recordou no n.o 78 das suas Conclusões nos processos apensos Bauer e Willmeroth (C‑569/16 e C‑570/16, EU:C:2018:337), a circunstância de certas disposições do direito primário terem, primariamente, por objeto os Estados‑Membros, não é suscetível de excluir que estas se possam aplicar nas relações entre particulares (v., neste sentido, Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 77).

78

Em seguida, o Tribunal de Justiça já admitiu, nomeadamente, que a proibição consagrada no artigo 21.o, n.o 1, da Carta basta, por si só, para conferir a um particular um direito que pode ser invocado enquanto tal num litígio que o oponha a outro particular (v., neste sentido, Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 76) sem, portanto, que o artigo 51.o, n.o 1, da Carta faça obstáculo a tal.

79

Por último, e, mais precisamente, no que se refere ao artigo 31.o, n.o 2, da Carta, importa sublinhar que o direito de cada trabalhador a períodos de férias anuais remuneradas implica, pela sua própria natureza, uma obrigação correspondente na esfera jurídica da entidade patronal, a saber, a de conceder tais períodos ou uma retribuição a título das férias anuais remuneradas não gozadas no termo da cessação da relação de trabalho.

80

Na hipótese de ser impossível interpretar a legislação nacional em causa no processo principal de forma a garantir a sua conformidade com o artigo 31.o, n.o 2, da Carta, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, numa situação como a que está em causa no processo principal, assegurar, no âmbito das suas competências, a proteção jurídica que decorre da referida disposição e garantir o seu pleno efeito, se necessário afastando a aplicação da referida legislação nacional (v., por analogia, Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 79).

81

Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que, em caso de impossibilidade de interpretar uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, de forma a garantir a conformidade com o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e com o artigo 31.o, n.o 2, da Carta, decorre desta última disposição que o órgão jurisdicional nacional a que foi submetido um litígio que opõe um trabalhador à sua antiga entidade patronal que tenha a qualidade de particular, deve afastar a aplicação da referida legislação nacional e garantir que, a menos que essa entidade patronal esteja em posição de provar que demonstrou ter utilizado toda a diligência exigida para que o trabalhador estivesse efetivamente em condições de gozar as férias anuais remuneradas a que tinha direito ao abrigo do direito da União, o referido trabalhador não pode ser privado dos seus direitos adquiridos a tais férias anuais remuneradas nem, correlativamente, e em caso de cessação da relação de trabalho, da retribuição financeira a título de férias não gozadas cujo pagamento incumbe, neste caso, diretamente à entidade patronal em causa.

Quanto às despesas

82

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 7.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, e o artigo 31.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual, caso o trabalhador não tenha pedido para poder exercer o seu direito a férias anuais remuneradas no decurso do período de referência em causa, esse trabalhador perde, no final desse período, automaticamente e sem verificação prévia da questão de saber se este foi efetivamente posto em posição de exercer esse direito, pela entidade patronal, nomeadamente através de uma informação adequada por parte desta, os dias de férias anuais remuneradas adquiridos nos termos das referidas disposições a título do referido período, bem como, correlativamente, o seu direito a uma retribuição financeira a título de férias anuais remuneradas não gozadas em caso de cessação da relação de trabalho. A este respeito, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tomando em consideração todo o direito interno e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, se pode efetuar uma interpretação deste direito que seja suscetível de garantir a plena eficácia do direito da União.

 

2)

Em caso de impossibilidade de interpretar uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, de forma a garantir a conformidade com o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e com o artigo 31.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais, decorre desta última disposição que o órgão jurisdicional nacional a que foi submetido um litígio que opõe um trabalhador à sua antiga entidade patronal que tenha a qualidade de particular, deve afastar a aplicação da referida legislação nacional e garantir que, a menos que essa entidade patronal esteja em posição de provar que demonstrou ter utilizado toda a diligência exigida para que o trabalhador estivesse efetivamente em condições de gozar as férias anuais remuneradas a que tinha direito ao abrigo do direito da União, o referido trabalhador não pode ser privado dos seus direitos adquiridos a tais férias anuais remuneradas nem, correlativamente, e em caso de cessação da relação de trabalho, da retribuição financeira a título de férias não gozadas cujo pagamento incumbe, neste caso, diretamente à entidade patronal em causa.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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