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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62017CJ0013

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 12 de abril de 2018.
Fédération des entreprises de la beauté contra Ministre des Affaires sociales, de la Santé et des Droits des femmes e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d'État (França).
Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Produtos cosméticos — Regulamento (CE) n.o 1223/2009 — Artigo 10.o, n.o 2 — Avaliação da segurança de um produto cosmético — Qualificações do avaliador — Reconhecimento da equivalência de formações — Disciplinas semelhantes a farmácia, à toxicologia ou à medicina — Poder de apreciação dos Estados‑Membros.
Processo C-13/17.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2018:246

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

12 de abril de 2018 ( *1 ) ( 1 )

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Produtos cosméticos — Regulamento (CE) n.o 1223/2009 — Artigo 10.o, n.o 2 — Avaliação da segurança de um produto cosmético — Qualificações do avaliador — Reconhecimento da equivalência de formações — Disciplinas semelhantes a farmácia, à toxicologia ou à medicina — Poder de apreciação dos Estados‑Membros»

No processo C‑13/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), por decisão de 16 de dezembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de janeiro de 2017, no processo

Fédération des entreprises de la beauté

contra

Ministre des Affaires sociales, de la Santé et des Droits des femmes,

Ministre de l’Éducation nationale, de l’Enseignement supérieur et de la Recherche,

Ministre de l’Économie et des Finances, anteriormente ministre de l’Économie, de l’Industrie et du Numérique,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: C. G. Fernlund (relator), presidente de secção, S. Rodin e E. Regan, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 19 de outubro de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Fédération des entreprises de la beauté, por A. Bost e M. Ragot, avocats,

em representação do Governo francês, por D. Colas, J. Traband, B. Fodda e E. de Moustier, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por O. Beynet e P. Mihaylova, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de dezembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1223/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo aos produtos cosméticos (JO 2009, L 342, p. 59).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Fédération des entreprises de la beauté (Federação das Empresas de Beleza, a seguir «FEBEA») ao ministre des Affaires sociales, de la Santé et des Droits des femmes (Ministro dos Assuntos Sociais, da Saúde e dos Direitos das Mulheres), ao ministre de l’Éducation nationale, de l’Enseignement supérieur et de la Recherche (Ministro da Educação Nacional, do Ensino Superior e da Investigação) e ao ministre de l’Économie, de l’Industrie et du Numérique (Ministro da Economia, da Indústria e do Setor Digital), atual ministre de l’Économie et des Finances (Ministro da Economia e das Finanças), a propósito de um recurso de anulação do Decreto de 25 de fevereiro de 2015, relativo à qualificação profissional dos avaliadores da segurança dos produtos cosméticos para a saúde humana (JORF de 17 de março de 2015, p. 4941, a seguir «Decreto Interministerial de 25 de fevereiro de 2015»).

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos do considerando 4 do Regulamento n.o 1223/2009, este «harmoniza de forma exaustiva as normas aplicáveis na Comunidade a fim de estabelecer um mercado interno dos produtos cosméticos, assegurando em simultâneo um elevado nível de proteção da saúde humana».

4

De acordo com o considerando 19 deste regulamento, as informações que devem ser disponibilizadas às autoridades competentes «deverão incluir um relatório de segurança do produto cosmético que demonstre que se realizou uma avaliação de segurança».

5

O artigo 1.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Âmbito e objetivo», prevê que este «estabelece as normas que os produtos cosméticos disponíveis no mercado devem cumprir a fim de garantir o funcionamento do mercado interno e um elevado nível de proteção da saúde humana».

6

O artigo 10.o deste mesmo regulamento, sob a epígrafe «Avaliação da segurança», enuncia, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   A fim de demonstrar que os produtos cosméticos estão conformes com o artigo 3.o, antes de os colocar no mercado, a pessoa responsável deve certificar‑se de que foram submetidos a uma avaliação da segurança com base nas informações relevantes e que foi estabelecido, nos termos do Anexo I, um relatório de segurança dos produtos cosméticos.

[…]

A Comissão, em estreita cooperação com todos os interessados, aprova as orientações adequadas que permitam às empresas, em particular às pequenas e médias empresas, cumprir os requisitos estabelecidos no Anexo I. Essas orientações são aprovadas pelo procedimento de regulamentação a que se refere o n.o 2 do artigo 32.o.

2.   A avaliação da segurança dos produtos cosméticos, tal como estabelecida na parte B do Anexo I, deve ser efetuada por uma pessoa que possua um diploma ou outra prova formal de habilitações adquiridas com a conclusão de um curso universitário teórico e prático, em farmácia, toxicologia, medicina ou disciplina semelhante, ou de um curso reconhecido como equivalente por um Estado‑Membro.»

7

O Anexo I do Regulamento n.o 1223/2009, relativo ao «Relatório de segurança do produto cosmético», enuncia os elementos que este relatório deve, no mínimo, conter. Em particular, no n.o 4 da sua parte B, intitulada «Avaliação da segurança do produto cosmético», menciona‑se que o referido relatório deve conter, na rubrica «Credenciais do avaliador e aprovação da parte B», nomeadamente, o «[c]omprovativo das qualificações do avaliador da segurança».

8

Este regulamento foi integrado no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «Acordo EEE»), pela Decisão do Comité Misto do EEE n.o 49/2013, de 5 de abril de 2013, que altera o anexo II (Regulamentação técnica, normas, ensaios e certificação) do Acordo EEE (JO 2013, L 231, p. 23).

9

O considerando 5 da Decisão de Execução 2013/674/UE da Comissão, de 25 de novembro de 2013, relativa a orientações para aplicação do Anexo I do Regulamento n.o 1223/2009 (JO 2013, L 315, p. 82), enuncia:

«As orientações devem ajudar as pessoas responsáveis a cumprir as suas obrigações regulamentares. Não visam, contudo, substituir‑se aos conhecimentos e à proficiência do avaliador da segurança qualificado, previsto no artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1223/2009, que deve continuar a ser o único profissional autorizado a proceder à avaliação da segurança dos produtos cosméticos, em conformidade com o Anexo I, parte B.»

10

As orientações para aplicação deste Anexo I constam do anexo desta decisão de execução (a seguir «orientações»). O ponto 4.4 das mesmas, intitulado «Credenciais do avaliador e aprovação da parte B», dispõe:

«O avaliador da segurança deve ser um profissional com os conhecimentos e a proficiência necessários para elaborar uma avaliação da segurança precisa, de acordo com o previsto nos requisitos em matéria de qualificação enunciados no artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1223/2009. Esta secção do relatório de segurança do produto cosmético visa assegurar a satisfação deste requisito e a apresentação dos elementos comprovativos necessários.

[…]

Uma pessoa que tenha obtido as suas qualificações num país terceiro pode atuar como avaliador de segurança, desde que tenha concluído “um curso reconhecido como equivalente [a] (um curso universitário teórico e prático, em farmácia, toxicologia, medicina ou disciplina semelhante) por um Estado‑Membro”.

Deve ser fornecida prova das qualificações do avaliador de segurança (isto é, mediante apresentação de cópia do diploma e, se for caso disso, de prova de equivalência) previstas no artigo 10.o do Regulamento (CE) n.o 1223/2009.»

Direito francês

11

Nos termos do artigo L. 5131‑2, terceiro parágrafo, do code de la santé publique (Código da Saúde Pública), conforme alterado pela Lei n.o 2014‑201, de 24 de fevereiro de 2014 (JORF de 25 de fevereiro de 2014, p. 3250, texto n.o 4), «[a]s pessoas qualificadas encarregadas da avaliação da segurança devem possuir a formação universitária prevista no artigo 10.o do Regulamento [n.o 1223/2009], ou uma formação equivalente que figure numa lista elaborada por decreto dos ministros da saúde, da indústria e do ensino superior, ou uma formação reconhecida como equivalente por um Estado‑Membro da União Europeia».

12

O Decreto Interministerial de 25 de fevereiro de 2015 tem por objeto, nos termos do seu preâmbulo, a definição «das formações reconhecidas como equivalentes aos diplomas de médico, farmacêutico e toxicologista exigidos para os avaliadores da segurança dos produtos cosméticos para a saúde humana».

13

Nos termos do artigo 1.o deste decreto, «[a] lista das formações reconhecidas como equivalentes à formação universitária prevista no artigo 10.o do Regulamento [n.o 1223/2009] e no artigo L. 5131‑2 do Código da Saúde Pública[, conforme alterado pela Lei n.o 2014‑201,] é fixada em anexo».

14

O anexo do referido decreto estabelece a lista dos diplomas nos seguintes termos:

«1.

Diploma francês de doutoramento em medicina veterinária, diploma de licenciatura em medicina veterinária ou um dos diplomas, certificados ou títulos em medicina veterinária emitidos por outros Estados‑Membros da União Europeia, pelos Estados Parte no Acordo [EEE] ou pela Confederação Suíça.

2.

Diploma nacional de doutoramento francês ou um dos diplomas, certificados ou títulos de nível comparável ao doutoramento francês emitidos pelos outros Estados‑Membros da União Europeia, pelos Estados Parte no Acordo [EEE] ou pela Confederação Suíça, comprovativos dos trabalhos de investigação no campo da toxicologia ou da ecotoxicologia.

3.

Diploma nacional de mestrado francês ou um dos diplomas, certificados ou títulos emitidos pelos outros Estados‑Membros da União Europeia, pelos Estados Parte no Acordo [EEE] ou pela Confederação Suíça, reconhecidos, pelo Estado que o emite, de nível de mestrado (conferindo 120 créditos europeus ECTS após um primeiro diploma que confere, por sua vez, 180 créditos ECTS).

Este diploma, certificado ou título deve, além disso, permitir justificar, pelo menos, 60 créditos europeus ECTS validados no domínio da toxicologia ou da ecotoxicologia e no domínio da avaliação dos riscos.

4.

Diploma de estudos aprofundados (DEA) em toxicologia ou em ecotoxicologia.

5.

Diploma de estudos superiores especializados (DESS) em toxicologia ou em ecotoxicologia.»

15

Nos termos dos artigos L. 613‑3 e L. 613‑4 do code de l’éducation (Código da Educação), qualquer pessoa pode «pedir a validação dos estudos superiores que tiver completado, nomeadamente no estrangeiro» e essa validação é «dada por um júri cujos membros são designados pelo presidente da universidade ou pelo diretor do estabelecimento de ensino superior, em função da natureza da validação pedida».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

A FEBEA é uma organização profissional que reúne mais de 300 empresas que atuam no setor da cosmética.

17

Em 4 de setembro de 2015, esta organização interpôs, no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), o órgão jurisdicional de reenvio, um recurso de anulação do Decreto Interministerial de 25 de fevereiro de 2015 e da Decisão do ministre des Affaires sociales, de la Santé et des Droits des femmes (Ministro dos Assuntos Sociais, da Saúde e dos Direitos das Mulheres) de 10 de julho de 2015, que negou provimento ao recurso gracioso que a mesma tinha interposto deste decreto.

18

Em apoio do seu recurso de anulação, a FEBEA alega, entre outros, que o referido decreto viola o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1223/2009, por um lado, na medida em que determina as disciplinas consideradas «semelhantes» à farmácia, à toxicologia e à medicina, incluindo entre estas, nomeadamente, a ecotoxicologia, embora este regulamento não atribua tal competência aos Estados‑Membros, e, por outro, na medida em que reconhece a equivalência de formações ministradas na União, no Espaço Económico Europeu (EEE) ou na Confederação Suíça, quando o reconhecimento da equivalência de formações previsto nessa disposição apenas pode respeitar aos diplomas obtidos em Estados terceiros.

19

O órgão jurisdicional de reenvio considera que o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1223/2009 remete para os Estados‑Membros a tarefa do reconhecimento das formações que considerem «equivalentes» aos cursos universitários teóricos e práticos, em farmácia, em toxicologia, em medicina ou numa disciplina «semelhante», que qualquer avaliador da segurança de um produto cosmético deve possuir.

20

Este órgão jurisdicional não exclui que, apesar de a expressão «curso reconhecido como equivalente», na aceção desta disposição, só se referir às formações ministradas nos Estados aos quais este regulamento não é aplicável, como afirma a FEBEA, a execução plena e total da referida disposição imponha, a fim de permitir o reconhecimento da equivalência desses cursos, que sejam previamente especificados tanto o conteúdo do conceito de «disciplinas semelhantes» como os níveis de qualificação exigidos para preencher os requisitos desse regulamento.

21

O referido órgão jurisdicional salienta igualmente que os artigos L. 613‑3 e L. 613‑4 do Código da Educação permitem o reconhecimento da equivalência entre um diploma emitido por uma universidade ou por um estabelecimento de ensino superior em França e uma formação que não é ministrada noutro Estado‑Membro da União, num Estado Parte no EEE ou na Confederação Suíça.

22

Nestas condições, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O reconhecimento da equivalência das formações a que os Estados‑Membros podem proceder em aplicação do artigo 10.o, n.o 2, do [Regulamento n.o 1223/2009] diz apenas respeito às formações ministradas num Estado terceiro à União Europeia?

2)

As disposições do artigo 10.o, n.o 2, do referido regulamento autorizam um Estado‑Membro a determinar quais as disciplinas suscetíveis de ser consideradas “semelhantes” à medicina, à farmácia ou à toxicologia, e os níveis de qualificação que preenchem os requisitos do [referido] regulamento?

3)

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, quais os critérios a utilizar para as disciplinas poderem ser consideradas “semelhantes” à medicina, à farmácia ou à toxicologia?»

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

23

Há que recordar que, de acordo com o considerando 4 do Regulamento n.o 1223/2009, este visa harmonizar de forma exaustiva as normas aplicáveis na União a fim de estabelecer um mercado interno dos produtos cosméticos, assegurando em simultâneo um elevado nível de proteção da saúde humana. Para este efeito, o artigo 1.o deste regulamento estabelece as normas que todos os produtos cosméticos disponíveis no mercado da União devem cumprir. Por conseguinte, um Estado‑Membro não pode subordinar a circulação dos produtos cosméticos a requisitos adicionais (v., neste sentido, Acórdão de 5 de maio de 1993, Comissão/França, C‑246/91, EU:C:1993:174, n.o 7).

24

Para assegurar este elevado nível de proteção, todos os produtos cosméticos disponibilizados no mercado da União devem ser seguros para a saúde humana, devendo a sua segurança ser avaliada com base em informações adequadas e um relatório de segurança deve ser elaborado e incluído no ficheiro de informações dos produtos cosméticos (Acórdão de 21 de setembro de 2016, European Federation for Cosmetic Ingredients, C‑592/14, EU:C:2016:703, n.o 33).

25

Daqui resulta que qualquer colocação no mercado da União de um produto cosmético, assim como a sua livre circulação nesse mercado, pressupõe que a segurança desse produto para a saúde humana tenha sido avaliada de acordo com as modalidades especificamente definidas pelo Regulamento n.o 1223/2009.

26

A este respeito, o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1223/2009 precisa as qualificações exigidas ao avaliador de segurança desses produtos, referindo que este deve possuir um diploma ou outra prova formal de «habilitações adquiridas com a conclusão de um curso universitário teórico e prático, em farmácia, toxicologia, medicina ou disciplina semelhante» ou «de um curso reconhecido como equivalente por um Estado‑Membro». O ponto 4.4 das orientações acrescenta que a referida pessoa deve ser um profissional com os conhecimentos e a proficiência necessários para elaborar uma avaliação precisa da segurança dos produtos cosméticos.

27

Embora o Regulamento n.o 1223/2009 não contenha nenhuma exigência quanto aos requisitos do reconhecimento de equivalência, na aceção deste regulamento, resulta do ponto 4.4 das orientações que a pessoa responsável deve poder fornecer prova das qualificações do avaliador de segurança e, se for caso disso, prova da equivalência do diploma deste último.

28

No caso em apreço, a fim de definir as formações «reconhecid[a]s como equivalentes» pela República Francesa, na aceção do artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1223/2009, os ministros em causa no processo principal adotaram o Decreto Interministerial de 25 de fevereiro de 2015. Os títulos de formações enumerados neste decreto incluem um certo número de diplomas franceses, nomeadamente, os diplomas de medicina veterinária e de estudos de ecotoxicologia, bem como certos títulos de formações semelhantes emitidos por outros Estados‑Membros.

29

É neste contexto que devem ser analisadas as três questões submetidas.

Quanto à primeira questão

30

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1223/2009 deve ser interpretado no sentido de que o reconhecimento da equivalência das formações, previsto nesta disposição, diz apenas respeito às formações ministradas em Estados terceiros.

31

Resulta da própria redação desta disposição que o reconhecimento da equivalência por um Estado‑Membro, na aceção da mesma, deve dizer respeito a um curso reconhecido como equivalente a um curso universitário teórico e prático, obtido seja em farmácia, toxicologia ou medicina, seja numa disciplina semelhante a estas últimas.

32

O legislador da União sujeitou, assim, o reconhecimento da equivalência prevista no artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1223/2009 a exigências relativas, por um lado, ao nível da formação em causa e, por outro, à categoria das matérias lecionadas nessas formações.

33

Conforme salientou o advogado‑geral no n.o 31 das suas conclusões, esta disposição permite, atendendo à sua redação, ter em conta não só a grande diversidade das formações adequadas que já existem, mas também a evolução destas ainda possível.

34

Por outro lado, há que constatar que o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1223/2009 não contém nenhuma indicação quanto ao lugar de obtenção dos diplomas ou outras provas formais de habilitações adquiridas com a conclusão de um curso universitário teórico e prático ou de um curso reconhecido como equivalente a este.

35

Daqui resulta que podem ser reconhecidas como equivalentes a essa formação universitária tanto formações ministradas em Estados terceiros como em Estados‑Membros.

36

Esta interpretação não é posta em causa pelos argumentos apresentados pela FEBEA a este respeito, sejam eles relativos ao regime da União em matéria de reconhecimento mútuo dos diplomas obtidos na União ou ao ponto 4.4 das orientações, na medida em que este ponto diz respeito às formações ministradas em Estados terceiros.

37

Com efeito, em primeiro lugar, o reconhecimento mútuo dos diplomas obtidos na União é certamente objeto de uma harmonização nos termos do artigo 53.o TFUE. No entanto, mesmo que apenas o reconhecimento de diplomas obtidos fora da União fosse da competência dos Estados‑Membros, inserindo‑se mesmo na sua apreciação discricionária, essa circunstância não teria repercussão na interpretação do artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1223/2009.

38

A este respeito, importa recordar que o reconhecimento mútuo dos diplomas, certificados e outros títulos previsto no artigo 53.o TFUE, nomeadamente através da instituição de um sistema que, através das harmonização das regras e dos critérios de reconhecimento, obriga os Estados‑Membros a admitir a equivalência de certos diplomas, sem que estes possam exigir dos interessados a satisfação de outros requisitos, visa favorecer a livre circulação das pessoas (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2000, Hocsman, C‑238/98, EU:C:2000:440, n.os 31 a 34).

39

Por seu lado, o Regulamento n.o 1223/2009 não tem por objeto regular o reconhecimento de diplomas, para favorecer a livre circulação de pessoas, mas «estabelece[r] as normas que os produtos cosméticos disponíveis no mercado devem cumprir», no âmbito da livre circulação de mercadorias, conforme foi recordado no n.o 23 do presente acórdão.

40

Deste modo, através deste regulamento, conforme resulta do seu considerando 4, o legislador da União harmonizou de forma exaustiva as normas aplicáveis na União a fim de estabelecer um mercado interno dos produtos cosméticos, assegurando em simultâneo um elevado nível de proteção da saúde humana. Para este efeito, o artigo 10.o, n.o 2, do referido regulamento, em conjugação com o ponto 4.4 das orientações, dispõe que o avaliador da segurança de um produto cosmético deve possuir uma qualificação adequada e suficiente para cumprir essa função, a fim de proteger plenamente a saúde humana. Assim, um produto cuja segurança tenha sido avaliada por uma pessoa que seguiu uma das formações previstas nessa disposição pode, em princípio, ser livremente vendido em toda a União.

41

Atendendo ao seu objeto específico e limitado, o reconhecimento da equivalência, na aceção desta disposição, não visa, portanto, completar o sistema de reconhecimento mútuo dos diplomas obtidos na União.

42

Em segundo lugar, embora o ponto 4.4 das orientações refira que uma pessoa que tenha obtido as suas qualificações num país terceiro pode atuar como avaliador de segurança, desde que tenha concluído um curso reconhecido como equivalente a um curso universitário teórico e prático, em farmácia, em toxicologia, em medicina ou numa disciplina semelhante por um Estado‑Membro, esta circunstância não implica, à luz da própria redação do artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1223/2009, que só possam ser reconhecidas como equivalentes aos cursos universitários de referência, para efeitos deste regulamento, as formações ministradas em Estados terceiros.

43

Resulta das considerações precedentes que há que responder à primeira questão que o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1223/2009 deve ser interpretado no sentido de que o reconhecimento da equivalência das formações, previsto nesta disposição, pode dizer respeito a formações distintas das ministradas em Estados terceiros.

Quanto à segunda e terceira questões

44

Com a segunda e terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1223/2009 deve ser interpretado no sentido de que confere a cada Estado‑Membro a competência para determinar as disciplinas suscetíveis de ser consideradas «semelhantes» à farmácia, à toxicologia ou à medicina, bem como os níveis de qualificação que preenchem os requisitos deste regulamento e, em caso afirmativo, quais os critérios a utilizar para as disciplinas poderem ser consideradas «semelhantes», na aceção desta disposição.

45

Antes de mais, há que observar que o conceito de «disciplina semelhante», constante desta disposição, não se encontra precisado no Regulamento n.o 1223/2009.

46

Assim, o legislador da União entendeu, por um lado, preservar uma margem de manobra aos Estados‑Membros, a fim de assegurar que seja permitido ter em conta a grande diversidade de formações adequadas já existente e a evolução destas ainda possível e, por outro, enquadrar esta margem de manobra prevendo que só são suscetíveis de aceitação as formações efetuadas em disciplinas que apresentem uma relação de semelhança com a farmácia, a toxicologia e a medicina.

47

Daqui resulta que, para efeitos da aplicação do artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1223/2009, deve ser conferida a cada Estado‑Membro uma certa margem de apreciação para determinar, sob a sua própria responsabilidade, quer as disciplinas semelhantes quer o nível de qualificação exigido, desde que este respeite as disposições e os objetivos deste regulamento, nomeadamente o objetivo de proteção da saúde humana.

48

A este respeito, há que constatar que, para poder assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana, a avaliação da segurança do produto cosmético só deve ser efetuada por pessoas que possam provar que possuem competências indispensáveis para o garantir. Assim, os Estados‑Membros não podem reconhecer, sem ultrapassar os limites da margem de apreciação de que dispõem nos termos do artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1223/2009, formações que não oferecem os mesmos tipos de qualificações pertinentes que as formações adequadas em farmácia, em toxicologia ou em medicina.

49

Nomeadamente, resulta da redação desta disposição que as qualificações exigidas ao avaliador da segurança devem ser obtidas no âmbito de um curso universitário teórico acompanhado de uma aplicação prática.

50

No que diz especificamente respeito à questão de saber se uma disciplina pode ser considerada «semelhante» à farmácia, à toxicologia ou à medicina, há que constatar, como salientou o advogado‑geral nos n.os 65 e 66 das suas conclusões, por um lado, que os Estados‑Membros devem verificar a presença de uma base comum de conhecimentos científicos que se afiguram indispensáveis para avaliar a segurança dos cosméticos com a maior certeza possível, não apenas em relação aos ingredientes que os compõem, mas também em relação ao produto final, e, por outro, que o objetivo que consiste em garantir um elevado nível de proteção da saúde humana só pode ser perfeitamente alcançado se esta base comum abranger tanto conhecimentos relativos ao ser humano e às suas patologias como conhecimentos relativos às substâncias utilizadas no fabrico dos produtos cosméticos e às suas propriedades físicas e químicas.

51

Assim, atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1223/2009 deve ser interpretado no sentido de que confere a cada Estado‑Membro a competência para determinar as disciplinas «semelhantes» à farmácia, à toxicologia ou à medicina, bem como os níveis de qualificação que preenchem os requisitos deste regulamento, desde que respeite os objetivos fixados pelo referido regulamento que consistem, em particular, em garantir que o avaliador da segurança dos produtos cosméticos disponha de uma qualificação que lhe permita assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana.

Quanto às despesas

52

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

1)

O artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1223/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo aos produtos cosméticos, deve ser interpretado no sentido de que o reconhecimento da equivalência das formações, previsto nesta disposição, pode dizer respeito a formações distintas das ministradas em Estados terceiros.

 

2)

O artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1223/2009 deve ser interpretado no sentido de que confere a cada Estado‑Membro a competência para determinar as disciplinas «semelhantes» à farmácia, à toxicologia ou à medicina, bem como os níveis de qualificação que preenchem os requisitos deste regulamento, desde que respeite os objetivos fixados pelo referido regulamento que consistem, em particular, em garantir que o avaliador da segurança dos produtos cosméticos disponha de uma qualificação que lhe permita assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

( 1 ) O n.o 2 do presente texto foi objeto de uma alteração linguística, posteriormente à sua disponibilização em linha.

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