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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62017CJ0219

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 19 de dezembro de 2018.
    Silvio Berlusconi e Finanziaria d'investimento Fininvest SpA (Fininvest) contra Banca d'Italia e Istituto per la Vigilanza Sulle Assicurazioni (IVASS).
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Consiglio di Stato.
    Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Aquisição de uma participação qualificada numa instituição de crédito — Procedimento regido pela Diretiva 2013/36/UE e pelos Regulamentos (UE) n.os 1024/2013 e 468/2014 — Procedimento administrativo misto — Poder decisório exclusivo do Banco Central Europeu (BCE) — Recurso interposto dos atos instrutórios adotados pela autoridade nacional competente — Alegação de violação do caso julgado produzido por uma decisão nacional.
    Processo C-219/17.

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2018:1023

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    19 de dezembro de 2018 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Aquisição de uma participação qualificada numa instituição de crédito — Procedimento regido pela Diretiva 2013/36/UE e pelos Regulamentos (UE) n.os 1024/2013 e 468/2014 — Procedimento administrativo misto — Poder decisório exclusivo do Banco Central Europeu (BCE) — Recurso interposto dos atos instrutórios adotados pela autoridade nacional competente — Alegação de violação do caso julgado produzido por uma decisão nacional»

    No processo C‑219/17,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por decisão de 23 de fevereiro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de abril de 2017, no processo

    Silvio Berlusconi,

    Finanziaria d’investimento Fininvest SpA (Fininvest)

    contra

    Banca d’Italia,

    Istituto per la Vigilanza Sulle Assicurazioni (IVASS),

    sendo intervenientes:

    Ministero dell’Economia e delle Finanze,

    Banca Mediolanum SpA,

    Holding Italiana Quarta SpA,

    Fin. Prog. Italia di E. Doris & C. s.a.p.a.,

    Sirefid SpA,

    Ennio Doris,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente, J.‑C. Bonichot (relator), A. Prechal, M. Vilaras, E. Regan, T. von Danwitz, K. Jürimäe e C. Lycourgos, presidentes de secção, A. Rosas, E. Juhász, J. Malenovský, E. Levits e L. Bay Larsen, juízes,

    advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

    secretário: R. Schiano, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 18 de abril de 2018,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de S. Berlusconi e da Finanziaria d’investimento Fininvest SpA (Fininvest), por A. Di Porto, R. Vaccarella, A. Saccucci, M. Carpinelli, B. Nascimbene, R. Baratta e N. Ghedini, avvocati,

    em representação da Banca d’Italia, por M. Perassi, G. Crapanzano, M. Mancini e O. Capolino, avvocati,

    em representação do Governo espanhol, por M. A. Sampol Pucurull, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por V. Di Bucci, H. Krämer, K.‑P. Wojcik e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

    em representação do Banco Central Europeu (BCE), por G. Buono, C. Hernández Saseta e C. Zilioli, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 27 de junho de 2018,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 256.o, n.o 1, e do artigo 263.o, primeiro, segundo e quinto parágrafos, TFUE.

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Silvio Berlusconi e a Finanziaria de investimento Fininvest SpA (Fininvest) à Banca d’Italia (Banco de Itália) e ao Istituto per la Vigilanza sulle Assicurazioni (IVASS) [Instituto de Supervisão de Seguros (IVASS), Itália], a respeito da fiscalização da aquisição de uma participação qualificada numa instituição de crédito.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva CRD IV

    3

    Nos termos do artigo 22.o, sob a epígrafe «Comunicação e apreciação de projetos de aquisição», da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (JO 2013, L 176, p. 338, diretiva denominada «capital requirement», a seguir «Diretiva CRD IV»):

    «1.   Os Estados‑Membros exigem que as pessoas singulares ou coletivas que, individualmente ou em concertação (“proposto adquirente”) decidam adquirir ou aumentar, direta ou indiretamente, uma participação qualificada numa instituição de crédito de modo a que a sua percentagem de direitos de voto ou de participação no capital atinja ou ultrapasse 20%, 30% ou 50% ou que a instituição de crédito se transforme em sua filial (“projeto de aquisição”), comuniquem previamente por escrito às autoridades competentes da instituição de crédito em que pretendem adquirir ou aumentar uma participação qualificada o montante dessa participação e as informações relevantes, especificadas nos termos do artigo 23.o, n.o 4. […]

    2.   As autoridades competentes devem confirmar por escrito ao proposto adquirente, com a maior brevidade e impreterivelmente no prazo de dois dias úteis, a receção da comunicação referida no n.o 1 ou das outras informações referidas no n.o 3.

    As autoridades competentes dispõem de um prazo máximo de sessenta dias úteis a contar da data da confirmação da receção da comunicação e de todos os documentos a anexar à mesma exigidos pelo Estado‑Membro com base na lista a que se refere o artigo 23.o, n.o 4 (“prazo de apreciação”) para efetuar a apreciação prevista no artigo 23.o, n.o 1 (“apreciação”).

    As autoridades competentes informam o proposto adquirente do termo do prazo de apreciação no momento do envio da confirmação da receção.

    3.   As autoridades competentes podem, durante o prazo de apreciação, se necessário, mas nunca depois do quinquagésimo dia útil desse prazo, solicitar as informações complementares que se revelem necessárias para completar a apreciação. Este pedido deve ser apresentado por escrito e especificar as informações complementares necessárias.

    O prazo de apreciação suspende‑se entre a data do pedido de informações formulado pelas autoridades competentes e a data da receção da resposta do proposto adquirente. A suspensão não pode ser superior a vinte dias úteis. Quaisquer outros pedidos das autoridades competentes para efeitos de completar ou clarificar as informações ficam ao critério dessas autoridades, mas não dão lugar à suspensão do prazo de apreciação.

    4.   As autoridades competentes podem prolongar a suspensão a que se refere o n.o 3, segundo parágrafo, até 30 dias úteis, se o proposto adquirente se situar num país terceiro ou aí estiver sujeito a regulamentação ou se for uma pessoa singular ou coletiva não sujeita a supervisão ao abrigo da presente diretiva ou das Diretivas 2009/65/CE, 2009/138/CE ou 2004/39/CE.

    5.   Se as autoridades competentes decidirem opor‑se ao projeto de aquisição, devem, no prazo de dois dias úteis a contar da conclusão da apreciação e sem ultrapassar o prazo de apreciação, informar por escrito o proposto adquirente da sua decisão e da respetiva fundamentação. Sem prejuízo do direito nacional, pode ser facultada ao público, a pedido do adquirente potencial, uma exposição adequada da fundamentação da decisão. Tal não impede que um Estado‑Membro autorize a autoridade competente a publicar essa informação sem que o proposto adquirente o solicite.

    6.   Se, durante o prazo de apreciação, as autoridades competentes não se opuserem por escrito ao projeto de aquisição, este considera‑se aprovado.

    7.   As autoridades competentes podem fixar um prazo máximo para a conclusão do projeto de aquisição e, se necessário, prorrogar esse prazo.

    8.   Os Estados‑Membros não podem impor requisitos mais rigorosos do que os estabelecidos na presente diretiva para a comunicação às autoridades competentes nem para a aprovação por parte destas de aquisições diretas ou indiretas de direitos de voto ou de participações de capital.

    […]»

    4

    O artigo 23.o da Diretiva CRD IV, sob a epígrafe «Critérios de apreciação», dispõe:

    «1.   Na apreciação da comunicação prevista no artigo 22.o, n.o 1, e das informações a que se refere o artigo 22.o, n.o 3, as autoridades competentes devem, a fim de garantir uma gestão sã e prudente da instituição de crédito objeto do projeto de aquisição e tendo em conta a influência provável do proposto adquirente na referida instituição de crédito, avaliar a idoneidade deste último e a solidez financeira do projeto de aquisição de acordo com o seguinte conjunto de critérios:

    a)

    Idoneidade do adquirente potencial;

    b)

    Idoneidade, conhecimentos, competências e experiência, nos termos previstos no artigo 91.o, n.o 1, do membro do órgão de administração e do membro da direção de topo que dirigirão a atividade da instituição de crédito em resultado da aquisição proposta;

    c)

    Solidez financeira do proposto adquirente, designadamente em função do tipo de atividade exercida ou a exercer na instituição de crédito objeto do projeto de aquisição;

    […]

    2.   As autoridades competentes só podem opor‑se ao projeto de aquisição se existirem motivos razoáveis para tal, com base nos critérios enunciados no n.o 1, ou se as informações prestadas pelo proposto adquirente forem incompletas.

    […]»

    5

    O artigo 119.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Sujeição das companhias financeiras a supervisão em base consolidada», prevê, no seu n.o 1:

    «Os Estados‑Membros adotam as medidas necessárias, sempre que tal se revele adequado, para incluir as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas na supervisão em base consolidada.»

    Regulamento MUS

    6

    Nos termos do considerando 11 do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63, regulamento denominado «Mecanismo Único de Supervisão», ou MUS, a seguir «Regulamento MUS»):

    «Deverá […] ser criada uma união bancária na União, assente num conjunto único de regras exaustivo e pormenorizado para os serviços financeiros no mercado interno como um todo, e composto de um mecanismo único de supervisão e de novos enquadramentos para a garantia de depósitos e a resolução. […]»

    7

    O artigo 1.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Objetivo e âmbito de aplicação», dispõe:

    «O presente regulamento confere ao [Banco Central Europeu (BCE)] atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito, com vista a contribuir para a segurança e a solidez das instituições de crédito e para a estabilidade do sistema financeiro na União e em cada Estado‑Membro, tendo plena e diligentemente em conta a unidade e a integridade do mercado interno, e por base a igualdade de tratamento das instituições de crédito com vista a evitar a arbitragem regulamentar.

    […]

    O presente regulamento não prejudica as responsabilidades nem os poderes conexos das autoridades competentes dos Estados‑Membros participantes no exercício das atribuições de supervisão não conferidas ao BCE pelo presente regulamento.

    […]»

    8

    O artigo 4.o do mesmo regulamento tem a seguinte redação:

    «1.   Nos termos do artigo 6.o, cabe ao BCE, de acordo com o n.o 3 do presente artigo, exercer em exclusivo, para fins de supervisão prudencial, as seguintes atribuições relativamente à totalidade das instituições de crédito estabelecidas nos Estados‑Membros participantes:

    […]

    c)

    Apreciar as notificações de aquisição e alienação de participações qualificadas em instituições de crédito, exceto no caso da resolução bancária e sob reserva do disposto no artigo 15.o;

    […]

    3.   Para efeitos do exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo presente regulamento e com o objetivo de assegurar elevados padrões de supervisão, o BCE aplica toda a legislação aplicável da União e, no caso de diretivas, a legislação nacional que as transpõe. Caso a legislação aplicável da União seja constituída por regulamentos, e nos casos em que esses regulamentos concedam expressamente certas opções aos Estados‑Membros, o BCE deve aplicar também a legislação nacional relativa ao exercício dessas opções.

    […]»

    9

    O artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento MUS prevê que o BCE exerce as suas atribuições no âmbito de um mecanismo único de supervisão, composto pelo BCE e pelas autoridades nacionais competentes (a seguir «ANC»), e que é responsável pelo seu funcionamento eficaz e coerente. Nos termos do n.o 2 do mesmo artigo, tanto o BCE como as ANC estão sujeitos ao dever de cooperação leal e à obrigação de trocarem informações. Sem prejuízo dos poderes do BCE para receber diretamente as informações comunicadas de forma contínua pelas instituições de crédito, ou para ter acesso direto a essas informações, as ANC devem, em especial, fornecer ao BCE todas as informações necessárias para que este exerça as atribuições que lhe são conferidas por este regulamento.

    10

    O artigo 9.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Poderes de supervisão e de investigação», prevê, no seu n.o 1:

    «Exclusivamente para efeitos do exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 4.o, n.o 1 e n.o 2, e pelo artigo 5.o, n.o 2, o BCE deve ser considerado, se adequado, a autoridade competente ou a autoridade designada nos Estados‑Membros participantes de acordo com a legislação aplicável da União.

    Exclusivamente para esse mesmo efeito, o BCE dispõe de todos os poderes e está sujeito às obrigações que se encontram previstos no presente regulamento. Dispõe também de todos os poderes e está sujeito às mesmas obrigações que a legislação aplicável da União atribui às autoridades competentes e às autoridades nacionais designadas, salvo disposição em contrário do presente regulamento. O BCE dispõe, em particular, dos poderes enumerados nas secções 1 e 2 do presente capítulo.

    Na medida do necessário para o exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo presente regulamento, o BCE pode, por meio de instruções, exigir que essas autoridades nacionais exerçam os seus poderes, nos termos e nas condições estabelecidas no direito nacional, sempre que o presente regulamento não confira esses poderes ao BCE. Essas autoridades nacionais informam cabalmente o BCE sobre o exercício desses poderes.»

    11

    O artigo 15.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Avaliação das aquisições de participações qualificadas», dispõe:

    «1.   Sem prejuízo das isenções previstas no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), a notificação da aquisição de uma participação qualificada numa instituição de crédito estabelecida num Estado‑Membro participante, ou as informações com ela relacionadas, são apresentadas às [ANC] do Estado‑Membro em que a instituição de crédito está estabelecida, nos termos dos requisitos estabelecidos na legislação nacional aplicável baseada nos atos a que se refere o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo.

    2.   A [ANC] avalia a aquisição proposta e envia ao BCE […] a notificação acompanhada de uma proposta de decisão de oposição ou de não oposição à aquisição, baseada nos critérios estabelecidos nos atos a que se refere o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo […] [e] coadjuva ainda o BCE nos termos do artigo 6.o

    3.   O BCE toma uma decisão de oposição ou de não oposição à aquisição com base nos critérios de avaliação estabelecidos na legislação aplicável da União e pelo procedimento e dentro dos prazos de avaliação nela previstos.»

    Regulamento‑Quadro do MUS

    12

    O Regulamento (UE) n.o 468/2014 do Banco Central Europeu, de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação, no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão, entre o Banco Central Europeu e as autoridades nacionais competentes e com as autoridades nacionais designadas (Regulamento‑Quadro do MUS) (JO 2014, L 141, p. 1; retificado no JO 2018, L 65, p. 48), adotado nos termos do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento MUS, estabelece o quadro de cooperação, no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão, entre o BCE e as ANC.

    13

    O artigo 85.o do Regulamento‑Quadro do MUS, sob a epígrafe «Notificação às ANC da aquisição de uma participação qualificada», dispõe:

    «1.   A ANC que receba uma notificação da intenção de aquisição de uma participação qualificada numa instituição de crédito estabelecida no respetivo Estado‑Membro participante deve comunicar ao BCE essa notificação o mais tardar cinco dias úteis após a confirmação da sua receção de acordo com o previsto no artigo 22.o, n.o 2, da Diretiva [CRD IV].

    2.   A ANC notificará o BCE caso tenha de suspender o período de avaliação devido a um pedido de informação adicional. A ANC enviará tal informação adicional ao BCE no prazo de cinco dias úteis a contar da receção da mesma.

    3.   A ANC informará igualmente o BCE da data até à qual a decisão de oposição ou de não oposição à aquisição de uma participação qualificada deve ser comunicada ao requerente nos termos da legislação nacional aplicável.»

    14

    O artigo 86.o deste regulamento, sob a epígrafe «Avaliação de possíveis aquisições», dispõe:

    «1.   A ANC à qual é reportada a intenção de adquirir uma participação qualificada numa instituição de crédito avaliará se essa aquisição cumpre todas as condições previstas na legislação nacional ou da União aplicável. Após essa apreciação, a ANC elaborará um projeto de decisão no sentido de o BCE se opor ou não à aquisição.

    2.   A ANC apresentará ao BCE um projeto de decisão de oposição ou de não oposição à aquisição pelo menos 15 dias úteis antes do termo do prazo de avaliação definido pela legislação aplicável da União.»

    15

    O artigo 87.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Decisão do BCE sobre a aquisição», tem a seguinte redação:

    «O BCE decidirá se se deve opor ou não à aquisição com base na sua avaliação da aquisição proposta e do projeto de decisão da ANC. É aplicável o direito de audiência previsto no artigo 31.o»

    Direito italiano

    Legislação sobre a supervisão bancária

    16

    O artigo 19.o do decreto legislativo n. 385 — Testo unico delle leggi in materia bancaria e creditizia (Decreto Legislativo n.o 385 — Texto unificado das leis em matéria bancária e creditícia), de 1 de setembro de 1993 (suplemento ordinário do GURI n.o 230, de 30 de setembro de 1993), conforme alterado pelo decreto legislativo n. 72 (Decreto Legislativo n.o 72), de 12 de maio de 2015 (a seguir «Texto Unificado Bancário»), que transpôs o conteúdo da Diretiva CRD IV para o direito italiano, atribui ao Banco de Itália a competência para emitir as autorizações de aquisição de participações qualificadas em instituições financeiras. O n.o 5 desse artigo especifica que as autorizações são emitidas «quando se verificam os requisitos necessários para garantir uma gestão sã e prudente do banco, avaliando a qualidade do potencial adquirente e a solidez financeira do projeto de aquisição em conformidade com os seguintes critérios: a reputação do potencial adquirente na aceção do artigo 25.o […]».

    17

    O artigo 25.o do Texto Unificado Bancário, sob a epígrafe «Participações de capital», precisa, no seu n.o 1, que os titulares das participações indicadas no artigo 19.o do Texto Unificado Bancário devem preencher requisitos de idoneidade e satisfazer critérios de competência e de integridade que assegurem a gestão sã e prudente do banco.

    18

    Transitoriamente, o artigo 2.o, n.o 8, do Decreto Legislativo n.o 72, de 12 de maio de 2015, prevê que se continuam a aplicar as disposições relativas aos requisitos de idoneidade dos titulares das participações em instituições financeiras em vigor antes da adoção desse decreto.

    19

    Estas disposições foram incluídas no decreto ministeriale n. 144 — regolamento recante norme per l’individuazione dei requisiti di onorabilità dei partecipanti al capitale sociale delle banche e fissazione della soglia rilevante (Decreto Ministerial n.o 144, Regulamento que estabelece as normas para a determinação dos requisitos de idoneidade dos participantes no capital social dos bancos e a fixação do limiar relevante), de 18 de março de 1998, cujo artigo 1.o precisa as condenações que se repercutem negativamente na idoneidade da pessoa em causa e que implicam assim o incumprimento do requisito exigido.

    20

    O artigo 2.o do Decreto Ministerial n.o 144, de 18 de março de 1998, dispõe, transitoriamente, que, «para os participantes no capital de um banco à data de entrada em vigor do presente regulamento, o incumprimento de qualquer um dos requisitos do artigo 1.o do mesmo regulamento que não estavam previstos na legislação anterior é irrelevante se se tiver verificado anteriormente à mesma data e apenas em relação a participações já detidas».

    21

    Quanto às sociedades financeiras mistas (a seguir «CFM»), o artigo 63.o do Texto Unificado Bancário, adotado em conformidade com o artigo 119.o da Diretiva CRD IV, sujeitou os seus titulares de participações qualificadas às obrigações impostas aos titulares de participações qualificadas em instituições bancárias.

    22

    O artigo 67.obis, n.o 2, do Texto Unificado Bancário precisa que o Banco de Itália e o IVASS devem assegurar conjuntamente o respeito dessas obrigações quando as referidas sociedades têm a sua sede em Itália e são sociedades‑mãe de grupos financeiros, na sua totalidade ou em parte, italianos.

    Legislação relativa ao procedimento contencioso administrativo

    23

    O procedimento administrativo contencioso italiano prevê uma azione di ottemperanza.

    24

    A este respeito, o artigo 21.osepties, n.o 1, da legge n. 241 — nuove norme in materia di procedimento amministrativo e di diritto di acesso ai documenti amministrativi (Lei n.o 241, que estabelece novas normas em matéria de procedimento administrativo e de direito de acesso aos documentos administrativos), de 7 de agosto de 1990, conforme alterada pela Lei n.o 15, de 11 de fevereiro de 2005, dispõe:

    «É nulo o ato administrativo […] que viole o caso julgado […]»

    25

    O artigo 112.o do Codice del processo amministrativo (Código do Procedimento Administrativo) prevê:

    «1.   As medidas dos tribunais administrativos devem ser executadas pela Administração Pública e pelas outras partes.

    2.   A azione di ottemperanza pode ser proposta para obter a aplicação:

    […]

    c)

    Das decisões transitadas em julgado e de outras medidas equiparáveis dos tribunais comuns, com a finalidade de obrigar a Administração Pública a dar cumprimento, no que diz respeito aos processos concluídos, aos casos julgados.

    […]»

    26

    Nos termos do artigo 114.o, n.o 4, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo, o juiz a quem cabe decidir a azione di ottemperanza, em caso de procedência do recurso, «declara nulos os eventuais atos que violem o caso julgado».

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    27

    Nos anos 1990, S. Berlusconi adquiriu, por intermédio da Fininvest, cerca de 30% da Mediolanum SpA, que era na altura uma CFM que controlava nomeadamente um banco, a Banca Mediolanum SpA, e que foi, a esse título, sujeita à supervisão das participações qualificadas em Itália a partir de 2014.

    28

    Na sequência do Acórdão n.o 35729/13 da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), transitado em julgado em 1 de agosto de 2013, através do qual foi declarado culpado de fraude fiscal, S. Berlusconi foi objeto de um procedimento das autoridades de supervisão italianas competentes, a saber, o Banco de Itália e o IVASS, que conduziu a uma decisão em que se declarava que este tinha deixado de preencher o requisito de idoneidade previsto na legislação aplicável e que, por conseguinte, a participação da Fininvest na Mediolanum superior a 9,999% devia ser alienada.

    29

    S. Berlusconi e a Fininvest impugnaram esta decisão perante a justiça italiana, invocando, nomeadamente, um fundamento relativo à aplicação da lei no tempo, segundo o qual a causa da insuficiência de idoneidade que justificou a oposição à aquisição da participação qualificada em questão tinha surgido antes da entrada em vigor da regulamentação que estabeleceu essa condição, pelo que não estava abrangida pelo âmbito de aplicação dessa regulamentação. Tendo sido negado provimento ao seu recurso em primeira instância, os recorrentes obtiveram ganho de causa no Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), que declarou, em 3 de março de 2016, que a legislação anterior à adoção dos critérios de idoneidade, que os recorrentes invocavam, continuava a ser aplicável apesar de argumentos contrários tendentes a demonstrar que a mesma devia ser considerada implicitamente revogada devido à sua incompatibilidade com o direito da União.

    30

    Entretanto, a CFM Mediolanum foi absorvida pela sua filial Banca Mediolanum, tornando‑se a Fininvest, consequentemente, titular de uma participação qualificada, já não numa CFM mas diretamente numa instituição de crédito. O Banco de Itália e o BCE deduziram desse facto que era necessário um novo pedido de autorização, relativo a essa participação qualificada, com base nos artigos 22.o e seguintes da Diretiva CRD IV e nos artigos 19.o e seguintes do Texto Unificado Bancário.

    31

    Dando cumprimento às indicações do BCE por nota de 24 de junho de 2016, o Banco de Itália ordenou à Fininvest, em 14 de julho de 2016, que apresentasse um pedido de autorização no prazo de quinze dias. Uma vez que este pedido não foi apresentado, o Banco de Itália optou, em 3 de agosto de 2016, por dar oficiosamente início ao procedimento administrativo, precisando que a competência decisória nesta matéria era do BCE, em conformidade com o artigo 4.o do Regulamento MUS.

    32

    Uma vez recebida a documentação da Fininvest, o Banco de Itália enviou ao BCE, em aplicação do artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento MUS, uma proposta de decisão, com data de 23 de setembro de 2016, com um parecer desfavorável quanto à idoneidade dos adquirentes da participação em causa na Banca Mediolanum e convidando o BCE a opor‑se à aquisição.

    33

    O BCE acolheu os argumentos do Banco de Itália e aprovou um projeto de decisão, que enviou a S. Berlusconi e à Fininvest para que estes apresentassem observações. O BCE adotou uma decisão final em 25 de outubro de 2016.

    34

    Nessa decisão, o BCE considerou que havia dúvidas fundadas quanto à idoneidade dos adquirentes da participação na Banca Mediolanum. Tendo em conta que S. Berlusconi, acionista maioritário e proprietário efetivo da Fininvest, era o adquirente indireto da participação na Banca Mediolanum e tinha sido condenado, por decisão transitada em julgado, a quatro anos de prisão por fraude fiscal, o BCE entendeu que não estava preenchido o requisito de idoneidade imposto pela legislação nacional aos titulares de participações qualificadas. Esta instituição baseou‑se igualmente no facto de S. Berlusconi ter cometido outras irregularidades e de ter sido objeto de outras condenações, à semelhança de outros membros dos órgãos de direção da Fininvest.

    35

    Por estas razões, o BCE considerou que os adquirentes da participação qualificada na Banca Mediolanum não cumpriam o requisito de idoneidade e que havia sérias dúvidas quanto à sua capacidade para assegurar, no futuro, uma gestão sã e prudente dessa instituição financeira. Por conseguinte, o BCE opôs‑se à aquisição da participação qualificada na Banca Mediolanum por S. Berlusconi e pela Fininvest.

    36

    Em primeiro lugar, estes últimos impugnaram a decisão do BCE de 25 de outubro de 2016 através de um recurso de anulação no Tribunal Geral da União Europeia (processo Fininvest e Berlusconi/BCE, T‑913/16). Em segundo lugar, a Fininvest recorreu, por seu lado, para o Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália), com vista a obter a anulação dos atos do Banco de Itália instrutórios desta decisão do BCE. Em terceiro lugar, S. Berlusconi e a Fininvest intentaram uma azione di ottemperanza no Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional).

    37

    No âmbito desta última ação, S. Berlusconi e a Fininvest alegaram que a proposta de decisão do Banco de Itália, mencionada no n.o 32 do presente acórdão, era nula por violação do caso julgado produzido pelo acórdão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) mencionado no n.o 29 do presente acórdão, proferido no âmbito do litígio relativo à sua participação qualificada na Mediolanum. Em sua defesa, o Banco de Itália arguiu, nomeadamente, a exceção de incompetência dos órgãos jurisdicionais nacionais para conhecerem desta ação, uma vez que estão em causa atos instrutórios desprovidos de conteúdo decisório, com vista à tomada de uma decisão da competência exclusiva de uma instituição da União, e que são, conjuntamente com a decisão final, da competência exclusiva do juiz da União.

    38

    Após ter apensado os recursos de S. Berlusconi e da Fininvest, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) considerou que o procedimento em causa tanto se podia assemelhar a um «processo unitário», cujos atos estão sujeitos à fiscalização unicamente do juiz da União, como a um «processo misto», cujos atos da fase nacional podem ser sujeitos a uma fiscalização jurisdicional a nível nacional, ainda que esta fase nacional termine com um ato que não é vinculativo para a autoridade da União competente para tomar uma decisão final.

    39

    Foi neste contexto que o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o disposto nos artigos 263.o, primeiro, segundo e quinto parágrafos, [TFUE], conjugado com o artigo 256.o, n.o 1, [TFUE], ser interpretado no sentido de que é da competência do juiz da União, ou antes da competência do juiz nacional, um recurso interposto contra [os atos] de [abertura], de instrução e de proposta não vinculativa [adotados] pela [ANC] […] no âmbito do [procedimento] previsto nos artigos 22.o e 23.o da Diretiva [CRD IV], [nos] artigos 1.o, [n.o 5, 4.o, n.o 1, alínea c),] e 15.o, n.o 1, do [Regulamento MUS], [nos] artigos 85.o, 86.o e 87.o do [Regulamento‑Quadro do MUS], bem como [nos] artigos 19.o, 22.o e 25.o do [Texto Unificado Bancário]?

    2)

    Em particular, pode [invocar‑se] a competência jurisdicional do juiz da União, quando contra [esses atos não] tenha sido proposta [uma] ação geral de anulação, mas [sim uma] ação de nulidade por alegada violação […] do caso julgado [produzido] pelo Acórdão […] de 3 de março de 2016, do Consiglio di Stato [Conselho de Estado, em formação jurisdicional], exercida no âmbito de [uma ação] de execução de sentença, nos termos dos artigos 112.o e [seguintes] do Código de [Procedimento] Administrativo italiano — ou seja, no âmbito de um instituto peculiar do ordenamento processual administrativo nacional —, cuja decisão pressupõe a interpretação e a determinação, segundo as regras do direito nacional, dos limites objetivos do caso julgado produzido por aquele acórdão?»

    Quanto às questões prejudiciais

    40

    Com as suas questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 263.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que os órgãos jurisdicionais nacionais fiscalizem a legalidade de atos de abertura, de instrução ou de proposta não vinculativa adotados pelas ANC no âmbito do procedimento previsto nos artigos 22.o e 23.o da Diretiva CRD IV, no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), e no artigo 15.o do Regulamento MUS, bem como nos artigos 85.o a 87.o do Regulamento‑Quadro do MUS, e se a resposta a esta questão é diferente quando um órgão jurisdicional nacional é chamado a pronunciar‑se por via de uma ação específica de nulidade por alegada violação do caso julgado produzido por uma decisão judicial nacional.

    41

    A título preliminar, cabe precisar os efeitos na repartição das competências entre os órgãos jurisdicionais da União e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros resultantes do envolvimento das autoridades nacionais num processo, como o que está em causa no processo principal, que conduz à adoção de um ato da União.

    42

    A este respeito, importa recordar que o artigo 263.o TFUE confere ao Tribunal de Justiça da União Europeia competência exclusiva para fiscalizar a legalidade dos atos adotados pelas instituições da União, das quais faz parte o BCE.

    43

    O eventual envolvimento das autoridades nacionais no processo que conduz à adoção desses atos não põe em causa a sua qualificação como atos da União, quando os atos adotados pelas autoridades nacionais são uma etapa de um processo em que uma instituição da União exerce, sozinha, o poder decisório final sem estar vinculada pelos atos instrutórios ou as propostas das autoridades nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 18 de dezembro de 2007, Suécia/Comissão, C‑64/05 P, EU:C:2007:802, n.os 93 e 94).

    44

    Com efeito, num caso em que o direito da União não visa instituir uma partilha entre duas competências, uma nacional, a outra da União, que tenham objetivos distintos, mas, pelo contrário, consagra um poder decisório exclusivo de uma instituição da União, compete ao juiz da União, a título da sua competência exclusiva para fiscalizar a legalidade dos atos da União com base no artigo 263.o TFUE (v., por analogia, Acórdão de 22 de outubro de 1987, Foto‑Frost, 314/85, EU:C:1987:452, n.o 17), pronunciar‑se sobre a legalidade da decisão final adotada pela instituição da União em causa e, a fim de garantir uma proteção judicial efetiva dos interessados, examinar os eventuais vícios que inquinem os atos instrutórios ou as propostas das autoridades nacionais suscetíveis de afetar a validade dessa decisão final.

    45

    No entanto, um ato de uma autoridade nacional que se insere num processo de decisão da União não está abrangido pela competência exclusiva do juiz da União quando resulte da repartição de competências estabelecida no domínio considerado entre as autoridades nacionais e as instituições da União que o ato praticado pela autoridade nacional é uma etapa necessária do processo de adoção de um ato da União na qual as instituições da União dispõem apenas de uma margem de apreciação limitada ou inexistente, de modo que o ato nacional vincula a instituição da União (v., neste sentido, Acórdão de 3 de dezembro de 1992, Oleificio Borelli/Comissão, C‑97/91, EU:C:1992:491, n.os 9 e 10).

    46

    É, portanto, aos órgãos jurisdicionais nacionais que compete conhecer das irregularidades de que o ato nacional eventualmente padeça, se necessário após reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça, nas mesmas condições de fiscalização que as utilizadas para qualquer ato definitivo que, adotado pela mesma autoridade nacional, seja suscetível de causar prejuízo a terceiros, e, por conseguinte, considerar como admissível, em nome do princípio da proteção judicial efetiva, o recurso interposto para este fim, mesmo que as regras de processo internas não o prevejam (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de dezembro de 1992, Oleificio Borelli/Comissão, C‑97/91, EU:C:1992:491, n.os 11 a 13; de 6 de dezembro de 2001, Carl Kühne e o., C‑269/99, EU:C:2001:659, n.o 58; e de 2 de julho de 2009, Bavaria e Bavaria Italia, C‑343/07, EU:C:2009:415, n.o 57).

    47

    Feita esta precisão, há que salientar que resulta de uma leitura do artigo 263.o TFUE à luz do princípio da cooperação leal entre a União e os Estados‑Membros, consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, que os atos adotados pelas autoridades nacionais no âmbito de um processo como o previsto nos n.os 43 e 44 do presente acórdão não podem ser sujeitos à fiscalização dos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros.

    48

    A este respeito, importa sublinhar que quando o legislador da União opta por um procedimento administrativo que prevê a adoção, pelas autoridades nacionais, de atos instrutórios de uma decisão final de uma instituição da União que produz efeitos jurídicos e é suscetível de causar prejuízo, pretende estabelecer, entre esta instituição e essas autoridades nacionais, um mecanismo específico de cooperação que assenta na competência decisória exclusiva da instituição da União.

    49

    Ora, a eficácia desse processo de decisão pressupõe necessariamente uma fiscalização jurisdicional única, que só seja exercida pelos órgãos jurisdicionais da União uma vez tomada a decisão da instituição da União que põe termo ao procedimento administrativo, única decisão capaz de produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica.

    50

    A este respeito, a coexistência de vias de recurso nacionais contra atos instrutórios ou propostas de autoridades dos Estados‑Membros neste tipo de processos e do recurso previsto no artigo 263.o TFUE contra a decisão da instituição da União que põe termo ao procedimento administrativo instituído pelo legislador da União não é isenta de risco de divergências de apreciações num mesmo processo e, portanto, é suscetível de pôr em causa a competência exclusiva do Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre a legalidade dessa decisão final, especialmente quando este segue a análise e a proposta das referidas autoridades.

    51

    Tendo em conta esta necessária unidade da fiscalização jurisdicional, são irrelevantes tanto o tipo de via de direito nacional utilizada para sujeitar os atos instrutórios adotados pelas autoridades nacionais à fiscalização de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro como a natureza dos pedidos ou dos fundamentos apresentados para o efeito.

    52

    É à luz destas considerações que se deve analisar a natureza do procedimento que levou à adoção dos atos do Banco de Itália que o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) é chamado a conhecer no processo principal.

    53

    Este procedimento está previsto no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão da união bancária, cujo funcionamento eficaz e coerente nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento MUS é da responsabilidade do BCE. Destina‑se a dar execução ao artigo 22.o da Diretiva CRD IV, que prevê, em nome do bom funcionamento da união bancária, uma autorização prévia de todas as aquisições ou aumentos de participações qualificadas em instituições de crédito, com base em critérios de apreciação harmonizados, enumerados no artigo 23.o da mesma diretiva.

    54

    Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento MUS, conjugado com o artigo 15.o, n.o 3, deste mesmo regulamento e com o artigo 87.o do Regulamento‑Quadro do MUS, o BCE tem competência exclusiva para autorizar ou não o projeto de aquisição no final do procedimento previsto, entre outros, no artigo 15.o do Regulamento MUS e nos artigos 85.o e 86.o do Regulamento‑Quadro do MUS.

    55

    No âmbito de relações regidas pelo princípio da cooperação leal ao abrigo do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento MUS, o papel das autoridades nacionais consiste, por seu lado, conforme resulta desta disposição, do artigo 15.o, n.os 1 e 2, do mesmo regulamento e dos artigos 85.o e 86.o do Regulamento‑Quadro do MUS, em registar os pedidos de autorização, em prestar assistência ao BCE, único titular do poder de decisão, nomeadamente fornecendo‑lhe todas as informações necessárias ao exercício das suas atribuições, instruindo esses pedidos e transmitindo depois ao BCE uma proposta de decisão que não vincula este último e cuja notificação ao requerente não está, aliás, prevista pelo direito da União.

    56

    Assim, o procedimento em que se inserem os atos impugnados perante o órgão jurisdicional de reenvio é daqueles a que as considerações enunciadas nos n.os 43 e 44 do presente acórdão se referem.

    57

    Por conseguinte, há que considerar que o juiz da União é o único competente para apreciar, a título incidental, se a legalidade da decisão do BCE de 25 de outubro de 2016 é afetada por eventuais vícios que inquinem a legalidade dos atos instrutórios desta decisão adotados pelo Banco de Itália. Essa competência exclui qualquer competência jurisdicional nacional contra os referidos atos, sem que tenha relevância, a este respeito, a circunstância de um órgão jurisdicional nacional ter sido chamado a pronunciar‑se por via de uma ação como a azione di ottemperanza.

    58

    Quanto a este último aspeto, como salientou a Comissão, a competência exclusiva do BCE para decidir aprovar ou não a aquisição de uma participação qualificada numa instituição de crédito e a competência exclusiva correlativa dos tribunais da União para fiscalizar a validade dessa decisão, e, incidentalmente, para apreciar se os atos nacionais instrutórios padecem de vícios suscetíveis de afetar a validade da decisão do BCE, opõem‑se a que um órgão jurisdicional nacional possa conhecer de uma ação destinada a contestar a conformidade desse ato com uma disposição nacional relativa ao princípio do caso julgado (v., por analogia, Acórdão de 18 de julho de 2007, Lucchini, C‑119/05, EU:C:2007:434, n.os 62 e 63).

    59

    Por conseguinte, há que responder às questões prejudiciais que o artigo 263.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que os órgãos jurisdicionais nacionais fiscalizem a legalidade de atos de abertura, de instrução ou de proposta não vinculativa adotados pelas ANC no âmbito do procedimento previsto nos artigos 22.o e 23.o da Diretiva CRD IV, no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), e no artigo 15.o do Regulamento MUS, bem como nos artigos 85.o a 87.o do Regulamento‑Quadro do MUS, e que, a este respeito, é indiferente que um órgão jurisdicional nacional tenha sido chamado a pronunciar‑se por via de uma ação específica de nulidade por alegada violação do caso julgado produzido por uma decisão judicial nacional.

    Quanto às despesas

    60

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

     

    O artigo 263.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que os órgãos jurisdicionais nacionais fiscalizem a legalidade de atos de abertura, de instrução ou de proposta não vinculativa adotados pelas autoridades nacionais competentes no âmbito do procedimento previsto nos artigos 22.o e 23.o da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE, no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), e no artigo 15.o do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao Banco Central Europeu atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito, bem como nos artigos 85.o a 87.o do Regulamento (UE) n.o 468/2014 do Banco Central Europeu, de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação, no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão, entre o Banco Central Europeu e as autoridades nacionais competentes e com as autoridades nacionais designadas («Regulamento‑Quadro do MUS»). A este respeito, é indiferente que um órgão jurisdicional nacional tenha sido chamado a pronunciar‑se por via de uma ação específica de nulidade por alegada violação do caso julgado produzido por uma decisão judicial nacional.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: italiano.

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