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Documento 62016CJ0306
Judgment of the Court (Second Chamber) of 9 November 2017.#António Fernando Maio Marques da Rosa v Varzim Sol – Turismo, Jogo e Animação, SA.#Request for a preliminary ruling from the Tribunal da Relação do Porto.#Reference for a preliminary ruling — Protection of the safety and health of workers — Directive 2003/88/EC — Article 5 — Weekly rest period — National legislation providing for at least one rest day per seven-day period — Periods of more than six consecutive working days.#Case C-306/16.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 9 de novembro de 2017.
António Fernando Maio Marques da Rosa contra Varzim Sol – Turismo, Jogo e Animação, SA.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal da Relação do Porto.
Reenvio prejudicial — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 5.° — Descanso semanal — Regulamentação nacional que prevê, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias — Períodos de trabalho superiores a seis dias consecutivos.
Processo C-306/16.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 9 de novembro de 2017.
António Fernando Maio Marques da Rosa contra Varzim Sol – Turismo, Jogo e Animação, SA.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal da Relação do Porto.
Reenvio prejudicial — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 5.° — Descanso semanal — Regulamentação nacional que prevê, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias — Períodos de trabalho superiores a seis dias consecutivos.
Processo C-306/16.
Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2017:844
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
9 de novembro de 2017 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 5.o — Descanso semanal — Regulamentação nacional que prevê, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias — Períodos de trabalho superiores a seis dias consecutivos»
No processo C‑306/16,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal da Relação do Porto (Portugal), por decisão de 23 de maio de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de maio de 2016, no processo
António Fernando Maio Marques da Rosa
contra
Varzim Sol – Turismo, Jogo e Animação, SA,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),
composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Rosas, C. Toader, A. Prechal (relator) e E. Jarašiūnas, juízes,
advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,
secretário: M. Ferreira, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 5 de abril de 2017,
vistas as observações apresentadas:
– |
em representação de A. F. Maio Marques da Rosa, por J. Carvalho, advogado, |
– |
em representação da Varzim Sol – Turismo, Jogo e Animação, SA, por C. Santos Silva e N. Guedes Vaz, advogados, |
– |
em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, M. Figueiredo e L. C. Oliveira, na qualidade de agentes, |
– |
em representação do Governo húngaro, por A. Pálfy, M. Z. Fehér e G. Koós, na qualidade de agentes, |
– |
em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente, |
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em representação do Governo finlandês, por H. Leppo, na qualidade de agente, |
– |
em representação do Governo sueco, por A. Falk, C. Meyer‑Seitz, H. Shev, U. Persson, N. Otte Widgren e F. Bergius, na qualidade de agentes, |
– |
em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek, G. Braga da Cruz e P. Costa de Oliveira, na qualidade de agentes, |
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 21 de junho de 2017,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o da Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 1993, L 307, p. 18), conforme alterada pela Diretiva 2000/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 2000 (JO 2000, L 195, p. 41) (a seguir «Diretiva 93/104»), do artigo 5.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 2003, L 299, p. 9), bem como do artigo 31.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). |
2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe António Fernando Maio Marques da Rosa à Varzim Sol – Turismo, Jogo e Animação, SA (a seguir «Varzim Sol»), a propósito da concessão ao recorrente no processo principal, na sua qualidade de trabalhador, de um dia de descanso semanal obrigatório em cada período de sete dias. |
Quadro jurídico
Direito da União
Diretiva 93/104
3 |
Nos termos do artigo 5.o da Diretiva 93/104, intitulado «Descanso semanal»: «Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de vinte e quatro horas às quais se adicionam as onze horas, de descanso diário previstas no artigo 3.o [...]» |
4 |
A Diretiva 93/104 foi revogada e substituída pela Diretiva 2003/88, que entrou em vigor em 2 de agosto de 2004. |
Diretiva 2003/88
5 |
O considerando 15 da Diretiva 2003/88 enuncia: «Em face das questões suscetíveis de serem originadas pela organização do tempo de trabalho, afigura‑se oportuno prever uma certa flexibilidade na aplicação de determinadas disposições da presente diretiva, assegurando ao mesmo tempo a observância dos princípios da proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores.» |
6 |
O artigo 2.o desta diretiva, intitulado «Definições», prevê: «Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por: 1. “Tempo de trabalho”: qualquer período durante o qual o trabalhador está de serviço, à disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas funções, de acordo com a legislação e/ou a prática nacional. 2. “Período de descanso”: qualquer período que não seja tempo de trabalho. [...] 5. “Trabalho por turnos”: qualquer modo de organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupem sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o ritmo rotativo, e que pode ser de tipo contínuo ou descontínuo, o que implica que os trabalhadores executem o trabalho a horas diferentes no decurso de um dado período de dias ou semanas. 6. “Trabalhador por turnos”: qualquer trabalhador cujo horário de trabalho se enquadre no âmbito do trabalho por turnos. [...] 9. “Descanso suficiente”: o facto de os trabalhadores disporem de períodos de descanso regulares cuja duração seja expressa em unidades de tempo, e suficientemente longos e contínuos para evitar que se lesionem ou lesionem os colegas ou outras pessoas e para não prejudicarem a saúde, a curto ou a longo prazo, por cansaço ou ritmos irregulares de trabalho.» |
7 |
O artigo 3.o dessa diretiva, com a epígrafe «Descanso diário», dispõe o seguinte: «Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de um período mínimo de descanso de onze horas consecutivas por cada período de vinte e quatro horas.» |
8 |
O artigo 5.o da mesma diretiva, intitulado «Descanso semanal», prevê: «Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de 24 horas às quais se adicionam as 11 horas de descanso diário previstas no artigo 3.o Caso condições objetivas, técnicas ou de organização do trabalho o justifiquem, pode ser adotado um período mínimo de descanso de vinte e quatro horas.» |
9 |
Nos termos do artigo 6.o da Diretiva 2003/88, com a epígrafe «Duração máxima do trabalho semanal»: «Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que, em função dos imperativos de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores: [...]
|
10 |
O artigo 15.o desta diretiva dispõe: «A presente diretiva não impede os Estados‑Membros de aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, ou de promoverem ou permitirem a aplicação de convenções coletivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores.» |
11 |
Nos termos do artigo 16.o da referida diretiva, intitulado «Períodos de referência»: «Os Estados‑Membros podem prever:
[...]» |
12 |
O artigo 17.o da mesma diretiva estabelece: «[...] 2. As derrogações previstas nos n.os 3, 4 e 5 podem ser estabelecidas por via legislativa, regulamentar ou administrativa, ou ainda por via de convenções coletivas ou de acordos celebrados entre parceiros sociais, desde que sejam concedidos aos trabalhadores em causa períodos equivalentes de descanso compensatório ou que, nos casos excecionais em que não seja possível, por razões objetivas, a concessão de períodos equivalentes de descanso compensatório, seja concedida aos trabalhadores em causa uma proteção adequada. [...] 4. Nos termos do n.o 2 do presente artigo, são permitidas derrogações aos artigos 3.° e 5.°:
[...]» |
13 |
O artigo 18.o da Diretiva 2003/88 prevê: «Pode derrogar‑se ao disposto nos artigos 3.°, 4.°, 5.°, 8.° e 16.° por meio de convenções coletivas ou de acordos celebrados entre parceiros sociais a nível nacional ou regional ou, nos termos das regras fixadas pelos parceiros sociais, através de convenções coletivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais a um nível inferior. Os Estados‑Membros em que, juridicamente, não exista um sistema que garanta a celebração de convenções coletivas ou de acordos celebrados entre parceiros sociais a nível nacional ou regional, nas matérias abrangidas pela presente diretiva, ou os Estados‑Membros em que exista uma estrutura legislativa específica para o efeito e nos limites dessa estrutura podem, nos termos da lei e/ou práticas nacionais, permitir derrogações aos artigos 3.°, 4.°, 5.°, 8.° e 16.°, por meio de convenções coletivas ou de acordos celebrados entre parceiros sociais ao nível coletivo adequado. As derrogações previstas no primeiro e segundo parágrafos só serão permitidas desde que sejam concedidos aos trabalhadores em causa períodos equivalentes de descanso compensatório ou que, em casos excecionais em que não seja possível, por razões objetivas, a concessão desses períodos de descanso compensatório, seja concedida aos trabalhadores em causa uma proteção adequada. [...]» |
14 |
Nos termos do artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva: «Os Estados‑Membros podem não aplicar o artigo 6.o, respeitando embora os princípios gerais de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, desde que tomem as medidas necessárias para assegurar que:
[...]» |
Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça
15 |
O artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça dispõe: «Para além do texto das questões submetidas ao Tribunal a título prejudicial, o pedido de decisão prejudicial deve conter: [...]
|
Direito português
Código do Trabalho de 2003
16 |
O Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.o 99/2003, de 27 de agosto de 2003, destinada a transpor a Diretiva 93/104, dispunha, no seu artigo 205.o, n.o 1: «O trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana.» |
17 |
Nos termos do artigo 207.o, n.o 1, desse código: «Ao dia de descanso semanal obrigatório adiciona‑se um período de onze horas, correspondente ao período mínimo de descanso diário estabelecido no artigo 176.o» |
Código do Trabalho de 2009
18 |
O Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.o 7/2009, de 12 de fevereiro de 2009, destinada a transpor a Diretiva 2003/88, prevê, no seu artigo 221.o, intitulado «Organização de turnos»: «[...] 5. Os turnos no regime de laboração contínua e os de trabalhadores que asseguram serviços que não podem ser interrompidos, nomeadamente nas situações a que se referem as alíneas d) e e) do n.o 2 do artigo 207.o, devem ser organizados de modo que os trabalhadores de cada turno gozem, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias, sem prejuízo do período excedente de descanso a que tenham direito.» |
19 |
O artigo 232.o do Código do Trabalho de 2009 dispõe: «1. O trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana. 2. O dia de descanso semanal obrigatório pode deixar de ser o domingo, além de noutros casos previstos em legislação especial, quando o trabalhador presta atividade:
[…] 3. Por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou contrato de trabalho, pode ser instituído um período de descanso semanal complementar, contínuo ou descontínuo, em todas ou algumas semanas do ano.» |
Acordos de empresa
20 |
A cláusula 36, n.o 1, do Acordo de Empresa entre a Varzim Sol e o Sindicato dos Profissionais de Banca de Casinos e outros, publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego n.o 22 de 2002, dispõe: «Todos os trabalhadores abrangidos por este [acordo de empresa] têm direito a dois dias de descanso semanal seguidos, exceto os dos bingos que mantêm o regime em vigor na data da assinatura do presente [acordo de empresa].» |
21 |
O Acordo de Empresa entre a Varzim Sol e o Sindicato dos Profissionais de Banca de Casinos e outros, publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego n.o 29 de 2003, com modificações e texto consolidado no Boletim do Trabalho e do Emprego n.o 31 de 2007, dispõe, na cláusula 36:
[…]
[...]» |
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
22 |
O recorrente no processo principal, A. F. Maio Marques da Rosa, foi empregado, desde 1991 até 2014, da Varzim Sol, sociedade proprietária de um casino na Póvoa de Varzim (Portugal). Este casino está aberto todos os dias, à exceção de 24 de dezembro, das 15 horas às 3 horas, de domingo a quinta‑feira, e das 16 horas às 4 horas, nos restantes dias. |
23 |
Decorre da decisão de reenvio que o trabalho do recorrente no processo principal estava organizado por turnos e descansos rotativos, durante os quais os trabalhadores ocupavam sucessivamente os mesmos postos de trabalho a um ritmo predeterminado. O órgão jurisdicional de reenvio explica que, em 2008 e 2009, A. F. Maio Marques da Rosa trabalhou, algumas vezes, durante sete dias consecutivos. Refere igualmente que os colaboradores da Varzim Sol que exerciam funções nas salas de jogo tinham direito, desde 1988, a dois dias de descanso semanal seguidos, o primeiro, por força do Código do Trabalho, e o segundo, complementar, por força dos acordos de empresa celebrados entre o Sindicato dos Profissionais de Banca de Casinos e outros e a Varzim Sol. |
24 |
Além disso, a partir de 2010, a Varzim Sol modificou a organização dos horários de trabalho, para que os trabalhadores não trabalhassem mais de seis dias consecutivos. |
25 |
Em 16 de março de 2014, o contrato de trabalho do recorrente cessou, na sequência de um despedimento coletivo. |
26 |
O recorrente no processo principal propôs então uma ação judicial destinada a que a Varzim Sol fosse condenada a pagar‑lhe o montante de 18602 euros, a título de indemnização, uma vez que os sétimos dias em que tinha trabalhado deveriam ter sido remunerados como trabalho suplementar e que não tinha gozado descanso compensatório. Exigiu igualmente o pagamento de 7679 euros, com o fundamento de que o segundo dia de descanso semanal nem sempre lhe havia sido concedido, tudo acrescido de juros legais. |
27 |
Na sequência da improcedência da sua ação, o recorrente no processo principal interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto (Portugal). |
28 |
Como fundamento do seu recurso, o recorrente no processo principal alega que os artigos 221.° e 232.° do Código do Trabalho português de 2009 devem ser interpretados, à luz do artigo 5.o da Diretiva 2003/88 e das Convenções n.os 14 e 106 da Organização Internacional do Trabalho, no sentido de que obrigam à concessão de um dia de descanso, o mais tardar, após seis dias de trabalho consecutivos. |
29 |
Segundo a Varzim Sol, em contrapartida, nem o direito da União nem a legislação nacional impõem qualquer limitação de número de dias de trabalho seguidos, desde que o trabalhador goze um período de descanso em cada período de trabalho de sete dias. Assim, segundo ela, o artigo 5.o da Diretiva 2003/88 não exige que o trabalhador tenha direito a descanso semanal após seis dias de trabalho consecutivos, ou seja, o sétimo dia. Além disso, entende que é impossível, na prática, conceder aos trabalhadores dias de descanso todos os sétimos e oitavos dias. |
30 |
Nestas circunstâncias, o Tribunal da Relação do Porto, que se interroga sobre a interpretação do artigo 5.o da Diretiva 93/104 e do artigo 5.o da Diretiva 2003/88, decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:
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Quanto às questões prejudiciais
Quanto às questões primeira a terceira
31 |
Com as suas três primeiras questões, que convém analisar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 31.o da Carta, o artigo 5.o da Diretiva 93/104 e o artigo 5.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88 devem ser interpretados no sentido de que exigem que o período mínimo de descanso ininterrupto de vinte e quatro horas a que o trabalhador tem direito seja concedido, o mais tardar, no dia seguinte a um período de seis dias de trabalho consecutivos. |
32 |
A título preliminar, importa referir que os factos do litígio no processo principal, que se desenrolaram entre janeiro de 2004 e janeiro de 2010, estão, na sua maioria, abrangidos pelas disposições da Diretiva 93/104, em vigor até 1 de agosto de 2004, e, em parte, pelas disposições da Diretiva 2003/88, que procedeu à codificação, com efeitos a contar de 2 de agosto de 2004, das disposições da Diretiva 93/104. No entanto, uma vez que as disposições dessas diretivas pertinentes para o processo na causa principal foram redigidas em termos, no essencial, idênticos e que as respostas a dar às questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio são, em razão desta identidade, as mesmas, independentemente da diretiva aplicável, há que fazer unicamente referência às disposições da Diretiva 2003/88, para responder a estas questões (v., neste sentido, acórdão de 25 de novembro de 2010, Fuß, C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 32). |
33 |
Nos termos do artigo 5.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88, «[o]s Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de 24 horas às quais se adicionam as 11 horas de descanso diário previstas no artigo 3.o». |
34 |
Esta diretiva contém igualmente disposições que conferem aos Estados‑Membros a faculdade de derrogar as disposições que regulam os ritmos de trabalho. A este respeito, o artigo 17.o, n.o 4, alínea a), da referida diretiva estabelece que os Estados‑Membros podem derrogar o artigo 5.o da mesma, no caso de atividades de trabalho por turnos, sempre que o trabalhador mude de equipa e não possa beneficiar de períodos de descanso semanal entre o fim da sua atividade numa equipa e o início da sua participação na seguinte. De igual modo, o artigo 18.o da mesma diretiva prevê que se pode derrogar o disposto neste artigo 5.o através de convenções coletivas. O artigo 17.o, n.o 2, e o artigo 18.o da Diretiva 2003/88 exigem, porém, um descanso compensatório ou, em circunstâncias excecionais, outra proteção adequada. |
35 |
Decorre dos autos do Tribunal de Justiça, e foi confirmado neste aspeto pelo Governo português e pela Comissão Europeia na audiência, que a República Portuguesa não usou a faculdade que lhe era conferida pelo artigo 17.o, n.o 4, alínea a), da Diretiva 2003/88, de derrogar as regras relativas ao descanso semanal previstas no artigo 5.o desta diretiva para as atividades de trabalho por turnos. Além disso, não decorre desses autos que os acordos de empresa, citados nos n.os 20 e 21 do presente acórdão, contenham disposições derrogatórias desse artigo 5.o |
36 |
Por conseguinte, as disposições acima referidas, que preveem a possibilidade de derrogar o artigo 5.o da Diretiva 2003/88 no contexto do trabalho por turnos, não são pertinentes para o presente processo. |
37 |
Nestas circunstâncias, cabe interpretar apenas o artigo 5.o da Diretiva 2003/88, nomeadamente a sua expressão «por cada período de sete dias». |
38 |
Uma vez que o artigo 5.o da Diretiva 2003/88 não remete para o direito nacional dos Estados‑Membros, a expressão «por cada período de sete dias» nele empregue deve ser entendida como um conceito autónomo do direito da União e interpretada de modo uniforme no território desta última, independentemente das qualificações utilizadas nos Estados‑Membros, tendo em conta os termos da disposição em causa bem como seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (v., neste sentido, acórdãos de 2 de março de 2017, J. D., C‑4/16, EU:C:2017:153, n.os 23 e 25, e de 11 de maio de 2017, Krijgsman, C‑302/16, EU:C:2017:359, n.o 24 e jurisprudência referida). |
39 |
Primeiro, no que respeita ao enunciado do artigo 5.o da Diretiva 2003/88, decorre desta disposição que os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, «por cada período de sete dias», de um período mínimo de descanso ininterrupto de vinte e quatro horas, às quais se adicionam as onze horas de descanso diário previstas no artigo 3.o da mesma diretiva. Esse artigo não precisa, contudo, o momento em que esse período mínimo de descanso deve ser gozado e confere, assim, aos Estados‑Membros uma certa latitude relativamente à escolha desse momento. |
40 |
Como o advogado‑geral sublinhou no n.o 40 das suas conclusões, esta interpretação desse artigo é sustentada pelas diferentes versões linguísticas da Diretiva 2003/88. Assim, na maioria delas, entre as quais as versões inglesa, alemã e portuguesa, está previsto que o período de descanso semanal ininterrupto deve ser concedido «por» cada período de sete dias. Outras versões do referido artigo aproximam‑se da versão francesa, que enuncia que o descanso semanal deve ser concedido «no decurso» de cada período de sete dias. |
41 |
Por conseguinte, resulta dos seus próprios termos que o artigo 5.o dessa diretiva obriga os Estados‑Membros a assegurarem que todos os trabalhadores gozem, num período de sete dias, um período mínimo de descanso ininterrupto de vinte e quatro horas, às quais se adicionam as onze horas de descanso diário previstas no artigo 3.o da Diretiva 2003/88, sem precisar, contudo, o momento em que este período mínimo de descanso deve ser concedido. |
42 |
Segundo, o contexto em que se insere a expressão em causa sustenta esta interpretação literal. Importa salientar a este respeito que o legislador da União empregou em diversas disposições da Diretiva 2003/88 a expressão «período de referência», a fim de fixar o prazo em que deve ser concedido um período mínimo de descanso. É o que acontece, nomeadamente, no artigo 16.o, alínea a), desta diretiva, que dispõe que os Estados‑Membros podem prever um período de referência não superior a catorze dias para efeitos da aplicação do artigo 5.o da mesma. Embora não denominado expressamente como tal, o período de sete dias visado neste último artigo também pode ser considerado um período de referência (v., neste sentido, acórdão de 12 de novembro de 1996, Reino Unido/Conselho, C‑84/94, EU:C:1996:431, n.o 62). |
43 |
Ora, neste contexto, um período de referência pode ser definido como um período fixo no qual deve ser concedido um certo número de horas consecutivas de descanso, independentemente do momento em que essas horas são concedidas. Esta definição é corroborada, mutatis mutandis, por uma leitura conjugada dos artigos 16.°, alínea b), e 22.°, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88. De acordo com a primeira disposição, os Estados‑Membros podem prever, para efeitos da aplicação do artigo 6.o dessa diretiva, um período de referência não superior a quatro meses. A segunda disposição prevê que nenhuma entidade patronal pode exigir a um trabalhador que trabalhe mais de quarenta e oito horas num período de sete dias, calculado como média do período de referência mencionado no artigo 16.o, alínea b). Deste modo, não é exigida uma repartição igual do número de horas de trabalho. |
44 |
Assim, a interpretação do artigo 5.o da Diretiva 2003/88 segundo a qual o período mínimo de descanso ininterrupto de vinte e quatro horas, às quais se adicionam as onze horas de descanso diário previstas no artigo 3.o desta diretiva, pode ser concedido em qualquer momento em cada período de sete dias, é sustentada pela análise sistémica desta diretiva. |
45 |
Terceiro, no que respeita ao objetivo da Diretiva 2003/88, importa recordar que esta tem por finalidade proteger de forma eficaz a segurança e a saúde dos trabalhadores. Tendo em conta este objetivo essencial, cada trabalhador deve, nomeadamente, gozar períodos de descanso adequados (acórdãos de 9 de setembro de 2003, Jaeger, C‑151/02, EU:C:2003:437, n.o 92, e de 23 de dezembro de 2015, Comissão/Grécia, C‑180/14, não publicado, EU:C:2015:840, n.o 51). Para este efeito, o artigo 5.o desta diretiva prevê, no seu primeiro parágrafo, um período mínimo de descanso semanal ininterrupto para todos os trabalhadores. |
46 |
Todavia, decorre da referida diretiva, nomeadamente do seu considerando 15, que ela concede igualmente uma certa flexibilidade na aplicação das suas disposições. Assim, essa diretiva contém várias disposições, como as que foram mencionadas no n.o 34 do presente acórdão, que permitem introduzir derrogações, mediante medidas compensatórias, aos períodos mínimos de descanso exigidos, nomeadamente nas atividades de trabalho por turnos ou nas atividades caracterizadas pela necessidade de assegurar a continuidade do serviço ou da produção. Além disso, como decorre do n.o 42 do presente acórdão, o artigo 16.o, alínea a), da Diretiva 2003/88 dispõe que os Estados‑Membros podem prever um período de referência mais longo para efeitos da aplicação do artigo 5.o da mesma, relativo ao descanso semanal. De resto, o objetivo prosseguido por esta diretiva, de assegurar uma proteção adequada da saúde e da segurança do trabalhador, deixando ao mesmo tempo aos Estados‑Membros uma certa flexibilidade na aplicação das disposições que prevê, decorre também do próprio enunciado do artigo 5.o, como foi indicado no n.o 41 do presente acórdão. |
47 |
Por outro lado, esta interpretação do artigo 5.o pode beneficiar não apenas o empregador mas igualmente o trabalhador e permite conceder vários dias de descanso consecutivos ao trabalhador em causa, no final de um período de referência e no início do seguinte. Além disso, no caso de uma empresa que funciona sete dias por semana, como a Varzim Sol, a obrigação de descansar em dias fixos poderia, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, ter como consequência privar certos trabalhadores da possibilidade de gozar esses dias de descanso aos fins de semana. Segundo esse órgão jurisdicional, esta é a razão pela qual os empregados da Varzim Sol nunca pediram para descansar em dias fixos. |
48 |
Conclui‑se que, visto impor aos Estados‑Membros a adoção de medidas que permitam a todos os trabalhadores gozar um período mínimo de descanso ininterrupto de vinte e quatro horas, às quais se adicionam as onze horas de descanso diário previstas no artigo 3.o da Diretiva 2003/88, num período de sete dias, sem todavia fixar o momento em que este período mínimo de descanso deve ser concedido, o artigo 5.o da Diretiva 2003/88 confere‑lhes, a este respeito, uma certa margem de apreciação. Embora não se oponha a uma regulamentação nacional que não garanta ao trabalhador um período mínimo de descanso, o mais tardar, no sétimo dia subsequente aos seis dias consecutivos de trabalho, a verdade é que o referido trabalhador beneficia, em todas as circunstâncias, da proteção, prevista na Diretiva 2003/88, relativa ao descanso diário e à duração máxima semanal de trabalho. |
49 |
Além disso, como sublinhou o advogado‑geral no n.o 46 das suas conclusões, esta diretiva estabelece normas mínimas de proteção do trabalhador em matéria de organização do tempo de trabalho. Com efeito, nos termos do artigo 15.o da referida diretiva, os Estados‑Membros estão autorizados a aplicar ou introduzir disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, ou a promover ou permitir a aplicação de convenções coletivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores. A este respeito, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, e em que medida, a regulamentação nacional aplicável no processo principal prevê essa proteção mais alargada. |
50 |
No que toca ao artigo 31.o, n.o 2, da Carta, cuja interpretação o órgão jurisdicional de reenvio também solicita, importa referir que esta disposição prevê que todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas. Ora, resulta das Anotações relativas à Carta (JO 2007, C 303, p. 17) que esta disposição se baseia na Diretiva 93/104 e no artigo 2.o da Carta Social Europeia, assinada em Turim, em 18 de outubro de 1961, e revista em Estrasburgo, em 3 de maio de 1996, e no ponto 8 da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, aprovada na reunião do Conselho Europeu realizada em Estrasburgo em 9 de dezembro de 1989. O artigo 2.o, n.o 5, da Carta Social Europeia, relativo ao descanso semanal, por seu lado, faz igualmente referência às Diretivas 93/104 e 2003/88. Por conseguinte, como salientou o advogado‑geral no n.o 44 das suas conclusões, o artigo 31.o, n.o 2, da Carta não é suscetível de fornecer elementos suplementares para efeitos da interpretação do artigo 5.o da Diretiva 2003/88. |
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Cabe, portanto, responder às três primeiras questões que o artigo 5.o da Diretiva 93/104 e o artigo 5.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88 devem ser interpretados no sentido de que não exigem que o período mínimo de descanso semanal ininterrupto de vinte e quatro horas a que o trabalhador tem direito seja concedido, o mais tardar, no dia subsequente a um período de seis dias de trabalho consecutivos, mas impõem que esse período seja concedido em cada período de sete dias. |
Quanto à quarta questão
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Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 16.o, alínea a), da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que os dois dias de descanso concedidos por este artigo podem ser repartidos indiferentemente durante o período de referência de 14 dias. |
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O órgão jurisdicional de reenvio não precisa, contudo, se o legislador português transpôs esta disposição, que permite prever um período de referência mais longo para efeitos da aplicação do artigo 5.o daquela diretiva. Além disso, tanto o recorrente no processo principal como o Governo português e a Comissão indicam que Portugal não fez uso dessa faculdade. |
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Em qualquer caso, de acordo com o artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio deve indicar as razões precisas que o levaram a interrogar‑se sobre a interpretação de determinadas disposições do direito da União e a considerar necessário apresentar questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça. Assim, é indispensável que o órgão jurisdicional nacional forneça um mínimo de explicações sobre os motivos da escolha das disposições do direito da União cuja interpretação pede e sobre o nexo que estabelece entre estas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe foi submetido (acórdão de 27 de setembro de 2017, Puškár, C‑73/16, EU:C:2017:725, n.o 120 e jurisprudência referida). |
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Além disso, esses requisitos encontram igualmente expressão nas Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2016, C 439, p. 1) (acórdão de 27 de setembro de 2017, Puškár, C‑73/16, EU:C:2017:725, n.o 121). |
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No caso vertente, a quarta questão não satisfaz os requisitos recordados nos números anteriores, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não indica as razões pelas quais a interpretação do artigo 16.o, alínea a), da Diretiva 2003/88 é pertinente para o litígio que lhe foi submetido. |
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Por conseguinte, a quarta questão é inadmissível. |
Quanto às despesas
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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara: |
O artigo 5.o da Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, conforme alterada pela Diretiva 2000/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 2000, bem como o artigo 5.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, devem ser interpretados no sentido de que não exigem que o período mínimo de descanso semanal ininterrupto de vinte e quatro horas a que o trabalhador tem direito seja concedido, o mais tardar, no dia subsequente a um período de seis dias de trabalho consecutivos, mas impõem que esse período seja concedido em cada período de sete dias. |
Ilešič Rosas Toader Prechal Jarašiūnas Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de novembro de 2017. O secretário A. Calot Escobar O presidente da Segunda Secção M. Ilešič |
( *1 ) Língua do processo: português.