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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62016CJ0171

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 21 de setembro de 2017.
Trayan Beshkov contra Sofiyska rayonna prokuratura.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sofiyski rayonen sad.
Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Decisão‑Quadro 2008/675/JAI — Âmbito de aplicação — Tomada em consideração, por ocasião de um novo procedimento penal, de uma decisão de condenação proferida anteriormente noutro Estado‑Membro para efeitos de aplicação de uma pena unitária — Procedimento nacional de reconhecimento prévio dessa decisão — Alteração das regras de execução da pena aplicada nesse outro Estado‑Membro.
Processo C-171/16.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2017:710

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

21 de setembro de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Decisão‑Quadro 2008/675/JAI — Âmbito de aplicação — Tomada em consideração, por ocasião de um novo procedimento penal, de uma decisão de condenação proferida anteriormente noutro Estado‑Membro para efeitos de aplicação de uma pena unitária — Procedimento nacional de reconhecimento prévio dessa decisão — Alteração das regras de execução da pena aplicada nesse outro Estado‑Membro»

No processo C‑171/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sofiyski Rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia, Bulgária), por decisão de 7 de março de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de março de 2016, no processo

Trayan Beshkov

contra

Sofiyska rayonna prokuratura,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, A. Tizzano (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, M. Berger, A. Borg Barthet e E. Levits, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo checo, por L. Březinová, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por G. Eberhard, na qualidade de agente,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por S. Grünheid e P. Mihaylova, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 17 de maio de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Decisão‑Quadro 2008/675/JAI do Conselho, de 24 de julho de 2008, relativa à tomada em consideração das decisões de condenação nos Estados‑Membros da União Europeia por ocasião de um novo procedimento penal (JO 2008, L 220, p. 32).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um requerimento submetido por Trayan Beshkov ao Sofiyski Rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia, Bulgária), com vista à tomada em consideração, por esse órgão jurisdicional, da condenação anteriormente proferida contra si por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 2, 5 a 7 e 13 da Decisão‑Quadro 2008/675 dispõem:

«(2)

Em 29 de novembro de 2000 e em conformidade com as conclusões do Conselho Europeu de Tampere, o Conselho aprovou o Programa de medidas destinadas a aplicar o princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais […] estabelecendo que a “aprovação de um ou mais instrumentos jurídicos que consignem o princípio segundo o qual o juiz de um Estado‑Membro deve estar em condições de tomar em consideração as decisões penais transitadas em julgado proferidas nos outros Estados‑Membros para apreciar os antecedentes criminais do delinquente, para ter em conta a reincidência e para determinar a natureza das penas e as regras de execução suscetíveis de serem aplicadas.”

[…]

(5)

Importa estabelecer o princípio de que uma decisão de condenação proferida num Estado‑Membro deverá ter nos outros Estados‑Membros efeitos equivalentes aos das condenações proferidas de acordo com o direito nacional, independentemente de se tratar de elementos de facto ou de direito processual ou substantivo. Porém, a presente decisão‑quadro não se destina a harmonizar os efeitos atribuídos pelas diferentes legislações nacionais à existência de condenações anteriores, e a obrigação de ter em conta condenações anteriores proferidas noutros Estados‑Membros só existe na medida em que as condenações nacionais anteriores sejam tomadas em consideração nos termos do direito nacional.

(6)

Em contraste com outros instrumentos, a presente decisão‑quadro não se destina a executar num Estado‑Membro decisões judiciais tomadas noutros Estados‑Membros, mas sim a permitir que se tirem consequências de uma condenação anterior proferida num Estado‑Membro por ocasião de um novo procedimento penal noutro Estado‑Membro, na medida em que são tiradas as mesmas consequências de condenações nacionais anteriores nos termos da lei desse outro Estado‑Membro.

[…]

(7)

Os efeitos atribuídos às decisões de condenação proferidas noutro Estado‑Membro deverão ser equivalentes aos das decisões nacionais, quer se trate da fase que antecede o processo penal, quer do processo penal em si, quer ainda da fase de execução da pena.

[…]

(13)

A presente decisão‑quadro respeita as diversas soluções e procedimentos nacionais necessários para ter em conta uma condenação anterior proferida noutro Estado‑Membro. A exclusão da possibilidade de rever uma condenação anterior não deverá impedir um Estado‑Membro de proferir uma decisão, se necessário, a fim de atribuir efeitos jurídicos equivalentes a essa condenação anterior. Contudo, os procedimentos necessários para que tal decisão seja proferida não deverão, tendo em conta o tempo e os trâmites ou formalidades requeridos, impedir que uma condenação anterior proferida noutro Estado‑Membro produza efeitos equivalentes.»

4

O artigo 1.o, n.o 1, desta decisão‑quadro, dispõe:

«A presente decisão‑quadro tem por objetivo definir as condições em que, por ocasião de um procedimento penal num Estado‑Membro contra determinada pessoa, são tidas em consideração condenações anteriores contra ela proferidas noutro Estado‑Membro por factos diferentes.»

5

O artigo 3.o da referida decisão‑quadro, sob a epígrafe «Tomada em consideração, por ocasião de um novo procedimento penal, de uma condenação proferida noutro Estado‑Membro», prevê, nos seus n.os 1 a 4:

«1.   Cada Estado‑Membro assegura que, por ocasião de um procedimento penal contra determinada pessoa, as condenações anteriores contra ela proferidas por factos diferentes noutros Estados‑Membros, sobre as quais tenha sido obtida informação ao abrigo dos instrumentos aplicáveis em matéria de auxílio judiciário mútuo ou por intercâmbio de informação extraída dos registos criminais, sejam tidas em consideração na medida em que são condenações nacionais anteriores e lhes sejam atribuídos efeitos jurídicos equivalentes aos destas últimas, de acordo com o direito nacional.

2.   O n.o 1 é aplicável na fase que antecede o processo penal, durante o processo penal propriamente dito ou na fase de execução da condenação, nomeadamente no que diz respeito às regras processuais aplicáveis, inclusive as que dizem respeito à prisão preventiva, à qualificação da infração, ao tipo e ao nível da pena aplicada, ou ainda às normas que regem a execução da decisão.

3.   A tomada em consideração de condenações anteriores proferidas noutros Estados‑Membros, tal como prevista no n.o 1, não tem por efeito interferir com essas condenações nem com qualquer decisão relativa à sua execução, nem que as mesmas sejam revogadas ou reexaminadas pelo Estado‑Membro em que decorre o novo procedimento.

4.   Em conformidade com o n.o 3, o n.o 1 não se aplica na medida em que, se a condenação anterior tivesse sido uma condenação nacional proferida no Estado‑Membro em que decorre o novo procedimento, a tomada em consideração dessa condenação teria tido por efeito, de acordo com o direito nacional desse Estado‑Membro, interferir com a condenação anterior ou com qualquer outra decisão relativa à sua execução, ou levar à sua revogação ou ao seu reexame.»

Direito búlgaro

Código Penal

6

O Nakazatelen kodeks (Código Penal) estabelece, no seu artigo 8.o, n.o 2, em vigor desde 27 de maio de 2011, que visa transpor a Decisão‑Quadro 2008/675 para o direito búlgaro:

«Uma condenação proferida noutro Estado‑Membro da União Europeia, e transitada em julgado, por uma conduta que constitua um crime previsto no Código Penal búlgaro será tomada em consideração no procedimento penal instaurado na Bulgária contra a mesma pessoa.»

7

O artigo 23, n.o 1, deste código prevê:

«Se, através da mesma conduta, forem cometidos vários crimes ou se uma pessoa tiver cometido vários crimes diferentes antes de ser condenada pela prática de um desses crimes por decisão transitada em julgado, o tribunal, após determinar a pena aplicável a cada um desses crimes separadamente, aplica a pena mais grave.»

8

Nos termos do artigo 25.o, n.os 1 e 2, do referido código:

«1.   As disposições [do artigo 23.o] são igualmente aplicáveis quando a pessoa tenha sido condenada por decisões diferentes.

2.   Quando a pena aplicada numa das condenações tenha sido total ou parcialmente executada, é deduzida, para efeitos de execução da pena, se for da mesma natureza que a pena unitária aplicada.»

9

O artigo 66.o, n.o 1, deste mesmo código tem a seguinte redação:

«Se aplicar uma pena de prisão até três anos, o tribunal pode suspender a execução da pena […] se o agente não tiver sido condenado a uma pena de prisão pela prática de crime público […]»

Código de Processo Penal

10

O artigo 4.o, n.os 2 e 3, do Nakazatelno‑protsesualen kodeks («Código de Processo Penal») dispõe:

«2.   Uma sentença transitada em julgado proferida por um tribunal de outro Estado e que não seja reconhecida pelo direito búlgaro não pode ser executada pelas autoridades da República da Bulgária.

3.   Não é aplicável o disposto [no n.o 2] se de outra forma estiver previsto num tratado de direito internacional ratificado, publicado e entrado em vigor de que a República da Bulgária faça parte.»

11

O artigo 463.o do Código de Processo Penal, incluído na secção II do capítulo 36 deste código, intitulada «Reconhecimento e execução de sentenças de tribunais estrangeiros», prevê:

«Uma condenação transitada em julgado proferida por um tribunal estrangeiro é reconhecida e executada pelas autoridades da República da Bulgária nos termos do artigo 4.o, n.o 3, quando:

1)

o comportamento relativamente ao qual foi feito o pedido constitua um crime previsto pelo direito búlgaro;

2)

o autor seja penalmente imputável segundo o direito búlgaro;

3)

a condenação respeite os princípios da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e respetivos protocolos ratificados pela República da Bulgária;

4)

o autor não tenha sido condenado pela prática de um crime político ou similar ou por um crime de guerra;

5)

a República da Bulgária não tenha reconhecido uma condenação proferida por outro tribunal estrangeiro relativa à mesma pessoa e pelos mesmos factos;

6)

a condenação não viole os princípios fundamentais do direito penal e processual penal da Bulgária.»

12

O artigo 465.o do referido código, que detalha as modalidades do referido reconhecimento, enuncia:

«1.   O pedido de reconhecimento, na República da Bulgária, de uma condenação proferida por um tribunal estrangeiro deve ser dirigido pelos órgãos competentes do outro Estado ao Ministério da Justiça.

2.   O Ministério da Justiça comunica o pedido acompanhado da decisão de condenação e dos documentos respetivos ao Okrazhen sad [Tribunal da Comarca] da residência do condenado. Se o condenado não residir na Bulgária, o tribunal competente para decidir o pedido de reconhecimento é o Sofiyski gradski sad [Tribunal da Cidade de Sófia].

[…]»

13

Nos termos do artigo 466.o, n.o 1, do mesmo código, que define os efeitos do referido reconhecimento:

«A decisão que reconheça uma condenação proferida por um tribunal estrangeiro tem o mesmo valor jurídico de uma condenação proferida por um tribunal búlgaro.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14

T. Beshkov foi condenado, por decisão transitada em julgado do Landesgericht Klagenfurt (Tribunal Regional de Klagenfurt, Áustria), de 13 de dezembro de 2010, a uma pena privativa da liberdade de dezoito meses, dos quais seis meses de prisão efetiva e doze meses de pena suspensa com um período de regime de prova de três anos, pela prática de um crime de recetação cometido em 14 de novembro de 2010 na Áustria. A parte da pena correspondente aos seis meses de prisão efetiva foi executada, tendo o período de regime de prova começado a correr em 14 de maio de 2011.

15

Em seguida, T. Beshkov foi condenado, por decisão transitada em julgado do órgão jurisdicional de reenvio de 29 de abril de 2013, a uma pena efetiva de prisão de um ano pela prática de ofensas à integridade física simples causadoras de problemas de saúde por motivos de hooliganismo, cometidos no dia 19 de novembro de 2008 em Sófia (Bulgária),. Uma vez que T. Beshkov está a ser procurado, esta pena ainda não tinha sido executada à data da decisão de reenvio.

16

Em 14 de maio de 2015, T. Beshkov apresentou, por intermédio do seu mandatário ad litem, ao órgão jurisdicional de reenvio um pedido, com base no artigo 23.o, n.o 1, e no artigo 25.o, n.o 1, do Código Penal, requerendo que lhe fosse aplicada, para efeitos de execução da pena, uma pena privativa da liberdade unitária correspondente à mais grave das penas aplicadas, por um lado, pela decisão de 13 de dezembro de 2010 do Landesgericht Klagenfurt (Tribunal Regional de Klagenfurt) e, por outro, pela do órgão jurisdicional de reenvio de 29 de abril de 2013.

17

Com efeito, estas duas disposições preveem nomeadamente que, quando uma pessoa tiver cometido vários crimes e antes de ser condenada por cada um deles, por decisões de condenação distintas a penas distintas, o juiz nacional aplica a essa pessoa, para efeitos de execução dessas penas, uma pena unitária correspondente à mais grave das penas inicialmente aplicadas. Em substância, decorre da decisão de reenvio que, neste caso, a pena mais grave absorve as penas iniciais mais leves. Resulta ainda das referidas disposições que, quando uma das penas iniciais já tenha sido total ou parcialmente executada, é, para efeitos de execução, deduzida da pena unitária caso sejam ambas da mesma natureza.

18

Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, segundo a maior parte da jurisprudência nacional e a Sofiyska rayonna prokuratura (Procuradoria da República do Distrito de Sófia), é impossível, atendendo, nomeadamente, ao artigo 4.o, n.o 2, do Código de Processo Penal, fixar uma pena unitária tomando em consideração a pena aplicada por uma decisão de condenação adotada anteriormente por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro sem que essa decisão tenha sido previamente reconhecida pelos órgãos jurisdicionais búlgaros competentes, em conformidade com o procedimento especial de reconhecimento e de execução de decisões de condenação proferidas por órgãos jurisdicionais estrangeiros previsto, nomeadamente, nos artigos 463.o a 466.o desse código. Tendo em conta essa jurisprudência, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se, em substância, se, a fim de deferir o pedido de T. Beshkov, a decisão de condenação proferida pelo Landesgericht Klagenfurt (Tribunal Regional de Klagenfurt) deve ser previamente reconhecida em conformidade, nomeadamente, com os referidos artigos 463.o a 466.o ou se, como sustenta T. Beshkov, o órgão jurisdicional de reenvio pode ou deve aceitar esse pedido, sem que a condenação anterior seja objeto de reconhecimento prévio, fundando‑se no artigo 8.o, n.o 2, do Código Penal, que transpõe a Decisão‑Quadro 2008/675 para o direito búlgaro.

19

A fim de responder a esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio considera, em substância, ser necessário determinar se esta decisão‑quadro se aplica a um procedimento, como o que está em causa no processo principal, que tem por objeto a aplicação, para efeitos de execução, de uma pena privativa da liberdade unitária que toma em consideração uma decisão de condenação proferida por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro e, mais especificamente, a pena aplicada à pessoa condenada por essa decisão.

20

Em caso de resposta afirmativa, e na hipótese de a tomada em consideração da decisão de condenação proferida pelo Landesgericht Klagenfurt (Tribunal Regional de Klagenfurt) estar, no caso concreto, sujeita à aplicação prévia do procedimento de reconhecimento previsto, nomeadamente, nos artigos 463.o a 466.o do Código de Processo Penal, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, ainda, sobre a conformidade deste procedimento com a referida decisão‑quadro, na medida em que não pode ser iniciado diretamente pela pessoa condenada.

21

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha com efeito, em substância, que, embora, em conformidade com a legislação búlgara em vigor, o condenado possa submeter aos órgãos jurisdicionais búlgaros competentes um pedido com vista à aplicação de uma pena unitária ao abrigo dos artigos 23.o e 24.o do Código Penal, em contrapartida, o procedimento de reconhecimento previsto nas disposições relevantes do Código de Processo Penal, nomeadamente nos artigos 463.o a 466.o deste, só pode ser aplicado por iniciativa das autoridades competentes búlgaras ou do Estado no qual a primeira decisão de condenação foi proferida. Daqui resulta que o condenado não poderia, no caso concreto, iniciar ele próprio o procedimento com vista à aplicação de uma pena unitária que tome em consideração uma condenação proferida anteriormente noutro Estado‑Membro, nomeadamente em caso de inação por parte das autoridades competentes.

22

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber se a Decisão‑Quadro 2008/675 se opõe a que, para efeitos de aplicação de uma pena unitária que tome em consideração a pena aplicada a T. Beshkov pelo Landesgericht Klagenfurt (Tribunal Regional de Klagenfurt), o modo de execução desta última pena seja alterado. Com efeito, no caso vertente, sendo a pena de 18 meses de prisão, dos quais 12 meses de pena suspensa, aplicada a T. Beshkov pelo Landesgericht Klagenfurt (Tribunal Regional de Klagenfurt) mais gravosa do que a pena fixada pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua decisão de 29 de abril de 2013, este teria de aplicar a T. Beshkov uma pena unitária correspondente à primeira pena. Contudo, de acordo com o artigo 66.o, n.o 1, do Código Penal, T. Beshkov, que, no passado, já foi condenado várias vezes a penas privativas da liberdade na Bulgária, já não poderia ser condenado numa pena suspensa neste Estado‑Membro. Consequentemente, o órgão jurisdicional de reenvio teria de alterar o modo de execução da pena aplicada a T. Beshkov pelo Landesgericht Klagenfurt (Tribunal Regional de Klagenfurt) e aplicar‑lhe uma pena unitária de 18 meses de prisão efetiva, deduzindo desta pena o período de 6 meses de prisão efetiva já cumprido na Áustria.

23

Nestas circunstâncias, o Sofiyski Rayonen sad (Tribunal Regional de Sófia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

Como deve ser interpretado o conceito de “novo procedimento penal” utilizado na Decisão‑Quadro [2008/675]: deve tal conceito ser interpretado no contexto do apuramento da culpa pela prática de um crime, ou pode também dizer respeito a processos em que, segundo o direito nacional do segundo Estado‑Membro, a pena aplicada na primeira sentença absorve outra pena ou deve nela ser descontada ou deve ser ordenada a sua execução separada?

2.

Deve o artigo 3.o, n.o 1, em conjugação com o considerando 13 da Decisão‑Quadro [2008/675], ser interpretado no sentido de que não se opõe a disposições nacionais segundo as quais a abertura do processo para ter em consideração uma sentença anterior proferida noutro Estado‑Membro não pode ser requerida pelo condenado, mas apenas pelo Estado‑Membro em que foi proferida a primeira sentença ou pelo Estado‑Membro em que foi instaurado o novo procedimento criminal?

3.

Deve o artigo 3.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro [2008/675] ser interpretado no sentido de que não permite que o Estado onde foi instaurado o novo procedimento criminal altere o modo de aplicação da pena aplicada no Estado em que foi proferida a primeira sentença, mesmo nos casos em que, segundo o direito nacional do segundo Estado‑Membro, a pena aplicada na primeira sentença absorve outra pena ou deve nela ser descontada ou deve ser ordenada a sua execução separada?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

24

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Decisão‑Quadro 2008/675 deve ser interpretada no sentido de que se aplica unicamente aos processos relacionados com o estabelecimento da eventual culpabilidade do arguido ou se se aplica igualmente a um procedimento nacional que tem por objeto a aplicação, para efeitos de execução, de uma pena privativa da liberdade unitária que tome em consideração a pena aplicada a essa pessoa pelo juiz nacional, bem como a pena aplicada no quadro de uma condenação anterior proferida por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro contra a mesma pessoa por factos diferentes.

25

Para responder a esta questão, importa salientar que o artigo 1.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2008/675 prevê que esta tem por objeto definir as condições em que as condenações anteriores proferidas num Estado‑Membro contra uma pessoa são tomadas em consideração, por ocasião de um procedimento penal noutro Estado‑Membro, contra a mesma pessoa por factos diferentes.

26

Para o efeito, o artigo 3.o, n.o 1, desta decisão‑quadro, lido à luz do seu considerando 5, impõe aos Estados‑Membros a obrigação de assegurarem que, nessa ocasião, as condenações anteriores proferidas noutros Estados‑Membros, sobre as quais tenha sido obtida informação ao abrigo dos instrumentos aplicáveis em matéria de auxílio judiciário mútuo ou de intercâmbio de informação extraída dos registos criminais, sejam, por um lado, tomadas em consideração na medida em que o são as condenações nacionais anteriores por força do direito nacional e, por outro, lhes sejam atribuídos efeitos equivalentes aos destas últimas condenações, em conformidade com esse direito, quer se tratem de efeitos factuais ou de efeitos de direito processual ou material.

27

O artigo 3.o, n.o 2, da referida decisão‑quadro estabelece que esta obrigação é aplicável na fase que antecede o processo penal, durante o processo penal propriamente dito e na fase de execução da condenação, nomeadamente no que diz respeito às regras processuais aplicáveis, incluindo as que dizem respeito à qualificação da infração, ao tipo e ao nível da pena aplicada, ou ainda às normas que regem a execução da decisão. Assim, os considerandos 2 e 7 da referida decisão‑quadro enunciam que o juiz nacional deve estar em condições de tomar em consideração as condenações proferidas nos outros Estados‑Membros, inclusivamente para determinar as regras de execução suscetíveis de serem aplicadas, e que os efeitos atribuídos a essas condenações deverão ser equivalentes aos das decisões nacionais em cada uma das fases do processo.

28

Daqui decorre que a Decisão‑Quadro 2008/675 se aplica não apenas aos procedimentos relacionados com a determinação e estabelecimento da eventual culpabilidade do arguido, mas também aos procedimentos relativos à execução da pena, nos quais deve ser tomada em consideração a pena aplicada por uma decisão de condenação proferida anteriormente noutro Estado‑Membro. Como o advogado‑geral salientou no n.o 59 das suas conclusões, resulta dos elementos dos autos ao dispor do Tribunal de Justiça que, no caso em apreço, o processo de aplicação de uma pena unitária iniciado por T. Beshkov se enquadra nesta segunda categoria, de forma que recai no âmbito de aplicação desta decisão‑quadro.

29

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que a Decisão‑Quadro 2008/675 deve ser interpretada no sentido de que é aplicável a um procedimento nacional que tem por objeto a aplicação, para efeitos de execução, de uma pena privativa da liberdade unitária que tome em consideração a pena aplicada a uma pessoa pelo juiz nacional, bem como a pena aplicada no quadro de uma condenação anterior proferida por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro contra a mesma pessoa por factos diferentes.

Quanto à segunda questão

30

A título preliminar, há que salientar que, como exposto no n.o 18 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio se questiona sobre se a decisão de condenação proferida pelo Landesgericht Klagenfurt (Tribunal Regional de Klagenfurt) em causa no processo principal deve ser previamente reconhecida pelos órgãos jurisdicionais competentes búlgaros, em conformidade com o procedimento previsto nomeadamente nos artigos 463.o a 466.o do Código de Procedimento Penal, a fim de poder ser tomada em consideração com vista à aplicação de uma pena unitária.

31

Como salientado nos n.os 20 e 21 deste acórdão, embora expresse dúvidas a esse respeito, o órgão jurisdicional de reenvio parte, contudo, da premissa de que este procedimento de reconhecimento prévio deveria ser aplicado para este fim e interroga‑se, através da sua segunda questão, sobre se a Decisão‑Quadro 2008/675 se opõe aos referidos artigos 463.o a 466.o, na medida em que estes preveem que esse procedimento não pode ser iniciado diretamente pela pessoa condenada.

32

No entanto, a fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, cabe, previamente, verificar se esta decisão‑quadro se opõe à tramitação deste procedimento de reconhecimento.

33

Para esse efeito, cumpre, em conformidade com a possibilidade reconhecida por jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (acórdão de 21 de dezembro de 2016, Ucar e Kilic, C‑508/15 e C‑509/15, EU:C:2016:986, n.o 51 e jurisprudência referida), reformular a segunda questão colocada como destinando‑se, em substância, a saber se a Decisão‑Quadro 2008/675 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que a tomada em consideração, num Estado‑Membro, de uma decisão de condenação proferida anteriormente por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro esteja sujeita à tramitação de um procedimento nacional de reconhecimento prévio dessa decisão pelos órgãos jurisdicionais competentes do primeiro Estado‑Membro, como o previsto, nomeadamente, nos artigos 463.o a 466.o do Código de Processo Penal em causa no processo principal, e, caso assim não seja, se esta decisão‑quadro se opõe a uma legislação nacional que prevê que esse procedimento apenas pode ser iniciado pelas autoridades nacionais competentes, e não pela pessoa condenada.

34

A fim de responder a esta questão, cumpre remeter para a exposição do conteúdo dos artigos 463.o a 466.o do Código de Processo Penal, constante dos n.os 11 a 13 do presente acórdão, do qual resulta que estes artigos instituem um procedimento especial de reconhecimento prévio, pelos órgãos jurisdicionais competentes búlgaros, das condenações definitivas proferidas pelos órgãos jurisdicionais estrangeiros, que tem por objeto conferir à decisão de reconhecimento dessas condenações o efeito de uma condenação proferida por um órgão jurisdicional búlgaro. Esse procedimento implica um exame da condenação estrangeira em causa, para verificar se as condições enunciadas no referido artigo 463.o estão preenchidas.

35

A este respeito, o juiz nacional deve, efetivamente, para efeitos da aplicação do artigo 3.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2008/675, mencionado no n.o 26 do presente acórdão, estar em condições de verificar, nomeadamente, se as condenações nacionais anteriores são tomadas em consideração ao abrigo do direito nacional e, caso assim seja, quais os efeitos que lhes são atribuídos por esse direito.

36

Contudo, como enuncia o considerando 2 desta decisão‑quadro, a mesma visa dar execução ao princípio do reconhecimento mútuo dos julgamentos e das decisões judiciais em matéria penal, consagrado no artigo 82.o, n.o 1, TFUE, que substituiu o artigo 31.o UE com base no qual esta decisão‑quadro foi adotada. Como salientado pelo advogado‑geral nos n.os 30, 31 e 64 das suas conclusões, este princípio obsta a que a tomada em consideração, no contexto da referida decisão‑quadro, de uma decisão de condenação proferida anteriormente noutro Estado‑Membro esteja sujeito à tramitação de um procedimento nacional de reconhecimento prévio, como o que está em causa no processo principal, e a que essa decisão seja, a esse título, objeto de um reexame (v., por analogia, acórdão de 9 de junho de 2016, Balogh, C‑25/15, EU:C:2016:423, n.o 54).

37

É neste sentido que o artigo 3.o, n.o 3, e o considerando 13 da Decisão‑Quadro 2008/675 proíbem expressamente um tal reexame, devendo assim as decisões de condenação proferidas anteriormente noutros Estados‑Membros ser tomadas em consideração tal como foram proferidas.

38

Portanto, contrariamente ao que o Governo austríaco alega, embora o referido considerando 13 indique igualmente que esta decisão‑quadro respeita as diversas soluções e procedimentos nacionais necessários para tomar em consideração uma condenação anterior proferida noutro Estado‑Membro e não impeça que um Estado‑Membro profira, se necessário, uma decisão a fim de atribuir efeitos jurídicos equivalentes a essa condenação, a adoção de tal decisão não pode, contudo, implicar, em caso algum, a tramitação de um procedimento nacional de reconhecimento prévio como o que está em causa no processo principal.

39

Tendo em conta o que precede, não é necessário responder à questão de saber se a referida decisão‑quadro exige que a pessoa condenada possa iniciar ela própria esse procedimento.

40

Por conseguinte, há que responder à segunda questão que a Decisão‑Quadro 2008/675 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que a tomada em consideração, num Estado‑Membro, de uma decisão de condenação proferida anteriormente por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro esteja sujeita à tramitação de um procedimento nacional de reconhecimento prévio dessa decisão pelos órgãos jurisdicionais competentes do primeiro Estado‑Membro, como o previsto nos artigos 463.o a 466.o do Código de Processo Penal em causa no processo principal.

Quanto à terceira questão

41

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2008/675 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê que o juiz nacional a que tenha sido submetido um pedido de aplicação, para efeitos de execução, de uma pena privativa da liberdade unitária, que tome, nomeadamente, em consideração a pena aplicada no quadro de uma condenação anterior proferida por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro, altere, para esse efeito, as regras de execução desta última pena.

42

A título preliminar, saliente‑se que resulta dos elementos dos autos ao dispor do Tribunal de Justiça que, por decisão de 15 de outubro de 2014, o Landesgericht Klagenfurt (Tribunal Regional de Klagenfurt) concluiu que o período de regime de prova de três anos previsto na sua decisão de 13 de dezembro de 2010 tinha terminado e, por conseguinte, colocou definitivamente termo à parte da pena suspensa aplicada a T. Beshkov, pelo que se deve considerar que a totalidade desta pena foi integralmente executada. Para efeitos da análise da presente questão, importa ter em consideração esta circunstância, da qual o órgão jurisdicional de reenvio foi informado no quadro de um pedido de esclarecimentos que lhe foi endereçado pelo Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 101.o do seu Regulamento de Processo.

43

Em resposta a esta questão, cabe certamente recordar, como exposto no n.o 26 do presente acórdão, que, por força do artigo 3.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2008/675, as condenações anteriores proferidas num outro Estado‑Membro devem, em princípio, ser tomadas em consideração na mesma medida em que o são as condenações nacionais anteriores nos termos do direito nacional e devem ser‑lhes reconhecidos efeitos equivalentes aos atribuídos às condenações nacionais de acordo com esse mesmo direito.

44

Contudo, o artigo 3.o, n.o 3, da referida decisão‑quadro esclarece que essa tomada em consideração não tem por efeito interferir com as condenações anteriores proferidas pelos órgãos jurisdicionais de outros Estados‑Membros nem com qualquer decisão relativa à sua execução no Estado‑Membro em que decorre o novo procedimento, nem que as mesmas sejam revogadas. Conforme exposto no n.o 37 do presente acórdão, esta disposição exclui, além disso, qualquer reexame das referidas condenações, que, por conseguinte, devem ser tomadas em consideração tal como foram proferidas.

45

Por outro lado, resulta do considerando 6 da referida decisão‑quadro que esta não se destina a executar num Estado‑Membro decisões judiciais tomadas noutros Estados‑Membros.

46

Daqui se conclui que o juiz nacional não pode, em virtude da mesma decisão‑quadro, reexaminar e alterar as regras de execução de uma decisão de condenação proferida anteriormente noutro Estado‑Membro e já executada, nomeadamente revogando a suspensão a que pena aplicada por essa decisão estava sujeita e transformando‑a numa pena de prisão efetiva. Também não pode ordenar, a esse título, uma nova execução dessa pena assim alterada.

47

Tendo em conta as considerações precedentes, cumpre responder à terceira questão que o artigo 3.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2008/675 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê que o juiz nacional a que tenha sido submetido um pedido de aplicação, para efeitos de execução, de uma pena privativa da liberdade unitária, que toma, nomeadamente, em consideração a pena aplicada no quadro de uma condenação anterior proferida por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro, altere, para esse efeito, as regras de execução desta última pena.

Quanto às despesas

48

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

A Decisão‑Quadro 2008/675/JAI do Conselho, de 24 de julho de 2008, relativa à tomada em consideração das decisões de condenação nos Estados‑Membros da União Europeia por ocasião de um novo procedimento penal, deve ser interpretada no sentido de que é aplicável a um procedimento nacional que tem por objeto a aplicação, para efeitos de execução, de uma pena privativa da liberdade unitária que toma em consideração a pena aplicada a uma pessoa pelo juiz nacional, bem como a pena aplicada no quadro de uma condenação anterior proferida por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro contra a mesma pessoa por factos diferentes.

 

2)

A Decisão‑Quadro 2008/675 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que a tomada em consideração, num Estado‑Membro, de uma decisão de condenação proferida anteriormente por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro esteja sujeita à tramitação de um procedimento nacional de reconhecimento prévio dessa decisão pelos órgãos jurisdicionais competentes do primeiro Estado‑Membro, como o previsto nos artigos 463.o a 466.o do Nakazatelno‑protsesualen kodeks (Código de Processo Penal).

 

3)

O artigo 3.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2008/675 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê que o juiz nacional a que tenha sido submetido um pedido de aplicação, para efeitos de execução, de uma pena privativa da liberdade unitária, que toma, nomeadamente, em consideração a pena aplicada no quadro de uma condenação anterior proferida por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro, altere, para esse efeito, as regras de execução desta última pena.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: búlgaro.

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