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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62015CJ0354

Acórdão do Tribunal de Justiça (Décima Secção) de 2 de março de 2017.
Andrew Marcus Henderson contra Novo Banco SA.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal da Relação de Évora.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil e comercial — Citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais — Regulamento (CE) n.o 1393/2007 — Artigos 8.o, 14.o e 19.o — Citação ou notificação por via postal de um ato que dá início à instância — Inexistência de tradução do ato — Anexo II — Formulário — Falta — Consequências — Citação por carta registada com aviso de receção — Não devolução do aviso de receção — Receção do ato por terceiro — Condições de validade do procedimento.
Processo C-354/15.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2017:157

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

2 de março de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil e comercial — Citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais — Regulamento (CE) n.o 1393/2007 — Artigos 8.°, 14.° e 19.° — Citação ou notificação por via postal de um ato que dá início à instância — Inexistência de tradução do ato — Anexo II — Formulário — Falta — Consequências — Citação por carta registada com aviso de receção — Não devolução do aviso de receção — Receção do ato por terceiro — Condições de validade do procedimento»

No processo C‑354/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal da Relação de Évora (Portugal), por decisão de 11 de junho de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de julho de 2015, no processo

Andrew Marcus Henderson

contra

Novo Banco, SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: M. Berger, presidente de secção, E. Levits e F. Biltgen (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de julho de 2016,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, M. Figueiredo e R. Chambel Margarido, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por M. J. García‑Valdecasas Dorrego, na qualidade de agente,

em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e B. Koopman, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin, P. Guerra e Andrade e M. M. Farrajota, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de setembro de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial diz respeito à interpretação do Regulamento (CE) n.o 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho (JO 2007, L 324, p. 79).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre Andrew Marcus Henderson e o Novo Banco, SA, a propósito de um recurso interposto por este último no seguimento da não execução por A. M. Henderson de dois contratos de arrendamento comercial celebrados entre as partes.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 1393/2007

3

Na ótica do bom funcionamento do mercado interno, o Regulamento n.o 1393/2007 tem por objetivo, nos termos do seu considerando 2, melhorar a eficácia e a celeridade dos processos judiciais, ao instituir o princípio da transmissão direta dos atos judiciais e extrajudiciais.

4

Segundo o seu artigo 1.o, n.o 1, este regulamento é aplicável em matéria civil ou comercial, quando um ato judicial ou extrajudicial deva ser transmitido de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro para aí ser objeto de citação ou notificação.

5

Nos termos do seu artigo 1.o, n.o 2, o referido regulamento não se aplica quando o endereço do destinatário for desconhecido.

6

O n.o 3 do referido artigo 1.o precisa que, «[p]ara efeitos do presente regulamento, entende‑se por ‘Estado‑Membro’ todos os Estados‑Membros com exceção da Dinamarca».

7

O capítulo II do Regulamento n.o 1393/2007 contém disposições que preveem diferentes meios de transmissão e de citação ou notificação de atos judiciais. Este capítulo divide‑se em duas secções.

8

A secção 1 deste capítulo respeita à transmissão pelas entidades designadas pelos Estados‑Membros, designadas «entidades de origem» e «entidades requeridas», competentes, respetivamente, para transmitir os atos para efeitos da sua citação ou notificação noutro Estado‑Membro e para receber tais atos provenientes de outro Estado‑Membro.

9

Desta secção consta, nomeadamente, o artigo 8.o deste regulamento, sob a epígrafe «Recusa de receção de ato», nos termos do qual:

«1.   A entidade requerida avisa o destinatário, mediante o formulário constante do Anexo II, de que pode recusar a receção do ato quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o ato à entidade requerida no prazo de uma semana, se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa das seguintes línguas:

a)

Uma língua que o destinatário compreenda; ou

b)

A língua oficial do Estado‑Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado‑Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação.

2.   Se a entidade requerida for informada de que o destinatário recusa a receção do ato ao abrigo do disposto no n.o 1, deve comunicar imediatamente o facto à entidade de origem, utilizando para o efeito a certidão a que se refere o artigo 10.o, e devolver‑lhe o pedido e os documentos cuja tradução é solicitada.

3.   Se o destinatário tiver recusado a receção do ato ao abrigo do disposto no n.o 1, a situação pode ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário, nos termos do presente regulamento, do ato acompanhado de uma tradução numa das línguas referidas no n.o 1. Nesse caso, a data de citação ou notificação do ato é a data em que o ato, acompanhado da tradução, foi citado ou notificado de acordo com a lei do Estado‑Membro requerido.

Todavia, caso, de acordo com a lei de um Estado‑Membro, um ato tenha de ser citado ou notificado dentro de um prazo determinado, a data a tomar em consideração relativamente ao requerente é a data da citação ou notificação do ato inicial, determinada nos termos do n.o 2 do artigo 9.o

4.   Os n.os 1, 2 e 3 aplicam‑se igualmente aos meios de transmissão e de citação ou notificação de atos judiciais previstos na secção 2.

5.   Para efeitos do n.o 1, os agentes diplomáticos ou consulares, nos casos em que a citação ou notificação é efetuada nos termos do artigo 13.o, ou a autoridade ou pessoa, nos casos em que a citação ou notificação é efetuada nos termos do artigo 14.o, devem avisar o destinatário de que pode recusar a receção do ato e que o ato recusado deve ser enviado àqueles agentes ou àquela autoridade ou pessoa, conforme o caso.»

10

O capítulo II, secção 2, do Regulamento n.o 1393/2007 prevê «[o]utros meios de transmissão e de citação ou notificação de atos judiciais», a saber, a transmissão por via diplomática ou consular (artigo 12.o), a citação ou notificação de atos judiciais por agentes diplomáticos ou consulares (artigo 13.o), a citação ou notificação pelos serviços postais (artigo 14.o) e a citação ou notificação direta (artigo 15.o).

11

No que respeita à citação ou notificação pelos serviços postais, o artigo 14.o deste regulamento dispõe:

«Os Estados‑Membros podem proceder diretamente pelos serviços postais à citação ou notificação de atos judiciais a pessoas que residam noutro Estado‑Membro, por carta registada com aviso de receção ou [envio] equivalente.»

12

O artigo 19.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Não comparência do demandado», tem a seguinte redação:

«1.   Se tiver sido transmitida uma petição inicial ou ato equivalente a outro Estado‑Membro para citação ou notificação nos termos do presente regulamento, e se o demandado não tiver comparecido, o juiz sobrestará na decisão enquanto não for determinado:

a)

Que o ato foi objeto de citação ou notificação segundo a forma prescrita pela legislação do Estado‑Membro requerido para a citação ou notificação de atos emitidos no seu território e dirigidos a pessoas que aí se encontrem; ou

b)

Que o ato foi efetivamente entregue ao demandado ou na sua residência, segundo outra forma prevista pelo presente regulamento;

e que, em qualquer destes casos, quer a citação ou notificação, quer a entrega, foi feita em tempo útil para que o demandado pudesse defender‑se.

2.   Os Estados‑Membros podem declarar, nos termos do n.o 1 do artigo 23.o, que os seus juízes, não obstante o disposto no n.o 1, podem julgar, embora não tenha sido recebida qualquer certidão da citação ou notificação, se se reunirem as seguintes condições:

a)

Ter o ato sido transmitido segundo uma das formas previstas pelo presente regulamento;

b)

Ter decorrido, desde a data da transmissão do ato, um prazo não inferior a seis meses e que o juiz considere adequado no caso concreto;

c)

Não ter sido recebida qualquer certidão ou certificado, não obstante terem sido feitas todas as diligências razoáveis para esse efeito junto das autoridades ou entidades competentes do Estado‑Membro requerido.

3.   Não obstante o disposto nos n.os 1 e 2, o juiz pode, em caso de urgência, ordenar medidas provisórias ou conservatórias.

4.   Se tiver sido transmitida uma petição inicial ou ato equivalente a outro Estado‑Membro para citação ou notificação, nos termos do presente regulamento, e tiver sido proferida uma decisão contra um demandado que não tenha comparecido, o juiz pode relevar ao demandado o efeito perentório do prazo para recurso, se concorrerem as condições seguintes:

a)

Não ter tido o demandado, sem que tenha havido culpa da sua parte, conhecimento do dito ato em tempo útil para se defender ou conhecimento da decisão em tempo útil para interpor recurso; e

b)

Não parecerem as possibilidades de defesa do demandado desprovidas de qualquer fundamento.

O pedido de relevação deve ser formulado em prazo razoável a contar do momento em que o demandado tenha conhecimento da decisão.

Qualquer Estado‑Membro pode comunicar, nos termos do n.o 1 do artigo 23.o, que esse pedido não será atendido se for formulado após o decurso de um prazo que indicará na comunicação, contanto que esse prazo não seja inferior a um ano contado da data da decisão.

[...]»

13

A República Portuguesa fez a seguinte comunicação, nos termos do artigo 23.o do Regulamento n.o 1393/2007:

«Artigo 9.o — Data da citação ou da notificação

De acordo com a legislação portuguesa, na ausência de disposição específica, a citação ou notificação deverá ter lugar dentro do prazo de cinco dias, nos termos do artigo 166.o do Código de Processo Civil.

[...]

Artigo 19.o — Não comparência do demandado

Portugal não fará uso da faculdade outorgada pelo n.o 2 do artigo 19.o, pelo que os tribunais portugueses não poderão fazer uso da faculdade aí prevista.

Portugal declara que é de um ano, contado da data da decisão recorrida, o prazo para formular o pedido de relevação do efeito preclusivo do decurso do prazo para o recurso (cfr. Artigo 19.o, n.o 4).»

Regulamento (CE) n.o 44/2001

14

O artigo 26.o, n.os 2 e 3, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), dispõe:

«2.   O juiz deve suspender a instância enquanto não se verificar que a esse requerido foi dada a oportunidade de receber o ato que iniciou a instância, ou ato equivalente, em tempo útil para apresentar a sua defesa, ou enquanto não se verificar que para o efeito foram efetuadas todas as diligências.

3.   Será aplicável, em vez do disposto no n.o 2, o artigo 19.o do Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados‑Membros [(JO 2000, L 160, p. 37)], se o ato que iniciou a instância tiver sido transmitido por um Estado‑Membro a outro em execução desse regulamento.»

15

O artigo 34.o, ponto 2, do Regulamento n.o 44/2001 prevê que uma decisão proferida por um tribunal de um Estado‑Membro não será reconhecida noutro Estado‑Membro «[s]e o ato que iniciou a instância, ou ato equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir‑lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer».

Regulamento (CE) n.o 805/2004

16

Nos termos do artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados (JO 2004, L 143, p. 15), sob a epígrafe «Citação ou notificação sem prova de receção pelo devedor»:

«A citação ou notificação do documento que dá início à instância ou ato equivalente, bem como qualquer ordem de comparência em audiência dirigida ao devedor, pode igualmente ser efetuada pelos seguintes meios:

a)

Citação ou notificação pessoal, no endereço do devedor, das pessoas que vivem no mesmo domicílio ou que nele trabalhem;

[...]»

Direito português

17

Nos termos do artigo 188.o, n.o 1, alínea e), do Código de Processo Civil, a citação não é válida quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato objeto de citação, por facto que não lhe seja imputável, ou seja, quando o interessado ilidiu a presunção prevista no artigo 230.o do mesmo código.

18

Contudo, em aplicação do artigo 189.o do Código de Processo Civil, a nulidade é sanada se o réu intervier no processo sem arguir a existência desse vício.

19

Resulta do artigo 191.o, n.o 1, desse código que, sem prejuízo do seu artigo 188.o, a citação é nula quando não hajam sido observadas as formalidades prescritas na lei.

20

Em conformidade com o artigo 191.o, n.o 2, do referido código, esta nulidade deve ser arguida no prazo indicado na carta de citação para a contestação dos pedidos do réu no ato que dá início à instância ou, não tendo sido indicado esse prazo, quando da primeira intervenção do citado no processo.

21

No processo principal, é pacífico que esse prazo era de 20 dias, ou seja, um prazo de 10 dias, aplicável em matéria de medidas provisórias, acrescido de 10 dias de prazo de dilação em razão da distância, a partir da data em que a citação do ato que dá início à instância é considerada realizada.

22

Nos termos do artigo 191.o, n.o 4, do mesmo código, a arguição da nulidade só é atendida se o vício em causa puder prejudicar a defesa do citado.

23

Nos termos do artigo 228.o do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Citação de pessoa singular por via postal»:

«1.   A citação de pessoa singular por via postal faz‑se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má‑fé.

2.   A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar‑se em condições de a entregar prontamente ao citando.

3.   Antes da assinatura do aviso de receção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação.»

24

Nos termos do artigo 230.o, n.o 1, deste código, a citação por via postal por meio de envio de carta registada com aviso de receção considera‑se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção. Presume‑se, então, que o ato objeto de citação foi entregue à pessoa do citando, na data que consta do aviso de receção, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, salvo demonstração em contrário por este último.

25

Resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que, em concreto, o destinatário do ato deve, assim, demonstrar que a citação não lhe foi entregue, ou que foi feita numa data posterior à presumida, por razões que não lhe são imputáveis.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

26

Resulta da decisão de reenvio que o Banco Espírito Santo, SA, depois Novo Banco, uma instituição bancária com sede em Portugal, e A. M. Henderson, residente na Irlanda, celebraram, durante o ano de 2008, dois contratos de arrendamento relativos a duas superfícies comerciais num imóvel de que essa instituição bancária é proprietária, situado no concelho de Portimão (Portugal).

27

Os bens arrendados foram entregues a A. M. Henderson, que deles tomou posse na data de assinatura dos referidos contratos.

28

Uma vez que A. M. Henderson não pagou as rendas relativas aos bens arrendados durante o ano de 2012 e não respeitou os prazos subsequentes, o Novo Banco intimou‑o, em 28 de fevereiro de 2014, a proceder aos pagamentos devidos, sob pena de resolução dos contratos em causa.

29

Por carta registada, datada de 4 de abril de 2014, o Novo Banco informou A. M. Henderson da resolução dos contratos celebrados entre as partes.

30

Nessa data, o montante não pago ascendia a 20437,03 euros, mas A. M. Henderson recusou devolver os bens em causa ao respetivo proprietário.

31

O Novo Banco requereu no Tribunal de Comarca de Faro (Portugal) uma providência cautelar de entrega judicial dos bens arrendados.

32

O Tribunal de Comarca de Faro citou A. M. Henderson deste requerimento, por carta registada com aviso de receção, no seu endereço postal na Irlanda.

33

Não tendo o aviso de receção sido devolvido, o Tribunal de Comarca de Faro pediu informações aos serviços postais portugueses. Estes responderam que, de acordo com os registos informáticos do operador postal na Irlanda, Estado‑Membro de destino, a carta em causa tinha sido entregue ao destinatário em 22 de julho de 2014.

34

Depois de ter constatado que A. M. Henderson não tinha deduzido oposição, comparecendo ou contestando a medida objeto do requerimento, o Tribunal de Comarca de Faro proferiu uma decisão em que julgou procedente o requerimento do Novo Banco.

35

Em 7 de outubro de 2014, A. M. Henderson interpôs recurso dessa decisão no órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal da Relação de Évora (Portugal), arguindo a nulidade da citação do ato que dá início à instância.

36

Com efeito, por um lado, o aviso de receção da carta registada não constava dos autos, o que constituía uma violação de uma formalidade processual prevista pela legislação portuguesa. Além disso, A. M. Henderson não tinha recebido pessoalmente a citação do ato que dava início à instância no Tribunal de Comarca de Faro e não sabia quem tinha recebido a carta de citação, pelo que não tinha tido conhecimento da ação proposta contra si. Por outro lado, o formulário previsto no Anexo II do Regulamento n.o 1393/2007 não lhe havia sido comunicado. Por conseguinte, não tinha sido informado do seu direito de recusar a citação de um ato judicial redigido unicamente em língua portuguesa, quando, no caso em apreço, era exigida uma tradução em inglês ou em gaélico. Ora, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), tal vício gera a nulidade da citação. Segundo A. M. Henderson, cada um destes incumprimentos constituía não só uma violação de uma formalidade essencial mas também uma violação dos seus direitos de defesa. Apenas uma nova citação, formalmente regular, seria suscetível de suprir estes incumprimentos.

37

Por acórdão de 29 de janeiro de 2015, o órgão jurisdicional de reenvio rejeitou a totalidade destes argumentos, confirmando, assim, a decisão proferida em primeira instância.

38

Em 13 de fevereiro de 2015, A. M. Henderson apresentou um pedido de reforma desse acórdão, alegando que é contrário ao direito da União, em especial às exigências do Regulamento n.o 1393/2007.

39

O órgão jurisdicional de reenvio considera, por um lado, que o aviso de receção, que não foi devolvido no caso em apreço, visa comprovar que o ato judicial foi citado ao seu destinatário e determinar uma data certa a essa citação. Por outro lado, este órgão jurisdicional conclui que a carta registada dirigida a A. M. Henderson não foi acompanhada do formulário constante do Anexo II do Regulamento n.o 1393/2007, pelo que o demandado não foi informado do seu direito de recusar a receção do ato que lhe foi citado.

40

A este respeito, o referido órgão jurisdicional interroga‑se, em primeiro lugar, sobre a questão de saber se o documento apresentado, no caso em apreço, pelos serviços postais do Estado‑Membro de residência do destinatário da citação é suscetível de suprir a não devolução do aviso de receção, uma vez que o documento contém a assinatura da pessoa que recebeu a carta registada e a data em que ocorreu a receção.

41

Em segundo lugar, interroga‑se sobre a conformidade com o Regulamento n.o 1393/2007 de uma disposição de direito interno nos termos da qual a citação por via postal é considerada validamente feita no momento em que o aviso de receção é assinado e datado, ainda que por terceiro, uma vez que se presume, salvo demonstração em contrário pelo destinatário do ato, que a carta foi efetivamente entregue por esse terceiro ao destinatário na data que consta do aviso de receção, no caso em apreço, em 22 de julho de 2014.

42

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se uma regulamentação nacional que prevê que a omissão de uma formalidade essencial, como a falta do formulário referido no Anexo II do Regulamento n.o 1393/2007, deve gerar a nulidade da citação, mas que esta nulidade só pode ser decretada se for arguida no prazo previsto por essa mesma regulamentação, ou seja, no caso em apreço, 20 dias a partir da data em que se considera que ocorreu a citação, respeita as exigências do Regulamento n.o 1393/2007.

43

Foi nestas circunstâncias que o Tribunal da Relação de Évora decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

[U]m Tribunal Português, onde corre processo judicial cível contra cidadão residente em outro Estado Membro da União Europeia, [que tenha] ordenado a citação desse mesmo cidadão, para o referido processo, através de Carta Registada com Aviso de Receção, no caso de não ser devolvido o respetivo Aviso de Receção, […] pode considerar, tendo em conta o […] Regulamento [n.o 1393/2007] e os princípios que lhe estão subjacentes, tal citação como efetuada com base na documentação da Entidade Postal de residência do destinatário da missiva, que comprove a entrega da Carta Registada com Aviso de Receção ao destinatário[?]

2)

[A] aplicação do disposto no art.° 230° do Código de Processo Civil Português, no caso referido na 1a Questão, viola o Regulamento [n.o 1393/2007] e os princípios que lhe estão subjacentes[?]

3)

[A] aplicação do disposto no n.o 2 do art.° 191° do Código de Processo Civil Português, ao caso em apreço, viola o Regulamento [n.o 1393/2007] e os princípios que lhe estão subjacentes[?]»

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

44

A título preliminar, há que salientar que o órgão jurisdicional de reenvio observou que a carta registada endereçada a A. M. Henderson para a sua residência na Irlanda, para efeitos da citação da petição inicial no Tribunal de Comarca de Faro, não foi acompanhada do formulário constante do Anexo II do Regulamento n.o 1393/2007.

45

Ora, por um lado, a terceira questão diz respeito às consequências que o órgão jurisdicional do Estado‑Membro de origem, chamado a pronunciar‑se, deve retirar desse vício.

46

Por outro lado, caso se responda à referida questão que tal vício gera a nulidade da citação, em conformidade com o que prevê, em princípio, a regulamentação portuguesa a este respeito, já não é necessário que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre as duas primeiras questões prejudiciais, que se referem a aspetos processuais particulares no caso de citação por via postal.

47

Nestas condições, há que examinar, em primeiro lugar, a terceira questão prejudicial.

Quanto à terceira questão

48

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento n.o 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual, no caso de um ato judicial citado a um demandado residente no território de outro Estado‑Membro não ter sido redigido ou acompanhado de uma tradução quer numa língua que esse demandado compreenda quer na língua oficial do Estado‑Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado‑Membro, na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação, a omissão do formulário constante do Anexo II desse regulamento gera a nulidade da referida citação ou da referida notificação, devendo essa nulidade, todavia, ser arguida por esse mesmo demandado num prazo determinado ou desde o início da instância e antes de qualquer defesa quanto ao mérito.

49

A este respeito, há que recordar que o Regulamento n.o 1393/2007 prevê expressamente, no seu artigo 8.o, n.o 1, a faculdade de o destinatário do ato objeto de citação ou notificação recusar a sua receção, pelo facto de o ato em causa não estar redigido ou não ser acompanhado de uma tradução numa língua que o destinatário é suposto compreender.

50

Neste contexto, o Tribunal de Justiça já decidiu que a faculdade de recusar receber o ato objeto de citação ou notificação constitui um direito do destinatário desse ato (v., neste sentido, acórdão de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 49, e despacho de 28 de abril de 2016, Alta Realitat, C‑384/14, EU:C:2016:316, n.o 61).

51

Como o Tribunal de Justiça também já sublinhou, o direito de recusar a receção de um ato objeto de citação ou notificação decorre da necessidade de proteger os direitos de defesa do destinatário desse ato, de acordo com as exigências de um processo equitativo, consagrado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no artigo 6.o, n.o 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (v., neste sentido, despacho de 28 de abril de 2016, Alta Realitat, C‑384/14, EU:C:2016:316, n.o 73). Com efeito, embora o Regulamento n.o 1393/2007 se destine, essencialmente, a melhorar a eficácia e a celeridade dos processos judiciais e a assegurar a boa administração da justiça, o Tribunal de Justiça declarou que os referidos objetivos não podem ser alcançados à custa de um enfraquecimento, seja de que maneira for, do respeito efetivo dos direitos de defesa dos destinatários dos atos em causa (v., neste sentido, acórdão de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.os 30 e 31, e despacho de 28 de abril de 2016, Alta Realitat, C‑384/14, EU:C:2016:316, n.os 48 e 49).

52

Por conseguinte, importa garantir que o destinatário do ato não só o receba realmente mas também possa conhecer e compreender, de forma efetiva e completa, o sentido e o alcance da ação proposta contra ele no estrangeiro, para poder preparar utilmente a sua defesa e fazer valer os seus direitos no Estado‑Membro de origem (acórdão de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprusj, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 32 e jurisprudência referida, e despacho de 28 de abril de 2016, Alta Realitat, C‑384/14, EU:C:2016:316, n.o 50).

53

Ora, para que o direito de recusa que consta do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007 possa produzir utilmente os seus efeitos, é necessário que o destinatário do ato tenha sido devidamente informado, previamente e por escrito, da existência desse direito (v., neste sentido, acórdão de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.os 50 e 54, e despacho de 28 de abril de 2016, Alta Realitat, C‑384/14, EU:C:2016:316, n.os 62 e 66).

54

No sistema instituído pelo Regulamento n.o 1393/2007, esta informação é‑lhe comunicada através do formulário constante do Anexo II desse regulamento (v., neste sentido, acórdão de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 50, e despacho de 28 de abril de 2016, Alta Realitat, C‑384/14, EU:C:2016:316, n.o 62).

55

No que respeita ao alcance que há que reconhecer a esse formulário, o Tribunal de Justiça já declarou que o Regulamento n.o 1393/2007 não prevê exceções à sua utilização (v., neste sentido, acórdão de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 45, e despacho de 28 de abril de 2016, Alta Realitat, C‑384/14, EU:C:2016:316, n.o 59).

56

Desta consideração e da finalidade prosseguida pelo formulário constante do Anexo II do Regulamento n.o 1393/2007, descrita nos n.os 53 e 54 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça deduziu que a entidade requerida está obrigada, em qualquer circunstância e sem margem de apreciação a este respeito, a informar o destinatário de um ato do seu direito de recusar a receção desse ato, utilizando sistematicamente para o efeito o referido formulário (acórdão de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 58, e despacho de 28 de abril de 2016, Alta Realitat, C‑384/14, EU:C:2016:316, n.o 68).

57

Além disso, caso a entidade requerida, que deve efetuar a citação ou notificação do ato em causa ao seu destinatário residente noutro Estado‑Membro, não tenha juntado o formulário constante do Anexo II do Regulamento n.o 1393/2007, esta omissão não pode gerar a nulidade do ato objeto de citação ou notificação nem do procedimento de citação ou notificação, uma vez que essa consequência seria incompatível com o objetivo prosseguido por esse regulamento, que consiste em prever um meio de transmissão direto, rápido e eficaz, entre os Estados‑Membros, dos atos em matéria civil e comercial (v., neste sentido, acórdão de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.os 60 a 66).

58

Em contrapartida, uma vez que a comunicação do referido formulário constitui uma formalidade essencial destinada a garantir os direitos de defesa do destinatário do ato, a sua omissão deve ser regularizada pela entidade requerida, em conformidade com o disposto no Regulamento n.o 1393/2007. Esta deve, assim, informar imediatamente o destinatário do ato do seu direito de recusar a respetiva receção, transmitindo‑lhe, nos termos do artigo 8.o, n.o 1, desse regulamento, esse mesmo formulário (v., neste sentido, acórdão de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.os 67, 70, 72 e 74, e despacho de 28 de abril de 2016, Alta Realitat, C‑384/14, EU:C:2016:316, n.o 71).

59

Embora os processos que deram origem ao acórdão de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprus (C‑519/13, EU:C:2015:603), e ao despacho de 28 de abril de 2016, Alta Realitat (C‑384/14, EU:C:2016:316), respeitassem ao procedimento de citação ou notificação de um ato ao abrigo da secção 1 do capítulo II do Regulamento n.o 1393/2007, relativa à transmissão do ato entre entidades de origem e entidades requeridas designadas pelos Estados‑Membros, não é menos verdade que, como resulta expressamente da redação do artigo 8.o, n.o 4, desse regulamento, as mesmas regras valem para os meios de citação ou notificação dos atos judiciais referidos na secção 2 desse mesmo capítulo.

60

Por conseguinte, por um lado, o caráter obrigatório e sistemático da utilização do formulário constante do Anexo II do Regulamento n.o 1393/2007 aplica‑se aos meios de citação ou notificação referidos no capítulo II, secção 2, desse regulamento e, por outro, o incumprimento dessa obrigação não gera a nulidade do ato objeto de citação ou notificação nem do procedimento de citação ou notificação.

61

O mesmo acontece, mais especificamente, no caso, como o que está em causa no processo principal, de uma citação ou notificação pelos serviços postais, nos termos do artigo 14.o do referido regulamento, que consta dessa secção 2 do seu capítulo II.

62

Por conseguinte, uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal não pode dispor, sem violar o Regulamento n.o 1393/2007, que a omissão do formulário constante do Anexo II do Regulamento n.o 1393/2007 pode determinar a sanção de nulidade, ainda que esteja igualmente previsto que esta última pode estar abrangida pelo efeito do decurso de um certo prazo ou da falta de reação do destinatário do ato.

63

Com efeito, apesar destas atenuações, não é menos verdade que tal regulamentação, que erige a nulidade em princípio como consequência da omissão do formulário constante do Anexo II do Regulamento n.o 1393/2007, é incompatível com o sistema instituído por este regulamento e com a finalidade que ele prossegue, como referido nos n.os 57 e 60 do presente acórdão.

64

Além disso, como o advogado‑geral referiu no n.o 58 das suas conclusões, não se podem validamente retirar consequências da circunstância de o destinatário do ato não ter contestado essa omissão num determinado prazo, uma vez que não se pode ter a certeza, precisamente devido à falta do referido formulário, de que o interessado teve efetivamente conhecimento do seu direito de recusar a citação ou notificação.

65

Por conseguinte, a falta de informação resultante dessa omissão apenas pode ser validamente sanada pela entrega, sem demora e nos termos das disposições do Regulamento n.o 1393/2007, do formulário constante do seu Anexo II.

66

Em todo o caso, como a Comissão Europeia observou com razão, uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal é inconciliável com as disposições do artigo 19.o, n.o 4, do referido regulamento.

67

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que o Regulamento n.o 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual, no caso de um ato judicial citado a um demandado residente no território de outro Estado‑Membro não ter sido redigido ou acompanhado de uma tradução quer numa língua que esse demandado compreenda quer na língua oficial do Estado‑Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado‑Membro, na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação, a omissão do formulário constante do Anexo II desse regulamento gera a nulidade da referida citação ou da referida notificação, ainda que essa nulidade tenha de ser arguida por esse mesmo demandado num prazo determinado ou desde o início da instância e antes de qualquer defesa quanto ao mérito.

68

Em contrapartida, este mesmo regulamento exige que tal omissão seja regularizada em conformidade com as disposições nele enunciadas, através da comunicação ao interessado do formulário constante do Anexo II do referido regulamento.

Quanto à primeira e à segunda questão

69

Atendendo à resposta dada à terceira questão, o Tribunal de Justiça deve igualmente pronunciar‑se sobre a primeira e a segunda questão.

70

Com estas questões, que há que analisar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento n.o 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que uma citação ou notificação de um ato que dá início à instância pelos serviços postais é válida, mesmo que o aviso de receção da carta registada não tenha sido devolvido ao remetente e se verifique que o correio foi recebido não pelo destinatário do ato mas por terceiro.

71

Para responder a estas questões, há que salientar, antes de mais, que o Regulamento n.o 1393/2007 prevê de maneira exaustiva diferentes meios de citação e notificação dos atos judiciais, cujas regras aplicáveis enuncia, sem, no entanto, estabelecer uma hierarquia entre eles (v., neste sentido, acórdãos de 9 de fevereiro de 2006, Plumex, C‑473/04, EU:C:2006:96, n.os 20 a 22, e de 19 de dezembro de 2012, Alder (C‑325/11, EU:C:2012:824, n.os 31 e 32). Um desses meios de transmissão é o realizado pelos serviços postais, em causa no processo principal, que é objeto essencialmente do artigo 14.o do referido regulamento.

72

Como o Tribunal de Justiça já declarou, as disposições do Regulamento n.o 1393/2007 devem ser interpretadas de maneira a garantir, em cada caso concreto, um justo equilíbrio entre os interesses do demandante e os do demandado, destinatário do ato, conciliando os objetivos de eficácia e de celeridade da transmissão dos atos processuais com a exigência de assegurar a proteção adequada dos direitos de defesa do destinatário desses atos, isto através, nomeadamente, da garantia de uma receção real e efetiva desses mesmos atos (acórdão de 16 de setembro de 2015, Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 33 e jurisprudência referida).

73

Estas últimas exigências são particularmente importantes no que respeita, como no processo principal, à citação de um ato que dá início à instância, na medida em que se impõe que o destinatário do ato seja informado da existência de uma ação judicial proposta contra si noutro Estado‑Membro e compreenda o sentido, o alcance e as modalidades processuais, nomeadamente em matéria de prazos, da ação proposta contra ele, para que se possa defender utilmente.

74

No que respeita ao primeiro aspeto das duas primeiras questões submetidas, relativo à circunstância de o aviso de receção da carta registada que continha a citação do ato que dá início à instância não ter sido devolvido ao órgão que, no Estado‑Membro de origem, mandou efetuar essa citação, há que observar que o Regulamento n.o 1393/2007 prevê, no seu artigo 14.o, que a citação ou notificação, pelos serviços postais, de um ato judicial a uma pessoa que resida noutro Estado‑Membro é efetuada, em princípio, por carta registada com aviso de receção.

75

Com efeito, o legislador da União considerou que essas formalidades eram suscetíveis de oferecer ao destinatário a garantia de que recebe efetivamente o envio registado que contém o ato citado e de constituir para o remetente uma prova fiável da regularidade do procedimento.

76

Mais particularmente, um correio registado permite acompanhar as diferentes etapas do seu envio ao destinatário. Por seu lado, o aviso de receção, que é preenchido no momento em que o destinatário, ou, sendo caso disso, o seu representante, recebe o correio, contém a indicação da data e do local da entrega, da qualidade da pessoa que recebeu esse correio e a sua assinatura. Em seguida, o aviso de receção é devolvido ao remetente, levando, assim, estes elementos ao seu conhecimento e permitindo‑lhe prová‑los em caso de impugnação.

77

Por conseguinte, o aviso de receção da carta registada constitui um elemento de prova da receção do ato judicial citado ou notificado pelo seu destinatário no Estado‑Membro requerido bem como das modalidades de entrega desse ato.

78

Todavia, como resulta da própria redação do artigo 14.o do Regulamento n.o 1393/2007, uma citação ou notificação pelos serviços postais não tem necessariamente de ser efetuada por carta registada com aviso de receção.

79

Com efeito, a referida disposição precisa que se pode igualmente proceder a semelhante citação ou notificação através de um «[envio] equivalente» a uma carta registada com aviso de receção.

80

Para determinar o sentido e o alcance dos termos «[envio] equivalente», na aceção desse artigo 14.o, há que precisar que decorre da finalidade da referida disposição, como descrita nos n.os 75 a 77 do presente acórdão, que pode ser qualificado de «[envio] equivalente» qualquer meio de citação ou notificação de um ato judicial e da prova desta que ofereça garantias comparáveis às de um envio por carta registada no correio com aviso de receção.

81

Mais precisamente, o meio alternativo de transmissão do ato deve apresentar o mesmo nível de certeza e de fiabilidade que uma carta registada com aviso de receção, no que respeita tanto à receção do ato pelo seu destinatário como às circunstâncias desta.

82

Com efeito, no interesse da celeridade dos processos judiciais, há que garantir, na medida do possível, que o destinatário receba efetivamente o ato objeto de citação ou notificação e que essa receção possa ser demonstrada de maneira fiável pelo remetente.

83

Em caso de litígio, incumbirá, assim, ao remetente demonstrar, através dos elementos materiais relativos à transmissão do ato, a regularidade do procedimento de citação ou notificação, devendo o órgão jurisdicional do Estado‑Membro de origem apreciar a pertinência desses elementos tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso.

84

Daqui resulta que o facto de, no caso em apreço, o aviso de receção não ter sido devolvido não é, enquanto tal, suscetível de viciar o procedimento de transmissão por via postal, podendo esta formalidade ser substituída por um documento que ofereça garantias equivalentes.

85

O órgão jurisdicional de reenvio do Estado‑Membro de origem, chamado a pronunciar‑se, deverá, no entanto, garantir que os elementos de prova invocados para esse efeito demonstram que o destinatário recebeu a citação ou a notificação do ato em causa, em condições que respeitam os seus direitos de defesa.

86

Quanto ao segundo aspeto da primeira e da segunda questão, relativo à circunstância de, no caso em apreço, o envio registado que contém o ato objeto de citação ter sido recebido no Estado‑Membro requerido não pelo destinatário desse ato mas por uma terceira pessoa, há que notar que o artigo 14.o do Regulamento n.o 1393/2007 não inclui nenhuma indicação expressa a esse respeito.

87

No entanto, pode deduzir‑se do artigo 19.o, n.o 1, alínea b), desse mesmo regulamento que o ato objeto de citação ou notificação pode ser entregue não só à pessoa do seu destinatário mas também, na sua ausência, a uma pessoa que se encontre na sua residência.

88

Com efeito, na prática, nem sempre é possível uma entrega por mão própria ao demandado. Por conseguinte, o Regulamento n.o 1393/2007 não exclui que, em certas circunstâncias, um terceiro possa receber o ato em causa.

89

No entanto, nesse caso, há que assegurar que todas as garantias necessárias à proteção efetiva dos direitos de defesa do destinatário do ato sejam respeitadas.

90

A fortiori, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que o demandado não compareceu na audiência introdutória da instância, cuja data de fixação estava especificada no ato que lhe tinha sido citado por via postal, é, com efeito, primordial certificar‑se de que, por um lado, o demandado recebeu realmente o ato que dá início à instância, que lhe permite tanto ter conhecimento de que foi proposta contra si uma ação judicial noutro Estado‑Membro como identificar o objeto do pedido e a causa de pedir, e que, por outro, o referido demandado dispôs de tempo suficiente para preparar a sua defesa.

91

Essa proteção dos direitos do demandado revel, prevista mais particularmente no artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007, responde, além disso, ao objetivo prosseguido pelas disposições de outros atos do direito da União relativos à cooperação judiciária em matéria civil e comercial, como o Regulamento n.o 44/2001, cujo artigo 34.o, ponto 2, pressupõe igualmente que o ato em causa foi previamente citado ou notificado ao referido demandado (v., neste sentido, despacho de 28 de abril de 2016, Alta Realitat, C‑384/14, EU:C:2016:316, n.o 86 e jurisprudência referida, e acórdão de 7 de julho de 2016, Lebek, C‑70/15, EU:C:2016:524, n.o 41 e jurisprudência referida).

92

Como o advogado‑geral salientou no n.o 36 das suas conclusões, a questão de saber se um ato que dá início à instância foi citado ou notificado de modo a que o demandado tenha efetivamente podido tomar conhecimento dele é, assim, decisiva para determinar se a decisão judicial proferida posteriormente pode ser considerada executória.

93

Nestas condições, embora um terceiro possa validamente receber um ato judicial em nome e por conta do destinatário, essa possibilidade está, no entanto, reservada a casos claramente circunscritos, para garantir o melhor possível o respeito dos direitos de defesa do referido destinatário.

94

Consequentemente, há que compreender o conceito de «residência», na aceção do Regulamento n.o 1393/2007, como o local onde o destinatário do ato habita e permanece de maneira habitual.

95

Além disso, à semelhança do previsto no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 805/2004 no que respeita à citação ou notificação de um ato que dá início à instância em matéria de créditos não contestados, a faculdade de um terceiro receber um ato judicial em vez do seu destinatário apenas se pode aplicar às pessoas adultas que se encontrem no interior da residência do destinatário, quer sejam membros da sua família que vivem no mesmo endereço quer sejam pessoas por ele empregadas nesse endereço.

96

Com efeito, é razoável considerar que essas pessoas entregarão efetivamente o ato em causa ao seu destinatário.

97

Em contrapartida, isso não é necessariamente o caso de outros terceiros, como um habitante de um imóvel vizinho ou uma pessoa que reside no mesmo imóvel onde o destinatário ocupa um apartamento. Uma vez que a receção de um ato por esse terceiro não oferece garantias suficientes de que o destinatário seja realmente informado nos prazos exigidos, a mesma não pode ser considerada suficientemente fiável para efeitos da aplicação do Regulamento n.o 1393/2007.

98

Em todo o caso, mesmo que as condições enunciadas nos n.os 93 a 96 do presente acórdão estejam reunidas e que a citação ou notificação se afigure, consequentemente, regular, o destinatário do ato mantém a possibilidade de demonstrar, através de todos os meios de prova admissíveis no órgão jurisdicional do Estado‑Membro de origem, chamado a pronunciar‑se, que não pôde efetivamente tomar conhecimento de que tinha sido proposta contra si uma ação judicial noutro Estado‑Membro, ou identificar o objeto do pedido e a causa de pedir, ou dispor de tempo suficiente para preparar a sua defesa. Incumbe ao referido órgão jurisdicional apreciar a pertinência destes elementos de prova, tendo devidamente em conta todas as circunstâncias do caso em apreço.

99

Atendendo às considerações precedentes, há que responder às duas primeiras questões submetidas que o Regulamento n.o 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que uma citação ou notificação de um ato que dá início à instância pelos serviços postais é válida mesmo que:

o aviso de receção da carta registada que contém o ato objeto de citação ao seu destinatário tenha sido substituído por outro documento, na condição de este último oferecer garantias equivalentes em matéria de informações transmitidas e de prova. Incumbe ao órgão jurisdicional do Estado‑Membro de origem, chamado a pronunciar‑se, certificar‑se de que o destinatário recebeu o ato em causa, em condições que respeitam os seus direitos de defesa;

o ato objeto de citação ou notificação não tenha sido entregue à pessoa do seu destinatário, desde que o tenha sido a uma pessoa adulta que se encontrasse no interior da residência habitual desse destinatário, na qualidade de membro da sua família ou de empregado ao seu serviço. Cabe ao destinatário, se for caso disso, demonstrar através de todos os meios de prova admissíveis no órgão jurisdicional do Estado‑Membro de origem, chamado a pronunciar‑se, que não pôde efetivamente tomar conhecimento de que tinha sido proposta contra si uma ação judicial noutro Estado‑Membro, ou identificar o objeto do pedido e a causa de pedir, ou dispor de tempo suficiente para preparar a sua defesa.

Quanto às despesas

100

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

 

1)

O Regulamento (CE) n.o 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual, no caso de um ato judicial citado a um demandado residente no território de outro Estado‑Membro não ter sido redigido ou acompanhado de uma tradução quer numa língua que esse demandado compreenda quer na língua oficial do Estado‑Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado‑Membro, na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação, a omissão do formulário constante do Anexo II desse regulamento gera a nulidade da referida citação ou da referida notificação, ainda que essa nulidade tenha de ser arguida por esse mesmo demandado num prazo determinado ou desde o início da instância e antes de qualquer defesa quanto ao mérito.

Em contrapartida, este mesmo regulamento exige que tal omissão seja regularizada em conformidade com as disposições nele enunciadas, através da comunicação ao interessado do formulário constante do Anexo II do referido regulamento.

 

2)

O Regulamento n.o 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que uma citação ou notificação de um ato que dá início à instância pelos serviços postais é válida mesmo que:

o aviso de receção da carta registada que contém o ato objeto de citação ao seu destinatário tenha sido substituído por outro documento, na condição de este último oferecer garantias equivalentes em matéria de informações transmitidas e de prova. Incumbe ao órgão jurisdicional do Estado‑Membro de origem, chamado a pronunciar‑se, certificar‑se de que o destinatário recebeu o ato em causa, em condições que respeitam os seus direitos de defesa;

o ato objeto de citação ou notificação não tenha sido entregue à pessoa do seu destinatário, desde que o tenha sido a uma pessoa adulta que se encontrasse no interior da residência habitual desse destinatário, na qualidade de membro da sua família ou de empregado ao seu serviço. Cabe ao destinatário, se for caso disso, demonstrar através de todos os meios de prova admissíveis no órgão jurisdicional do Estado‑Membro de origem, chamado a pronunciar‑se, que não pôde efetivamente tomar conhecimento de que tinha sido proposta contra si uma ação judicial noutro Estado‑Membro, ou identificar o objeto do pedido e a causa de pedir, ou dispor de tempo suficiente para preparar a sua defesa.

 

Berger

Levits

Biltgen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 2 de março de 2017.

O secretário

A. Calot Escobar

O presidente da Décima Secção

M. Berger


( *1 ) Língua do processo: português.

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