Escolha as funcionalidades experimentais que pretende experimentar

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62015CC0282

    Conclusões do advogado-geral M. Bobek apresentadas em 21 de julho de 2016.
    Queisser Pharma GmbH & Co. KG contra Bundesrepublik Deutschland.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgericht Braunschweig.
    Reenvio prejudicial — Livre circulação de mercadorias — Artigos 34.o a 36.o TFUE — Situação puramente interna — Segurança dos géneros alimentícios — Regulamento (CE) n.o 178/2002 — Artigo 6.o — Princípio da análise de riscos — Artigo 7.o — Princípio da precaução — Regulamento (CE) n.o 1925/2006 — Legislação de um Estado‑Membro que proíbe o fabrico e a colocação no mercado de suplementos alimentares que contenham aminoácidos — Situação em que a autorização de uma derrogação temporária a esta proibição é abrangida pelo poder discricionário da autoridade nacional.
    Processo C-282/15.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2016:589

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    MICHAL BOBEK

    apresentadas em 21 de julho de 2016 ( 1 )

    Processo C‑282/15

    Queisser Pharma GmbH & Co. KG

    contra

    República Federal da Alemanha

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgericht Braunschweig (Tribunal Administrativo de Brunswick, Alemanha)]

    «Segurança alimentar — Legislação de um Estado‑Membro que proíbe o fabrico e a venda de suplementos alimentares que contêm aminoácidos — Possibilidade de derrogação discricionária»

    Introdu

    I – ção

    1.

    O presente processo diz respeito a um procedimento, previsto na legislação alemã, destinado a obter uma derrogação à proibição geral imposta pela legislação nacional sobre o fabrico e a venda de alimentos que contenham, designadamente, aminoácidos.

    2.

    No seu pedido, o órgão jurisdicional nacional pergunta essencialmente se a obrigação de obter previamente uma derrogação temporária e discricionária antes de fabricar e vender os referidos alimentos na Alemanha é compatível com os artigos 34.o a 36.o TFUE, com o Regulamento (CE) n.o 178/2002 (a seguir «Regulamento Legislação Alimentar») e com o Regulamento (CE) n.o 1925/2006 (a seguir «Regulamento Aditivos Alimentares»).

    II – Quadro jurídico

    A – Direito da União

    1. Regulamento n.o 178/2002: Regulamento Legislação Alimentar

    3.

    O Regulamento n.o 178/2002 ( 2 ) estabelece os princípios e normas gerais da legislação alimentar. O artigo 1.o dispõe que o regulamento visa garantir um elevado nível de proteção da saúde humana, assegurando simultaneamente um funcionamento eficaz do mercado interno. Estabelece ainda «a maneira de assegurar uma sólida base científica […] para servir de base à tomada de decisões em questões de segurança dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais».

    4.

    O artigo 4.o, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», confirma que o capítulo II do regulamento (que compreende os artigos 4.o a 21.o) «refere‑se a todas as fases da produção, transformação e distribuição de géneros alimentícios» e que os «princípios estabelecidos nos artigos 5.o a 10.o constituem um quadro geral de caráter horizontal que deve ser respeitado aquando da adoção de quaisquer medidas».

    5.

    O artigo 6.o, com a epígrafe «Análise dos riscos», dispõe que, em princípio, a legislação alimentar basear‑se‑á numa análise dos riscos e que a avaliação dos riscos «basear‑se‑á nas provas científicas disponíveis e será realizada de forma independente, objetiva e transparente».

    6.

    O artigo 7.o, n.o 1, com a epígrafe «Princípio da precaução», dispõe que «[n]os casos específicos em que, na sequência de uma avaliação das informações disponíveis, se identifique uma possibilidade de efeitos nocivos para a saúde, mas persistam incertezas a nível científico, podem ser adotadas as medidas provisórias de gestão dos riscos necessárias para assegurar o elevado nível de proteção da saúde por que se optou na Comunidade, enquanto se aguardam outras informações científicas que permitam uma avaliação mais exaustiva dos riscos». Nos termos do artigo 7.o, n.o 2, essas medidas devem ser proporcionadas.

    7.

    O artigo 14.o proíbe a colocação no mercado de géneros alimentícios que não sejam seguros, e estabelece que os géneros alimentícios não serão considerados seguros se forem prejudiciais para a saúde ou impróprios para consumo humano. O artigo 14.o, n.o 7, dispõe que são considerados seguros «os géneros alimentícios que estejam em conformidade com as disposições comunitárias específicas que regem a sua segurança, no que diz respeito aos aspetos cobertos por essas disposições». O artigo 14.o, n.o 9, estabelece que «[n]a ausência de disposições comunitárias específicas, os géneros alimentícios são considerados seguros quando estiverem em conformidade com as disposições específicas da legislação alimentar do Estado‑Membro em cujo território são comercializados, desde que tais disposições sejam formuladas e aplicadas sem prejuízo do Tratado CE, nomeadamente dos artigos 28.o e 30.o».

    8.

    O artigo 53.o prevê a adoção de medidas de emergência pela Comissão sempre que for evidente que um género alimentício ou um alimento para animais constitui um risco grave que não pode ser dominado de maneira satisfatória pelos Estados‑Membros. O artigo 55.o autoriza a Comissão a elaborar um plano geral de gestão de crises.

    2. Regulamento n.o 1925/2006: Regulamento Aditivos Alimentares

    9.

    O considerando 2 do Regulamento n.o 1925/2006 ( 3 ) dispõe que, caso não existam disposições comunitárias específicas, «pode ser aplicada a regulamentação nacional pertinente, sem prejuízo do disposto no Tratado».

    10.

    O artigo 1.o estabelece que o regulamento tem por objeto a adição de vitaminas, minerais e determinadas outras substâncias aos alimentos, a fim de garantir o funcionamento eficaz do mercado interno, assegurando simultaneamente um elevado nível de proteção dos consumidores.

    11.

    Nos termos do artigo 2.o, entende‑se por «outra substância»«uma substância que não seja uma vitamina ou um mineral, que possua efeitos nutricionais ou fisiológicos».

    12.

    O capítulo III do regulamento, com a epígrafe «Adição de determinadas outras substâncias», é unicamente composto pelo artigo 8.o Esta disposição estabelece um procedimento que «[d]eve observar‑se» essencialmente sempre que uma substância que não seja uma vitamina nem um mineral seja adicionada a um alimento em condições que resultem na ingestão dessa substância em quantidades muito superiores às normais ou que representem, por outras razões, um risco potencial para os consumidores. Seguidamente, o artigo 8.o dispõe que a Comissão «pode» tomar a decisão de incluir uma substância ou ingrediente no anexo III do regulamento.

    13.

    Nos termos do artigo 8.o, n.o 6, a Comissão deve estabelecer normas de execução para a aplicação do artigo 8.o Estas normas foram adotadas sob a forma do Regulamento de execução n.o 307/2012 ( 4 ).

    14.

    O artigo 11.o, com a epígrafe «Disposições nacionais», estabelece que a nova legislação nacional sobre a proibição ou restrição da adição de outras substâncias aos alimentos deverá ser notificada à Comissão em conformidade com um procedimento específico previsto no artigo 12.o do Regulamento Aditivos Alimentares.

    B – Direito nacional

    15.

    O quadro jurídico do litígio à luz do direito nacional é constituído pelas seguintes disposições do Código dos Géneros Alimentícios e dos Géneros destinados à Alimentação Animal [Lebensmittel‑ Bedarfsgegenstände‑und Futtermittelgesetzbuch (a seguir «LFGB»)] ( 5 ).

    16.

    O § 2, n.os 2 e 3, do LFGB remete para a definição de «género alimentício» constante do artigo 2.o do Regulamento n.o 178/2002 e para a definição de «aditivo alimentar» constante dos artigos 3.o, n.o 2, alínea a), e 2.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1333/2008 ( 6 ). Além disso, o § 2, n.o 3, segundo período, equipara aos aditivos alimentares:

    «1.   As substâncias não consumidas habitualmente como género alimentício em si mesmas e habitualmente não utilizadas como ingrediente característico dos géneros alimentícios, com ou sem valor nutritivo, e [que são intencionalmente adicionadas] aos géneros alimentícios, com outro objetivo para além do tecnológico na fase de fabrico ou tratamento.

    […]

    3.   Aminoácidos e os seus derivados […].»

    17.

    O § 4 do LFGB estabelece que as suas disposições relativas aos aditivos alimentares se aplicam também às substâncias que lhes são equiparáveis nos termos do § 2, n.o 3, segundo período.

    18.

    Nos termos do § 6 da LFGB, é proibido:

    «1.

    no âmbito do fabrico ou do tratamento de géneros alimentícios destinados a serem colocados no mercado,

    a)

    utilizar aditivos alimentares não autorizados, não misturados ou misturados com outras substâncias

    […]

    2.

    colocar no mercado géneros alimentícios que foram fabricados ou tratados em violação da proibição prevista no n.o 1 ou que não correspondam a um regulamento adotado nos termos do § 7, n.os 1 ou 2, pontos 1 ou 5 […]».

    19.

    O § 54, n.os 2 e 3, do LFGB prevê possíveis derrogações à proibição do § 6 para efeitos de importação. Essas derrogações são concedidas após uma avaliação dos riscos, tendo em conta provas científicas internacionais e os hábitos alimentares na Alemanha. As decisões têm caráter geral e são aplicáveis a todos os importadores do produto em causa. As decisões devem ser tomadas num prazo razoável. Se este prazo for superior a 90 dias, o atraso deve ser fundamentado.

    20.

    O § 68 do LFGB dispõe o seguinte:

    «(1)

    A pedido do interessado, é possível autorizar, em casos excecionais, derrogações às disposições da presente lei e aos regulamentos adotados com base na presente lei, nos termos dos n.os 2 e 3.

    (2)

    As derrogações apenas podem ser autorizadas:

    1.

    no âmbito do fabrico, do tratamento e da colocação no mercado de determinados géneros alimentícios […], desde que sejam expectáveis resultados que possam assumir relevância para alterar ou complementar as disposições aplicáveis a géneros alimentícios […], sob supervisão oficial ou desde que ainda não se tenha verificado uma aproximação das legislações a atos jurídicos […] da União Europeia; neste âmbito, importa ter devidamente em conta os interesses dos particulares dignos de proteção bem como todos os fatores passíveis de influenciarem a situação concorrencial do setor industrial em causa,

    […]

    4.

    nos restantes casos, em que as circunstâncias particulares, em particular o risco de deterioração de géneros alimentícios […], as tornam imprescindíveis para evitar situações injustas; […]

    (3)

    As derrogações apenas podem ser admitidas quando se verifiquem factos que permitam concluir que a saúde humana ou animal não está em risco.

    […]

    (5)

    A [derrogação] nos termos do n.o 2 [pode ser concedida por] um período máximo de três anos. Nos casos previstos no n.o 2, ponto 1), essa [derrogação] pode ser renovada três vezes, a pedido do interessado […], de cada vez pelo período máximo de três anos, desde que se continuem a verificar as condições da autorização […].»

    III – Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

    21.

    A Queisser Pharma GmbH & Co. KG (a seguir «Queisser») é uma sociedade com sede na Alemanha que fabrica e vende o suplemento alimentar Doppelherz aktiv + ferro + vitamina C + histidina + ácido fólico, que contém, entre outras substâncias, L‑histidina (a seguir «produto Doppelherz»). A L‑histidina é um aminoácido.

    22.

    Em março de 2006, a Queisser requereu ao Bundesamt für Verbraucherschutz und Lebensmittelsicherheit (Instituto Federal de Defesa do Consumidor e da Segurança Alimentar, a seguir «BVL») uma derrogação ao abrigo do § 68 do LFGB. Procurava em particular obter autorização para fabricar e comercializar o produto Doppelherz como suplemento alimentar na Alemanha.

    23.

    Em novembro de 2012, o pedido da Queisser foi indeferido, com fundamento no facto de que, nos termos do § 68, n.o 3, do LFGB, a derrogação apenas poder ser concedida quando existam factos que permitam concluir que a saúde humana ou animal não está em risco. O BVL não considerou que o aminoácido L‑histidina contido no produto Doppelherz fosse nocivo para a saúde, mas manifestou a sua preocupação com o teor de ferro do produto. Consequentemente, o pedido foi indeferido com fundamento não no aminoácido L‑histidina, mas sim no teor de ferro.

    24.

    A Queisser impugnou a decisão mediante reclamação para o BVL, tendo apresentado provas científicas da segurança do teor de ferro do produto Doppelherz. Essa reclamação foi indeferida em fevereiro de 2013.

    25.

    Em março de 2013, a Queisser recorreu dessa decisão de indeferimento para o órgão jurisdicional de reenvio. Durante esse processo, por decisão de 17 de fevereiro de 2015, o BVL revogou a sua decisão anterior e concedeu à Queisser uma autorização excecional pelo período de três anos, nos termos do § 68, n.o 1 e n.o 2, ponto 1), do LFGB.

    26.

    Nessas circunstâncias, o Verwaltungsgericht Braunschweig (Tribunal Administrativo de Brunswick) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões para decisão a título prejudicial:

    «1)

    Devem os artigos 34.o, 35.o e 36.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), em conjugação com o artigo 14.o do Regulamento (CE) n.o 178/2002 (JO L 31, p. 1), ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime nacional que proíbe o fabrico, o tratamento e a colocação no mercado de um suplemento alimentar que contém aminoácidos (neste caso, L‑histidina), a menos que tenha sido concedida uma [derrogação] temporária que é deixada ao critério das autoridades nacionais, caso estejam cumpridos determinados pressupostos de facto?

    2)

    Decorre da própria sistemática dos artigos 14.o, 6.o, 7.o, 53.o e 55.o do Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios, que as legislações nacionais só podem proibir determinados géneros alimentícios ou ingredientes alimentares nas condições neles previstas, e isso opõe‑se a um regime nacional como o descrito na primeira questão?

    3)

    Deve o artigo 8.o do Regulamento (CE) n.o 1925/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativo à adição de vitaminas, minerais e determinadas outras substâncias aos alimentos (JO L 404, p. 26) ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime nacional tal como o descrito na primeira questão?»

    27.

    Apresentaram observações escritas a Queisser, o Governo alemão e a Comissão. A Queisser e a Comissão apresentaram observações orais na audiência de 12 de maio de 2015.

    IV – Apreciação

    A – Introdução

    28.

    O órgão jurisdicional nacional pergunta, em substância, se a exigência de uma derrogação para o fabrico e a venda de suplementos alimentares que contêm aminoácidos é compatível com (i) as regras do Tratado em matéria de livre circulação de mercadorias (ii) o Regulamento n.o 178/2002 e (iii) o Regulamento n.o 1925/2006. Nas presentes conclusões, abordarei as questões do órgão jurisdicional nacional na ordem inversa.

    29.

    Pelos motivos expostos adiante, considero que, na parte aplicável aos aminoácidos, o regime nacional de derrogação não está abrangido pelo Regulamento n.o 1925/2006 ( 7 ).

    30.

    No entanto, o referido regime está abrangido pelo Regulamento n.o 178/2002 e, em especial, pelos seus artigos 6.o e 7.o Essas disposições exigem, respetivamente (a) que as medidas nacionais adotadas no domínio da legislação alimentar assentem numa avaliação dos riscos baseada em provas científicas e (b) que as restrições ao princípio da precaução sejam proporcionadas. Considero que um regime de derrogação como o que o órgão jurisdicional nacional descreve no seu pedido suscita uma série de dúvidas quanto à sua compatibilidade com as referidas disposições.

    31.

    No que respeita aos artigos 34.o a 36.o TFUE, considero que não são aplicáveis porque a situação em apreço é puramente interna.

    B – Terceira questão

    32.

    Na sua terceira questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta se o artigo 8.o do Regulamento n.o 1925/2006 se opõe a um regime de autorização excecional como o que é descrito no seu despacho de reenvio.

    33.

    Os aminoácidos, na medida em que possuam efeitos nutricionais ou fisiológicos e sejam adicionados aos alimentos, constituem «outras substâncias», na aceção do artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1925/2006.

    34.

    O artigo 8.o do Regulamento n.o 1925/2006 estabelece o procedimento que deve ser observado para incluir «outra substância» no anexo III desse regulamento (que contém listas de «outras substâncias» cuja utilização é proibida ou está sujeita a condições, ou relativamente às quais existem incertezas de caráter científico). Suscita‑se assim a questão de saber se o mero facto de um aminoácido não constar do anexo III obsta a que os Estados‑Membros imponham restrições à sua utilização nos alimentos.

    35.

    Considero que a resposta a essa questão é claramente negativa.

    36.

    É certo que, segundo o artigo 8.o do Regulamento n.o 1925/2006, «deve observar‑se» o procedimento previsto nessa disposição sempre que seja adicionada «outra substância» a um alimento, em certas condições ( 8 ). O facto de ser empregue a palavra «deve» poderia ser entendido no sentido de que o procedimento é obrigatório em todos os casos de proibição ou imposição de restrições à utilização de uma substância.

    37.

    Porém, como alega a Comissão nas suas observações escritas, essa interpretação não é corroborada pelo artigo 11.o nem pelo considerando 2 do regulamento. O considerando 2 do Regulamento n.o 1925/2006 dispõe que, caso não tenham sido adotadas disposições específicas de direito da União sobre «outras substâncias», pode ser aplicada a regulamentação nacional pertinente. O artigo 11.o do regulamento, com a epígrafe «Disposições nacionais», estabelece que, se um Estado‑Membro decidir aprovar nova legislação que proíba ou restrinja a utilização de «outras substâncias» nos alimentos, deve notificar a Comissão em conformidade com o procedimento estabelecido no artigo 12.o

    38.

    Por conseguinte, decorre do artigo 11.o e do considerando 2 que a regulamentação nacional pertinente adotada após a entrada em vigor do regulamento deve ser notificada em conformidade com um procedimento específico e que pode ser efetivamente rejeitada pela Comissão. Em contrapartida, o regulamento não se opõe à aplicação da regulamentação nacional que existia antes da sua entrada em vigor.

    39.

    À luz do exposto, a resposta à terceira questão do órgão jurisdicional nacional é a de que o artigo 8.o do Regulamento n.o 1925/2006 não se opõe a um regime nacional que proíbe o fabrico, o tratamento e/ou a colocação no mercado de um suplemento alimentar que contém aminoácidos, a menos que tenha sido concedida uma derrogação temporária, que é deixada ao critério das autoridades nacionais.

    C – Segunda questão

    40.

    Na sua segunda questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta se os artigos 6.o, 7.o, 14.o, 53.o e 55.o do Regulamento n.o 178/2002 se opõem a um regime de derrogação como o que é descrito no seu despacho de reenvio.

    41.

    Em geral, de acordo com o artigo 1.o, o Regulamento n.o 178/2002 «estabelece os princípios gerais que regem os géneros alimentícios e os alimentos para animais em geral e, em particular, a sua segurança a nível comunitário e nacional» e aplica‑se «a todas as fases da produção, transformação e distribuição de géneros alimentícios». O artigo 4.o, n.o 2, dispõe que os artigos 5.o a 10.o«constituem um quadro geral de caráter horizontal que deve ser respeitado aquando da adoção de quaisquer medidas». O artigo 4.o, n.o 3, estabelece que «[o]s princípios e procedimentos da legislação alimentar vigente serão adaptados o mais rapidamente possível e, o mais tardar, até 1 de janeiro de 2007».

    42.

    Resulta da redação clara das disposições supramencionadas que um regime nacional como o que é referido na primeira questão do órgão jurisdicional nacional teria de ser adaptado para obedecer ao disposto, nomeadamente, nos artigos 6.o e 7.o do Regulamento n.o 178/2002 até 1 de janeiro de 2007.

    1. Aplicabilidade dos artigos 14.o, 53.o e 55.o do Regulamento n.o 178/2002

    43.

    Antes de analisar em pormenor os artigos 6.o e 7.o nas secções que se seguem, examinarei primeiro brevemente as restantes disposições do Regulamento n.o 178/2002 mencionadas pelo órgão jurisdicional nacional na sua segunda questão.

    44.

    O artigo 14.o, n.o 9, do Regulamento n.o 178/2002 dispõe que, na ausência de disposições comunitárias específicas, os géneros alimentícios são considerados seguros quando estiverem em conformidade com as disposições do direito nacional, sem prejuízo do Tratado. As disposições do Tratado, em especial as regras em matéria de livre circulação de mercadorias a que se refere o artigo 14.o, n.o 9, são analisadas na secção D infra. Excetuado a referência ao Tratado, o artigo 14.o, n.o 9, limita‑se a remeter para as disposições nacionais. Assim, essa disposição não se opõe, ela mesma, a um regime de derrogação como o que é descrito no pedido de decisão prejudicial apresentado pelo órgão jurisdicional nacional.

    45.

    Além disso, o artigo 14.o, n.o 9, do Regulamento n.o 178/2002 não pode alterar a conclusão quanto à aplicabilidade dos artigos 6.o e 7.o O artigo 14.o, n.o 9, remete para as disposições nacionais relativamente a todos os elementos (específicos) que não estejam expressamente regulados pelo direito da União. O referido artigo não pode certamente ser interpretado no sentido de que derroga os princípios estabelecidos nos artigos 6.o e 7.o do Regulamento n.o 178/2002, que, sendo disposições gerais e transversais, continuam a ser plenamente aplicáveis, mesmo na falta de regras específicas.

    46.

    Quanto aos restantes números do artigo 14.o, na medida em que não são aplicáveis disposições comunitárias específicas, o artigo 14.o, n.os 7 e 8, do Regulamento n.o 178/2002 não é diretamente relevante para o caso em apreço. O artigo 14.o, n.os 1 a 6, dispõe essencialmente que não devem comercializados géneros alimentícios que não sejam seguros ou que sejam impróprios para consumo humano. Nesta conformidade, estas disposições não se opõem, elas mesmas, a um regime de autorização excecional como o que é descrito no pedido do órgão jurisdicional nacional.

    47.

    Os artigos 53.o e 55.o do Regulamento n.o 178/2002 dizem respeito a medidas de emergência e à gestão de crises. Como tal, não se opõem, eles mesmos, a um regime de autorização excecional como o que é descrito no pedido do órgão jurisdicional nacional.

    2. Observações gerais sobre os artigos 6.o e 7.o do Regulamento n.o 178/2002

    48.

    O artigo 6.o do Regulamento n.o 178/2002 exige que as medidas de gestão dos riscos adotadas no contexto da legislação alimentar nacional tenham em conta os resultados de uma avaliação dos riscos. A avaliação dos riscos deve basear‑se nas «provas científicas disponíveis e será realizada de forma independente, objetiva e transparente».

    49.

    O artigo 7.o do Regulamento n.o 178/2002, com a epígrafe «Princípio da precaução», dispõe que, se na sequência de uma avaliação dos riscos persistirem incertezas a nível científico, podem ser adotadas medidas provisórias de gestão dos riscos «enquanto se aguardam outras informações científicas que permitam uma avaliação mais exaustiva dos riscos». Essas medidas devem ser proporcionadas.

    50.

    Impõe‑se aqui uma observação preliminar sobre a relação entre essas duas disposições e a natureza do princípio da precaução formulado no artigo 7.o De acordo com a redação inequívoca desta última disposição, os Estados‑Membros só podem basear a adoção de medidas de gestão dos riscos no artigo 7.o após uma avaliação das informações disponíveis. Por outras palavras, o artigo 7.o só pode ser aplicado e invocado depois de estarem preenchidos os requisitos processuais e substantivos do artigo 6.o

    51.

    Consequentemente, um regime de derrogação como o que é descrito no pedido do órgão jurisdicional nacional não se pode basear no artigo 7.o do Regulamento n.o 178/2002, dado que a proibição da utilização de aditivos alimentares não autorizados imposta pela legislação alemã não foi precedida de uma avaliação das informações disponíveis, o que gera incertezas de natureza científica quanto ao risco. Em rigor, nesses casos, não é possível invocar o artigo 7.o para justificar esse regime.

    52.

    Pelo exposto, a análise que se segue incide principalmente sobre o artigo 6.o do Regulamento n.o 178/2002.

    3. Base científica das decisões

    53.

    O artigo 6.o do Regulamento n.o 178/2002 expressa um princípio fundamental da gestão dos riscos, o de que as medidas adotadas devem basear‑se em dados científicos ( 9 ). Em última análise, é provável que as medidas restritivas adotadas para gerir os riscos identificados também traduzam, até certo ponto, considerações de natureza política. Não obstante, o ponto de partida deveria ser a ciência ( 10 ).

    54.

    Por conseguinte, o artigo 6.o obstaria claramente a um regime nacional que proibisse o fabrico e a comercialização de um ingrediente alimentar com total desrespeito pelas provas científicas e sem qualquer possibilidade de derrogação. Porém, não é esse o tipo de situação que é aqui suscitada perante o Tribunal de Justiça. No regime descrito no despacho de reenvio, existe uma proibição, mas é possível obter uma autorização excecional, como aconteceu no presente caso. Os dados científicos não são ignorados; o potencial problema é antes a aparente existência de uma presunção inicial, nos termos da legislação nacional, de que um ingrediente não é seguro.

    55.

    Consequentemente, a pergunta subjacente à segunda questão do órgão jurisdicional nacional é a seguinte: que limitações impõe o Regulamento n.o 178/2002 a tal procedimento de derrogação? Em especial, é admissível um regime de autorização prévia (ou seja, existe alguma situação em que seja legítimo presumir que um ingrediente não é seguro)? Em caso afirmativo, que requisitos devem estar reunidos? Quem deve fornecer as informações necessárias para a avaliação dos riscos e quem deve realizar essa avaliação (o Estado‑Membro ou um operador económico)? Sobre quem recai o ónus da prova?

    56.

    Antes de me debruçar sobre estas questões, começarei por analisar o determinante acórdão Comissão/França (adjuvantes tecnológicos) do Tribunal de Justiça ( 11 ).

    4. Acórdão Comissão/França (adjuvantes tecnológicos)

    57.

    São poucos os acórdãos do Tribunal de Justiça que interpretam especificamente os artigos 6.o e 7.o do Regulamento n.o 178/2002 ( 12 ). No entanto, têm sido proferidos no domínio da livre circulação de mercadorias vários acórdãos que formularam princípios gerais aplicáveis aos procedimentos de autorização prévia e à avaliação dos riscos no quadro da legislação alimentar ( 13 ). Estes princípios podem ser transpostos, em grande parte, para o presente contexto.

    58.

    O acórdão Comissão/França (adjuvantes tecnológicos) ( 14 ) do Tribunal de Justiça reveste‑se de particular interesse, sobretudo porque apreciou a legalidade de um regime de autorização prévia (e não de decisões de autorização individuais no âmbito desse regime). Esse processo dizia respeito a uma lei francesa que sujeitava os adjuvantes tecnológicos e os géneros alimentícios fabricados com recurso a adjuvantes tecnológicos a um regime de autorização prévia. Era exigida autorização prévia mesmo que os adjuvantes ou os géneros alimentícios tivessem sido legalmente fabricados noutro Estado‑Membro. A Comissão instaurou uma ação por incumprimento contra a França, alegando que o regime de autorização prévia violava as disposições do Tratado sobre livre circulação ( 15 ).

    59.

    O Tribunal de Justiça concluiu que o regime de autorização prévia constituía uma restrição à livre circulação de mercadorias. No entanto, também confirmou a jurisprudência constante anterior, segundo a qual os regimes de autorização prévia «não [são] em princípio, contrári[os] ao direito comunitário desde que estejam preenchidas determinadas condições» ( 16 ), a fim de assegurar que sejam justificados e proporcionados.

    60.

    O Tribunal de Justiça estabeleceu duas condições ( 17 ). Em primeiro lugar, deve existir um procedimento transparente e acessível para obter autorização, dentro de um prazo razoável, sujeito a recurso jurisdicional (a seguir «condição processual»). Em segundo lugar, o pedido de autorização só pode ser indeferido nos casos em que a substância represente um risco real para a saúde pública (a seguir «condição substantiva»).

    61.

    O sistema francês em causa naquele processo padecia de diversos vícios processuais graves. Quanto à condição substantiva, o Tribunal de Justiça formulou as seguintes observações importantes.

    62.

    Em primeiro lugar, o poder de apreciação dos Estados‑Membros relativo à proteção da saúde pública é particularmente amplo quando existem incertezas de natureza científica. Em segundo lugar, os Estados‑Membros que invocam uma exceção à regra da livre circulação devem «demonstrar, em cada caso concreto, tendo em conta os resultados da investigação científica internacional, que a sua regulamentação é necessária para proteger efetivamente os interesses mencionados [no artigo 36.o TFUE]». Além disso, a proibição imposta sobre os adjuvantes tecnológicos em questão naquele processo baseava‑se «numa avaliação profunda do risco alegado pelo Estado‑Membro». Em terceiro lugar, as medidas adotadas por um Estado‑Membro devem ser proporcionadas. Por último, em quarto lugar, a invocação do princípio da precaução deve ser precedida de «uma avaliação global do risco para a saúde baseada nos dados científicos disponíveis mais fiáveis e nos resultados mais recentes da investigação internacional».

    63.

    O Tribunal de Justiça concluiu que o regime francês de autorização prévia não preenchia estas condições processuais e substantivas. Considerou, em especial, que a natureza genérica do regime era problemática. O Tribunal de Justiça declarou que o regime só deveria ter visado os adjuvantes tecnológicos abrangidos por «categorias perigosas ou suspeitas» ( 18 ). Porém, o regime francês não distinguia «em função dos diferentes [adjuvantes tecnológicos] ou segundo o nível do risco que a sua utilização pode representar para a saúde» ( 19 ). O Tribunal de Justiça acrescentou que «[o]s Estados‑Membros não podem justificar um regime de autorização prévia sistemático e não centrado […] enfatizando a impossibilidade de levar a cabo exames prévios mais exaustivos devido à grande quantidade de [adjuvantes tecnológicos] utilizáveis […]» ( 20 ).

    64.

    No acórdão Comissão/França (adjuvantes tecnológicos), o Tribunal de Justiça confirma claramente que as regras sobre livre circulação não excluem per se os regimes de autorização prévia. Porém, é igualmente manifesta uma clara aversão aos regimes indiscriminados de autorização prévia sem base científica ( 21 ).

    65.

    Contudo, no meu entender, o acórdão Comissão/França (adjuvantes tecnológicos) não responde às perguntas mais específicas enunciadas no n.o 55 das presentes conclusões, especialmente a de quem deve fornecer as informações no contexto da avaliação dos riscos e a do correspondente ónus da prova. É sobre elas que me debruçarei agora.

    5. Fornecimento de informações e ónus da prova

    66.

    A título introdutório, importa referir que, em termos gerais, são concebíveis duas abordagens antagónicas sobre estas questões.

    67.

    De acordo com uma delas, o ónus da prova recai totalmente sobre o Estado‑Membro. Este deve fornecer todas as informações científicas relevantes para uma avaliação exaustiva dos riscos de cada substância. Se não o fizer, o Estado‑Membro não pode impor qualquer medida no domínio da legislação alimentar que restrinja a utilização ou a comercialização dessa substância, nomeadamente um regime de autorização prévia (a seguir modelo da «presunção de liberalização»).

    68.

    De acordo com a abordagem oposta, o Estado‑Membro impõe uma proibição geral sobre um ingrediente ou uma categoria de ingredientes, sem realizar qualquer avaliação dos riscos. Ao fazê‑lo, o Estado‑Membro transfere, na prática, o ónus da prova para o operador económico, que deve fornecer as informações científicas necessárias para realizar uma avaliação exaustiva dos riscos (a seguir modelo da «presunção de proibição»).

    69.

    Ambas as abordagens me suscitam sérias dúvidas. Além disso, não creio que nenhuma delas encontre apoio na jurisprudência.

    a) Modelo da «presunção de liberalização»

    70.

    No que respeita ao modelo da «presunção de liberalização», é certo que a lógica subjacente à livre circulação determina que seja o Estado‑Membro a suportar o ónus de justificar eventuais restrições à livre circulação de mercadorias. Porém, esta declaração genérica está, desde logo, sujeita a duas ressalvas. Primeiro, trata‑se efetivamente de uma declaração de caráter geral, que estabelece, em princípio, o ponto de partida. Segundo, recordo que o que importa aqui interpretar não são os artigos 34.o e 36.o TFUE, mas sim o artigo 6.o (e marginalmente também o artigo 7.o) do Regulamento n.o 178/2002, ou seja, disposições de direito derivado num domínio particularmente sensível.

    71.

    Além disso, como confirmou o Tribunal de Justiça no acórdão Comissão/França (adjuvantes tecnológicos), a jurisprudência sobre a livre circulação per se não impede, em princípio, os Estados‑Membros de estabelecerem requisitos de autorização prévia. Tão‑pouco obsta a que os Estados‑Membros exijam que as empresas forneçam informações para os ajudarem a determinar se devem ou não autorizar a comercialização no seu território de géneros alimentícios que contenham certos ingredientes ( 22 ). No acórdão Comissão/França (adjuvantes tecnológicos) também foi confirmado que os Estados‑Membros devem ter a genuína possibilidade de recorrer a um regime de autorização prévia. Essa possibilidade não deve ser esvaziada de conteúdo por condições que, na prática, impeçam o Estado‑Membro de confirmar a inexistência de um risco real para a saúde humana antes de autorizar a colocação de produtos no seu mercado ( 23 ). Creio que existiria uma elevada probabilidade de tal acontecer se um Estado‑Membro fosse obrigado a realizar uma análise completa, irrefutável e exaustiva de todas as informações científicas disponíveis para poder suspender a comercialização através de um regime de autorização prévia. Por último, gostaria de salientar que o regime descrito no presente processo não envolve uma proibição que não admite derrogações. Trata‑se de um regime de autorização prévia. Para utilizar uma metáfora, o Estado‑Membro não pressiona o botão «parar», mas apenas o botão «pausa». As exigências em termos de avaliação dos riscos e de justificação deveriam logicamente ser menores no segundo caso. Todos estes fatores fazem pender a balança a favor de uma abordagem mais moderada do ónus da prova.

    72.

    É possível chegar a uma conclusão semelhante com base no acórdão Rubinum ( 24 ), que, no meu entender, perfilha implicitamente uma abordagem muito mais moderada do ónus da prova no contexto do artigo 6.o do Regulamento n.o 178/2002. Esse processo dizia respeito a um pedido de anulação de um regulamento da Comissão ( 25 ), que suspendeu as autorizações concedidas a um determinado aditivo de alimentos para animais sob a forma de um micro‑organismo. A suspensão foi adotada porque o mapeamento do genoma do referido aditivo tinha revelado genes que conferiam resistência a certos antibióticos e que eram potencialmente transmissíveis para os animais ou para os seres humanos. Por esse motivo, considerou‑se que o aditivo não era seguro.

    73.

    Ao confirmar o regulamento da Comissão objeto de impugnação, o Tribunal Geral rejeitou o argumento da demandante de que aquela não tinha realizado uma avaliação completa dos riscos. Sustentou que tinha sido demonstrada a existência de um risco não hipotético e que a demandante não tinha apresentado provas ou argumentos concretos de que uma avaliação (exaustiva) dos riscos teria permitido concluir que as vantagens dos produtos suplantavam as preocupações da Comissão ( 26 ).

    74.

    Por outras palavras, no processo Rubinum foi identificado um risco na sequência de uma avaliação realizada pela autoridade pública (naquele caso, a Comissão) com base nas informações ao seu dispor. O operador privado poderia ter apresentado provas adicionais para refutar essa conclusão, mas não o fez. Considero que, neste contexto, é perfeitamente natural partilhar o ónus da prova deste modo: cada parte é convidada a provar os factos por si alegados.

    75.

    Acresce que o modelo da «presunção de liberalização» é passível de várias objeções de ordem pragmática. Antes de mais, não é óbvio que a autoridade pública esteja sempre mais bem colocada para reunir todas as provas científicas necessárias para realizar uma avaliação exaustiva dos riscos ( 27 ). Além disso, pelo menos em alguns casos, afigura‑se lógico que se exija à entidade com interesse económico na comercialização do produto em causa (por oposição à sociedade civil) que contribua para a recolha de informações ( 28 ).

    76.

    Por último, a aplicação do modelo da «presunção de liberalização» neste domínio seria, na melhor das hipóteses, difícil de conciliar com a abordagem adotada noutros domínios paralelos e, na pior das hipóteses, contrariaria claramente essa abordagem. O exemplo mais flagrante é o Regulamento Novos Alimentos ( 29 ). Este regulamento adotou basicamente o modelo da «presunção de proibição» relativamente a todos os alimentos que não fossem de consumo generalizado na UE antes de 1997. A ideia de que, naquela data específica, a UE abandonou totalmente o modelo da «presunção de liberalização» a favor do modelo da «presunção de proibição» afigura‑se algo arbitrária. Tanto a jurisprudência como o senso comum apoiam a adoção de uma abordagem mais moderada relativamente ao período anterior a 1997 ( 30 ).

    b) Modelo da «presunção de proibição»

    77.

    O modelo da «presunção de proibição» também me suscita sérias dúvidas. Farei apenas duas observações sobre esta questão.

    78.

    Em primeiro lugar, em alguns domínios específicos já é aplicado algo semelhante ao modelo da «presunção de proibição». No que respeita aos suplementos alimentares, a Diretiva 2002/46 estabelece uma abordagem baseada em listas positivas. Não podem ser utilizados em suplementos alimentares as vitaminas e minerais que não constem dessas listas. Uma vez que o legislador da UE optou explicitamente por uma abordagem baseada em listas positivas em relação a essas substâncias, adotando legislação derivada nesse sentido, na falta de tal legislação afigura‑se não existir justificação para alargar a abordagem da presunção de proibição a outras substâncias ( 31 ).

    79.

    Em segundo lugar, no contexto das disposições sobre livre circulação, o acórdão Comissão/França (adjuvantes tecnológicos) discutido supra confirma que a proibição geral da utilização de determinadas substâncias nos alimentos, sujeita a uma possível autorização, é problemática. É necessário que existam alguns indícios de risco em relação a cada substância ou, pelo menos, em relação a cada categoria de substâncias em que a mesma se insere.

    80.

    No entanto, o referido acórdão não analisou aprofundadamente a questão da partilha ou da transferência do ónus da prova entre a autoridade pública e o operador privado. Tão‑pouco foram discutidos os factos que a autoridade pública teria de apurar para poder suspender a utilização ou a comercialização de uma substância pertinente até à obtenção de mais dados. O acórdão Rubinum discutido supra aponta para uma abordagem mais moderada.

    c) O compromisso: partilha do ónus da prova

    81.

    À luz do exposto, considero que existem argumentos de peso contra as duas abordagens extremistas: o modelo da «presunção de liberalização» e o modelo da «presunção de proibição». O que constituiria então um compromisso aceitável?

    82.

    Esse compromisso deveria ter em conta a necessidade de os Estados‑Membros justificarem, relativamente a cada substância, a imposição de um regime de autorização prévia. Deveria igualmente atender às limitações práticas a que está sujeita a capacidade de um Estado‑Membro para realizar previamente avaliações completas e exaustivas dos riscos para todas as substâncias pertinentes. Em termos mais gerais, também considero que é necessária uma abordagem mais moderada porque o Regulamento n.o 178/2002 reconhece que a legislação alimentar geralmente se deve basear em dados científicos. Não exige simplesmente que as restrições adotadas no domínio da legislação alimentar se baseiem em dados científicos.

    83.

    Concretamente, antes de impor um regime de autorização prévia em relação a uma dada substância, o Estado‑Membro deve, em princípio, demonstrar, especificamente em relação a essa substância, que existe um risco real para a saúde pública. No meu entender, os regimes de autorização prévia aplicáveis a categorias de substâncias não estão necessariamente excluídos. Porém, o Estado‑Membro teria de justificar claramente essa abordagem, alegando, por exemplo, a existência de semelhanças estruturais entre as substâncias pertencentes à categoria em causa.

    84.

    O que se exige aqui é a existência de indícios sólidos e convincentes, não uma análise exaustiva de todas as informações científicas disponíveis (contrariamente ao que acontece no modelo da presunção de liberalização). A existência de indícios justifica a exigência de autorização prévia. A exigência de autorização prévia pode então servir como um quadro processual para reunir as informações necessárias para realizar uma avaliação mais completa. Embora a responsabilidade pela realização dessa avaliação dos riscos recaia, em última análise, sobre o Estado‑Membro, este deve poder contar com o apoio dos operadores privados na recolha dos dados necessários a tal avaliação ( 32 ).

    85.

    Desta perspetiva, poder‑se‑ia dizer que o ónus da prova é partilhado. Pelos motivos já expostos nas secções anteriores, essa partilha afigura‑se lógica no contexto de casos semelhantes: essencialmente, cada uma das partes é convidada a provar os factos por si alegados. Primeiro, o Estado‑Membro deve provar, com base em informações científicas sólidas, que existem motivos credíveis para dúvidas. Depois, em caso de contestação e impugnação dessa avaliação, compete à parte que refuta os dados científicos invocados ou demonstrados pelo Estado‑Membro fornecer provas em contrário. Por último, as provas recolhidas estarão sujeitas à livre apreciação da autoridade competente.

    86.

    Em conformidade com a jurisprudência existente sobre o artigo 34.o TFUE, uma proibição da comercialização «apenas pode ser adotada quando o alegado risco real para a saúde pública estiver suficientemente demonstrado com base nos dados científicos mais recentes que estejam disponíveis» ( 33 ). Quando os dados científicos não sejam conclusivos, «mas persista a probabilidade de um prejuízo real para a saúde pública», o princípio da precaução, tal como enunciado no artigo 7.o do Regulamento n.o 178/2002, poderá justificar a adoção de medidas restritivas ( 34 ).

    87.

    Considero que a abordagem acima descrita é consentânea com o acórdão mais relevante no domínio da livre circulação de mercadorias, ou seja, o acórdão Comissão/França (adjuvantes tecnológicos). Mais uma vez, esse acórdão reconhece que os Estados‑Membros podem, em princípio, estabelecer regimes de autorização prévia, mas rejeita firmemente os regimes de autorização prévia indiscriminados e arbitrários. Nessa conformidade, exige que os Estados‑Membros justifiquem, para cada substância, a necessidade de autorização prévia. No entanto, essa exigência não corresponde à imposição da obrigação de realizar previamente uma avaliação exaustiva dos riscos, antes definindo um quadro processual para a recolha de informações, sendo que, em última análise, o ónus de realizar a avaliação e de provar a existência de um risco recai totalmente sobre os Estados‑Membros.

    6. Condições processuais

    88.

    Como já foi mencionado no contexto do acórdão Comissão/França (adjuvantes tecnológicos), além das condições substantivas acima descritas, os procedimentos de autorização prévia devem também respeitar certas condições processuais. Assim, os procedimentos de autorização prévia devem ser acessíveis e transparentes, devem estar concluídos dentro de um prazo razoável e devem estar sujeitos a controlo jurisdicional.

    89.

    Considero que estas condições podem ser transpostas para o contexto dos artigos 6.o e 7.o do Regulamento n.o 178/2002.

    7. Aplicação ao presente processo

    90.

    Em última análise, a aplicação das condições substantivas e processuais decorrentes dos artigos 6.o e 7.o do Regulamento n.o 178/2002, acima descritas, ao regime de autorização excecional em causa no presente processo compete ao órgão jurisdicional nacional. Porém, à luz das questões expressamente colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio e tendo em conta as informações factuais fornecidas, creio que um regime de autorização excecional como o que é descrito no pedido de decisão prejudicial suscita uma série de dúvidas quanto à sua compatibilidade com as referidas disposições.

    91.

    No que respeita às condições substantivas, o regime em causa afigura‑se claramente indiscriminado. Sujeita a autorização prévia os aditivos alimentares e as substâncias equiparáveis a aditivos alimentares, incluindo os aminoácidos. No entanto, sem prejuízo da matéria de facto que o órgão jurisdicional nacional venha a apurar, não creio que tenha sido demonstrada a existência de um risco aparente para a saúde humana em relação a esses aminoácidos que justifique uma abordagem indiscriminada.

    92.

    Além disso, na Alemanha a avaliação dos alimentos que contêm um aminoácido específico é realizada caso a caso e resulta em decisões individuais. Nos casos em que tenha sido demonstrada a existência de um risco aparente, mas em que um exame mais aprofundado de um ou mais processos individuais contrarie a conclusão inicial sobre o aminoácido em questão, não se compreende a lógica subjacente à manutenção da presunção de risco e da exigência de autorização prévia para esse aminoácido. Mais uma vez, estas são questões cuja apreciação compete ao órgão jurisdicional nacional. Na sua apreciação, o órgão jurisdicional nacional poderá também ter em conta o facto de, nos termos do § 54 do LBGF, as derrogações de aplicação geral serem consideradas potencialmente adequadas para as mercadorias importadas. Importa então perguntar por que motivo, nos termos do § 68, as derrogações de aplicação geral não são consideradas adequadas, mas são‑no, potencialmente para as mesmas substâncias, nos termos do § 54.

    93.

    Quanto às condições processuais, há dois aspetos que considero particularmente problemáticos.

    94.

    Em primeiro lugar, não é claro se o procedimento de derrogação decorre dentro de um prazo razoável. Segundo o pedido de decisão prejudicial, entre a apresentação do pedido da Queisser e a decisão inicial da autoridade nacional competente decorreram mais de seis anos. À primeira vista, dir‑se‑ia que este prazo é per se excessivo. Este entendimento encontra apoio no procedimento previsto no § 54 do LBGF, nos termos do qual, se não for proferida uma decisão no prazo de 90 dias, esse atraso deve ser justificado. Também aqui compete ao órgão jurisdicional nacional decidir sobre a razoabilidade da inexistência de um prazo para adotar uma decisão ao abrigo do § 68 do LBGF, em geral, e sobre a razoabilidade do tempo decorrido no caso da Queisser, em especial.

    95.

    Em segundo lugar, nos termos do § 68, n.o 5, do LBGF, as autorizações são concedidas por um período de tempo determinado (três anos) e só podem ser renovadas três vezes. Os elementos constantes dos autos não esclarecem o que acontece no termo desse prazo. Se a resposta for a de que é tomada uma decisão definitiva no sentido de autorizar ou de proibir ( 35 ), não considero que a natureza temporária da autorização suscite, ela própria, problemas de compatibilidade com os artigos 6.o e 7.o do Regulamento n.o 178/2002 e com as condições processuais decorrentes dessas disposições no contexto de um regime de autorização prévia. Contudo, na perspetiva das condições substantivas impostas por essas disposições, a natureza temporária das autorizações tem de ser justificada. Nesse contexto, a partir do momento em que seja inequivocamente demonstrada a inexistência de riscos, o recurso a autorizações temporárias deveria, em princípio, estar excluído ( 36 ).

    96.

    Por último, no que respeita à condição do controlo jurisdicional, deve ser atribuído às autoridades nacionais competentes um amplo poder de apreciação num domínio como o que está em causa no presente processo, em que aquelas são chamadas a efetuar apreciações complexas. Consequentemente, só o caráter manifestamente inadequado de uma medida adotada nesse domínio em relação ao objetivo que as instituições competentes pretendem prosseguir pode afetar a legalidade de tal medida ( 37 ). Por conseguinte, o facto de ser deixada uma certa margem de apreciação à autoridade nacional competente não suscita per se questões de compatibilidade com o Regulamento n.o 178/2002.

    97.

    À luz do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda à segunda questão do órgão jurisdicional nacional nos seguintes termos: Os artigos 14.o, 53.o e 55.o do Regulamento n.o 178/2002 não se opõem a um regime de derrogação como o que é descrito no pedido de decisão prejudicial. Os artigos 6.o e 7.o do Regulamento n.o 178/2002 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime nacional que proíbe o fabrico, o tratamento e a colocação no mercado de um suplemento alimentar que contém aminoácidos, a menos que tenha sido concedida uma autorização excecional temporária, que é deixada ao critério das autoridades nacionais, caso estejam cumpridos determinados pressupostos de facto, na medida em que essas restrições sejam aplicáveis a ingredientes ou a categorias de ingredientes relativamente aos quais o Estado‑Membro não tenha demonstrado a existência de um risco aparente. Se o referido regime nacional for justificado com base num risco aparente, os artigos 6.o e 7.o do Regulamento n.o 178/2002 exigem que o procedimento destinado a obter uma derrogação à proibição geral seja acessível, transparente e concluído num prazo razoável, e que as decisões dele resultantes estejam sujeitas a controlo jurisdicional.

    D – Artigos 34.o a 36.o TFUE

    98.

    A Queisser tem sede na Alemanha e fabrica o produto Doppelherz na Alemanha para o mercado alemão. Consequentemente, o pedido de decisão prejudicial diz respeito a uma situação puramente interna, sem qualquer relação com a importação de mercadorias no contexto do comércio intracomunitário ( 38 ). Recordo ainda que o LBGF contém uma disposição específica (o § 54) relativa à importação de outros Estados‑Membros da UE.

    99.

    Assim sendo, o artigo 34.o TFUE não se aplica no caso vertente. O facto de o artigo 14.o do Regulamento n.o 178/2002 referir expressamente o artigo 34.o TFUE não altera essa conclusão. Não existindo qualquer elemento transfronteiriço, o artigo 34.o TFUE em nada contribui para a análise.

    100.

    Tal como observou o Governo alemão, o LBGF não contém qualquer disposição que vise especificamente colocar as exportações em desvantagem em relação ao comércio interno ( 39 ). Consequentemente, o artigo 35.o TFUE também não se aplica no presente caso.

    101.

    À luz do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão do órgão jurisdicional nacional no sentido de que os artigos 34.o, 35.o e 36.o TFUE, lidos em conjugação com o artigo 14.o do Regulamento n.o 178/2002, não se opõem a um regime de derrogação como o que é descrito no pedido de decisão prejudicial.

    V – Conclusão

    102.

    Proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões que lhe foram submetidas pelo Vervaltungsgericht Braunschweig nos seguintes termos:

    Questão 1

    Os artigos 34.o, 35.o e 36.o TFUE, lidos em conjugação com o artigo 14.o do Regulamento n.o 178/2002, não se opõem a um regime nacional que proíbe o fabrico, o tratamento e a colocação no mercado de um suplemento alimentar que contém aminoácidos, a menos que tenha sido concedida uma derrogação temporária, que é deixada ao critério das autoridades nacionais, caso estejam cumpridos determinados pressupostos de facto.

    Questão 2

    Os artigos 14.o, 53.o e 55.o do Regulamento n.o 178/2002 não se opõem a um regime de autorização excecional como o que é descrito no pedido de decisão prejudicial. Os artigos 6.o e 7.o do Regulamento n.o 178/2002 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime nacional que proíbe o fabrico, o tratamento e a colocação no mercado de um suplemento alimentar que contém aminoácidos, a menos que tenha sido concedida uma derrogação temporária, que é deixada ao critério das autoridades nacionais, caso estejam cumpridos determinados pressupostos de facto, na medida em que essas restrições sejam aplicáveis a ingredientes ou a categorias de ingredientes relativamente aos quais o Estado‑Membro não tenha demonstrado a existência de um risco aparente. Se o referido regime nacional for justificado com base num risco aparente, os artigos 6.o e 7.o do Regulamento n.o 178/2002 exigem que o procedimento destinado a obter uma derrogação à proibição geral seja acessível, transparente e concluído num prazo razoável, e que as decisões dele resultantes estejam sujeitas a controlo jurisdicional.

    Questão 3

    O artigo 8.o do Regulamento n.o 1925/2006 não se opõe a um regime nacional que proíbe o fabrico, o tratamento e a colocação no mercado de um suplemento alimentar que contém aminoácidos, a menos que tenha sido concedida uma derrogação temporária, que é deixada ao critério das autoridades nacionais.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO L 31, p. 1).

    ( 3 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativo à adição de vitaminas, minerais e determinadas outras substâncias aos alimentos (JO L 404, p. 26).

    ( 4 ) Regulamento de execução (UE) n.o 307/2012 da Comissão, de 11 de abril de 2012, que estabelece as regras de execução do artigo 8.o do Regulamento (CE) n.o 1925/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à adição de vitaminas, minerais e determinadas outras substâncias aos alimentos (JO L 102, p. 2).

    ( 5 ) De 3 de junho de 2013 (BGBl. I, p. 1426), com a última redação que lhe foi dada pela Lei de 5 de dezembro de 2014 (BGBl. I, p. 1975).

    ( 6 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativo aos aditivos alimentares (JO L 354, p. 16).

    ( 7 ) Acresce que, no meu entender, no presente caso, o regime derrogação não está abrangido pelo Regulamento (CE) n.o 1333/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativo aos aditivos alimentares (JO L 354, p. 16) nem pela Diretiva 2002/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de junho de 2002, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos suplementos alimentares (JO L 183, p. 51). Nos termos do artigo 3.o, n.o 2, alínea a), subalínea ix), o Regulamento n.o 1333/2008 não se aplica aos aminoácidos que não tenham função tecnológica. O artigo 11.o, n.o 2, da Diretiva 2002/46/CE dispõe que, na falta de atos de execução relativos a «outras substâncias» (que incluem os aminoácidos), podem ser aplicadas disposições nacionais, sem prejuízo do disposto no Tratado CE. Esses atos pertinentes nunca foram adotados. Consequentemente, nenhum dos instrumentos jurídicos é aplicável ao presente caso.

    ( 8 ) Essencialmente, sempre que seja criado um potencial risco, em especial devido à ingestão de quantidades anormalmente elevadas da «outra substância».

    ( 9 ) Independentemente da adoção do Regulamento n.o 178/2002, já existia jurisprudência assente no sentido de que as restrições à livre circulação de alimentos ou de ingredientes alimentares fundadas em razões de saúde pública relacionadas com a sua composição só poderiam ser consideradas proporcionadas se tivessem por base uma análise dos dados científicos pertinentes (v., por exemplo, acórdãos de 5 de fevereiro de 2004, Greenham e Abel (C‑95/01, EU:C:2004:71, n.o 39 e segs.); e de 23 de setembro de 2003, Comissão/Dinamarca (C‑192/01, EU:C:2003:492, n.o 40 e segs.).

    ( 10 ) Esta ideia também está no cerne do artigo 7.o do Regulamento n.o 178/2002. Em caso de incertezas de natureza científica, podem ser adotadas medidas de gestão dos riscos, mas trata‑se de uma solução temporária, que vigorará apenas enquanto se aguardam outras provas científicas.

    ( 11 ) Acórdão de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França (C‑333/08, EU:C:2010:44).

    ( 12 ) Acórdão de 9 de setembro de 2011, França/Comissão (T‑257/07, EU:T:2011:444) [este acórdão analisa a compatibilidade da flexibilização de medidas restritivas adotadas para combater as encefalopatias espongiformes com o princípio da precaução; confirmado em sede recurso pelo acórdão de 11 de julho de 2013, França/Comissão (C‑601/11 P, EU:C:2013:465)]; acórdão de 21 de maio de 2015, Rubinum/Comissão (T‑201/13, EU:T:2015:311) (analisado mais adiante, a partir do n.o 72 das presentes conclusões, este acórdão tem por objeto a compatibilidade de um regulamento de execução da Comissão com o artigo 6.o). O acórdão de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França (C‑333/08, EU:C:2010:44), que é analisado adiante, menciona o artigo 6.o, mas está em causa uma ação por incumprimento baseada puramente no que é atualmente o artigo 34.o TFUE.

    ( 13 ) V., por exemplo, acórdãos de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França (C‑333/08, EU:C:2010:44); de 5 de fevereiro de 2004, Greenham e Abel (C‑95/01, EU:C:2004:71); de 2 de dezembro de 2004, Comissão/Países Baixos (C‑41/02, EU:C:2004:762); de 23 de setembro de 2003, Comissão/Dinamarca (C‑192/01, EU:C:2003:492); e de 14 de julho de 1983, Sandoz (174/82, EU:C:1983:213).

    ( 14 ) Acórdão de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França (C‑333/08, EU:C:2010:44). Os adjuvantes tecnológicos são utilizados para facilitar de várias formas o processo de fabrico de géneros alimentícios (por exemplo, como catalisadores ou agentes purificadores).

    ( 15 ) O acórdão faz referência ao Regulamento n.o 178/2002, mas a Comissão não invoca a violação desse regulamento como fundamento do incumprimento.

    ( 16 ) Acórdão de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França (C‑333/08, EU:C:2010:44, n.o 80). V. também acórdãos de 23 de setembro de 2003, Comissão/Dinamarca (C‑192/01, EU:C:2003:492, n.o 44); e de 5 de março de 2009, Comissão/Espanha (C‑88/07, EU:C:2009:123, n.o 87).

    ( 17 ) Desenvolvendo a jurisprudência constante que remonta ao acórdão de 14 de julho de 1983, Sandoz (174/82, EU:C:1983:213).

    ( 18 ) Acórdão de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França (C‑333/08, EU:C:2010:44, n.o 95).

    ( 19 ) Acórdão de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França (C‑333/08, EU:C:2010:44, n.o 100).

    ( 20 ) Acórdão de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França (C‑333/08, EU:C:2010:44, n.o 103).

    ( 21 ) V. também, no que respeita à necessidade de adotar uma abordagem mais casuística, acórdão de 5 de março de 2009, Comissão/Espanha (C‑88/07, EU:C:2009:123, n.os 92 e 93).

    ( 22 ) V., por exemplo, acórdão de 14 de julho de 1983, Sandoz (174/82, EU:C:1983:213, n.o 23).

    ( 23 ) Acórdão de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França (C‑333/08, EU:C:2010:44, n.os 108 e 109).

    ( 24 ) Acórdão de 21 de maio de 2015, Rubinum/Comissão (T‑201/13, EU:T:2015:311).

    ( 25 ) Embora este processo respeite à impugnação de uma medida da UE, e não de uma medida nacional, a alegada violação também tem por objeto o artigo 6.o do Regulamento n.o 178/2002. Não há motivo para dar uma interpretação diferente a essa disposição naqueles dois tipos de situação: o facto de a medida impugnada ter sido adotada por uma instituição da UE ou por um Estado‑Membro não deve ter qualquer relevância. Ambos são obrigados a aplicar o artigo 6.o e devem fazê‑lo do mesmo modo.

    ( 26 ) Acórdão de 21 de maio de 2015, Rubinum/Comissão (T‑201/13, EU:T:2015:311, n.os 90 e 91).

    ( 27 ) Em termos de recursos (financeiros e humanos), conhecimento dos produtos em causa e acesso às informações científicas/dados pertinentes.

    ( 28 ) V., por exemplo, Szajkowska A., «The Impact of the Defintion of the Precautionary Principle in EU Food Law», CMLRev 2010, pp. 173 a 196, a p. 192.

    ( 29 ) Regulamento (CE) n.o 258/97 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de janeiro de 1997, relativo a novos alimentos e ingredientes alimentares (JO L 43, p. 1), que será revogado e substituído pelo Regulamento (UE) 2015/2283 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativo a novos alimentos, que altera o Regulamento (UE) n.o 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga o Regulamento (CE) n.o 258/97 do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 1852/2001 da Comissão (JO L 327, p. 1).

    ( 30 ) Existem obviamente excelentes motivos para não questionar de ânimo leve a segurança de ingredientes alimentares que fazem parte da dieta humana há milhares de anos. Porém, também é verdade que muitos dos ingredientes alimentares visados são relativamente recentes e simplesmente não existem na natureza sob a forma ou no nível de concentração em que são colocados no mercado. É pouco provável que uma abordagem extremista à interpretação de um ato legislativo que se destina a ser aplicado em circunstâncias factuais tão diferentes produza bons resultados.

    ( 31 ) A intenção do legislador da UE era criar também listas positivas em relação a outras substâncias, incluindo os aminoácidos, mas ainda não o fez.

    ( 32 ) V. supra acórdão de 14 de julho de 1983, Sandoz (174/82, EU:C:1983:213).

    ( 33 ) Acórdão de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França (C‑333/08, EU:C:2010:44, n.o 89).

    ( 34 ) Acórdão de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França (C‑333/08, EU:C:2010:44, n.o 93).

    ( 35 ) Se o único resultado possível for uma decisão de proibição, existirá, em princípio, uma violação das condições substantivas aplicáveis ao regime de autorização prévia, uma vez que essa decisão será independente da avaliação dos riscos.

    ( 36 ) Além disso, o facto de as restrições temporárias só serem admissíveis quando persistam incertezas quanto aos riscos encontra claramente apoio no texto do artigo 7.o do Regulamento n.o 178/2002.

    ( 37 ) V., nesse sentido, acórdão de 12 de julho de 2005, Alliance for Natural Health e o. (C‑154/04 e C‑155/04, EU:C:2005:449, n.o 52).

    ( 38 ) V., por exemplo, acórdão de 5 de dezembro de 2000, Guimont (C‑448/98, EU:C:2000:663, n.o 21).

    ( 39 ) Acórdãos de 8 de novembro de 1979, Groenveld (15/79, EU:C:1979:253, n.o 7); e de 16 de dezembro de 2008, Gysbrechts e Santurel Inter (C‑205/07, EU:C:2008:730, n.o 40).

    Início