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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62014CJ0425

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Décima Secção) de 22 de outubro de 2015.
    Impresa Edilux Srl e Società Italiana Costruzioni e Forniture Srl (SICEF) contra Assessorato Beni Culturali e Identità Siciliana - Servizio Soprintendenza Provincia di Trapani e o.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Consiglio di Giustizia amministrativa per la Regione siciliana.
    Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Diretiva 2004/18/CE — Motivos de exclusão da participação num concurso público — Contrato que não atinge o limiar de aplicação desta diretiva — Regras fundamentais do Tratado FUE — Declaração de aceitação de um protocolo de legalidade relativo à luta contra as atividades criminosas — Exclusão por não apresentação dessa declaração — Admissibilidade — Proporcionalidade.
    Processo C-425/14.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2015:721

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

    22 de outubro de 2015 ( * )

    «Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Diretiva 2004/18/CE — Motivos de exclusão da participação num concurso público — Contrato que não atinge o limiar de aplicação desta diretiva — Regras fundamentais do Tratado FUE — Declaração de aceitação de um protocolo de legalidade relativo à luta contra as atividades criminosas — Exclusão por não apresentação dessa declaração — Admissibilidade — Proporcionalidade»

    No processo C‑425/14,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Giustizia amministrativa per la Regione Siciliana (Itália), por decisão de 9 de julho de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de setembro de 2014, no processo

    Impresa Edilux Srl, na qualidade de representante de uma associação temporária de empresas,

    Società Italiana Costruzioni e Forniture Srl (SICEF)

    contra

    Assessorato Beni Culturali e Identità Siciliana — Servizio Soprintendenza Provincia di Trapani,

    Assessorato ai Beni Culturali e dell’Identità Siciliana,

    UREGA — Sezione provinciale di Trapani,

    Assessorato delle Infrastrutture e della Mobilità della Regione Siciliana,

    estando presente:

    Icogen Srl,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

    composto por: D. Šváby, presidente da Oitava Secção, exercendo funções de presidente da Décima Secção, E. Juhász e C. Vajda (relator), juízes,

    advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Impresa Edilux Srl, na qualidade de representante de uma associação temporária de empresas, e da Società Italiana Costruzioni e Forniture Srl (SICEF), por F. Lattanzi e S. Iacuzzo, avvocati,

    em representação da Icogen Srl, por C. Giurdanella, avvocato,

    em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Varone, avvocato dello Stato,

    em representação da Comissão Europeia, por D. Recchia e A. Tokár, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 45.o da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114), conforme alterada pelo Regulamento (UE) n.o 1251/2011 da Comissão, de 30 de novembro de 2011 (JO L 319, p. 43, a seguir «Diretiva 2004/18»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Impresa Edilux Srl (a seguir «Edilux»), na qualidade de representante da associação temporária de empresas constituída por si e pela Società Italiana Costruzioni e Forniture Srl (SICEF), e esta última ao Assessorato Beni Culturali e Identità Siciliana — Servizio Soprintendenza Provincia di Trapani (Direção‑Geral do Património Cultural e da Identidade Siciliana, Comité da província de Trapani), ao Assessorato ai Beni Culturali e dell’Identità Siciliana (Direção do Património Cultural e da Identidade Siciliana), à UREGA — Sezione provinciale di Trapani (UREGA, Secção da província de Trapani) e ao Assessorato delle Infrastrutture e della Mobilità della Regione Siciliana (Direção das Infraestruturas e Mobilidade da Região da Sicília) (a seguir, em conjunto, «entidade adjudicante em causa no processo principal») a propósito da exclusão, por parte desta última, da participação da Edilux e da SICEF num processo de adjudicação de contrato público por não terem apresentado, com a sua proposta, uma declaração de aceitação das cláusulas constantes de um protocolo de legalidade.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    O artigo 2.o da Diretiva 2004/18 dispõe:

    «As entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e agem de forma transparente.»

    4

    Nos termos do artigo 7.o, alínea c), da referida diretiva, esta é aplicável aos contratos públicos de empreitada cujo valor estimado, sem imposto sobre o valor acrescentado, seja igual ou superior a 5000000 euros.

    5

    O artigo 45.o, n.os 1 e 2, desta diretiva, com a epígrafe «Situação pessoal do candidato ou do proponente», prevê:

    «1.   Fica excluído de participar num procedimento de contratação pública o candidato ou proponente que tenha sido condenado por decisão final transitada em julgado de que a entidade adjudicante tenha conhecimento, com fundamento num ou mais dos motivos a seguir enunciados:

    a)

    Participação numa organização criminosa [...]

    b)

    corrupção, [...]

    c)

    fraude [...]

    d)

    Branqueamento de capitais, [...]

    Em conformidade com a respetiva legislação nacional e na observância do direito comunitário, os Estados‑Membros especificarão as condições de aplicação do presente número.

    Os Estados‑Membros poderão prever uma derrogação à obrigação referida no primeiro parágrafo por razões imperativas de interesse geral.

    [...]

    2.   Pode ser excluído do procedimento de contratação[, qualquer operador económico que]:

    a)

    Se encontre em situação de falência, de liquidação, ou de cessação de atividade, ou se encontre sujeito a qualquer meio preventivo da liquidação de patrimónios ou em qualquer situação análoga resultante de um processo da mesma natureza nos termos da legislação e regulamentação nacionais;

    b)

    Tenha pendente processo de declaração de falência, de liquidação, de aplicação de qualquer meio preventivo da liquidação de património ou qualquer outro processo da mesma natureza nos termos da legislação e regulamentação nacionais;

    c)

    Tenha sido condenado por sentença com força de caso julgado nos termos da lei do país, por delito que afete a sua honorabilidade profissional;

    d)

    Tenha cometido falta grave em matéria profissional, comprovada por qualquer meio que as entidades adjudicantes possam evocar;

    e)

    Não tenha cumprido as suas obrigações no que respeita ao pagamento de contribuições para a segurança social, de acordo com as disposições legais do país onde se encontra estabelecido ou do país da entidade adjudicante;

    f)

    Não tenha cumprido as suas obrigações relativamente ao pagamento de impostos e contribuições, de acordo com as disposições legais do país onde se encontra estabelecido ou do país da entidade adjudicante;

    g)

    Tenha prestado, com culpa grave, falsas declarações ao fornecer as informações que possam ser exigidas nos termos da presente secção ou não tenha prestado essas informações.

    Em conformidade com a sua legislação nacional e na observância do direito comunitário, os Estados‑Membros especificarão as condições de aplicação do presente número.»

    Direito italiano

    6

    O artigo 46.o, n.o 1‑A, do Decreto Legislativo n.o 163, relativo à aprovação de um Código dos contratos públicos de empreitadas de obras, de serviços e de fornecimentos em aplicação das Diretivas 2004/17/CE e 2004/18/CE (decreto legislativo n.o 163 — Codice dei contratti pubblici relativi a lavori, servizi e forniture in attuazione delle direttive 2004/17/CE e 2004/18/CE), de 12 de abril de 2006 (suplemento ordinário do GURI n.o 100, de 2 maio de 2006), dispõe:

    «A entidade adjudicante excluirá os candidatos ou concorrentes em caso de incumprimento do disposto no presente código, no regulamento e noutras disposições legislativas em vigor, bem como em caso de incerteza absoluta sobre o conteúdo ou a proveniência da proposta, por falta de assinatura ou de outros elementos essenciais, ou em caso de adulteração do invólucro que contém a proposta ou o pedido de participação, ou de outras irregularidades relativas ao fecho dos invólucros que levem a considerar que o princípio do sigilo das propostas foi violado; os anúncios e convites não podem conter condições adicionais cujo desrespeito seja motivo de exclusão. Tais condições são nulas, em quaisquer circunstâncias.»

    7

    Nos termos do artigo 1.o, n.o 17, da Lei n.o 190, que adota disposições relativas à prevenção e repressão da corrupção e da ilegalidade na Administração Pública (legge n.o 190, disposizioni per la prevenzione e la repressione della corruzione e dell’illegalità nella pubblica amministrazione), de 6 de novembro de 2012 (GURI n.o 265, de 13 de novembro de 2012, a seguir «Lei n.o 190/2012»):

    «As entidades adjudicantes podem prever nos avisos, nos anúncios de concurso ou nos convites que a inobservância das cláusulas constantes dos protocolos de legalidade ou dos compromissos de honra constitui causa de exclusão do concurso.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    8

    A Edilux e a SICEF são, respetivamente, a dirigente mandatária e a mandante de uma associação temporária de empresas. Em 20 de maio de 2013, a entidade adjudicante em causa no processo principal adjudicou‑lhes um contrato público de empreitada num valor estimado em 2271735 euros cujo objeto era o restauro de templos gregos na Sicília.

    9

    Na sequência de uma reclamação da Icogen Srl, sociedade classificada em segundo lugar no fim do processo de adjudicação, a entidade adjudicante em causa no processo principal anulou, em 18 de junho de 2013, a decisão de adjudicação do contrato em causa à Edilux e à SICEF e adjudicou definitivamente este contrato à Icogen Srl.

    10

    A entidade adjudicante em causa no processo principal baseou a referida anulação e, portanto, a exclusão da Edilux e da SICEF do processo de concurso público na falta de apresentação, com a proposta, da declaração de aceitação das cláusulas do protocolo de legalidade que tinha de ser entregue de acordo com o esquema constante do anexo 6 do caderno de encargos do referido contrato. Na rubrica «Advertência» deste caderno de encargos, referia‑se que esta declaração era um documento essencial que tinha de ser apresentado sob pena de exclusão.

    11

    A referida declaração, cuja cópia consta dos autos apresentados no Tribunal de Justiça, tem o seguinte teor:

    «[O participante no concurso público] compromete‑se expressamente, caso o concurso lhe seja adjudicado:

    a.

    a informar [...] a entidade adjudicante [...] a respeito da evolução dos trabalhos, do objeto, do montante e dos beneficiários dos contratos de subcontratação e derivados, [...] bem como a respeito das modalidades de seleção dos contratantes [...];

    b.

    a comunicar à entidade adjudicante qualquer tentativa de perturbação, irregularidade ou distorção identificada durante o processo de concurso e/ou durante a execução do contrato por qualquer interessado, agente ou pessoa que possa influenciar as decisões relativas à adjudicação em causa;

    c.

    a cooperar com as forças de autoridade, denunciando qualquer tentativa de extorsão, intimidação ou influência de natureza criminosa [...];

    d.

    a incluir as mesmas cláusulas nos contratos de subcontratação [...] estando consciente de que, caso contrário, não serão concedidas as eventuais autorizações;

    Declara expressa e solenemente

    e.

    que não tem uma relação de controlo ou de associação (de direito e/ou de facto) com outros concorrentes e que não celebrou nem virá a celebrar um acordo com outros participantes no processo de concurso público;

    f.

    que não subcontratará nenhum tipo de tarefas a outras empresas que participam no processo de concurso [...] e que está consciente de que, caso contrário, esses contratos de subcontratação não serão autorizados;

    g.

    que a proposta se caracteriza pela sua seriedade, integridade, independência e confidencialidade e que se compromete a respeitar os princípios da lealdade, da transparência e da integridade; e que não celebrou nem virá a celebrar com outros participantes no processo de concurso público nenhum acordo que vise restringir ou evitar a concorrência;

    h.

    que, em caso de adjudicação do contrato, se compromete a comunicar à entidade adjudicante qualquer tentativa de perturbação, irregularidade ou distorção identificada durante o processo de concurso público e/ou durante a execução do contrato por qualquer interessado, agente ou pessoa que possa influenciar as decisões relativas à adjudicação em causa;

    i.

    que se compromete a cooperar com as forças de autoridade, denunciando qualquer tentativa de extorsão, intimidação ou influência de natureza criminosa [...];

    j.

    que se compromete a incluir as mesmas cláusulas nos contratos de subcontratação [...] e que está consciente do facto de que, caso contrário, não serão concedidas as eventuais autorizações;

    k.

    [...] estar consciente do facto de que as declarações e obrigações acima referidas são requisitos da participação no concurso público, sendo que, se a entidade adjudicante reconhecer, durante o processo de adjudicação e com base em indícios graves, precisos e coerentes, a existência de uma associação de facto, a empresa será excluída.»

    12

    O Tribunale amministrativo regionale per la Sicilia (Tribunal Administrativo Regional da Sicília) julgou improcedente a ação intentada pela Edilux e pela SICEF contra a decisão da entidade adjudicante em causa no processo principal de 18 de junho de 2013, tendo estas interposto recurso no Consiglio di Giustizia amministrativa per la Regione Siciliana (Conselho de justiça administrativa para a Região da Sicília).

    13

    O órgão jurisdicional de reenvio explica que a introdução de protocolos de legalidade na ordem jurídica italiana visa prevenir e lutar contra o fenómeno nocivo das infiltrações da criminalidade organizada, sobretudo no setor dos concursos públicos, a qual está muito enraizada em certas regiões do Sul de Itália. Estes protocolos também são essenciais para a proteção dos princípios fundamentais da concorrência e da transparência, subjacentes à regulamentação italiana e da União Europeia em matéria de contratos públicos.

    14

    Segundo o referido órgão jurisdicional, o artigo 1.o, n.o 17, da Lei n.o 190/2012 implica que as entidades adjudicantes possam exigir, sob pena de exclusão, que a aceitação desses protocolos, necessária para efeitos de obrigatoriedade das suas cláusulas, seja prévia. Com efeito, se o desrespeito destas cláusulas só fosse passível de sanções na fase de execução do contrato, seria anulado o efeito expressamente prosseguido de maior antecipação possível do nível de proteção e de dissuasão. Tal cláusula de exclusão é, além disso, lícita ao abrigo do artigo 46.o, n.o 1‑A, do Decreto Legislativo n.o 163, que prevê a exclusão de um processo de concurso público com base nas disposições legais em vigor, de entre as quais a referida disposição da Lei n.o 190/2012.

    15

    O órgão jurisdicional de reenvio tem, no entanto, dúvidas quanto à compatibilidade dessa cláusula de exclusão com o direito da União. A este respeito, observa que o artigo 45.o da Diretiva 2004/18, que, nos seus n.os 1, primeiro parágrafo, e 2, primeiro parágrafo, prevê uma lista taxativa de causas de exclusão, não inclui nenhuma disposição semelhante. Esse órgão jurisdicional considera, em contrapartida, que o artigo 1.o, n.o 17, da Lei n.o 190/2012 é conforme com o artigo 45.o, n.o 1, terceiro parágrafo, desta diretiva, o qual, em seu entender, prevê uma derrogação ao caráter taxativo das causas de exclusão por exigências imperativas de interesse geral como as relacionadas com a ordem pública e a prevenção do crime.

    16

    O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, apesar de o valor do contrato de empreitada de obras públicas controvertido estar abaixo do limiar de aplicação pertinente da Diretiva 2004/18, são ainda assim aplicáveis os princípios do direito da União. Observa, a este respeito, que este concurso tem um interesse transfronteiriço certo uma vez que as disposições da regulamentação específica ao processo de concurso têm por objeto a participação de empresas que não estão estabelecidas em Itália.

    17

    Nestas circunstâncias, o Consiglio di Giustizia amministrativa per la Regione Siciliana decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Opõe‑se o direito da União[,] em particular o artigo 45.o da Diretiva [2004/18], a uma disposição, como o artigo 1.o, n.o 17, da Lei n.o [190/2012], que permite que as entidades adjudicantes prevejam, como causa legítima de exclusão das empresas participantes num concurso para a adjudicação de um contrato público, a não aceitação ou a falta de prova documental da aceitação, pelas referidas empresas, dos compromissos previstos nos denominados ‘protocolos de legalidade’ e, de modo mais geral, em acordos entre as entidades adjudicantes e as empresas participantes, destinados a combater a criminalidade organizada no setor da adjudicação de contratos públicos?

    2)

    Pode considerar‑se, na aceção do artigo 45.o da Diretiva [2004/18], que a eventual previsão, no ordenamento jurídico de um Estado‑Membro, da faculdade de exclusão descrita na questão anterior constitui uma derrogação ao princípio da taxatividade das causas de exclusão, justificada pela exigência imperativa de combate à criminalidade organizada nos processos de adjudicação de contratos públicos?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Observações preliminares

    18

    As questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio têm por objeto a interpretação do artigo 45.o da Diretiva 2004/18. O órgão jurisdicional de reenvio constata, todavia, no seu pedido de decisão prejudicial que o contrato de empreitada de obras públicas em causa no processo principal tem um valor inferior ao limiar de aplicação pertinente desta diretiva, concretamente, o fixado pelo seu artigo 7.o, alínea c).

    19

    Importa referir que os procedimentos específicos e rigorosos previstos pelas diretivas da União relativas à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos se aplicam unicamente aos contratos cujo valor ultrapassa o limiar previsto expressamente em cada uma das referidas diretivas. Assim, as normas dessas diretivas não se aplicam aos contratos cujo valor não atinja o limiar por elas fixado (v. acórdão Enterprise Focused Solutions, C‑278/14, EU:C:2015:228, n.o 15 e jurisprudência referida). Assim, o artigo 45.o da Diretiva 2004/18 não se aplica no quadro do litígio no processo principal.

    20

    Contudo, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o facto de um órgão jurisdicional de reenvio ter formulado uma questão prejudicial e de ter feito referência apenas a certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, independentemente de ter ou não feito essas referências no enunciado das suas questões. A este respeito, compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, e nomeadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que necessitam de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v., designadamente, acórdão Ville d’Ottignies‑Louvain‑la‑Neuve e o., C‑225/13, EU:C:2014:245, n.o 30 e jurisprudência referida).

    21

    Segundo jurisprudência igualmente assente, a adjudicação dos contratos públicos que, tendo em conta o seu valor, não são abrangidos pelo âmbito de aplicação das diretivas da União relativas à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos está, no entanto, sujeita às regras fundamentais e aos princípios gerais do Tratado FUE, em particular aos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, e à obrigação de transparência deles decorrente, desde que esses contratos revistam um interesse transfronteiriço certo, tendo em conta certos critérios objetivos (v., neste sentido, acórdão Enterprise Focused Solutions, C‑278/14, EU:C:2015:228, n.o 16 e jurisprudência referida).

    22

    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio admite a aplicabilidade dos princípios de direito da União ao litígio que lhe é submetido e, nesse contexto, constata a existência de um interesse transfronteiriço certo, devido à existência de disposições da regulamentação específica ao processo de concurso em causa neste litígio cujo objeto é a participação de empresas não estabelecidas em Itália.

    23

    Assim sendo, importa considerar que a primeira questão visa a interpretação das regras fundamentais e dos princípios gerais do Tratado referidos no n.o 21 do presente acórdão.

    24

    Em contrapartida, não há que responder à segunda questão. Com efeito, como resulta da fundamentação da decisão de reenvio, esta questão tem especificamente por objeto o artigo 45.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2004/18, que prevê uma derrogação, em caso de exigências imperativas de interesse geral, à obrigação de a entidade adjudicante excluir da participação num procedimento de contratação pública os candidatos ou proponentes que tenham sido condenados por decisão final transitada em julgado por uma ou várias das razões enumeradas nesta disposição, prevista no primeiro parágrafo do mesmo número.

    Quanto à primeira questão

    25

    A primeira questão deve, pois, ser entendida no sentido de que tem por objeto, em substância, a questão de saber se as regras fundamentais e os princípios gerais do Tratado, em particular os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, bem como o dever de transparência que daí decorre, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição de direito nacional ao abrigo da qual uma entidade adjudicante pode prever que um candidato ou proponente seja excluído de um processo de concurso público relativo a um contrato público por não ter junto à sua proposta uma aceitação escrita dos compromissos e das declarações constantes de um protocolo de legalidade, como o que está em causa no processo principal, cujo objetivo é lutar contra a infiltração da criminalidade organizada no setor dos contratos públicos.

    26

    O Tribunal de Justiça já decidiu que há que reconhecer aos Estados‑Membros uma determinada margem de apreciação para efeitos da adoção de medidas destinadas a garantir o respeito do princípio da igualdade de tratamento e da obrigação de transparência, os quais se impõem às entidades adjudicantes em qualquer processo de adjudicação de um contrato público. Com efeito, cada Estado‑Membro pode identificar melhor, à luz de considerações históricas, jurídicas, económicas ou sociais que lhe são próprias, as situações propícias a dar origem a comportamentos suscetíveis de causar desvios ao respeito deste princípio e desta obrigação (v., neste sentido, acórdão Serrantoni e Consorzio stabile edili, C‑376/08, EU:C:2009:808, n.os 31, 32 e jurisprudência referida).

    27

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, um protocolo de legalidade como o que está em causa no processo principal visa prevenir e lutar contra o fenómeno das infiltrações da criminalidade organizada, sobretudo no setor dos contratos públicos, a qual está bastante enraizada em certas regiões do Sul da Itália. O referido protocolo serve igualmente para proteger os princípios da concorrência e da transparência que subjazem à regulamentação italiana e da União em matéria de contratos públicos.

    28

    Não pode deixar de se constatar que, ao opor‑se à atividade criminosa e a distorções de concorrência no setor dos contratos públicos, uma medida como a obrigação de declarar a aceitação deste tipo de protocolo de legalidade afigura‑se suscetível de reforçar a igualdade de tratamento e a transparência na adjudicação de contratos. Além disso, na medida em que esta obrigação incumbe indistintamente a qualquer candidato ou proponente, a mesma não é incompatível com o princípio da não discriminação.

    29

    Contudo, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, que constitui um princípio geral do direito da União, essa medida não deve exceder o necessário para alcançar o objetivo pretendido (v., neste sentido, acórdão Serrantoni e Consorzio stabile edili, C‑376/08, EU:C:2009:808, n.o 33 e jurisprudência referida).

    30

    A este respeito, importa, em primeiro lugar, rejeitar o argumento da Edilux e da SICEF, nos termos do qual uma declaração de aceitação de certos compromissos constitui um meio ineficaz de luta contra a infiltração da criminalidade organizada, uma vez que o respeito destes compromissos só pode ser apurado depois da adjudicação do contrato em causa.

    31

    Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que, para que sejam obrigatórias, as cláusulas do protocolo de legalidade devem ser previamente aceites como requisito de admissão ao processo de adjudicação do contrato e que, se o desrespeito destas cláusulas apenas fosse sancionável na fase de execução, o efeito de antecipação ótima do nível de proteção e de dissuasão seria anulado. Nestas condições, atendendo à margem de apreciação reconhecida aos Estados‑Membros, recordada no n.o 26 do presente acórdão, não pode considerar‑se que a obrigação de declaração da aceitação dos compromissos constantes de um protocolo de legalidade desde o início da participação num concurso público para a adjudicação de um contrato ultrapassa o necessário para atingir os objetivos pretendidos.

    32

    Em segundo lugar, no que respeita ao conteúdo do protocolo de legalidade em causa no processo principal, os compromissos que os candidatos ou proponentes devem assumir, ao abrigo das alíneas a) a d) deste, consistem, no essencial, em indicar o estado de evolução dos trabalhos, o objeto, o montante e os beneficiários dos contratos de subcontratação e derivados, bem como as modalidades de seleção dos contratantes, em assinalar qualquer tentativa de perturbação, de irregularidade ou de distorção durante a tramitação do processo de concurso e durante a execução do contrato, em cooperar com as forças de autoridade, denunciando qualquer tentativa de extorsão, de intimidação ou de influência de natureza criminosa, e em incluir as mesmas cláusulas nos contratos de subcontratação. Estes compromissos coincidem com as declarações constantes das alíneas h) a j) do mesmo protocolo.

    33

    Uma declaração como a que figura na alínea g) do protocolo de legalidade em causa no processo principal, segundo a qual o participante declara que não celebrou nem virá a celebrar nenhum acordo com outros participantes no processo de concurso público destinado a restringir ou a evitar a concorrência, tem como único objetivo proteger os princípios da concorrência e da transparência nos processos de adjudicação de contratos públicos.

    34

    Esses compromissos e declarações têm por objeto o comportamento leal do candidato ou proponente relativamente à entidade adjudicante em causa no processo principal e a cooperação com as forças de autoridade. Os mesmos não vão, pois, além do necessário para lutar contra as infiltrações da criminalidade organizada no setor dos contratos públicos.

    35

    A alínea e) do protocolo de legalidade em causa no processo principal inclui, contudo, uma declaração nos termos da qual o participante não tem uma relação de controlo ou de associação com outros concorrentes.

    36

    Ora, como sublinhou a Comissão Europeia nas suas observações escritas, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a exclusão automática de candidatos ou proponentes que têm essa relação com outros candidatos ou proponentes ultrapassa o necessário para prevenir comportamentos colusórios e, por conseguinte, para garantir a aplicação do princípio da igualdade de tratamento e o respeito da obrigação de transparência. Com efeito, essa exclusão automática constitui uma presunção inilidível de interferência recíproca nas respetivas propostas, para um mesmo concurso, de empresas ligadas por uma relação de controlo ou de associação. Afasta assim a possibilidade de os candidatos ou proponentes demonstrarem a independência das suas propostas e é, por conseguinte, contrária ao interesse União em que seja garantida a participação mais ampla possível de proponentes num concurso público (v., neste sentido, acórdãos Assitur, C‑538/07, EU:C:2009:317, n.os 28 a 30, e Serrantoni e Consorzio stabile edili, C‑376/08, EU:C:2009:808, n.os 39 e 40).

    37

    Da referida alínea e) também consta uma declaração nos termos da qual o participante não celebrou nem virá a celebrar acordos com outros participantes no processo de concurso público. Deste modo, ao excluir qualquer acordo entre os participantes, incluindo acordos que não são suscetíveis de restringir o jogo da concorrência, esta declaração ultrapassa o necessário para garantir o princípio da concorrência no domínio dos concursos públicos. Por conseguinte, a declaração em causa distingue‑se da que consta da alínea g) do protocolo de legalidade em causa no processo principal.

    38

    Daqui decorre que a obrigação de o participante num concurso público declarar, por um lado, que não tem uma relação de controlo ou de associação com os outros concorrentes e, por outro, que não existem acordos com outros participantes no processo de concurso, sendo certo que, na falta dessa declaração, a consequência é a exclusão automática deste processo, viola o princípio da proporcionalidade.

    39

    Considerações semelhantes são também aplicáveis à declaração constante da alínea f) do protocolo de legalidade em causa no processo principal, nos termos da qual o participante declara que não subcontratará nenhum tipo de tarefas a outras empresas que participam no processo de concurso e que está consciente de que, caso contrário, esses contratos de subcontratação não serão autorizados. Com efeito, essa declaração implica uma presunção inilidível de que a eventual subcontratação, pelo adjudicatário, após a adjudicação do contrato, de outro participante no mesmo concurso público resulta de uma colusão entre as duas empresas em causa, sem que lhes seja dada a possibilidade de demonstrar o contrário. Assim, essa declaração ultrapassa o necessário para prevenir comportamentos colusórios.

    40

    Além disso, tendo em conta o objetivo de prevenir e lutar contra o fenómeno das infiltrações da criminalidade organizada, qualquer eventual pressão, exercida sobre um adjudicatário do contrato por outra empresa que participou no concurso público, com vista à subcontratação da execução desse contrato a esta última deve ser comunicada à entidade adjudicante ou, eventualmente, denunciada às forças de autoridade, em conformidade com as alíneas b), c), g), h) e i) do protocolo de legalidade em causa no processo principal.

    41

    Atendendo ao exposto, importa responder à primeira questão submetida que as regras fundamentais e os princípios gerais do Tratado, em particular os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, bem como o dever de transparência que daí decorre, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma disposição de direito nacional ao abrigo da qual uma entidade adjudicante pode prever que um candidato ou proponente seja automaticamente excluído de um processo de concurso público relativo a um contrato público por não ter junto à sua proposta uma aceitação escrita dos compromissos e das declarações constantes de um protocolo de legalidade, como o que está em causa no processo principal, cujo objetivo é lutar contra a infiltração da criminalidade organizada no setor dos contratos públicos. Contudo, na medida em que este protocolo inclui declarações segundo as quais o candidato ou proponente não tem uma relação de controlo ou de associação com outros candidatos ou proponentes, não celebrou nem virá a celebrar acordos com outros participantes no processo de concurso público e não subcontratará nenhum tipo de tarefas a outras empresas que tenham participado nesse processo, a falta dessas declarações não pode ter como consequência a exclusão automática do candidato ou proponente do referido processo.

    Quanto às despesas

    42

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

     

    As regras fundamentais e os princípios gerais do Tratado FUE, em particular os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, bem como o dever de transparência que daí decorre, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma disposição de direito nacional ao abrigo da qual uma entidade adjudicante pode prever que um candidato ou proponente seja automaticamente excluído de um processo de concurso público relativo a um contrato público por não ter junto à sua proposta uma aceitação escrita dos compromissos e das declarações constantes de um protocolo de legalidade, como o que está em causa no processo principal, cujo objetivo é lutar contra a infiltração da criminalidade organizada no setor dos contratos públicos. Contudo, na medida em que este protocolo inclui declarações segundo as quais o candidato ou proponente não tem uma relação de controlo ou de associação com outros candidatos ou proponentes, não celebrou nem virá a celebrar acordos com outros participantes no processo de concurso público e não subcontratará nenhum tipo de tarefas a outras empresas que tenham participado nesse processo, a falta dessas declarações não pode ter como consequência a exclusão automática do candidato ou proponente do referido processo.

     

    Assinaturas


    ( * )   Língua do processo: italiano.

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