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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62013CJ0554

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 11 de junho de 2015.
Z. Zh. contra Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie e Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie contra I. O.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State (Países Baixos).
Reenvio prejudicial ― Espaço de liberdade, de segurança e de justiça ― Diretiva 2008/115/CE ― Regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular ― Artigo 7.°, n.° 4 ― Conceito de ‘risco para a ordem pública’ ― Condições em que os Estados‑Membros podem não conceder um prazo para a partida voluntária ou conceder um prazo inferior a sete dias.
Processo C-554/13.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2015:377

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

11 de junho de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Diretiva 2008/115/CE — Regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular — Artigo 7.o, n.o 4 — Conceito de ‘risco para a ordem pública’ — Condições em que os Estados‑Membros podem não conceder um prazo para a partida voluntária ou conceder um prazo inferior a sete dias»

No processo C‑554/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Raad van State (Países Baixos), por decisão de 23 de outubro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de outubro de 2013, nos processos

Z. Zh.

contra

Staatssecretaris voor Veiligheid en Justitie

e

Staatssecretaris voor Veiligheid en Justitie

contra

I. O.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh (relator), C. Toader, E. Jarašiūnas e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 15 de outubro de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação de Z. Zh., por J.J.D. van Doleweerd, advocaat,

em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman, B. Koopman e C. Schillemans, na qualidade de agentes,

em representação do Governo belga, por C. Pochet, M. Jacobs e T. Materne, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčíl, na qualidade de agentes,

em representação do Governo helénico, por M. Michelogiannaki, na qualidade de agente,

em representação do Governo francês, por D. Colas e F.‑X. Bréchot, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, K. Pawłowska e M. Pawlicka, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Condou‑Durande e G. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 12 de fevereiro de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO L 348, p. 98).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de dois litígios que opõem, por um lado, Z. Zh., nacional de um país terceiro, ao Minister voor Immigratie en Asiel (Ministro para a Imigração e o Asilo), ao qual sucedeu o Staatssecretaris voor Veiligheid en Justitie (Secretário de Estado da Segurança e da Justiça) (a seguir, conjuntamente, «Staatssecretaris»), e, por outro, o Staatssecretaris a I. O., nacional de um país terceiro, a propósito de decisões pelas quais foi recusado conceder a esses nacionais de países terceiros um prazo para a partida voluntária e lhes foi imposta a obrigação de deixar imediatamente o território da União Europeia.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 2, 6, 10, 11 e 24 da Diretiva 2008/115 enunciam:

«(2)

O Conselho Europeu de Bruxelas, de 4 e 5 de novembro de 2004, apelou à definição de uma política eficaz de afastamento e repatriamento, baseada em normas comuns, para proceder aos repatriamentos em condições humanamente dignas e com pleno respeito pelos direitos fundamentais e a dignidade das pessoas.

[…]

(6)

Os Estados‑Membros deverão assegurar a cessação das situações irregulares de nacionais de países terceiros através de um procedimento justo e transparente. De acordo com os princípios gerais do direito comunitário, as decisões ao abrigo da presente diretiva deverão ser tomadas caso a caso e ter em conta critérios objetivos, sendo que a análise não se deverá limitar ao mero facto da permanência irregular. Ao utilizar os formulários para as decisões relacionadas com o regresso, nomeadamente decisões de regresso e, se tiverem sido emitidas, decisões de proibição de entrada e decisões de afastamento, os Estados‑Membros deverão respeitar aquele princípio e cumprir integralmente todas as disposições aplicáveis da presente diretiva.

[…]

(10)

Sempre que não haja razões para considerar que tal pode prejudicar o objetivo de um procedimento de regresso, deverá preferir‑se o regresso voluntário em relação ao regresso forçado e deverá ser concedido um prazo para o regresso voluntário. Deverá conceder‑se a prorrogação do prazo de regresso voluntário sempre que tal seja considerado necessário à luz das circunstâncias do caso concreto. […]

(11)

Deverá estabelecer‑se um conjunto mínimo comum de garantias em matéria de decisões relacionadas com o regresso, por forma a assegurar a proteção efetiva dos interesses das pessoas em causa. […]

[…]

(24)

A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e os princípios consagrados, em especial, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.»

4

O artigo 1.o da Diretiva 2008/115, com a epígrafe «Objeto», prevê:

«A presente diretiva estabelece normas e procedimentos comuns a aplicar nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, no respeito dos direitos fundamentais enquanto princípios gerais do direito comunitário e do direito internacional, nomeadamente os deveres em matéria de proteção dos refugiados e de direitos do Homem.»

5

O artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«A presente diretiva é aplicável aos nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro.»

6

Nos termos do artigo 3.o da referida diretiva:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

4)

‘Decisão de regresso’, uma decisão ou ato administrativo ou judicial que estabeleça ou declare a situação irregular de um nacional de país terceiro e imponha ou declare o dever de regresso;

[…]

8)

‘Partida voluntária’, cumprimento do dever de regressar no prazo fixado na decisão de regresso;

[…]»

7

O artigo 4.o desta mesma diretiva, com a epígrafe «Disposições mais favoráveis», dispõe no seu n.o 3:

«A presente diretiva não prejudica o direito dos Estados‑Membros de aprovarem ou manterem disposições mais favoráveis relativamente às pessoas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, desde que essas disposições sejam compatíveis com o disposto na presente diretiva.»

8

O artigo 5.o da Diretiva 2008/115, com a epígrafe «Não repulsão, interesse superior da criança, vida familiar e estado de saúde», enuncia:

«Na aplicação da presente diretiva, os Estados‑Membros devem ter em devida conta o seguinte:

a)

O interesse superior da criança;

b)

A vida familiar;

c)

O estado de saúde do nacional de país terceiro em causa;

e respeitar o princípio da não repulsão.»

9

O artigo 6.o, n.os 1 e 2, da referida diretiva prevê:

«1.   Sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5, os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território.

2.   Os nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro, que sejam detentores de um título de residência válido ou de outro título, emitido por outro Estado‑Membro e que lhes confira direito de permanência estão obrigados a dirigir‑se imediatamente para esse Estado‑Membro. Em caso de incumprimento desta exigência pelo nacional de país terceiro em causa ou se for necessária a partida imediata deste por razões de ordem pública ou de segurança nacional, aplica‑se o n.o 1.»

10

O artigo 7.o desta mesma diretiva dispõe:

«1.   A decisão de regresso deve prever um prazo adequado para a partida voluntária, entre sete e trinta dias, sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 e 4. Os Estados‑Membros podem determinar no respetivo direito interno que esse prazo só é concedido a pedido do nacional do país terceiro em causa. Nesse caso, os Estados‑Membros informam os nacionais de países terceiros em causa sobre a possibilidade de apresentar tal pedido.

O prazo previsto no primeiro parágrafo não exclui a possibilidade de os nacionais de países terceiros em causa partirem antes do seu termo.

2.   Sempre que necessário, os Estados‑Membros estendem o prazo previsto para a partida voluntária por um período adequado, tendo em conta as especificidades do caso concreto, tais como a duração da permanência, a existência de filhos que frequentem a escola e a existência de outros membros da família e de laços sociais.

3.   Podem ser impostas determinadas obrigações para evitar o risco de fuga, designadamente a apresentação periódica às autoridades, o depósito de uma caução adequada, a apresentação de documentos ou a obrigação de permanecer em determinado local durante o prazo de partida voluntária.

4.   Se houver risco de fuga ou se tiver sido indeferido um pedido de permanência regular por ser manifestamente infundado ou fraudulento, ou se a pessoa em causa constituir um risco para a ordem ou segurança pública ou para a segurança nacional, os Estados‑Membros podem não conceder um prazo para a partida voluntária ou podem conceder um prazo inferior a sete dias.»

Direito neerlandês

11

Por força do artigo 12, n.o 1, proémio e alínea d), da Lei de 2000 relativa aos estrangeiros (Vreemdelingenwet 2000), na sua versão em vigor à data dos factos no processo principal (a seguir «lei relativa aos estrangeiros»), o estrangeiro que, ao entrar no território nacional, tenha cumprido os deveres a que está sujeito quem atravessa a fronteira é autorizado a permanecer nos Países Baixos por um período a fixar por regulamento administrativo, desde que não represente um risco para a ordem pública ou para a segurança nacional.

12

Segundo o artigo 61.o, n.o 1, desta lei, o estrangeiro que não esteja, ou já não esteja, em situação de permanência regular deve deixar os Países Baixos por sua própria iniciativa, no prazo fixado no artigo 62.o desta lei.

13

De acordo com o artigo 62.o, n.o 1, da referida lei, o estrangeiro deve, depois da adoção de uma decisão de regresso, deixar os Países Baixos por sua própria iniciativa, no prazo de quatro semanas. Esta disposição foi adotada com o objetivo de transpor o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115 para direito neerlandês.

14

Por força do artigo 62.o, n.o 2, desta mesma lei, o Staatssecretaris pode reduzir o prazo fixado a um estrangeiro nos termos do n.o 1, ou, em derrogação ao disposto no n.o 1, ordenar a um estrangeiro que deixe imediatamente os Países Baixos, se:

a.

Houver o risco de o estrangeiro se subtrair à vigilância;

b.

O requerimento do estrangeiro de concessão de autorização de residência ou de prorrogação da validade da autorização de residência tiver sido indeferido por ser manifestamente improcedente ou por terem sido fornecidos dados incorretos ou incompletos;

c.

O estrangeiro constituir um risco para a ordem pública, para a segurança pública ou para a segurança nacional.

15

O artigo 62.o, n.o 2, da lei relativa aos estrangeiros foi adotado com o objetivo de transpor o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 para direito neerlandês.

16

Segundo o artigo 62.o‑A, n.o 1, da lei relativa aos estrangeiros, o Staatssecretaris comunica por escrito ao estrangeiro, não cidadão da União Europeia e que já não esteja em situação de permanência regular, que deve deixar os Países Baixos por sua própria iniciativa e o prazo no qual deve cumprir esse dever.

17

O ponto A3/3 da Circular relativa aos estrangeiros de 2000 (Vreemdelingencirculaire, a seguir «circular relativa aos estrangeiros») dispõe, com efeitos a partir de 9 de fevereiro de 2012, com fundamento no artigo 62.o, n.o 2, da lei relativa aos estrangeiros, o prazo para o regresso pode ser reduzido ou recusado se o estrangeiro constituir um risco para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional. Segundo este ponto A3/3, qualquer pessoa suspeita ou condenada pela prática de um ato punível qualificado de crime ou delito em direito nacional é qualificada de risco para a ordem pública. A aceitação de uma transação relativa a um crime ou um delito é igualmente qualificada de risco para a ordem pública. A suspeita deve ser confirmada pelo chefe da polícia.

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

Factos relativos a Z. Zh.

18

Z. Zh., nacional de um país terceiro, foi detido em 8 de junho de 2011 no aeroporto de Schiphol (Países Baixos), quando se encontrava em trânsito com destino ao Canadá, com o fundamento de que viajava com um documento de viagem falso. Por sentença do politierechter te Haarlem (tribunal de polícia de Haarlem) de 21 de junho de 2011, foi condenado, com base no artigo 231.o, n.o 2, do Código Penal neerlandês (Wetboek van Strafrecht), a uma pena de dois meses de prisão pela posse de documento de viagem que sabia ser falsificado. Por decisão de 4 de agosto de 2011, o Staatssecretaris ordenou que Z. Zh. deixasse imediatamente o território da União Europeia. Depois do cumprimento da pena de prisão, Z. Zh. foi colocado, em 5 de agosto de 2011, em detenção para efeitos de afastamento, por força do artigo 59.o, n.o 1, proémio e alínea a), da lei relativa aos estrangeiros.

19

Por decisão de 2 de setembro de 2011, o Staatssecretaris indeferiu a reclamação apresentada por Z. Zh. da decisão de regresso de 4 de agosto de 2011, com fundamento no facto de que a infração cometida por este impunha que não lhe fosse concedido um prazo para a partida voluntária. Por sentença de 8 de novembro de 2011, o Rechtbank ’s‑Gravenhage (Tribunal de Primeira Instância de Haia) negou provimento ao recurso daquela decisão apresentado pelo interessado.

20

Segundo o Rechtbank ’s‑Gravenhage, uma vez que Z. Zh. permanecia irregularmente no território de um Estado‑Membro, não tinha nenhuma ligação com um cidadão da União e tinha sido, além disso, condenado a uma pena de prisão de dois meses pela posse de um documento de viagem que sabia ser falsificado, o Staatssecretaris podia considerar que o interessado constituía um risco para a ordem pública na aceção do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115. Apesar de o Rechtbank ’s‑Gravenhage ter indicado que essa conclusão não dispensava o Staatssecretaris do dever de apresentar os motivos pelos quais não tinha sido concedido a Z. Zh. um prazo para a partida voluntária, esse mesmo órgão jurisdicional considerou, contudo, que as circunstâncias invocadas por este último não justificavam que o Staatssecretaris se afastasse do princípio segundo o qual não é concedido um prazo para a partida voluntária se existir um risco para a ordem pública.

21

Z. Zh. interpôs recurso da sentença do Rechtbank ’s‑Gravenhage para o Raad van State (Conselho de Estado).

22

A medida de detenção aplicada foi levantada em 14 de dezembro de 2011 por Z. Zh. ter sido objeto de afastamento.

Factos relativos a I. O.

23

I. O., nacional de um país terceiro, entrou nos Países Baixos em 16 de janeiro de 2011 com um visto de curta duração, válido por 21 dias. Em 23 de novembro de 2011, I. O. foi detido com fundamento nos artigos 300.°, n.o 1, e 304.°, n.o 1, do Código Penal neerlandês, por suspeita de violência doméstica contra uma mulher. Por decisão de 24 de novembro de 2011, o Staatssecretaris ordenou a I. O. que deixasse imediatamente o território da União. Nesse mesmo dia, o interessado foi colocado em detenção.

24

Por decisão de 17 de janeiro de 2012, o Staatssecretaris indeferiu a reclamação apresentada por I. O. da decisão de 24 de novembro de 2011 por, a título principal, ser inadmissível e, a título subsidiário, improcedente. O Staatssecretaris baseou‑se no facto de I. O. ter sido detido em 23 de novembro de 2011 com fundamento nos artigos 300.°, n.o 1, e 304.°, n.o 1, do Código Penal neerlandês, por suspeita de violência doméstica contra uma mulher. O Staatssecretaris considerou, assim, que I. O. constituía um risco para a ordem pública na aceção do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 e que, por esta razão, não lhe poderia ser concedido um prazo para a partida voluntária.

25

Por despacho de 1 de fevereiro de 2012, o voorzieningenrechter van de Rechtbank ’s‑Gravenhage (juiz das medidas provisórias do Tribunal de Primeira Instância de Gravenhage) deu provimento ao recurso interposto por I. O. da decisão do Staatssecretaris de 17 de janeiro de 2012, anulou essa decisão e convidou o Staatssecretaris a adotar uma nova decisão que tomasse em consideração o que tinha sido julgado nesse despacho. Em especial, esse órgão jurisdicional, em primeiro lugar, considerou que I. O. tinha um interesse legítimo em obter uma decisão sobre a reclamação que tinha apresentado e que o Staatssecretaris tinha erradamente julgado essa reclamação inadmissível. Em segundo lugar, o referido órgão jurisdicional constatou que não existiam diretrizes gerais sobre a redução de um prazo para a partida voluntária no interesse da ordem pública e que o Staatssecretaris não tinha fundamentado de forma suficiente a razão pela qual I. O. constituía um risco para a ordem pública. Com efeito, segundo esse mesmo órgão jurisdicional, o auto de notícia, no qual se indicava, em substância, que I. O. tinha sido detido por violência doméstica, era insuficiente para determinar que a ordem pública justificava que não lhe fosse concedido um prazo para a partida voluntária. A este respeito, o Rechtbank ’s‑Gravenhage também tomou em consideração o facto de o Staatssecretaris não dispor de nenhum documento que corroborasse a violência doméstica de que I. O. era acusado.

26

O Staatssecretaris interpôs recurso do despacho do voorzieningenrechter van de Rechtbank ’s‑Gravenhage para o Raad van State.

27

A medida de detenção aplicada foi levantada em 23 de fevereiro de 2012 por I. O. ter sido objeto de afastamento.

Questões prejudiciais

28

O órgão jurisdicional de reenvio apensou os litígios respeitantes a Z. Zh. e I. O. na audiência de 10 de julho de 2013.

29

O referido órgão jurisdicional observa que a Diretiva 2008/115 não contém nenhuma definição do conceito de «risco para a ordem pública» que figura no artigo 7.o, n.o 4, desta diretiva e acrescenta que a génese deste conceito não fornece nenhuma indicação quanto ao alcance do mesmo. Salienta que, uma vez que esta disposição não contém, além disso, uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros, o referido conceito deve, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdãos Ekro, 327/82, EU:C:1984:11, n.o 11, e Brouwe, C‑355/11, EU:C:2012:353, n.o 36), ser interpretado de modo autónomo e uniforme, em conformidade com o significado habitual deste mesmo conceito na linguagem corrente e atendendo ao contexto em que é utilizado e aos objetivos prosseguidos pela legislação de que faz parte.

30

O órgão jurisdicional de reenvio infere do exposto que, contrariamente ao que alega o Staatssecretaris, os Estados‑Membros não podem dar ao conceito de «risco para a ordem pública», previsto no artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115, um conteúdo inteiramente próprio, baseado exclusivamente na legislação nacional.

31

Esse órgão jurisdicional observa que, com base no artigo 27.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77, e retificações no JO 2004, L 229, p. 35, e no JO 2005, L 197, p. 34), no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44), e no artigo 6.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO L 251, p. 12), um Estado‑Membro pode, por razões de ordem pública, restringir a livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, recusar a concessão do estatuto de residente de longa duração, indeferir um pedido de entrada e residência de um dos familiares de um cidadão da União e retirar ou não renovar a autorização de residência de um familiar de um cidadão da União. Salienta, contudo, que o conceito de «razões de ordem pública» é interpretado de modo diverso em cada uma destas diretivas, uma vez que os elementos que um Estado‑Membro deve ter em consideração ao apreciar este conceito variam.

32

O órgão jurisdicional de reenvio nota, além disso, que o objetivo, o contexto e a redação das referidas diretivas diferem substancialmente do objetivo, do contexto e da redação da Diretiva 2008/115. Com efeito, enquanto as Diretivas 2004/38, 2003/109 e 2003/86 respeitam à residência legal na União dos seus cidadãos e dos membros das suas famílias, bem como dos residentes de longa duração e dos membros das suas famílias, a Diretiva 2008/115 respeita ao regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um dos Estados‑Membros da União. A não concessão de um prazo para a partida voluntária a nacionais de países terceiros, relativamente aos quais já se tenha determinado que estão em situação irregular no território de um Estado‑Membro, constitui, segundo esse órgão jurisdicional, uma medida menos restritiva do que uma decisão que tenha como consequência recusar, limitar ou pôr termo à residência legal no território de um Estado‑Membro com base nas Diretivas 2004/38, 2003/109 e 2003/86.

33

O órgão jurisdicional de reenvio considera portanto que, tendo em conta as diferenças substanciais existentes entre estas três diretivas, por um lado, e a Diretiva 2008/115, por outro, a interpretação do conceito de ordem pública na aceção das Diretivas 2004/38, 2003/109 e 2003/86 não deve servir de base para a interpretação do conceito de ordem pública na aceção da diretiva em causa nos processos principais.

34

Em particular, esse órgão jurisdicional considera que o conceito de «risco para a ordem pública», constante do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115, pode ser interpretado de forma mais ampla do que o conceito de «razões de ordem pública» constante das Diretivas 2004/38, 2009/109 e 2003/86, tendo como consequência que a simples suspeita de que um nacional de um país terceiro cometeu um ato punível qualificado de crime ou delito em direito nacional é suficiente para estabelecer que este nacional de um país terceiro constitui um «risco para a ordem pública» na aceção do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115. Todavia, tendo em conta as dúvidas que tem a este respeito, o referido órgão jurisdicional pergunta ao Tribunal de Justiça se esta disposição deve receber tal interpretação ou se é necessário que seja proferida uma condenação definitiva contra a pessoa em causa.

35

O órgão jurisdicional de reenvio tem igualmente dúvidas quanto à questão de saber que circunstâncias, além do facto de um nacional de um país terceiro ser suspeito de ter praticado um ato punível qualificado de crime ou delito em direito nacional ou ter sido sujeito a uma condenação penal por esse ato, devem ser tomadas em consideração pela autoridade nacional quando aprecia se esse nacional constitui um risco para a ordem pública na aceção do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115.

36

A este respeito, esse órgão jurisdicional precisa que, na audiência no âmbito da sua detenção para efeitos de afastamento, Z. Zh. declarou que estava em trânsito com destino ao Canadá e que nunca teve a intenção de permanecer no território do Reino dos Países Baixos. I. O., por seu turno, alegou, no âmbito do seu recurso, que, erradamente, não foi feita uma ponderação individual dos interesses em jogo no que respeita à questão da existência de um risco para a ordem pública. O referido órgão jurisdicional entende que poderia ser eventualmente deduzido do acórdão El Dridi (C‑61/11 PPU, EU:C:2011:268), da Diretiva 2008/115 e das Diretivas 2003/109 e 2003/86 que os Estados‑Membros devem tomar em consideração circunstâncias como a natureza e a gravidade do ato punível qualificado de crime ou delito em direito nacional, o tempo decorrido desde a prática desse ato e a intenção do interessado de deixar o território da União.

37

Segundo esse órgão jurisdicional, o desfecho dos litígios que lhe foram submetidos depende, assim, da interpretação do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115.

38

Nestas circunstâncias, o Raad van State decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Um nacional de um país terceiro, que [está em situação irregular] no território de um Estado‑Membro, constitui um risco para a ordem pública, na aceção do artigo 7.o, n.o 4, da [Diretiva 2008/115], pelo simples facto de ser suspeito da prática de um ato que, segundo o direito nacional, é considerado crime [ou delito] […], ou é necessário, para tanto, que esse nacional tenha sido condenado, por um tribunal criminal, pela prática desse ato e, neste último caso, a sentença condenatória deve ter transitado em julgado?

2)

Para decidir se um nacional de um país terceiro, que [está em situação irregular] no território de um Estado‑Membro, constitui um risco para a ordem pública, na aceção do artigo 7.o, n.o 4, da [Diretiva 2008/115], são relevantes, além da suspeita ou condenação, outros factos e circunstâncias do caso concreto, como [a] natureza e [a] gravidade do ato considerado, pelo direito nacional, um crime [ou delito] […], o lapso de tempo decorrido e a intenção do interessado?

3)

Os factos e circunstâncias do caso concreto relevantes para a decisão referida na [segunda questão] também são relevantes para a possibilidade, facultada pelo artigo 7.o, n.o 4, da [Diretiva 2008/115] caso o interessado constitua um risco para a ordem pública, de optar entre, por um lado, a recusa de um prazo para a partida voluntária e, por outro, a concessão de um prazo inferior a sete dias para a partida voluntária?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

39

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática nacional segundo a qual um nacional de um país terceiro, em situação irregular no território de um Estado‑Membro, é considerado um risco para a ordem pública na aceção desta disposição unicamente com o fundamento de que esse nacional é suspeito de ter praticado um ato punível qualificado de crime ou delito em direito nacional ou de que foi sujeito a uma condenação penal por esse ato. Pergunta, além disso, no caso de se considerar que é necessário uma condenação penal, se esta deve ter transitado em julgado.

40

No presente caso, resulta das informações fornecidas pelo Governo neerlandês na audiência que, à data dos factos em causa nos processos principais, a prática do Staatssecretaris consistia em seguir a abordagem que está atualmente exposta, em substância, na circular relativa aos estrangeiros, a qual prevê, conforme resulta do n.o 17 do presente acórdão, que qualquer suspeita confirmada pelo chefe da polícia ou qualquer condenação relativa a um ato punível como crime ou delito em direito nacional é qualificada de risco para a ordem pública.

41

Antes de mais, há que observar que o conceito de «risco para a ordem pública» não figura entre os conceitos definidos no artigo 3.o da Diretiva 2008/115 e também não é definido por outras disposições desta diretiva.

42

É jurisprudência constante que a determinação do significado e do alcance dos termos para os quais o direito da União não fornece nenhuma definição deve fazer‑se de acordo com o sentido habitual destes na linguagem comum, tendo em atenção o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte. Quando esses termos figuram numa disposição que constitui uma derrogação a um princípio, devem ser lidos de modo a permitir uma interpretação estrita dessa disposição. Além disso, o preâmbulo de um ato da União é suscetível de precisar o conteúdo deste (v., neste sentido, acórdão Wallentin‑Hermann, C‑549/07, EU:C:2008:771, n.o 17 e jurisprudência referida).

43

Assim, há que salientar antes de mais que, no capítulo II, com a epígrafe «Termo da situação irregular», a Diretiva 2008/115 fixa as condições nas quais a situação irregular dos nacionais de países terceiros que se encontrem no território de um Estado‑Membro termina. As disposições relativas à partida voluntária desses nacionais de países terceiros, enunciadas no artigo 7.o desta diretiva, figuram imediatamente a seguir às disposições relativas à decisão de regresso, enunciadas no seu artigo 6.o

44

Conforme resulta do considerando 10 da Diretiva 2008/115, deve ser dada prioridade, salvo exceções, à execução voluntária da obrigação resultante da decisão de regresso, uma vez que o artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva dispõe que essa decisão deve prever um prazo adequado para a partida voluntária, entre sete e trinta dias (v. acórdão El Dridi, C‑61/11 PPU, EU:C:2011:268, n.o 36).

45

Segundo o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115, sempre que necessário, os Estados‑Membros estendem o prazo previsto para a partida voluntária por um período adequado, tendo em conta as especificidades do caso concreto, tais como a duração da permanência, a existência de filhos que frequentem a escola e a existência de outros membros da família e de laços sociais.

46

O artigo 7.o, n.o 4, da referida diretiva prevê que só em circunstâncias especiais, como a existência de um risco para a ordem pública, podem os Estados‑Membros conceder um prazo para a partida voluntária inferior a sete dias ou mesmo não conceder esse prazo (v., neste sentido, acórdão El Dridi, C‑61/11 PPU, EU:C:2011:268, n.o 37). Conforme referiu a advogada‑geral no n.o 43 das suas conclusões, para poder invocar a derrogação prevista naquela disposição por existir um risco para a ordem pública, um Estado‑Membro deve demonstrar que a pessoa em causa constitui efetivamente tal risco.

47

Em seguida, ao prever que os Estados‑Membros estão, em princípio, obrigados a conceder um prazo para a partida voluntária aos nacionais de países terceiros em situação irregular, o artigo 7.o da Diretiva 2008/115 pretende, designadamente, garantir o respeito dos direitos fundamentais desses nacionais de países terceiros na execução de uma decisão de regresso tomada ao abrigo do artigo 6.o desta diretiva. Com efeito, em conformidade com o artigo 79.o, n.o 2, TFUE, o objetivo prosseguido pela referida diretiva, como resulta dos seus considerandos 2 e 11, consiste na definição de uma política eficaz de afastamento e repatriamento, baseada em normas e em garantias jurídicas comuns, para proceder aos repatriamentos em condições humanamente dignas e com pleno respeito pelos direitos fundamentais e a dignidade das pessoas (v. acórdão Mahdi, C‑146/14 PPU, EU:C:2014:1320, n.o 38).

48

Daqui resulta que, embora, quanto ao essencial, os Estados‑Membros continuem a ser livres de determinar as exigências de ordem pública, em conformidade com as suas necessidades nacionais, que podem variar de um Estado‑Membro para outro e de uma época para outra, a verdade é que, no contexto da União, nomeadamente enquanto justificação de uma derrogação a um dever concebido com a finalidade de garantir o respeito dos direitos fundamentais dos nacionais de países terceiros no seu afastamento da União, estas exigências devem ser entendidas estritamente, de modo que o seu alcance não pode ser determinado unilateralmente por cada um dos Estados‑Membros, sem controlo das instituições da União (v., por analogia, acórdão Gaydarov, C‑430/10, EU:C:2011:749, n.o 32 e jurisprudência referida).

49

Por último, segundo o considerando 6 da Diretiva 2008/115, os Estados‑Membros deverão assegurar a cessação das situações irregulares de nacionais de países terceiros através de um procedimento justo e transparente. Esse considerando refere também que, em conformidade com os princípios gerais do direito da União, as decisões que vierem a ser adotadas ao abrigo desta diretiva deverão ser tomadas caso a caso e ter em conta critérios objetivos, o que implica que devem ser tomados em consideração outros fatores além da simples situação irregular (v. acórdão Mahdi, C‑146/14 PPU, EU:C:2014:1320, n.o 40). Em especial, como o Tribunal de Justiça já declarou, a observância do princípio da proporcionalidade deve ser garantida em todas as fases do procedimento de regresso estabelecido pela referida diretiva, incluindo a fase relativa à decisão de regresso, no âmbito da qual o Estado‑Membro em causa deve decidir da concessão de um prazo de partida voluntária ao abrigo do artigo 7.o desta mesma diretiva (v., neste sentido, acórdão El Dridi, C‑61/11 PPU, EU:C:2011:68, n.o 41).

50

Por conseguinte, há que considerar que um Estado‑Membro deve apreciar o conceito de «risco para a ordem pública», na aceção do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115, caso a caso, de modo a verificar se o comportamento pessoal do nacional de um país terceiro em causa constitui uma ameaça real e atual para a ordem pública. Ao basear‑se numa prática geral ou numa qualquer presunção para constatar esse risco, sem tomar devidamente em conta o comportamento pessoal do nacional de um país terceiro e o risco que esse comportamento representa para a ordem pública, um Estado‑Membro não respeita as exigências decorrentes de uma análise individual do caso concreto e do princípio da proporcionalidade. Daqui resulta que o facto de um nacional de um país terceiro ser suspeito de ter praticado um ato punível qualificado de crime ou delito em direito nacional ou de ter sido sujeito a uma condenação penal por esse ato não pode, por si só, justificar que esse nacional de um país terceiro seja considerado um risco para a ordem pública na aceção do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115.

51

Há, todavia, que precisar que um Estado‑Membro pode concluir que existe um risco para a ordem pública em caso de condenação penal, mesmo que esta não tenha transitado em julgado, quando essa condenação, considerada juntamente com outras circunstâncias respeitantes à situação da pessoa em causa, justifique essa conclusão. O facto de uma condenação penal não ter transitado em julgado não obsta assim a que um Estado‑Membro possa invocar a derrogação prevista no artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115. Com efeito, como referiu a advogada‑geral no n.o 65 das suas conclusões, essa condição não encontra fundamento na redação desta diretiva e seria contrária ao objetivo prosseguido pelo artigo 7.o desta última de estabelecer um prazo específico para a partida voluntária, uma vez que o prazo previsto para este efeito correria o risco de ser ultrapassado em muitos casos devido à duração dos processos judiciais nacionais.

52

Além disso, a mera suspeita de que um nacional de um país terceiro praticou um ato punível qualificado de crime ou delito em direito nacional pode, juntamente com outros elementos respeitantes ao caso concreto, fundamentar uma constatação de risco para a ordem pública na aceção do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115, uma vez que, como resulta do n.o 48 do presente acórdão, quanto ao essencial, os Estados‑Membros continuam a ser livres de determinar as exigências de ordem pública, em conformidade com as suas necessidades nacionais, e que nem o artigo 7.o desta diretiva nem qualquer outra disposição da mesma permitem considerar que uma condenação penal seja necessária para este efeito.

53

Por conseguinte, no presente caso, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, como parece resultar do processo remetido ao Tribunal de Justiça, as apreciações do Staatssecretaris nos casos de Z. Zh. e I. O., segundo as quais cada um destes representava um risco para a ordem pública dos Países Baixos, se baseiam, no caso de Z. Zh., apenas no facto de ter sido condenado por ter praticado um ato punível qualificado de crime ou delito em direito neerlandês e, no caso de I. O., apenas no facto de ser suspeito de ter praticado tal ato.

54

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática nacional segundo a qual um nacional de um país terceiro, em situação irregular no território de um Estado‑Membro, é considerado um risco para a ordem pública na aceção desta disposição unicamente com o fundamento de que esse nacional é suspeito de ter praticado um ato punível qualificado de crime ou delito em direito nacional ou de que foi sujeito a uma condenação penal por esse ato.

Quanto à segunda questão

55

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115, no caso de um nacional de um país terceiro em situação irregular no território de um Estado‑Membro que é suspeito de ter praticado um ato punível qualificado de crime ou delito em direito nacional ou foi sujeito a uma condenação penal por esse ato, deve ser interpretado no sentido de que outros elementos, como a natureza e a gravidade desse ato, o tempo decorrido desde a sua prática, bem como a circunstância de esse nacional estar em vias de deixar o território desse Estado‑Membro no momento em que foi detido pelas autoridades nacionais, podem ser pertinentes no âmbito da apreciação da questão de saber se o referido nacional constitui um risco para a ordem pública na aceção desta disposição.

56

Há que salientar, em primeiro lugar, que os elementos pertinentes para determinar se existe um risco para a ordem pública na aceção do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 não são substancialmente os mesmos que os pertinentes para apreciar a existência de um risco de fuga na aceção desta disposição, uma vez que o conceito de «risco de fuga» é distinto do conceito de «risco para a ordem pública» (relativamente ao conceito de «risco de fuga» na aceção da referida disposição, v., designadamente, acórdão Mahdi, C‑146/14 PPU, EU:C:2014:1320, n.os 65 a 74).

57

Em seguida, como resulta do n.o 50 do presente acórdão, ao apreciar o conceito de «risco para a ordem pública», na aceção do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115, há que proceder a uma apreciação caso a caso para verificar se o comportamento pessoal do nacional em causa constitui um risco real e atual para a ordem pública do Estado‑Membro em causa.

58

Embora seja verdade que o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 não está formulado de modo idêntico em todas as versões linguísticas, uma vez que algumas utilizam o termo «perigo», enquanto outras empregam o termo «risco», há que, em qualquer caso, tendo em consideração o sentido habitual dos termos «perigo» e «risco» na linguagem comum, e à luz do contexto em que são utilizados e dos objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte, conforme referidos nos n.os 43 a 49 do presente acórdão, compreender esses termos no sentido de ameaça.

59

Além disso, uma apreciação específica dos interesses inerentes à proteção da ordem pública na aceção do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 não coincide necessariamente com as apreciações que servem de fundamento a uma condenação penal (v., por analogia, acórdão Bouchereau, 30/77, EU:C:1977:172, n.o 27).

60

Nestas condições, deve considerar‑se que o conceito de «risco para a ordem pública», conforme previsto no artigo 7.o, n.o 4, da referida diretiva, pressupõe, em qualquer caso, além da perturbação da ordem social que qualquer infração à lei implica, a existência de uma ameaça real, atual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade (v., por analogia, acórdão Gaydarov, C‑430/10, EU:C:2011:749, n.o 33 e jurisprudência referida).

61

Daqui resulta que são pertinentes, no âmbito de uma apreciação desse conceito, todos os elementos de facto ou de direito relativos à situação do nacional de um país terceiro em causa que sejam suscetíveis de clarificar a questão de saber se o comportamento pessoal deste é constitutivo de uma tal ameaça.

62

Por conseguinte, no caso de um nacional de um país terceiro que é suspeito de ter praticado um ato punível qualificado de crime ou delito em direito nacional ou foi sujeito a uma condenação penal por esse ato, entre os elementos pertinentes a este respeito figuram a natureza e a gravidade desse ato, bem como o tempo decorrido desde a sua prática.

63

Por outro lado, no presente caso, resulta do processo remetido ao Tribunal de Justiça que Z. Zh. estava em trânsito com destino ao Canadá quando foi detido pelas autoridades neerlandesas. A circunstância de estar em vias de deixar o território do Reino dos Países Baixos quando foi detido pode ser pertinente para determinar se constituía, no momento em que a decisão de regresso foi tomada, um risco para a ordem pública desse Estado‑Membro, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. A este respeito, cabe a este último apreciar todos os elementos factuais e, em especial, avaliar o peso que deve ser atribuído à referida circunstância no contexto do processo que lhe foi submetido.

64

No caso de I. O., resulta do pedido de decisão prejudicial que o Staatssecretaris não dispunha de nenhum documento que corroborasse a violência doméstica de que o interessado era acusado. Esta circunstância é pertinente para apreciar se o interessado constituía um risco para a ordem pública na aceção do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115, uma vez que a referida circunstância tem a ver com a fiabilidade da suspeita do ato de que I. O. é acusado e é, por conseguinte, suscetível de clarificar a questão de saber se o seu comportamento pessoal constituía um risco para a ordem pública dos Países Baixos no momento em que a decisão de regresso foi tomada.

65

Tendo em contas as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um nacional de um país terceiro em situação irregular no território de um Estado‑Membro que é suspeito de ter praticado um ato punível qualificado de crime ou delito em direito nacional ou foi sujeito a uma condenação penal por esse ato, outros elementos, como a natureza e a gravidade desse ato, o tempo decorrido desde a sua prática, bem como a circunstância de esse nacional estar em vias de deixar o território desse Estado‑Membro no momento em que foi detido pelas autoridades nacionais, podem ser pertinentes no âmbito da apreciação da questão de saber se o referido nacional constitui um risco para a ordem pública na aceção desta disposição. No âmbito dessa apreciação, são igualmente pertinentes, sendo caso disso, todos os elementos que tenham a ver com a fiabilidade da suspeita do crime ou delito de que o nacional de um país terceiro em causa é acusado.

Quanto à terceira questão

66

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que o recurso à possibilidade, permitida por esta disposição, de não conceder um prazo para a partida voluntária quando o nacional de um país terceiro constitui um risco para a ordem pública exige uma nova análise dos elementos que já tenham sido analisados para concluir que esse risco existe.

67

No presente caso, o Governo neerlandês explica que, na prática, a constatação de um risco para a ordem pública constitui, regra geral, um fundamento para as autoridades nacionais competentes não concederem ao nacional em causa um prazo para a partida voluntária, mas que estas autoridades podem não aplicar essa regra se as circunstâncias específicas do processo o justificarem, caso em que é concedido um prazo de 28 dias.

68

Antes de mais, há que observar que o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 prevê que os Estados‑Membros «podem não conceder um prazo para a partida voluntária ou podem conceder um prazo inferior a sete dias», sem todavia precisar de que modo deve ser efetuada essa escolha.

69

Em seguida, como o Tribunal já declarou, do direito de ser ouvido antes da adoção de uma decisão de regresso resulta a obrigação de as autoridades nacionais permitirem ao interessado exprimir o seu ponto de vista sobre as modalidades do seu regresso, ou seja, o prazo de partida e o caráter voluntário ou obrigatório do seu regresso (v. acórdão Boudjlida, C‑249/13, EU:C:2014:2431, n.o 51). Além disso, como resulta dos considerados 2, 6, 11 e 24 da Diretiva 2008/115, bem como do seu artigo 5.o, em conformidade com os princípios gerais do direito da União, incluindo o princípio da proporcionalidade, as decisões ao abrigo desta diretiva devem ser tomadas caso a caso e ter devidamente em consideração os direitos fundamentais da pessoa em causa.

70

Resulta do exposto que um Estado‑Membro não pode de forma automática, por via regulamentar ou pela prática, não conceder um prazo para a partida voluntária no caso de a pessoa em causa constituir um risco para a ordem pública. O exercício correto da possibilidade prevista para esse efeito no artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 exige que seja verificado caso a caso se a inexistência desse prazo seria compatível com os direitos fundamentais dessa pessoa.

71

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio analisar em que medida o procedimento de regresso em vigor nos Países Baixos é conforme com as exigências mencionadas no número anterior do presente acórdão.

72

Por último, como resulta do n.o 47 do presente acórdão, embora os Estados‑Membros estejam, em princípio, obrigados a conceder um prazo para a partida voluntária aos nacionais de países terceiros sujeitos a uma decisão de regresso tomada ao abrigo do artigo 6.o da Diretiva 2008/115, a fim de garantir o respeito dos direitos fundamentais desses nacionais de países terceiros na execução dessa decisão, resulta, contudo, da redação do artigo 7.o, n.o 4, desta diretiva, bem como da economia geral deste artigo, que a derrogação prevista neste n.o 4 visa também permitir ao Estado‑Membro em causa assegurar o respeito da sua ordem pública.

73

Por conseguinte, quando se revelar, com base na análise cujas exigências foram especificadas no âmbito da primeira e segunda questões prejudiciais, que o interessado constitui um risco real e atual para a ordem pública, o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 prevê a possibilidade de não ser concedido ao interessado um prazo para a partida voluntária. Esta faculdade é a consequência da existência desse risco e pode, por isso, com respeito pelos princípios gerais do direito da União e dos direitos fundamentais do interessado, ser utilizada pelo Estado‑Membro em causa, sem ser necessário proceder a uma nova análise dos elementos que foram considerados pertinentes para concluir pela existência do referido risco.

74

No entanto, o Estado‑Membro em causa pode ter em conta os referidos elementos, que podem ser pertinentes, designadamente, quando esse Estado‑Membro avalia se deve conceder um prazo para a partida voluntária inferior a sete dias.

75

À luz das considerações precedentes, há que responder à terceira questão que o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que o recurso à possibilidade, permitida por esta disposição, de não conceder um prazo para a partida voluntária quando o nacional de um país terceiro constitui um risco para a ordem pública não exige uma nova análise dos elementos que já tenham sido analisados para concluir que esse risco existe. Qualquer regulamentação ou prática de um Estado‑Membro nessa matéria deve, no entanto, garantir que seja verificado caso a caso se a inexistência de um prazo para a partida voluntária é compatível com os direitos fundamentais desse nacional.

Quanto às despesas

76

Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

O artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática nacional segundo a qual um nacional de um país terceiro, em situação irregular no território de um Estado‑Membro, é considerado um risco para a ordem pública na aceção desta disposição unicamente com o fundamento de que esse nacional é suspeito de ter praticado um ato punível qualificado de crime ou delito em direito nacional ou de que foi sujeito a uma condenação penal por esse ato.

 

2)

O artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um nacional de um país terceiro em situação irregular no território de um Estado‑Membro que é suspeito de ter praticado um ato punível qualificado de crime ou delito em direito nacional ou foi sujeito a uma condenação penal por esse ato, outros elementos, como a natureza e a gravidade desse ato, o tempo decorrido desde a sua prática, bem como a circunstância de esse nacional estar em vias de deixar o território desse Estado‑Membro no momento em que foi detido pelas autoridades nacionais, podem ser pertinentes no âmbito da apreciação da questão de saber se o referido nacional constitui um risco para a ordem pública na aceção desta disposição. No âmbito dessa apreciação, são igualmente pertinentes, sendo caso disso, todos os elementos que tenham a ver com a fiabilidade da suspeita do crime ou delito de que o nacional de um país terceiro em causa é acusado.

 

3)

O artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que o recurso à possibilidade, permitida por esta disposição, de não conceder um prazo para a partida voluntária quando o nacional de um país terceiro constitui um risco para a ordem pública não exige uma nova análise dos elementos que já tenham sido analisados para concluir que esse risco existe. Qualquer regulamentação ou prática de um Estado‑Membro nessa matéria deve, no entanto, garantir que seja verificado caso a caso se a inexistência de um prazo para a partida voluntária é compatível com os direitos fundamentais desse nacional.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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