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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62014CC0231

    Conclusões do advogado-geral M. Wathelet apresentadas em 30 de abril de 2015.
    InnoLux Corp. contra Comissão Europeia.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Artigo 101.° TFUE — Artigo 53.° do Acordo EEE — Mercado mundial dos ecrãs de cristais líquidos (LCD) — Fixação dos preços — Coimas — Orientações para o cálculo do montante das coimas (2006) — Ponto 13 — Determinação do valor das vendas relacionadas com a infração — Vendas internas do produto em questão fora do EEE — Tomada em consideração das vendas a terceiros no EEE de produtos acabados que integram o produto em questão.
    Processo C-231/14 P.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2015:292

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    MELCHIOR WATHELET

    apresentadas em 30 de abril de 2015 ( 1 )

    Processo C‑231/14 P

    InnoLux Corp., anteriormente Chimei InnoLux Corp.,

    contra

    Comissão Europeia

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado mundial dos ecrãs de cristais líquidos (LCD) — Coimas — Orientações para o cálculo do montante das coimas — Determinação do valor das vendas relacionadas com a infração — Aplicação extraterritorial das regras de concorrência da União Europeia — Vendas internas do produto em questão fora do Espaço Económico Europeu (EEE) — Tomada em consideração das vendas a terceiros no EEE de produtos acabados que integram o produto em questão»

    1. 

    Com o presente recurso, a InnoLux Corp. (a seguir «InnoLux») anteriormente Chimei InnoLux Corp. pede a anulação parcial do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, de 24 de fevereiro de 2014, InnoLux/Comissão ( 2 ), pelo qual este último, por um lado, alterou a Decisão C (2010) 8767 final da Comissão no processo COMP/39.309 — LCD (Liquid Crystal Displays) ( 3 ), ao fixar em 288 milhões de euros o montante da coima que lhe foi aplicada no artigo 2.o da referida decisão e, por outro, quanto ao restante, negou provimento, ao seu recurso destinado a obter a anulação parcial dessa decisão, na medida em que a mesma lhe diga respeito, bem como a redução do montante da referida coima.

    2. 

    O presente recurso suscita uma questão importante para o direito da concorrência, a saber, a da aplicação extraterritorial das regras de concorrência da União Europeia (neste caso, no contexto da determinação das vendas suscetíveis de serem tomadas em consideração pela Comissão Europeia para o cálculo da coima ( 4 )). A aplicação extraterritorial dessas regras pela Comissão também está a ser impugnada judicialmente em diversos processos atualmente pendentes quer no Tribunal Geral quer no Tribunal de Justiça ( 5 ).

    I – Antecedentes do litígio

    3.

    Os antecedentes do litígio e da decisão controvertida, tal como resultam dos n.os 1 a 27 do acórdão recorrido, podem ser resumidos nos seguintes termos.

    4.

    A Chi Mei Optoelectronics Corp. (a seguir «CMO»), sociedade de direito taiwanês, controlava um grupo de sociedades estabelecidas no mundo inteiro e que atuam na produção de ecrãs de cristais líquidos de matriz ativa (a seguir «LCD»). Na sequência de um acordo de concentração da CMO com as sociedades InnoLux Display Corp. e TPO Displays Corp, a entidade jurídica resultante, também uma sociedade de direito taiwanês, passou a denominar‑se InnoLux, recorrente no presente processo.

    5.

    Depois da sociedade de direito coreano Samsung Electronics Co. Ltd (a seguir «Samsung») ter denunciado à Comissão a existência de um cartel no mercado dos LCD, esta iniciou o procedimento administrativo e enviou uma comunicação de acusações a dezasseis sociedades, das quais duas eram filiais europeias detidas a 100% pela recorrente. Esta comunicação de acusações explicava, nomeadamente, as razões pelas quais as duas filiais da CMO deviam ser solidariamente responsáveis pelas infrações cometidas por esta última.

    6.

    Em 8 de dezembro de 2010, a Comissão adotou a decisão controvertida. Esta é dirigida a seis das dezasseis sociedades destinatárias da comunicação de acusações, entre as quais a recorrente, a LGD LG Display Co. Ltd (a seguir «LGD») e a AU Optronics Corp. (a seguir «AUO»). Em contrapartida, já não se dirige às filiais da recorrente.

    7.

    Na decisão controvertida, a Comissão declarou a existência de um acordo entre seis grandes fabricantes internacionais de LCD, entre os quais a recorrente, a LGD e a AUO, relativo às duas categorias seguintes de produtos, de tamanho igual ou superior a doze polegadas: os LCD para as tecnologias de informação («TI»), como os utilizados em computadores portáteis compactos e em monitores de computadores e os LCD para televisores (a seguir, em conjunto, «LCD cartelizados»).

    8.

    Para a fixação das coimas aplicadas pela decisão controvertida, a Comissão utilizou as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas ao abrigo do artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «Orientações de 2006»). Em aplicação das referidas orientações, a Comissão definiu o valor das vendas dos LCD cartelizados direta ou indiretamente afetadas pela infração. Para o efeito, determinou as três seguintes categorias de vendas efetuadas pelos participantes no cartel:

    «vendas EEE diretas», a saber, as vendas de LCD cartelizados a outra empresa dentro do Espaço Económico Europeu (EEE);

    «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», a saber, as vendas de LCD cartelizados integrados, no grupo a que o produtor pertence, em produtos acabados que são vendidos a outra empresa dentro do EEE; e

    «vendas indiretas», a saber, as vendas de LCD cartelizados a outra empresa situada fora do EEE, que incorpora em seguida os ecrãs em produtos acabados que vende no EEE, sendo outra «outra empresa» uma empresa que não faz parte do grupo do vendedor.

    9.

    A Comissão considerou que podia limitar‑se a ter em consideração as duas primeiras categorias mencionadas supra, não sendo necessário a inclusão da terceira categoria para que as coimas aplicadas pudessem atingir um nível dissuasivo suficiente. Nestas condições, a Comissão condenou a recorrente no pagamento de uma coima de 300 milhões de euros.

    II – Acórdão recorrido

    10.

    Por petição de 21 de fevereiro de 2011, a recorrente interpôs um recurso com vista à anulação parcial da decisão controvertida e à redução do montante da coima. A recorrente invocou três fundamentos em apoio do seu pedido. O primeiro era relativo ao facto de a Comissão ter aplicado um conceito juridicamente errado, a saber, o de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», o segundo era relativo à violação, por parte da Comissão, do artigo 101.o TFUE, ao concluir que a infração abrangia os LCD para televisores e o terceiro era relativo ao facto de o valor das vendas, que a Comissão considerou pertinentes a seu respeito, incluir erradamente outras vendas além das relativas aos LCD cartelizados.

    11.

    No acórdão recorrido, o Tribunal Geral acolheu este último fundamento e, em consequência, reduziu o montante da coima a aplicar à recorrente para 288 milhões de euros ( 6 ). Quanto ao restante, negou provimento ao recurso.

    III – Quanto ao recurso da decisão do Tribunal Geral

    A – Quanto ao primeiro fundamento, relativo à tomada em consideração das «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados »

    1. Síntese da argumentação das partes

    12.

    Com a primeira parte, relativa ao conceito de «vendas relacionadas com a infração», a recorrente censura o Tribunal Geral por ter incluído, no valor das vendas tomadas em consideração para o cálculo da coima, as suas vendas de produtos acabados no EEE, como «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», quando essas vendas não estão relacionadas com a infração na aceção do ponto 13 das Orientações de 2006.

    13.

    A Comissão considera que a argumentação da recorrente foi refutada pelo Tribunal Geral, mediante um raciocínio correto. A argumentação da recorrente ignora o facto de o preço dos LCD cartelizados afetar o preço dos produtos acabados e de as práticas colusórias terem por objeto tanto os LCD para venda a terceiros como os LCD destinados a entrega no grupo. Trata‑se de conclusões factuais efetuadas pelo Tribunal Geral que não podem ser reanalisadas no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral. Segundo a Comissão, é errado sustentar que não existe diferença entre uma venda a um terceiro e uma entrega intragrupo. A entrada real no mercado — isto é, a primeira «venda real» — ocorre no momento e no lugar onde a empresa vende o produto acabado.

    14.

    Com a segunda parte, relativa ao acórdão Europa Carton/Comissão (T‑304/94, EU:T:1998:89), a recorrente considera que a Comissão não teve em conta esse acórdão, na medida em que, em vez de tratar as vendas intragrupo da mesma maneira que as vendas a terceiros, aplicou a alguns destinatários da decisão controvertida um critério diferente para determinar o local das suas vendas intragrupo.

    15.

    A Comissão considera que o acórdão Europa Carton/Comissão (T‑304/94, EU:T:1998:89) confirma que pode ter em consideração o valor de um produto que é objeto de um cartel, independentemente da questão de saber se um participante nesse cartel vende diretamente o produto em questão no mercado ou o incorpora previamente noutro produto acabado. Em contrapartida, este acórdão não obriga a Comissão a considerar o local da entrega interna como o local de venda do produto cartelizado para avaliar o vínculo com o território do EEE.

    16.

    Com a terceira parte, relativa ao acórdão Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão (89/85, 104/85, 114/85, 116/85, 117/85 e 125/85 a 129/85, EU:C:1988:447, a seguir «acórdão ‘Pasta de papel I’»), a recorrente alega que decorre desse acórdão que a competência da União não se estende a qualquer venda realizada no EEE, mas apenas às vendas realizadas no EEE do produto pertinente abrangido pela ação concertada que é objeto da constatação de infração.

    17.

    Segundo a Comissão, o Tribunal Geral declarou acertadamente que o referido acórdão não impedia a Comissão de ter em consideração, para efeitos de cálculo da coima, as «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados» efetuadas pela InnoLux.

    18.

    Com a quarta parte, relativa ao acórdão Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão (6/73 e 7/73, EU:C:1974:18), a recorrente entende que é contrário a este acórdão considerar que as entregas intragrupo de LCD a instalações de produção situadas no EEE, como no caso da Samsung, não são vendas no EEE quando os produtos acabados nos quais se incorporam os LCD são vendidos fora do EEE.

    19.

    A Comissão considera que a recorrente faz uma interpretação errada do referido acórdão. Com efeito, o referido acórdão analisava o âmbito de aplicação ratione materiæ do artigo 102.o TFUE, mas não tratava do cálculo das coimas nos processos relativos a cartéis e, por conseguinte, não apoia em nada a tese principal da recorrente, segundo a qual, a Comissão, para o cálculo da coima, devia ignorar as vendas de LCD realizadas pela InnoLux no EEE através de produtos acabados.

    20.

    Com a quinta parte, em relação à aplicação extraterritorial das regras de concorrência da União, a recorrente sustenta que o critério utilizado pela Comissão e pelo Tribunal Geral para identificar o local das suas entregas intragrupo envolve um risco de duplicidade de sanções e de conflito de competência com outras autoridades da concorrência.

    21.

    A Comissão considera que esta parte é inadmissível, dado que este argumento é invocado pela primeira vez em sede do presente recurso. O referido argumento é, em todo o caso, hipotético e infundado. Logicamente, só pode existir uma única primeira «venda real».

    2. Análise

    22.

    Considero que todos estes argumentos estão interligados e sobrepõem‑se de tal maneira que é indispensável analisá‑los em conjunto.

    a) Falta de distinção entre a tomada em consideração das vendas, consoante sejam realizadas com terceiros independentes ou com entidades do mesmo grupo.

    23.

    O ponto 13 das Orientações de 2006 dispõe que «[p]ara determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão utilizará o valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente […] com a infração, na área geográfica em causa no território do Espaço Económico Europeu (‘EEE’)» (sublinhado meu).

    24.

    No caso em apreço, para calcular a coima a aplicar à recorrente, a Comissão tomou em consideração, através do conceito — utilizado, aliás, pela Comissão pela primeira vez (v. n.o 2 das presentes conclusões relativamente aos processos posteriores) — de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», a fração do valor das vendas internas de LCD da recorrente que podia corresponder ao valor dos LCD integrados nos produtos acabados, contanto que estes tenham sido vendidos pela recorrente a empresas terceiras estabelecidas no EEE. Com efeito, todas as vendas internas de LCD abrangidas pela infração foram realizadas pela recorrente fora do EEE a entidades pertencentes ao mesmo grupo, que os integraram em produtos acabados (computadores e televisores) e, em seguida, os venderam no EEE a empresas terceiras independentes.

    25.

    Conforme o Tribunal de Justiça confirmou recentemente no acórdão Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (C‑580/12 P, EU:C:2014:2363, n.os 57 a 59; v. também as minhas conclusões nesse processo C‑580/12 P, EU:C:2014:272, n.os 21 e segs.), por um lado, «o ponto 13 das orientações de 2006 tem por objetivo fixar como ponto de partida para o cálculo da coima aplicada a uma empresa um montante que reflita a importância económica da infração e o peso relativo desta empresa na mesma» e, por outro, o Tribunal de Justiça declara que é importante que a coima esteja em «relação real com o âmbito de aplicação do cartel em causa» e que «a parte do volume de negócios global proveniente da venda de produtos objeto da infração é a que melhor reflete a importância económica desta infração. Não deve pois distinguir‑se entre as vendas a terceiros independentes e as vendas a entidades que pertencem à mesma empresa. Não ter em conta o valor das vendas que pertencem a esta última categoria significaria necessariamente beneficiar, sem justificação, as sociedades verticalmente integradas, permitindo‑lhes escapar a uma sanção proporcional à sua importância no mercado dos produtos objeto da infração» (sublinhado meu).

    26.

    A este propósito, declarou no mesmo acórdão (n.o 57) que o conceito de «valor das vendas» referido no ponto 13 das Orientações de 2006, embora só se possa considerar no sentido de que apenas visa o volume de negócios realizado com as vendas que foram comprovadamente afetadas por este cartel, «não po[de] […] ser alargado de modo a englobar as vendas realizadas pela empresa em questão que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do cartel em causa» ( 7 ).

    27.

    Neste contexto, acrescento que, conforme o Tribunal Geral declarou acertadamente no n.o 66 do acórdão Team Relocations e o./Comissão (T‑204/08 e T‑212/08, EU:T:2011:286), «resulta de jurisprudência assente que a parte do volume de negócios obtida com as mercadorias objeto da infração é de natureza a fornecer uma justa indicação da amplitude de uma infração no mercado em causa […]. Em particular, o volume de negócios realizado com os produtos que constituíram o objeto de uma prática restritiva constitui um critério objetivo, que dá uma justa medida do carácter nocivo desta prática para o funcionamento normal da concorrência […]. Este princípio foi retomado nas orientações de 2006». Este acórdão foi confirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Team Relocations e o./Comissão (C‑444/11 P, EU:C:2013:464).

    28.

    Ora, no caso em apreço, é facto assente que as vendas de produtos acabados, efetuadas a terceiros independentes no EEE pelas entidades pertencentes ao grupo da recorrente, que foram tomadas em consideração para calcular a coima a aplicar à recorrente, não foram realizadas no mercado pertinente em causa na infração declarada na decisão controvertida. Embora o Tribunal de Justiça tenha confirmado de uma vez por todas no acórdão Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (C‑580/12 P, EU:C:2014:2363) que a Comissão não tem razões para fazer uma distinção entre vendas internas e vendas externas e também não tem razões, em princípio, para tratar como «vendas reais» só as vendas externas ( 8 ).

    29.

    Considerando que o próprio Tribunal Geral reconhece, no n.o 74 do acórdão recorrido, que a abordagem adotada pela Comissão no caso em apreço era dificilmente conciliável com a jurisprudência, coloca‑se, por conseguinte, a questão de saber se e em que medida o Tribunal Geral, não tendo transposto pura e simplesmente a jurisprudência ( 9 ), tinha o direito, para utilizar as suas palavras, de a «adaptar»«às circunstâncias em questão», caraterizadas pelo facto de a recorrente ser uma empresa verticalmente integrada que incorporava fora do EEE os LCD cartelizados em produtos acabados vendidos no EEE, «para atingir o objetivo, pretendido pela referida jurisprudência, de não beneficiar as empresas verticalmente integradas que participaram num cartel» (n.o 74 do acórdão recorrido).

    30.

    Ora, não deixa de ser verdade que a metodologia seguida no presente caso pela Comissão equivale a tomar em consideração as vendas (internas) do produto em causa realizadas integralmente fora do EEE e que, por esse facto, essa metodologia, na minha opinião, deve ser vista como uma extensão da competência territorial da Comissão relativamente a um cartel constituído e implementado em países terceiros, pela única razão de que a Comissão «supõe» que esse cartel produz determinados efeitos no EEE, por causa das vendas, neste território, de produtos acabados que integram o produto em causa, a empresas terceiras independentes ( 10 ).

    31.

    Com efeito, no caso em apreço, uma vez que as vendas (internas) do produto que são objeto da infração da recorrente não foram feitas no EEE e que os produtos acabados que os integram foram vendidos no EEE pelas entidades que pertencem ao grupo da recorrente não constituem objeto da infração, é difícil, para não dizer impossível, sustentar que a prática concertada foi «implementada» no EEE, na aceção do acórdão «Pasta de papel I» (n.os 13, 16 e 17 do referido acórdão).

    32.

    Importa salientar o caráter criticável dos esforços feitos pela Comissão na decisão controvertida (considerandos 9 e 381) para distinguir as vendas intragrupo «reais», isto é, as que podem ser tidas em consideração enquanto tais para o cálculo da coima, e as que não podem, isto é, as que podem ser ignoradas e substituídas pelas vendas «reais» a terceiros de LCD integrados num produto acabado, o denominado «produto transformado». No caso em apreço, a InnoLux podia ser processada por uma autoridade da concorrência na Ásia exatamente pelas mesmas vendas que as que estão aqui em causa.

    33.

    Além disso, a Comissão parece ter esquecido que o Tribunal Geral, já julgou improcedente, com razão, um argumento semelhante invocado pela parte recorrente no acórdão Europa Carton/Comissão (T‑304/94, EU:T:1998:89, n.os 113 e 121 a 123), a saber, que as entregas internas não deviam ser tomadas em consideração, porque não constituíam uma «venda real». Com já referi, esta abordagem foi confirmada recentemente pelo Tribunal de Justiça no acórdão Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (C‑580/12 P, EU:C:2014:2363).

    34.

    Em conclusão, na minha opinião, as vendas internas devem ser tomadas em consideração como as vendas a terceiros, mas devem ser excluídas se tiverem lugar fora do território da União, o que me leva a analisar o processo do ponto de vista do âmbito de aplicação territorial do direito da União.

    b) Âmbito de aplicação do direito da União

    35.

    Nesta fase, pode ser interessante estabelecer um paralelismo entre as regras aqui em causa e as aplicáveis nos Estados Unidos. Contrariamente à section 1 da americana Sherman Act, lei americana que proíbe, de uma forma geral, qualquer acordo com vista a limitar o comércio entre vários Estados ou nações estrangeiras e não prevê nenhuma limitação geográfica, o artigo 101.o TFUE proíbe, expressamente, «todos os acordos entre empresas […] e todas as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno» (sublinhado meu). A mesma regra decorre mutatis mutandis do texto do artigo 102.o TFUE («explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado interno»).

    36.

    Com efeito, ao analisar a própria redação do artigo 101.o TFUE (na época, artigo 85.o CE), o Tribunal de Justiça declarou, em substância, no acórdão «Pasta de papel I» (n.os 11 e segs.), que uma prática concertada só é suscetível de restringir a concorrência no mercado comum e, por conseguinte, entrar no âmbito de aplicação territorial do artigo 85.o CE se respeitar a vendas do produto pertinente diretamente a compradores estabelecidos na Comunidade e se os produtores concorrem em matéria de preços por forma a obterem encomendas desses clientes.

    37.

    O Tribunal de Justiça concluiu nesse sentido com base na análise da redação do artigo 85.o CE acrescentando que «[n]estas condições, a competência da Comunidade para aplicar as suas regras de concorrência em relação a tais comportamentos está coberta pelo princípio da territorialidade, que é universalmente reconhecido em direito internacional público» (n.o 18 do mesmo acórdão). Por conseguinte, o artigo 101.o TFUE (ou, aliás, o artigo 102.o TFUE) não suscita questões de competência territorial à luz do direito internacional público, porque precisamente, atendendo à sua redação, simplesmente não é suposto ser aplicado extraterritorialmente.

    38.

    É por esta razão que não é necessário ter na União uma lei equivalente à lei americana intitulada «The Foreign Trade Antitrust Improvements Act», que introduziu por via legislativa o denominado teste dos «efeitos qualificados» para excluir da section 1 da Sherman Act comportamentos verificados no estrangeiro que não têm «efeito direto, substancial e razoavelmente previsível no comércio americano». Com efeito, ao contrário da Sherman Act, a redação dos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE indica claramente que estes só se aplicam a práticas que limitam a concorrência dentro e não fora da União.

    39.

    Neste contexto, cabe referir o recente processo Motorola Mobility v. AU Optronics (n.o 14‑8003) submetido ao U.S. Court of Appeals (7th Circuit), e que dizia respeito ao mesmo cartel mundial que está na origem do presente recurso. Esse processo suscitava questões e apresentava factos análogos às e aos aqui em questão, designadamente, a aplicação extraterritorial do direito (americano neste caso) da concorrência. Nesse processo, a Motorola, estabelecida nos Estados Unidos, acusava um cartel internacional (o mesmo que aqui) de uma violação da Sherman Act mediante um acordo sobre os preços dos LCD vendidos a algumas das suas filiais, estabelecidas fora do território americano, que os tinham incorporado em produtos acabados e, a seguir, entregue à respetiva sociedade‑mãe nos Estados Unidos.

    40.

    Num «amicus curiae brief» dirigido ao U.S. Court of Appeals, a autoridade belga da concorrência ( 11 ) defende uma interpretação restritiva da competência territorial do direito antitrust americano em aplicação do princípio da cortesia internacional (comitas gentium) e salienta que uma aplicação extensiva do direito americano poria em causa (a eficácia de) a aplicação do direito belga e do direito europeu da concorrência, bem como o de outros países. No referido processo, foram apresentados «Amicus curiae briefs» semelhantes, nomeadamente, por Taiwan e pelo Japão.

    41.

    No acórdão proferido alguns meses depois do acórdão recorrido, o U.S. Court of Appeals negou provimento à denúncia da Motorola e declarou que a Sherman Act não era aplicável, pelo facto de os efeitos do cartel no mercado americano — admitindo que fossem significativos e razoavelmente previsíveis — eram de natureza «indireta», uma vez que os participantes no acordo de cartel não vendiam LCD nos Estados Unidos, mas sim no estrangeiro a empresas (subsidiárias da Motorola) que os incorporavam em produtos em seguida exportados e revendidos nos Estados Unidos. O referido acórdão salientou também o risco de atribuir um âmbito de aplicação demasiado amplo à Sherman Act.

    42.

    O que antecede mostra que, também no presente processo, uma interpretação extensiva do âmbito de aplicação territorial do direito da concorrência da União podia dar origem a conflitos de competência com autoridades de concorrência estrangeiras, bem como uma duplicação das incriminações das empresas.

    43.

    Além disso, os órgãos jurisdicionais da União sempre reconheceram a importância do estrito respeito da competência territorial ( 12 ) para evitar a violação do princípio non bis in idem ( 13 ), consagrado no artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Resulta do acórdão SGL Carbon/Comissão (C‑308/04 P, EU:C:2006:433, nomeadamente, n.os 29 e 32) que o Tribunal de Justiça considerou que se uma autoridade da concorrência ultrapassa a sua competência territorial gera um risco de sanções concorrentes para as empresas visadas no inquérito. No caso em apreço, se a Comissão aplicar uma coima por uma transação respeitante a um componente entregue num país não membro do EEE pelo facto de um produto acabado que incorpora esse componente ter sido vendido no EEE, a mesma transação poderá ser punida duas vezes: a primeira no Estado não membro do EEE onde o componente foi entregue e depois, uma segunda vez, no EEE (devido à abordagem da Comissão segundo a qual esse componente é incorporado num produto acabado que é objeto de uma venda final no EEE).

    44.

    Parece‑me que, salvo demonstração complementar da existência de efeitos qualificados do cartel no EEE, a Comissão vai demasiado longe quando sanciona acordos sobre produtos fabricados e vendidos fora do EEE, apenas pelo facto de que são posteriormente «transformados» ou integrados noutros produtos que (na sua totalidade ou em parte) chegam ao EEE.

    c) Efeitos do cartel no EEE através dos produtos acabados: critérios de «efeitos qualificados» e de «execução»

    45.

    Cabe salientar que, inicialmente, na abertura do processo de infração, a Comissão tinha qualificado as vendas aqui em causa de «vendas EEE indiretas» (v. considerando 391 e segs. da decisão controvertida). Só mais tarde é que decidiu qualificá‑las de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados» ( 14 ). Terá sido isto um esforço da Comissão para melhor justificar a utilização de um novo conceito?

    46.

    Em todo o caso, na minha opinião, não é possível considerar que as vendas no EEE de produtos acabados que incorporam LCD, feitas por unidades do grupo InnoLux estabelecidas fora do EEE, constituem, na aceção do acórdão «Pasta de papel I», a execução no EEE do acordo de preços relativo à venda dos LCD. Com efeito, não é possível equiparar essas vendas a vendas de LCD a preços cartelizados no EEE. Por um lado, não se pode caracterizar a venda dos próprios produtos acabados como a execução do cartel LCD no EEE, uma vez que as vendas de produtos acabados que incorporam LCD não entram no âmbito da violação do artigo 101.o TFUE declarada pela Comissão. Por outro lado, os próprios LCD incorporados não são objeto de uma venda a preços concertados no EEE. No caso em apreço, a «execução» ocorreu fora do EEE com a entrega dos LCD a entidades que os incorporam nos produtos acabados.

    47.

    Tratar de maneira diferente, do ponto de vista do âmbito de aplicação do artigo 101.o TFUE, as vendas indiretas de LCD no EEE consoante os «produtos transformados» sejam introduzidos no mercado por empresas terceiras que adquiriram esses LCD a membros do cartel ou sejam colocados no mercado por filiais de membros do cartel que adquiriram os LCD na sequência de entregas dentro de um grupo verticalmente integrado, teria como consequência desfavorecer estes últimos em relação aos produtores que não estão integrados a jusante ( 15 ).

    48.

    Por conseguinte, é claro que a competência da Comissão em face as vendas em causa, só pode ser justificada neste caso aplicando o critério dos «efeitos qualificados».

    i) Critério dos «efeitos qualificados» em geral

    49.

    Vários advogados‑gerais pugnaram pelo reconhecimento deste critério pelo Tribunal de Justiça, o que permitiria aplicar o direito da concorrência da União a comportamentos ou acordos anticoncorrenciais verificados fora do EEE, mas com repercussões no território do EEE. Foi, designadamente, o caso do advogado‑geral H. Mayras nas suas conclusões apresentadas no processo Imperial Chemical Industries/Comissão (48/69, EU:C:1972:32) (em que o acordo tinha efeitos diretos e imediatos, substanciais e previsíveis na Comunidade) e do advogado‑geral M. Darmon nas suas conclusões apresentadas nos processo apensos Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão (89/85, 104/85, 114/85, 116/85, 117/85 e 125/85 a 129/85, EU:C:1988:258) ( 16 ).

    50.

    A própria Comissão afirma, desde há muito tempo, que o critério dos «efeitos qualificados» fixa o limite externo da sua competência ( 17 ).

    51.

    No seu acórdão Gencor/Comissão (T‑102/96, EU:T:1999:65, n.o 92), o Tribunal Geral também recorreu a este critério ao exigir, no âmbito de uma contestação da competência da Comissão para aplicar o regulamento relativo ao controlo das operações de concentração de empresas a uma operação realizada entre entidades estabelecidas fora da Comunidade ( 18 ), que se tratasse de um «efeito imediato, substancial e previsível». Por outro lado, não vejo nenhuma razão para limitar a aplicação deste critério apenas às operações de concentração ( 19 ).

    52.

    O Tribunal Geral salientou também no acórdão Haladjian Frères/Comissão ( 20 ), a propósito de «um acordo relativo a produtos adquiridos nos Estados Unidos para serem vendidos na [União que] […] [o] simples facto de um comportamento provocar certos efeitos, quaisquer que eles sejam, na economia da [União] não constitui em si um elo suficientemente estreito para justificar a competência [da União]. Para poder ser tido em consideração, é necessário que esse efeito seja substancial, isto é, sensível e não negligenciável».

    53.

    É verdade que embora o Tribunal de Justiça nunca tenha rejeitado o critério dos «efeitos qualificados», também nunca se pronunciou expressamente sobre a possibilidade de recorrer a ele ( 21 ). Ainda que eu seja favorável a isso, o problema não se põe no presente recurso, uma vez que, na minha opinião, a demonstração que a Comissão faz de efeitos qualificados do cartel sobre a concorrência no EEE é muito insuficiente.

    ii) Demonstração dos «efeitos qualificados» no presente processo?

    54.

    Sendo o EEE um mercado protegido por regras aplicáveis no caso em apreço, é difícil a priori relacionar as vendas na Ásia em causa neste processo com as regras da concorrência do EEE ou com a estrutura da concorrência no EEE dos produtos visados pela infração, a menos que se conclua, através de uma análise do mercado do produto acabado no EEE que o acordo para o mercado asiático sobre os LCD cartelizados também provocou uma distorção da concorrência no mercado dos produtos acabados no EEE. Ora, na decisão controvertida, a Comissão não procede dessa forma e não indica nem faz prova suficiente de que a concorrência tinha sido falseada no EEE no mercado de produtos acabados, nem sequer que a infração se estendia à fixação dos preços ou à venda dos produtos acabados nos quais os LCD cartelizados foram integrados.

    55.

    Na decisão controvertida, a Comissão só constatou uma infração ao artigo 101.o TFUE ( 22 ) respeitante apenas aos LCD (v. considerandos 1 e 377 da decisão controvertida), ao observar simplesmente que «[a]s vendas de ecrãs LCD a clientes intragrupo faziam parte das discussões do acordo do caso em apreço» e que se podia «supor razoavelmente que um acordo executado tinha efeitos sobre as vendas diretas através dos produtos transformados» (considerando 394 da decisão controvertida; sublinhado meu), o que certamente não equivale a uma demonstração de efeitos qualificados do cartel no mercado do EEE.

    56.

    Por um lado, é claro que (a constatação de que) a infração não diz respeito diretamente aos produtos acabados. Por outro, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a infração também não lhes diz respeito indiretamente. Com efeito, as Orientações de 2006 indicam claramente que a palavra «indireto» que figura no seu n.o 13 se destina a abranger situações como «por exemplo, os acordos […] de fixação de preços relativamente a um dado produto, quando o preço desse produto determina por sua vez os preços de produtos de qualidade inferior ou superior» ( 23 ). Esta situação não ocorre no presente caso: não resulta dos autos que os preços cartelizados de um LCD constituem um preço de referência dos LCD de qualidade superior ou inferior. Também não resulta dos autos que servem de referência para os preços dos produtos acabados que os incorporam.

    57.

    O Tribunal Geral considerou, nos n.os 48 e 49 do acórdão recorrido, que a opção da Comissão de ter em consideração as «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados» era, no seu entendimento, «ainda mais justificado no presente caso uma vez que resulta[va] dos elementos de prova contidos na decisão [controvertida (considerando 394)], que não foram postos em causa pela recorrente, que as vendas de LCD cartelizados entre as empresas participantes no cartel eram feitas a preços influenciados pelo próprio cartel» e que «os participantes no cartel sabiam que os preços dos LCD cartelizados afetavam os preços dos produtos acabados em que eram integrados» (v. considerandos 92 e 93 da decisão controvertida). Ora, ainda que assim fosse, não é menos verdade que esses conceitos de «influência» e de «afetação» não podem bastar para demonstrar a verificação de «efeitos qualificados» no EEE. Além disso, parece que essas constatações visam todos os participantes no cartel sem fazer nenhuma distinção entre as vendas intragrupo «reais», que podem ser tomadas em consideração enquanto tais para o cálculo da coima quando ocorrem no EEE, e as que o não são e que, segundo a Comissão, podiam ser substituídas pelas vendas «reais» a terceiros de LCD integrados num produto acabado ( 24 ).

    58.

    No caso em apreço, o Tribunal Geral sublinha, no n.o 70 do acórdão recorrido, que a Comissão deve poder instaurar um processo relativo às «repercussões» que um cartel concebido fora do EEE teve «no jogo da concorrência no mercado interno» e aplicar «uma coima proporcional ao caráter nocivo desse cartel no jogo da concorrência no referido mercado». Assim, acrescenta, «uma vez que os LCD cartelizados produzidos pela recorrente foram integrados nos produtos acabados por sociedades da mesma empresa que a recorrente e que esses produtos acabados foram vendidos no EEE por essa empresa, há que considerar que o cartel afetou as transações que se realizaram até ao momento dessa venda, inclusive». Esta conclusão parece‑me, no mínimo, precipitada na medida em que a Comissão não demonstrou que uma infração relativa à fixação do preço dos LCD tem necessariamente um efeito sobre a fixação do preço dos produtos acabados. Além disso, muitos fabricantes de produtos acabados não estavam envolvidos no processo que levou à decisão controvertida. A declaração da Comissão, no considerando 394 da decisão controvertida (considerando 389 da versão francesa), de que «se pode razoavelmente supor que a implementação de um cartel tinha efeitos nas vendas diretas por intermédio dos produtos transformados», é apenas uma hipótese, como a própria Comissão admite, uma vez que não apresentou nenhuma prova na decisão controvertida de que a venda dos produtos acabados tinha sido suficientemente afetada para que se pudesse falar de «efeitos qualificados» no EEE do cartel em causa, conceito que, no mínimo, exige efeitos imediatos, substanciais e previsíveis e não apenas possíveis ou presumidos.

    59.

    Se a Comissão quer incluir as vendas em causa no cálculo da coima «não se pode limitar a apresentar uma mera presunção, mas deve trazer […] indícios concretos, críveis e suficientes que permitam apreciar a influência efetiva que a infração teve na concorrência no referido mercado» (v. acórdão Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, EU:C:2009:505, n.o 82). Por conseguinte, não basta a Comissão basear‑se na presunção da existência de efeitos semelhantes e pode até perguntar‑se se a Comissão tentou verificar e quantificar o impacto do cartel no mercado dos produtos acabados no EEE.

    60.

    Para a recorrente, um outro problema que o conceito de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados» coloca, advém do facto de deslocar artificialmente o local da transação em causa, do lugar onde o LCD foi efetivamente entregue e utilizado para aquele onde foi vendido o produto acabado, no qual esse LCD foi incorporado. Ora, o local de venda dos LCD situa‑se na Ásia e não no EEE. Consequentemente, quando a Comissão equipara a venda do produto acabado à do LCD aí incorporado, trata efetivamente as entregas internas de ecrãs efetuadas dentro da InnoLux, em Taiwan e na China, como se tivessem sido efetuadas no EEE, quando considerou que as entregas intragrupo de ecrãs efetuadas pela Samsung a partir da Coreia do Sul para as suas fábricas situadas no EEE tinham sido efetuadas fora do EEE, apenas porque a Samsung vende os produtos acabados nos quais os LCD são incorporados fora do EEE ( 25 ).

    61.

    É verdade que, conforme a Comissão declara no considerando 383 da decisão controvertida, «o facto de adotar o critério da entrega para estabelecer o valor das vendas gera um vínculo forte com o EEE […]», mas como o Tribunal Geral declarou no acórdão Brouwerij Haacht/Comissão (T‑48/02, EU:T:2005:436, n.o 59, que não foi objeto de recurso), «a apreciação, para o cálculo da coima aplicada pela infração cometida, da capacidade económica efetiva dos autores para causar prejuízo aos outros operadores, designadamente aos consumidores, só pode ser feita por referência a outros produtos que não os que foram objeto do acordo».

    62.

    Aliás, como dispõem as Orientações de 2006, das quais a Comissão não se pode afastar sem justificação específica e objetiva compatível, designadamente, com o princípio da igualdade de tratamento ( 26 ) (justificação que não é dada no caso em apreço), as coimas devem ser baseadas nas vendas que são objeto da infração. Por conseguinte, a Comissão não pode tomar em consideração a venda de produtos a jusante, a saber, produtos que não são objeto da infração mesmo se os produtos da infração aí tiverem sido incorporados, como parte componente.

    iii) Em todo o caso, quid do critério da «execução» de um acordo de cartel?

    63.

    No acórdão «Pasta de papel I» (n.os 16 e 17), o Tribunal de Justiça declarou que o elemento «determinante» da competência da Comissão para aplicar as proibições estabelecidas pelo direito da concorrência da União não era o lugar da formação do acordo, mas onde o acordo tinha sido executado ( 27 ). No n.o 18 deste acórdão, o Tribunal de Justiça salientou que a competência da União está «coberta pelo princípio da territorialidade, que é universalmente reconhecido em direito internacional público». Ora, o Tribunal de Justiça tinha assinalado no n.o 12 do mesmo acórdão, «que as principais fontes de abastecimento em pasta de madeira [estavam] situadas fora da Comunidade […] e que o mercado [tinha], por conseguinte, uma dimensão mundial. Quando produtores de pasta estabelecidos nestes países [fora da União] efetuam vendas diretamente a compradores estabelecidos na Comunidade e quando concorrem entre si em matéria de preços para obterem encomendas desses clientes, há concorrência no mercado comum» (sublinhado meu). Só quando «esses produtores se concertam sobre os preços que proporcionarão aos seus clientes estabelecidos na Comunidade e põem em prática essa concertação vendendo a preços efetivamente coordenados, [é que] participam numa concertação que tem por objetivo e por efeito restringir a concorrência no mercado comum, na aceção do artigo 85.o do Tratado» (n.o 13 do acórdão «Pasta de papel I»; sublinhado meu), o Tribunal de Justiça conclui que «no caso em apreço, [era] no interior do mercado comum que os produtores [tinham posto] em prática o seu acordo em matéria de preços» (n.o 17 do referido acórdão).

    64.

    Por conseguinte, o ponto de partida para analisar a aplicabilidade do direito da concorrência da União consiste na identificação do local onde se exerce a concorrência em relação ao produto abrangido pela concertação.

    65.

    O que desencadeia a competência da União, em virtude do critério da execução desenvolvido no acórdão «Pasta de papel I», é uma venda, no EEE, do produto pertinente abrangido pela ação concertada, no presente caso dos LCD ( 28 ). Ora, a decisão controvertida não constata nenhuma ação concertada relativamente a produtos acabados que integram LCD fabricados por participantes no cartel. O Tribunal Geral também não tem em conta o critério enunciado no acórdão «Pasta de papel I» quando indica, no n.o 46 do acórdão recorrido, que as vendas de produtos acabados que integram LCD «prejudi[cam] o jogo da concorrência no EEE». Basta salientar que as vendas de produtos acabados não são feitas no mercado do EEE afetado pela infração, a saber, o mercado dos LCD. Por último, contrariamente ao que o Tribunal Geral declara no n.o 47 do acórdão recorrido não basta identificar as «vendas que apresentam um nexo [qualquer] com o EEE» para estabelecer a aplicabilidade do direito da concorrência da União por força do critério enunciado no acórdão «Pasta de papel I». O que deve ser demonstrado, é a existência de vendas, no EEE, do produto afetado pela infração, a saber, os LCD e a venda de um produto distinto que integra um LCD, como componente que não é ele próprio objeto da venda, não preenche essa condição.

    66.

    Por último, considero que no contexto da questão da competência territorial que se coloca neste caso, a Comissão estava obrigada a interpretar as Orientações de 2006 de uma forma restritiva — a fortiori recordo que «o processo que conduz à aplicação de uma coima [pela Comissão] por violação da proibição de celebração de acordos de fixação de preços e de repartição do mercado enunciado no artigo 81.o, n.o 1, CE se insere na ‘vertente penal’ do artigo 6.o, n.o 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma a 4 de novembro de 1950, como tem vindo a ser progressivamente definida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem» ( 29 ).

    67.

    Resulta de tudo o que precede que o primeiro fundamento deve ser julgado procedente.

    68.

    Consequentemente, há que anular o acórdão recorrido na medida em que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir que as entregas intragrupo de LCD às fábricas da recorrente na Chine e em Taiwan entram no âmbito de aplicação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do acordo sobre o EEE, pelo único motivo de que os produtos acabados nos quais aqueles LCD são incorporados, como componentes, nas fábricas em questão são vendidos pela recorrente no EEE.

    B – Quanto ao segundo fundamento, relativo à discriminação alegada em relação a outros participantes no acordo de cartel

    69.

    Com a primeira parte, relativa ao recurso ao conceito de «empresa única» como critério distintivo, a recorrente alega que a distinção operada pelo Tribunal Geral entre as empresas verticalmente integradas, consoante formem ou não uma empresa única com os seus compradores associados, não se baseia em nenhuma diferença pertinente. Assim, no acórdão LG Display e LG Display Taiwan/Comissão (T‑128/11, EU:T:2014:88), o Tribunal Geral, para rejeitar o argumento da LGD de que as vendas de LCD às suas sociedades‑mãe deviam ser excluídas, não invocou o facto de que as vendas em questão eram efetuadas no âmbito de uma empresa única. A recorrente, refere‑se também ao n.o 140 desse acórdão e alega que não tinha nenhuma lógica distinguir as sociedades verticalmente integradas consoante as suas vendas pertinentes fossem efetuadas a filiais associadas ou a sociedades‑mãe associadas.

    70.

    A Comissão sustenta que a argumentação da recorrente não tem fundamento.

    71.

    Antes de mais, importa salientar que, uma vez que o segundo fundamento apresentado pela recorrente não é suscetível de determinar uma anulação mais ampla, normalmente não haveria que o examinar ( 30 ). É apenas por uma questão de exaustividade e a título subsidiário (para o caso de o Tribunal de Justiça decidir não acompanhar as minhas conclusões quanto ao primeiro fundamento) que examino o segundo.

    72.

    Em todo o caso, importa observar que a distinção entre os participantes no cartel feita pelo Tribunal Geral, segundo o critério do conceito de «empresa» na aceção do artigo 101.o TFUE, para determinar os que constituem empresas verticalmente integradas com os seus compradores e os que se mantêm autónomos em relação a estes últimos, encontra um argumento sólido na jurisprudência ( 31 ).

    73.

    Com exceção de questões relacionadas, designadamente, com a competência extraterritorial da Comissão e com a jurisprudência na matéria examinadas pormenorizadamente na análise do primeiro fundamento, penso que, para distinguir as entregas intragrupo das vendas a terceiros, a Comissão e o Tribunal Geral não fizeram uma distinção arbitrária. Com efeito, no presente caso, distinguiram simplesmente as empresas verticalmente integradas das que o não eram e, para estabelecer essa distinção, contrariamente ao direito da concorrência americano, o conceito (objetivo) de «empresa única» é especialmente pertinente em direito da União. Na minha opinião, esta parte do segundo fundamento devia ser julgada improcedente por este único motivo.

    74.

    Além disso, contrariamente ao que a recorrente afirma, a situação da LGD é diferente da situação das empresas verticalmente integradas como a InnoLux. Com efeito, a LGD constituía uma empresa distinta das suas sociedades‑mãe. Devido ao facto de não haver integração vertical, todas as vendas de LCD efetuadas pela LGD a estas últimas no EEE foram tidas em consideração, para efeitos de cálculo da coima, como «vendas EEE diretas». Por conseguinte, o conceito de «empresa única» permitiu estabelecer uma distinção objetiva entre situações diferentes.

    75.

    Daqui decorre que a primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

    76.

    Na segunda parte deste segundo fundamento, relativa aos alegados erros em relação ao método aplicado às entregas de LCD intragrupo efetuadas pela LGD e a AUO, a recorrente considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao invocar, nos n.os 93 e 94 do acórdão recorrido, o princípio da legalidade para rejeitar os seus argumentos relativos ao princípio da igualdade de tratamento. Com efeito, resulta do acórdão Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o. (C‑628/10 P e C‑14/11 P, EU:C:2012:479) que só quando uma parte pede o benefício de um método de cálculo ilegal da coima é que se pode invocar o princípio da legalidade para lhe recusar esse benefício. Ora, no caso em apreço, a recorrente tinha sido privada do benefício de um método de cálculo da coima perfeitamente legal. Com efeito, o método aplicado às entregas de LCD intragrupo efetuadas pela LGD e a AUO foi o que o Tribunal Geral e o Tribunal de Justiça confirmaram nos acórdãos Europa Carton/Comissão (T‑304/94, EU:T:1998:89) e KNP BT/Comissão (C‑248/98 P, EU:C:2000:625). O próprio Tribunal Geral, no acórdão LG Display e LG Display Taiwan/Comissão (T‑128/11, EU:T:2014:88) confirmou a legalidade deste método e, consequentemente, contradisse‑se.

    77.

    A Comissão sustenta que a argumentação da recorrente carece de fundamento.

    78.

    Na minha opinião, esta parte do segundo fundamento visa contestar os fundamentos supérfluos do acórdão recorrido e, consequentemente, deve ser julgada improcedente. Com efeito, mesmo que a Comissão tivesse concluído erradamente que nem a LGD, a LG Electronics e a Philips, nem a AUO e a BenQ formavam uma empresa única, isso não aproveitava à recorrente.

    79.

    Em todo o caso, como a Comissão salientou com razão, no presente caso, e contrariamente à situação em causa no processo que deu origem ao acórdão Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o. (C‑628/10 P e C‑14/11 P, EU:C:2012:479), aplicou o mesmo método (da empresa única) a todos os participantes no cartel. Basta constatar que não há nada nesse acórdão que permita dizer que Tribunal Geral deveria ter determinado também, no âmbito do recurso de anulação interposto pela InnoLux, se a Comissão tinha aplicado corretamente o método adotado no caso da LGD e da AUO.

    80.

    Daqui decorre que a segunda parte do segundo fundamento deve ser julgada inoperante e, em todo o caso, sem fundamento. Consequentemente este fundamento deve improceder.

    IV – Quanto às consequências da anulação do acórdão recorrido e quanto às despesas

    81.

    Em conformidade com o artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado. Tal é a situação neste caso, uma vez que o Tribunal de Justiça dispõe de todos os elementos necessários para decidir sobre o recurso.

    82.

    A coima reduzida fixada pelo Tribunal Geral (antes de arredondamento) era de 288437850 euros (n.o 163 do acórdão recorrido; v. a este propósito, a nota 6 das presentes conclusões). Por conseguinte, há que deduzir deste montante a parte da coima atribuível às «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», que ascende a 114681174 euros. Consequentemente, o montante de base total da coima (antes de arredondamento) é fixado em 173756676 euros. Em seguida, esta quantia deve ser arredondada ( 32 ) para o montante final de 173000000 euros. Acrescento que a Comissão não contestou os dados quantitativos que a recorrente forneceu no seu recurso.

    83.

    Em relação às despesas, uma vez que é dado provimento parcial ao recurso da InnoLux, há que condenar a Comissão a suportar, além das suas próprias despesas relativas quer ao processo da primeira instância quer ao do presente recurso, metade das despesas efetuadas pela InnoLux no âmbito dos dois processos. A InnoLux suportará metade das suas próprias despesas relativas a estes processos.

    V – Conclusão

    84.

    Atendendo às considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça:

    anular o acórdão do Tribunal Geral da União Europeia InnoLux/Comissão (T‑91/11, EU:T:2014:92) na medida em que confirmou que a coima aplicada à InnoLux Corp. podia legalmente ter em consideração o valor das entregas intragrupo de ecrãs de cristais líquidos de matriz ativa às fábricas da InnoLux Corp. na China e em Taiwan e aí subsequentemente incorporados em produtos acabados vendidos no Espaço Económico Europeu, e por esse facto cometeu um erro de direito;

    anular a Decisão C (2010) 8767 final da Comissão, de 8 de dezembro de 2010, relativa a um processo de aplicação do artigo 101.o [TFUE] e do artigo 53.o do Acordo Espaço Económico Europeu (Processo COMP/39.309 — LCD), na medida em que aplica uma coima à InnoLux Corp. tendo em consideração o valor das entregas de intragrupo de ecrãs de cristais líquidos de matriz ativa nas fábricas de InnoLux Corp. na China e em Taiwan e aí subsequentemente incorporados em produtos acabados vendidos no Espaço Económico Europeu;

    fixar o montante da coima aplicada à InnoLux Corp. em 173000000 de euros;

    negar provimento ao recurso quanto ao restante; e

    condenar a Comissão a suportar, além das suas próprias despesas relativas quer ao processo da primeira instância quer ao presente recurso, metade das despesas efetuadas pela InnoLux Corp. no âmbito dos dois processos e condenar a InnoLux Corp. a suportar metade das suas próprias despesas relativas a estes processos.

    85.

    A título subsidiário, se o Tribunal de Justiça decidir não acompanhar as minhas conclusões quanto ao primeiro fundamento e o julgar improcedente, propor‑lhe‑ei então negar provimento ao presente recurso na sua totalidade e condenar a InnoLux Corp. nas despesas do presente processo.


    ( 1 ) Língua original: francês.

    ( 2 ) T‑91/11, EU:T:2014:92, a seguir «acórdão recorrido». O presente processo pode ser analisado em paralelo com o processo C‑227/14 P, LG Display e LG Display Taiwan/Comissão, pendente no Tribunal de Justiça quando da redação das presentes conclusões relativo ao mesmo cartel, embora estes processos suscitem questões de natureza diferente.

    ( 3 ) Decisão de 8 de dezembro de 2010, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o [TFUE] e do artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu [a seguir EEE] (Processo COMP/39.309 — LCD) [Liquid Crystal Displays] (a seguir «decisão controvertida»), de que foi publicado um resumo no Jornal Oficial da União Europeia, de 7 de outubro de 2011 (JO C 295, p. 8).

    ( 4 ) V. método aplicado pela Comissão, nomeadamente nos n.os 8 e 24 das presentes conclusões.

    ( 5 ) No Tribunal de Justiça, está pendente o processo Intel/Comissão (C‑413/14 P, v. nota 10 das presentes conclusões). No Tribunal Geral está pendente o caso do cartel «Air Freight» [entre outros, o processo Japan Airlines International/Comissão (T‑36/11)] e o cartel «Cathode Ray Tubes» [entre outros, processo Samsung SDI/Comissão (T‑84/13)].

    ( 6 ) N.os 155 a 174 do acórdão recorrido. Não há sobreposição entre a redução da coima decidida pelo Tribunal Geral com fundamento nesses erros e a categoria distinta das «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», que é o objeto do presente recurso.

    ( 7 ) V., também, as minhas conclusões no processo Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (C‑580/12 P, EU:C:2014:272, n.o 44). Além disso, v. acórdãos Team Relocations e o./Comissão (C‑444/11 P, EU:C:2013:464, n.o 76), e Putters International/Comissão (T‑211/08, EU:T:2011:289, n.o 59) que não foi objeto de recurso.

    ( 8 ) É por isso que a pretensa necessidade de «não beneficiar as empresas verticalmente integradas que participaram num cartel», referida no n.o 74 do acórdão recorrido, não constitui, em princípio, uma razão válida para que no caso em apreço se tenham em conta as «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados» (v., também, n.o 29 das presentes conclusões).

    ( 9 ) Importa esclarecer que já na altura existia jurisprudência na matéria, conforme explico nas minhas conclusões no processo Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (C‑580/12 P, EU:C:2014:272, n.o 21 e segs.). Portanto, o facto de o acórdão Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (C‑580/12 P, EU:C:2014:2363) ser posterior ao acórdão recorrido não é aqui relevante.

    ( 10 ) Esta questão está, no essencial, em causa no processo Intel/Comissão (C‑413/14 P), atualmente pendente no Tribunal de Justiça, cujo quinto fundamento alegado pela recorrente respeita precisamente à competência da Comissão para aplicar o artigo 102.o TFUE em relação a contratos de venda celebrados entre a Intel, sociedade sedeada nos Estados Unidos, e a Lenovo, uma sociedade chinesa, que atua no setor dos componentes, a saber, microprocessadores, destinados ao mercado chinês, para montagem em computadores que a Lenovo fabrica na China, mas que podem posteriormente ser comercializados no EEE. A este respeito, em princípio, não devia existir no que se refere a esta questão nenhuma diferença entre, por um lado, o âmbito de aplicação territorial do direito da União no contexto do cálculo das coimas em causa nesse caso e, por outro, a competência da Comissão para aplicar os artigos 101.° e 102.° TFUE.

    ( 11 ) V. «Brief of Belgian Competition Authority in Motorola Mobility LLC v AU Optronics Corp.», de 10 de outubro de 2014. Esta autoridade cita aí o acórdão de um Tribunal de recurso belga, de 12 de março de 2014, no processo 2013/MR/6 «Brabomills», no qual este último anulou a coima aplicada à Brabomills, porque a coima não tinha sido calculada sobre as vendas ou o volume de negócios na Bélgica, de forma que o Tribunal de recurso não tinha como avaliar se essa coima só punia a Brabomills pela infração cometida na Bélgica ou se abrangia também a infração cometida nos Países Baixos, pela qual a empresa já tinha sido punida nesse país (e isto para evitar uma violação do princípio non bis in idem).

    ( 12 ) Sempre que as autoridades de concorrência estrangeiras aplicam coimas na sequência de acordos ou dos seus efeitos no EEE, isso interfere na competência territorial da Comissão. V. acórdãos Tokai Carbon e o./Comissão (T‑236/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, EU:T:2004:118, n.o 143), e Hoechst/Comissão (T‑410/03, EU:T:2008:211, n.o 603). Do mesmo modo, sempre que a Comissão aplica coimas que não correspondem à sequência de um acordo ou aos seus efeitos qualificados no EEE, excede a sua competência.

    ( 13 ) V., designadamente, acórdãos Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão (T‑224/00, EU:T:2003:195, n.o 103) e Tokai Carbon e o./Comissão (T‑236/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, EU:T:2004:118, n.o 143); (tendo sido negado provimento ao recurso no acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, C‑397/03 P, EU:C:2006:328). V., também, acórdão Showa Denko/Comissão (C‑289/04 P, EU:C:2006:431, n.o 50).

    ( 14 ) Esta designação é um tanto contraditória uma vez que as vendas são simultaneamente diretas e realizadas «por intermédio». Em todo o caso, não têm nada o caráter direto da primeira categoria de vendas («vendas EEE diretas»).

    ( 15 ) V., também parecer do professor P. Demaret, intitulado «Nota relativa ao acórdão do Tribunal Geral InnoLux T‑91/11», anexo ECJ.A.6 apenso ao recurso da InnoLux.

    ( 16 ) «Não ficaria desarmada a Comissão se, em presença duma prática concertada cuja iniciativa e responsabilidade fossem exclusivamente de empresas exteriores ao mercado comum, se encontrasse privada da possibilidade de tomar qualquer decisão [contra elas]? Seria ao mesmo tempo renunciar a uma proteção do mercado comum, necessária à realização dos objetivos máximos da Comunidade» (n.o 53).

    ( 17 ) Já, na sua Decisão 69/243/CEE, de 24 de julho de 1969, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.o do Tratado CEE (IV/26.267 — Materiais corantes) (JO L 195, p. 11), a Comissão sustenta que «[t]he competition rules of the Treaty are [...] applicable to all restrictions of competition which produce within the Common Market effects set out in Article 85(1)». Na Decisão 85/202/CEE da Comissão, de 19 de dezembro de 1984, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.o do Tratado CEE (IV/29.725 — Pasta de papel) (JO 1985 L 85, p. 1) no seu n.o 79, a Comissão indicava que «[t]he effect of the agreements [...] on prices announced and/or charged to customers and on resale of pulp with the EEC was [...] not only substantial but intended, and was the primary and direct result of the agreements» (o texto em língua inglesa é o único que faz fé). A Decisão 85/206/CEE da Comissão, de 19 de dezembro de 1984, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.o do Tratado CEE (IV/26.870 — Importações de alumínio da Europa de Leste (JO 1985, L 92, p. 1) também se baseou expressamente no critério dos efeitos. V., também, «the Comissão’s Eleventh Report on Competition Policy — 1981», Bruxelas, 1982, n.o 34 e «the Commission’s Fourteenth Report on Competition Policy — 1984», Bruxelas, 1985, n.o 60.

    ( 18 ) V., também, conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo The Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:637, n.o 148).

    ( 19 ) V., também, neste sentido, acórdão Intel/Comissão (T‑286/09, EU:T:2014:547, n.o 231). O High Court (Inglaterra e País de Gales) também chegou a esta conclusão no processo Adidas/The Lawn Tennis Association e o., [2006] EWHC 1318 (Ch), n.os 47 e segs. V., também, nomeadamente, Broberg, M.P., «The European Commission’s Extraterritorial Powers in Merger Control», International and Comparative Law Quarterly, 49, 2000, p. 180, e Albors‑Llorens, A., «Collective dominance: A mechanism for the control of oligopolistic markets?», The Cambridge Law Journal, vol. 59, número 2, junho 2000, p. 256. Acresce que o critério da execução e o dos «efeitos qualificados» não conduzem sempre ao mesmo resultado. V., nomeadamente, Griffin, J.P., «EC and US Extraterritoriality: Activism and Cooperation», 17, Fordham International Law Journal, 1994, pp. 353, 360 e segs., Schwartz, I. e Basedow, J., «Restrictions on Competition», III‑35 International Encyclopedia of Comparative Law 1, 1995, pp. 134 a 139, e Baudenbacher, C., «The CFI’s Gencor Judgment — Some remarks on its global implications», Liber amicorum en l’honneur de B. Vesterdorf, Bruylant, 2007, p. 557.

    ( 20 ) T‑204/03, EU:T:2006:273, n.o 167, que não foi objeto de recurso.

    ( 21 ) Esse foi o caso, nomeadamente, no acórdão «Pasta de papel I» uma vez que ao contrário do presente processo — o critério da «execução» do acordo em causa permitia ao Tribunal de Justiça justificar a competência da Comunidade tendo em conta o princípio da territorialidade.

    ( 22 ) E também ao artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3) (para efeitos das presentes conclusões, refiro‑me unicamente à ao artigo 101.o TFUE).

    ( 23 ) Orientações de 2006, nota ao n.o 13. Aliás, neste caso, podia perguntar‑se se o conceito de «vendas através de produtos transformados» é apropriado enquanto tal, na medida em que os produtos acabados em causa (computadores portáteis compactos, monitores de computadores ou de televisores LCD) não são verdadeiramente LCD «transformados», da mesma forma que, por exemplo, um smartphone não pode ser qualificado de ecrã, ou até de microprocessador «transformado». São produtos completamente distintos nos quais é incorporado um LCD, enquanto parte componente, entre muitas outras. Ora, as Orientações de 2006 referem‑se a produtos de qualidade superior ou inferior aos quais o preço cartelizado serve de base, a saber, os mesmos produtos mas de uma qualidade diferente.

    ( 24 ) Se é verdade que o considerando 394 da decisão controvertida visa especificamente os três destinatários verticalmente integrados da decisão controvertida, aos quais foi aplicado o conceito de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», o considerando 396 da mesma decisão apresenta exatamente os mesmo elementos de prova em relação à LG Display e à AUO, às quais a Comissão não aplicou o conceito de «vendas EEE diretas».

    ( 25 ) O considerando 238 da decisão controvertida indica claramente que «as vendas intragrupo de ecrãs LCD — na medida em que integram produtos transformados vendidos no EEE — devem, consequentemente, ser tomadas em consideração [...]» [tradução livre]. V., também, considerando 395 da decisão controvertida: «Para o cálculo do valor das vendas, o valor dos ecrãs pertinentes é incluído, na medida em que o produto transformado é vendido pelo membro do cartel no EEE a uma empresa não associada».

    ( 26 ) Acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, C‑397/03 P, EU:C:2006:328, n.o 91. Neste contexto, v., também, acórdão Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (C‑580/12 P, EU:C:2014:2363, n.o 55.

    ( 27 ) V., também, acórdão Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑395/94, EU:T:2002:49, n.o 72), que se baseia no acórdão «Pasta de papel I».

    ( 28 ) Conforme acertadamente salienta Demaret, P., «L’application du droit communautaire de la concurrence dans une économie mondiale globalisée — La problématique de l’extraterritorialité», na La politique communautaire de la concurrence face à la mondialisation et à l’élargissement de l’Union européenne, Nomos Verlagsgesellschaft, 1999, p. 49, «[o] critério do acórdão pasta de papel não era constituído por simples vendas, sob a forma de um determinado volume de negócios, mas pela execução de um comportamento na Comunidade sob a forma de vendas a preços concertados».

    ( 29 ) V. conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo ThyssenKrupp Nirosta/Comissão (C‑352/09 P, EU:C:2010:635, n.os 48 a 52 e jurisprudência referida) e da advogada‑geral E. Sharpston no processo KME Germany e o./Comissão (C‑272/09 P, EU:C:2011:63, n.o 64).

    ( 30 ) V., nomeadamente, acórdão Chronopost e o./Ufex e o. (C‑83/01 P, C‑93/01 P e C‑94/01 P, EU:C:2003:388, n.o 43).

    ( 31 ) V., nomeadamente, acórdãos Imperial Chemical Industries/Comissão (48/69, EU:C:1972:70, n.os 134, 135 e 140); Hydrotherm Gerätebau (170/83, EU:C:1984:271, n.o 11), e Arkema/Comissão (C‑520/09 P, EU:C:2011:619, n.o 37 e jurisprudência referida).

    ( 32 ) Segundo o método de arredondamento confirmado pelo Tribunal Geral (n.o 160 do acórdão recorrido), quando um arredondamento nos dois primeiros dígitos dá lugar a uma redução superior a 2% do montante de base antes do arredondamento (3756676 é igual a 2,16% de 173756676), o montante reduzido da coima é arredondado nos três primeiros dígitos.

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