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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62013CJ0540

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 16 de abril de 2015.
Parlamento Europeu contra Conselho da União Europeia.
Recurso de anulação — Cooperação policial e judiciária em matéria penal — Determinação da data da produção de efeitos de uma decisão anterior — Determinação da base jurídica — Quadro jurídico aplicável após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa — Disposições transitórias — Base jurídica derivada — Consulta do Parlamento.
Processo C-540/13.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2015:224

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

16 de abril de 2015 ( *1 )

«Recurso de anulação — Cooperação policial e judiciária em matéria penal — Determinação da data da produção de efeitos de uma decisão anterior — Determinação da base jurídica — Quadro jurídico aplicável após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa — Disposições transitórias — Base jurídica derivada — Consulta do Parlamento»

No processo C‑540/13,

que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, interposto em 15 de outubro de 2013,

Parlamento Europeu, representado por F. Drexler, A. Caiola e M. Pencheva, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por K. Pleśniak e A. F. Jensen, na qualidade de agentes,

recorrido,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen (relator), presidente de secção, K. Jürimäe, J. Malenovský, M. Safjan e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de novembro de 2014,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 22 de janeiro de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

Na sua petição, o Parlamento Europeu pede a anulação da Decisão 2013/392/UE do Conselho, de 22 de julho de 2013, que fixa a data a partir da qual produz efeitos a Decisão 2008/633/JAI, relativa ao acesso para consulta ao Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) por parte das autoridades designadas dos Estados‑Membros e por parte da Europol para efeitos de prevenção, deteção e investigação de infrações terroristas e outras infrações penais graves (JO L 198, p. 45, a seguir «decisão impugnada»).

Quadro jurídico

2

A Decisão 2008/633/JAI do Conselho, de 23 de junho de 2008, relativa ao acesso para consulta ao Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) por parte das autoridades designadas dos Estados‑Membros e por parte da Europol para efeitos de prevenção, deteção e investigação de infrações terroristas e outras infrações penais graves (JO L 218, p. 129), dispõe, no artigo 18.o, n.o 2:

«A presente decisão produz efeitos a partir de uma data a determinar pelo Conselho quando a Comissão tiver informado o Conselho de que o Regulamento (CE) n.o 767/2008 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de julho de 2008, relativo ao Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) e ao intercâmbio de dados entre os Estados‑Membros sobre os vistos de curta duração (Regulamento VIS) (JO L 218, p. 60)] entrou em vigor e é plenamente aplicável.

O Secretariado‑Geral do Conselho publica essa data no Jornal Oficial da União Europeia

Decisão impugnada

3

A Decisão 2013/392, que refere o TFUE e a Decisão 2008/633, nomeadamente o artigo 18.o, n.o 2, desta, prevê, no seu artigo 1.o, que esta última decisão produz efeitos a partir de 1 de setembro de 2013.

Pedidos das partes

4

O Parlamento pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular a decisão impugnada;

manter os efeitos desta decisão até à sua substituição por um novo ato; e

condenar o Conselho nas despesas.

5

O Conselho pede que o Tribunal de Justiça se digne:

julgar o recurso inadmissível ou, pelo menos, improcedente;

a título subsidiário, em caso de anulação da decisão impugnada, manter os respetivos efeitos até à sua substituição por um novo ato; e

condenar o Parlamento nas despesas.

Quanto ao recurso

6

O Parlamento invoca dois fundamentos para o seu recurso, relativos, respetivamente, à violação de uma formalidade essencial devido à não participação do Parlamento no processo de adoção da decisão impugnada e à escolha de uma base jurídica revogada ou ilegal.

Quanto à admissibilidade de certos fundamentos ou argumentos invocados pelo Parlamento

Argumentos das partes

7

O Conselho considera que certos fundamentos ou argumentos invocados pelo Parlamento devem ser julgados inadmissíveis por falta de clareza e precisão. É o que sucede com os fundamentos ou argumentos relativos à violação de uma formalidade essencial, à aplicação do artigo 39.o, n.o 1, UE, à escolha de uma base jurídica revogada e à violação dos princípios da segurança jurídica e do equilíbrio institucional.

8

O Parlamento sustenta que a petição inicial é suficientemente clara e precisa.

Apreciação do Tribunal de Justiça

9

Importa recordar que, por força do artigo 120.o, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça e da jurisprudência a ele relativa, a petição inicial deve indicar o objeto do litígio, os fundamentos e argumentos invocados e a exposição sumária desses fundamentos. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal exercer a sua fiscalização. Daqui resulta que os elementos essenciais de facto e de direito em que se funda uma ação devem decorrer, de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição e que os pedidos desta última devem ser formulados de forma inequívoca, para evitar que o Tribunal decida ultra petita ou não conheça de um fundamento (v., neste sentido, acórdão Reino Unido/Conselho, C‑209/13, EU:C:2014:283, n.o 30 e jurisprudência referida).

10

No presente caso, a apresentação dos fundamentos ou argumentos da petição, cuja falta de clareza e de precisão é denunciada pelo Conselho, satisfaz tais exigências. Ela permitiu que o Conselho preparasse a sua defesa em relação a esses fundamentos ou argumentos e permite ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional sobre a decisão impugnada.

11

Resulta do exposto que a exceção de inadmissibilidade relativa à alegada falta de clareza e de precisão da petição deve ser julgada improcedente.

12

Consequentemente, posto que a base jurídica de um ato determina os processos a seguir para adotar esse ato (acórdãos Parlamento/Conselho, C‑130/10, EU:C:2012:472, n.o 80, e Parlamento/Conselho, C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.o 57), importa examinar, em primeiro lugar, o segundo fundamento.

Quanto ao segundo fundamento, relativo à escolha de uma base jurídica revogada ou ilegal

Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à escolha de uma base jurídica revogada

– Argumentos das partes

13

O Parlamento sustenta que a referência ao Tratado FUE que figura na decisão impugnada é demasiado genérica para lhe servir de base jurídica e que o artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633 não pode ser considerado uma verdadeira base jurídica.

14

Com efeito, esta disposição limita‑se a fazer implicitamente referência ao artigo 34.o, n.o 2, alínea c), UE, que constituiu a única base jurídica possível para a adoção de uma medida como a decisão impugnada no âmbito do antigo «terceiro pilar».

15

Consequentemente, a base jurídica utilizada pelo Conselho é, no entender do Parlamento, o artigo 34.o, n.o 2, alínea c), UE. Ora, uma vez que foi revogado pelo Tratado de Lisboa, este artigo 34.o já não pode servir de base jurídica para a adoção de novos atos. O facto de uma disposição de direito derivado remeter implicitamente para o dito artigo 34.o é irrelevante a este respeito, já que se deve considerar que esta disposição deixou de ser aplicável com a entrada em vigor deste Tratado.

16

O Conselho precisa que adotou a decisão impugnada com fundamento no artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633, lido em conjugação com o artigo 9.o do Protocolo (n.o 36) relativo às disposições transitórias (a seguir «protocolo relativo às disposições transitórias»). A este respeito, sublinha que a decisão impugnada não refere nem o Tratado UE, em geral, nem o artigo 34.o, n.o 2, alínea c), UE, em particular.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

17

Para efeitos da apreciação da procedência da primeira parte do segundo fundamento, importa determinar a base jurídica em que se fundou a adoção da decisão impugnada.

18

A este respeito, observe‑se que essa decisão não se refere ao artigo 34.o UE e que os respetivos considerandos remetem expressamente para o Tratado FUE e para o artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633.

19

Assim, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada, o qual, para respeitar o dever de fundamentação, deve, em princípio, mencionar a base jurídica em que esta assenta (v., neste sentido, acórdão Comissão/Conselho, C‑370/07, EU:C:2009:590, n.os 39 e 55), não se pode considerar que essa decisão assenta no artigo 34.o UE.

20

Além disso, importa salientar que mais nenhum elemento da decisão impugnada indica que o Conselho tencionou utilizar o dito artigo 34.o como base jurídica dessa decisão.

21

Em especial, o facto de o artigo 34.o, n.o 2, alínea c), UE ter constituído a única base jurídica possível para a adoção de uma medida como a decisão impugnada, admitindo que está demonstrado, é irrelevante a este respeito, uma vez que a opção explícita do Conselho de, na decisão impugnada, não mencionar esta disposição, mas sim o Tratado FUE e o artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633, indica claramente que a decisão impugnada assenta nesta última disposição enquanto tal.

22

Daqui se conclui que a revogação do artigo 34.o UE pelo Tratado de Lisboa não priva de base jurídica a decisão impugnada.

23

Atendendo a estes elementos, a primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa à escolha de uma base jurídica ilegal

– Argumentos das partes

24

O Parlamento considera que, caso o artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633 seja considerado a base jurídica da decisão impugnada, constitui uma base jurídica derivada ilegal, em que essa decisão não pode validamente assentar.

25

Com efeito, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a criação de uma base jurídica derivada que simplifique as modalidades de adoção de um ato é incompatível com os Tratados. É o que sucede com o artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633, visto que não prevê a consulta do Parlamento, quando esta consulta é imposta pelo artigo 39.o UE para a adoção de uma medida como a decisão impugnada.

26

Além disso, o artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633 deixou de ser aplicável com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa e prevê uma derrogação ilícita ao processo instituído por este Tratado para a adoção de novos atos. Tal derrogação não é permitida pelo artigo 9.o do protocolo relativo às disposições transitórias, que apenas implica que os atos do antigo «terceiro pilar» não são automaticamente revogados com a entrada em vigor do referido Tratado.

27

O Conselho opõe‑se, a título principal, à admissibilidade da exceção de ilegalidade do artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633 deduzida pelo Parlamento. A este propósito, alega que, nos termos do artigo 10.o, n.o 1, do protocolo relativo às disposições transitórias, as competências do Tribunal de Justiça respeitantes a essa decisão continuam a ser, até 1 de dezembro de 2014, as que existiam antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Ora, o artigo 35.o, n.o 6, UE, então aplicável, não previa a possibilidade de o Parlamento interpor recurso de anulação de um ato adotado no âmbito do antigo «terceiro pilar», como a referida decisão. Decorre da circunstância de, à época, o Tribunal de Justiça ser incompetente na matéria que a exceção de ilegalidade deduzida pelo Parlamento deve ser declarada inadmissível.

28

O Conselho adianta, a título subsidiário, que o artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633 era conforme ao Tratado UE aquando da sua adoção. Com efeito, esta disposição limita‑se a prever a aplicação do processo previsto no artigo 34.o, n.o 2, alínea c), UE e, por conseguinte, não instituiu um processo sui generis que exclua a consulta do Parlamento.

29

Quanto aos efeitos da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o Conselho sustenta que a interpretação do artigo 9.o do protocolo relativo às disposições transitórias, proposta pelo Parlamento, paralisa qualquer possibilidade de adoção das medidas de execução previstas nos atos do antigo «terceiro pilar», que é precisamente a situação que os autores dos Tratados queriam impedir.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

30

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a escolha da base jurídica de um ato da União Europeia deve assentar em elementos objetivos suscetíveis de ser objeto de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram a finalidade e o conteúdo desse ato (acórdão Comissão/Parlamento e Conselho, C‑43/12, EU:C:2014:298, n.o 29 e jurisprudência referida).

31

A este respeito, importa salientar que as partes não estão em desacordo quanto à relação entre o artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633 e a finalidade ou o conteúdo da decisão impugnada. O Parlamento impugna, em contrapartida, a legalidade desta disposição, alegando que simplifica as modalidades de adoção de uma medida como a decisão impugnada comparativamente com o processo previsto para o efeito pelos Tratados.

32

Ora, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, uma vez que as regras relativas à formação da vontade das instituições da União estão estabelecidas nos Tratados e não estão à discrição nem dos Estados‑Membros nem das próprias instituições, apenas os Tratados podem, em casos especiais, autorizar uma instituição a alterar um processo decisório neles previsto. Assim, reconhecer a uma instituição a possibilidade de estabelecer bases jurídicas derivadas, quer no sentido de reforçar quer no de simplificar as modalidades de adoção de um ato, equivaleria a atribuir‑lhe um poder legislativo que excede o que está previsto nos Tratados (v. acórdão Parlamento/Conselho, C‑133/06, EU:C:2008:257, n.os 54 a 56).

33

Esta solução, resultante do acórdão Parlamento/Conselho (C‑133/06, EU:C:2008:257) a propósito de uma base jurídica derivada que permite a adoção de atos legislativos, deve igualmente ser aplicada às bases jurídicas previstas num ato de direito derivado que permitem a adoção de medidas de execução desse ato, reforçando ou simplificando as modalidades de adoção de tais medidas previstas nos Tratados.

34

Com efeito, apesar de os Tratados preverem que o Parlamento e o Conselho determinam algumas das regras relativas ao exercício das competências de execução pela Comissão, as regras específicas relativas à adoção de medidas de execução previstas nos Tratados vinculam as instituições da mesma forma que as regras relativas à adoção dos atos legislativos e, por conseguinte, não podem ser contrariadas por atos de direito derivado.

35

Neste contexto, dado que a legalidade de um ato da União deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data de adoção do ato (v., por analogia, acórdãos Gualtieri/Comissão, C‑485/08 P, EU:C:2010:188, n.o 26; Schindler Holding e o./Comissão, C‑501/11 P, EU:C:2013:522, n.o 31; e Schaible, C‑101/12, EU:C:2013:661, n.o 50), a legalidade do artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633 deve ser apreciada à luz das disposições que regiam, à data da adoção desta decisão, a adoção de uma medida como a decisão impugnada, a saber, os artigos 34.°, n.o 2, alínea c), UE e 39.°, n.o 1, UE.

36

Resulta destas disposições que o Conselho, deliberando, consoante o caso, por unanimidade ou por maioria qualificada, adota, após consulta do Parlamento, as decisões para quaisquer fins conformes aos objetivos do título VI do Tratado UE, diferentes das referidas no artigo 34.o, n.o 2, alíneas a) e b), UE, e as medidas necessárias à aplicação dessas decisões.

37

A este respeito, é verdade que a letra do artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633 não impõe ao Conselho nenhuma obrigação de consulta do Parlamento antes de adotar a medida prevista pela referida disposição.

38

Todavia, é jurisprudência constante que os textos de direito derivado da União devem ser interpretados, na medida do possível, no sentido da sua conformidade com as disposições dos Tratados (acórdão Efir, C‑19/12, EU:C:2013:148, n.o 34 e jurisprudência referida).

39

Assim, dado que, por um lado, a obrigação de interpretar os atos de direito derivado em conformidade com o direito primário decorre do princípio geral de interpretação segundo o qual as disposições devem ser interpretadas, na medida do possível, de forma a não pôr em causa a sua legalidade (v., neste sentido, acórdãos Sturgeon e o., C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.os 47 e 48, e Reapreciação Comissão/Strack, C‑579/12 RX II, EU:C:2013:570, n.o 40), e que, por outro, a legalidade do artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633 deve ser apreciada, pelas razões recordadas no n.o 35 do presente acórdão, nomeadamente à luz do artigo 39.o, n.o 1, UE, a primeira disposição deve ser interpretada em conformidade com esta última.

40

Consequentemente, o artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633 deve ser interpretado, de acordo com o artigo 39.o, n.o 1, UE, no sentido de que o Conselho só pode adotar atos a fim de determinar a data da produção de efeitos daquela decisão depois de consultar o Parlamento. Decorre desta conclusão que há que rejeitar o argumento do Parlamento segundo o qual o facto de a primeira disposição não prever a obrigação de o consultar implica que institui modalidades de adoção de uma medida como a decisão impugnada, simplificadas comparativamente com o processo previsto para o efeito no Tratado UE.

41

Quanto aos argumentos do Parlamento sobre a incompatibilidade do artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633 com as regras processuais aplicáveis após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, importa salientar que, em todo o caso, o protocolo relativo às disposições transitórias compreende disposições específicas sobre o regime jurídico aplicável, após a entrada em vigor deste Tratado, aos atos adotados com base no Tratado UE, antes dessa data.

42

Assim, o artigo 9.o deste protocolo prevê que os efeitos jurídicos desses atos são preservados enquanto os mesmos atos não forem revogados, anulados ou alterados em aplicação dos Tratados.

43

Este artigo deve ser interpretado à luz do primeiro considerando do referido protocolo, que precisa que, a fim de organizar a transição entre as disposições institucionais dos Tratados aplicáveis antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa e as previstas neste Tratado, é necessário prever disposições transitórias.

44

Assim, dado que o Tratado de Lisboa alterou substancialmente o quadro institucional da cooperação policial e judiciária em matéria penal, o artigo 9.o do protocolo relativo às disposições transitórias deve ser entendido como visando, nomeadamente, garantir que os atos adotados no âmbito dessa cooperação poderão continuar a ser aplicados eficazmente, apesar da alteração do quadro institucional da referida cooperação.

45

Ora, acolher o argumento do Parlamento segundo o qual a revogação, operada pelo Tratado de Lisboa, dos processos específicos de adoção das medidas abrangidas pela cooperação policial e judiciária em matéria penal tornaria impossível a adoção de tais medidas nas condições previstas por atos gerais adotados, no âmbito dessa cooperação, antes de esses atos terem sido alterados para serem adaptados ao Tratado de Lisboa complicaria precisamente, se é que não impediria mesmo, a aplicação eficaz dos referidos atos, comprometendo assim a realização do objetivo prosseguido pelos autores do Tratado.

46

De resto, a interpretação do artigo 9.o do protocolo relativo às disposições transitórias proposta pelo Parlamento, segundo a qual este artigo implica apenas que os atos do domínio da cooperação policial e judiciária em matéria penal não são automaticamente revogados após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, priva o referido artigo de qualquer efeito útil.

47

Resulta do exposto que uma disposição de um ato regularmente adotado com base no Tratado UE antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, que prevê modalidades de adoção de outras medidas, continua a produzir efeitos jurídicos enquanto não for revogada, anulada ou alterada e permite a adoção dessas medidas em aplicação do processo por ela definido.

48

Nestas condições, a circunstância de o artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633 prever modalidades de adoção de uma medida como a decisão impugnada, reforçadas ou simplificadas comparativamente com o processo previsto para o efeito no Tratado FUE, não implica que aquela disposição constitua uma base jurídica derivada ilegal, cuja aplicação deva ser afastada por via de exceção.

49

Por conseguinte e nas circunstâncias expostas, sem que seja necessário apreciar a admissibilidade da segunda parte do segundo fundamento, há que julgá‑la improcedente (v., por analogia, acórdãos França/Comissão, C‑233/02, EU:C:2004:173, n.o 26, e Komninou e o./Comissão, C‑167/06 P, EU:C:2007:633, n.o 32) e, por conseguinte, julgar este fundamento improcedente na sua totalidade.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação de uma formalidade essencial

Argumentos das partes

50

O Parlamento sustenta que, caso o regime anterior ao Tratado de Lisboa permaneça aplicável in casu, devia ser consultado por força do artigo 39.o, n.o 1, UE.

51

O Conselho considera, pelo contrário, que o artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633 não prevê a participação do Parlamento na adoção da decisão impugnada e que, na sequência da revogação do artigo 39.o UE pelo Tratado de Lisboa, o Parlamento já não tem de ser consultado para efeitos da adoção das medidas de execução desta decisão.

52

O artigo 10.o, n.o 1, do protocolo relativo às disposições transitórias confirma esta análise, já que não cita o artigo 39.o UE entre as disposições cujos efeitos são mantidos após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa. A inclusão, no processo de adoção, da obrigação de consulta do Parlamento equivaleria, aliás, a acrescentar ao processo previsto no artigo 291.o TFUE um elemento que este não prevê e poria, assim, em causa o equilíbrio institucional estabelecido pelo Tratado de Lisboa.

Apreciação do Tribunal de Justiça

53

Importa recordar que a consulta regular do Parlamento nos casos previstos pelas regras aplicáveis de direito da União constitui uma formalidade essencial cuja inobservância acarreta a nulidade do ato em causa (v., neste sentido, acórdãos Parlamento/Conselho, C‑65/93, EU:C:1995:91, n.o 21, e Parlamento/Conselho, C‑417/93, EU:C:1995:127, n.o 9).

54

Por conseguinte, posto que decorre da resposta dada ao segundo fundamento que o Conselho podia, validamente, basear a decisão impugnada no artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633, há que determinar se o Parlamento deve ser consultado antes da adoção de um ato com base nesta disposição.

55

A este respeito, resulta das considerações que figuram nos n.os 40 a 47 do presente acórdão que o artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633, interpretado em conformidade com o artigo 39.o, n.o 1, UE, continua a produzir efeitos jurídicos enquanto não for revogado, anulado ou alterado e permite a adoção de uma medida como a decisão impugnada ao abrigo do processo por ele definido. Consequentemente, o Conselho está obrigado a consultar o Parlamento, antes de fixar a data da produção de efeitos desta decisão.

56

Contrariamente ao que o Conselho sustenta, a revogação do artigo 39.o, n.o 1, UE pelo Tratado de Lisboa não põe em causa esta obrigação de consultar o Parlamento.

57

Com efeito, atendendo às considerações que figuram no n.o 39 do presente acórdão, a revogação do artigo 39.o, n.o 1, UE após a adoção do artigo 18.o, n.o 2, da Decisão 2008/633 não pode eliminar a obrigação de interpretar esta disposição em conformidade com o artigo 39.o, n.o 1, UE.

58

De igual modo, o facto de o artigo 291.o TFUE não prever a obrigação de consultar o Parlamento é irrelevante, uma vez que a obrigação de consultar o Parlamento constitui um dos efeitos jurídicos da Decisão 2008/633 que é mantido após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa por força do artigo 9.o do protocolo relativo às disposições transitórias, conforme interpretado no n.o 47 do presente acórdão.

59

Ora, é dado assente que a decisão impugnada foi adotada pelo Conselho sem consulta prévia do Parlamento.

60

Daqui se conclui que o primeiro fundamento, relativo à violação de uma formalidade essencial, é procedente e que, por conseguinte, a decisão impugnada deve ser anulada.

Quanto ao pedido de manutenção dos efeitos da decisão impugnada

61

Tanto o Parlamento como o Conselho pedem ao Tribunal de Justiça que, caso venha a anular a decisão impugnada, ordene a manutenção dos efeitos desta até à sua substituição por um novo ato.

62

A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE, o Tribunal de Justiça pode, quando considere necessário, indicar quais os efeitos do ato anulado que devem ser considerados subsistentes.

63

No caso vertente, anular a decisão impugnada sem prever a manutenção dos seus efeitos poderia impedir o acesso ao Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) das autoridades nacionais e da Europol para efeitos de prevenção e deteção do terrorismo e das formas graves de criminalidade, bem como para efeitos de investigação na matéria e, por conseguinte, afetar a manutenção da ordem pública. Ora, apesar de pedir a anulação dessa decisão por violação de uma formalidade essencial, o Parlamento não contesta nem a respetiva finalidade nem o conteúdo.

64

Consequentemente, há que ordenar a manutenção dos efeitos da decisão impugnada até à entrada em vigor de um novo ato que a substitua.

Quanto às despesas

65

Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Dado que o Parlamento pediu a condenação do Conselho nas despesas e tendo este sido vencido, deve ser condenado nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

 

1)

É anulada a Decisão 2013/392/UE do Conselho, de 22 de julho de 2013, que fixa a data a partir da qual produz efeitos a Decisão 2008/633/JAI, relativa ao acesso para consulta ao Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) por parte das autoridades designadas dos Estados‑Membros e por parte da Europol para efeitos de prevenção, deteção e investigação de infrações terroristas e outras infrações penais graves.

 

2)

Os efeitos da Decisão 2013/392 são mantidos até à entrada em vigor de um novo ato que a substitua.

 

3)

O Conselho da União Europeia é condenado nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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