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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62013CJ0400

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 18 de dezembro de 2014.
    Sophia Marie Nicole Sanders contra David Verhaegen e Barbara Huber contra Manfred Huber.
    Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Amtsgericht Düsseldorf e pelo Amtsgericht Karlsruhe.
    Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação em matéria civil — Regulamento n.° 4/2009 — Artigo 3.° — Competência para julgar um recurso relativo a uma obrigação alimentar de uma pessoa domiciliada noutro Estado‑Membro — Regulamentação nacional que determina uma concentração de competências.
    Processos apensos C‑400/13 e C‑408/13.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2014:2461

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    18 de dezembro de 2014 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação em matéria civil — Regulamento n.o 4/2009 — Artigo 3.o — Competência para julgar um recurso relativo a uma obrigação alimentar de uma pessoa domiciliada noutro Estado‑Membro — Regulamentação nacional que determina uma concentração de competências»

    Nos processos apensos C‑400/13 e C‑408/13,

    que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Amtsgericht Düsseldorf e pelo Amtsgericht Karlsruhe (Alemanha), por decisões, respetivamente, de 9 de julho e 17 de junho de 2013, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 16 e 18 de julho de 2013, nos processos

    Sophia Marie Nicole Sanders, representada por Marianne Sanders,

    contra

    David Verhaegen (C‑400/13),

    e

    Barbara Huber

    contra

    Manfred Huber (C‑408/13),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader (relator), E. Jarašiūnas e C. G. Fernlund, juízes,

    advogado‑geral: N. Jääskinen,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por B. Eggers e A.‑M. Rouchaud‑Joët, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 4 de setembro de 2014,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 3.o, alíneas a) e b), do Regulamento (CE) n.o 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares (JO 2009, L 7, p. 1).

    2

    Estes pedidos foram apresentados no quadro de dois litígios que opõem, respetivamente, S. Sanders, uma menor representada pela sua mãe, M. Sanders, a D. Verhaegen, seu pai, bem como B. Huber ao seu marido, M. Huber, de quem está separada, a respeito de prestações de alimentos.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    Os considerandos 4, 9, 11, 15, 23, 44 e 45 do Regulamento n.o 4/2009 têm a seguinte redação:

    «(4)

    O Conselho Europeu, reunido em Tampere em 15 e 16 de outubro de 1999, convidou o Conselho e a Comissão a estabelecerem regras processuais comuns específicas para processos judiciais transfronteiriços simplificados e acelerados respeitantes entre outros a ações de prestações de alimentos. Apelou também à supressão dos trâmites intermediários que são necessários para o reconhecimento e execução no Estado requerido de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro, designadamente de uma decisão relativa a prestações de alimentos.

    […]

    (9)

    Um credor de alimentos deverá poder obter facilmente, num Estado‑Membro, uma decisão que terá automaticamente força executória noutro Estado‑Membro sem quaisquer outras formalidades.

    […]

    (11)

    O âmbito de aplicação do presente regulamento deverá incluir todas as obrigações alimentares decorrentes das relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade, a fim de garantir igualdade de tratamento entre todos os credores de alimentos. Para efeitos do presente regulamento, o conceito de ‘obrigação alimentar’ deverá ser interpretado de forma autónoma.

    […]

    (15)

    A fim de preservar os interesses dos credores de alimentos e promover uma boa administração da justiça na União Europeia, deverão ser adaptadas as regras relativas à competência tal como decorrem do Regulamento (CE) n.o 44/2001 [do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1)]. A circunstância de um requerido ter a sua residência habitual num Estado terceiro não deverá mais ser motivo de não aplicação das regras comunitárias em matéria de competência, devendo deixar de ser feita doravante qualquer remissão para o direito nacional. Por conseguinte, é necessário determinar no presente regulamento os casos em que um tribunal de um Estado‑Membro pode exercer uma competência subsidiária.

    […]

    (23)

    A fim de limitar as custas dos processos regidos pelo presente regulamento, será útil recorrer na medida do possível às modernas tecnologias de comunicação, designadamente aquando da audição das partes.

    […]

    (44)

    O presente regulamento deverá alterar o Regulamento […] n.o 44/2001 substituindo as disposições desse regulamento aplicáveis em matéria de obrigações alimentares. Sob reserva das disposições transitórias do presente regulamento, os Estados‑Membros deverão, em matéria de obrigações alimentares, aplicar as disposições do presente regulamento sobre a competência, o reconhecimento, a força executória e a execução das decisões e sobre o apoio judiciário em vez das disposições do Regulamento […] n.o 44/2001 a contar da data de aplicação do presente regulamento.

    (45)

    Atendendo a que os objetivos do presente regulamento, a saber, a criação de uma série de medidas que permitam assegurar a cobrança efetiva das prestações de alimentos em situações transfronteiriças e, por conseguinte, facilitar a livre circulação de pessoas na União Europeia, não podem ser suficientemente realizados pelos Estados‑Membros e podem, pois, devido à dimensão e aos efeitos do presente regulamento, ser melhor alcançados ao nível comunitário, a Comunidade pode tomar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.o [TUE]. De acordo com o princípio d[a] proporcionalidade, mencionado no referido artigo, o presente regulamento não excede o necessário para alcançar aqueles objetivos.»

    4

    O artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009 estabelece:

    «O presente regulamento é aplicável às obrigações alimentares decorrentes das relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade.»

    5

    O artigo 3.o do mesmo regulamento prevê:

    «São competentes para deliberar em matéria de obrigações alimentares nos Estados‑Membros:

    a)

    O tribunal do local em que o requerido tem a sua residência habitual; ou

    b)

    O tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual; ou […]»

    6

    Os artigos 4.° e 5.° do referido regulamento têm por objeto, respetivamente, a eleição do foro e a competência baseada na comparência do requerido.

    7

    O artigo 5.o do Regulamento n.o 44/2001 dispõe:

    «Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:

    […]

    2)

    Em matéria de obrigação alimentar, perante o tribunal do lugar em que o credor de alimentos tem o seu domicílio ou a sua residência habitual ou, tratando‑se de pedido acessório de ação sobre o estado de pessoas, perante o tribunal competente segundo a lei do foro, salvo se esta competência for unicamente fundada na nacionalidade de uma das partes;

    [...]»

    Direito alemão

    8

    O § 28 da Lei sobre a cobrança das prestações de alimentos nas relações com Estados terceiros (Auslandsunterhaltsgesetz), de 23 de maio de 2011 (BGBl. 2011 I, p. 898, a seguir «AUG»), com a epígrafe «Concentração de competências; poder regulamentar», dispõe:

    «1)   Se um interessado não tiver residência habitual no território nacional, o tribunal que tem competência exclusiva para conhecer dos pedidos em matéria de obrigações alimentares previstos no artigo 3.o, alíneas a) e b), do Regulamento […] n.o 4/2009 é o Amtsgericht [tribunal cantonal] competente da circunscrição do Oberlandesgericht [tribunal regional superior] em cuja área de competência o requerido ou o credor tem residência habitual.

    Na área de competência do Kammergericht (Berlim), é competente o Amtsgericht Pankow‑Weißensee.

    2)   Os Governos dos Länder estão habilitados a transferir essa competência, através de regulamento, para outro Amstgericht da circunscrição do Oberlandesgericht ou, quando haja vários Oberlandesgerichte num Land, para outro Amtsgericht das circunscrições de todos os Oberlandesgerichte ou de vários deles. Os Governos dos Länder podem, através de regulamento, delegar a sua competência na matéria nos Landesjustizverwaltungen [administrações judiciais].»

    Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

    Processo C‑400/13

    9

    A requerente no processo principal, que tem residência habitual em Mettmann (Alemanha), exigiu uma pensão de alimentos ao seu pai, D. Verhaegen, residente na Bélgica, mediante recurso interposto em 29 de maio de 2013 no tribunal cantonal do seu lugar de residência, a saber, o Amtsgericht Mettmann. Após ter ouvido as partes, esse tribunal remeteu o processo para o Amtsgericht Düsseldorf, em aplicação do § 28, n.o 1, da AUG.

    10

    O Amtsgericht Düsseldorf considera que, por força do artigo 3.o, alínea b), do Regulamento n.o 4/2009, não é competente para conhecer do litígio. Com efeito, segundo esse órgão jurisdicional, o tribunal competente é o do lugar, num Estado‑Membro, onde o requerente tem a sua residência habitual, no caso concreto o Amtsgericht Mettmann.

    11

    O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas, em especial, sobre a regra da «concentração de competências» prevista no § 28 da AUG, no caso de processos em matéria de obrigações alimentares. Mais precisamente, tal concentração de competências teria por efeito privar os menores que residem no território nacional da possibilidade de instaurarem o processo no órgão jurisdicional competente do lugar da sua residência habitual.

    12

    Nestas circunstâncias, o Amstgericht Düsseldorf decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «O § 28, n.o 1, da AUG viola o artigo 3.o, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 4/2009?»

    Processo C‑408/13

    13

    B. Huber habita em Kehl (Alemanha) e exige ao seu marido, habitante em Barbados, o pagamento de uma pensão de alimentos que considera ser‑lhe devida na sequência da separação. Apresentou o seu pedido no tribunal cantonal do lugar do seu domicílio, a saber, o Amtsgericht Kehl. Este remeteu o processo ao Amtsgericht Karlsruhe com fundamento no § 28, n.o 1, da AUG, pelo facto de este último órgão jurisdicional ser competente uma vez que a requerente tem residência habitual na área de competência do Oberlandesgericht Karlsruhe (tribunal regional superior de Karlsruhe).

    14

    O órgão jurisdicional de reenvio também tem dúvidas sobre a compatibilidade do § 28, n.o 1, da AUG com o artigo 3.o, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 4/2009.

    15

    Segundo o referido órgão jurisdicional, por força do princípio do primado do direito da União, o Regulamento n.o 4/2009 afasta totalmente as regras nacionais de competência. Ora, se o artigo 3.o, alíneas a) e b), desse regulamento regulasse efetivamente tanto a competência internacional como a territorial, seria então interdito aos Estados‑Membros adotarem regras de competência que se afastassem das que constam do referido regulamento.

    16

    O Amtsgericht Karlsruhe considera que a referida disposição nacional dificulta de forma não despicienda a cobrança internacional de prestações de alimentos, ao contrário do objetivo do Regulamento n.o 4/2009, na medida em que os credores de alimentos deviam invocar as suas prestações num órgão jurisdicional que não o do seu domicílio, o que implica uma perda de tempo. Além disso, esse órgão jurisdicional não dispõe de elementos pertinentes sobre a situação económica local do credor para efeitos de determinar as necessidades deste último, nem sobre a capacidade contributiva do devedor.

    17

    O órgão jurisdicional de reenvio menciona, além disso, a vontade das partes no processo principal de ficarem sujeitas à competência do órgão jurisdicional do lugar da residência da requerente no processo principal, concretamente, o Amtsgericht Kehl, quer através da eleição do foro quer através da comparência do requerido.

    18

    Nestas circunstâncias, o Amtsgericht Karlsruhe decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «O § 28, n.o 1, primeiro período, da AUG, que prevê que, se um interessado não tiver residência habitual em território nacional, o tribunal que tem competência exclusiva para decidir sobre os requerimentos em matéria de obrigações alimentares nos casos previstos no artigo 3.o, alíneas a) e b), do Regulamento [n.o 4/2009] é o Amtsgericht da sede do Oberlandesgericht em cuja circunscrição se situa a residência habitual do requerido ou do interessado, é compatível com esta última disposição?»

    19

    Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 25 de julho de 2013, os processos C‑400/13 e C‑408/13 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

    Quanto às questões prejudiciais

    20

    Face às circunstâncias recordadas no n.o 17 do presente acórdão, o Amtsgericht Karlsruhe sugere uma eventual incompatibilidade da lei alemã com os artigos 4.° e 5.° do Regulamento n.o 4/2009. Todavia, importa referir que, como alega a Comissão, o referido órgão jurisdicional de reenvio só questionou o Tribunal de Justiça quanto ao alcance do artigo 3.o do regulamento.

    21

    Cumpre acrescentar que resulta claramente dos pedidos de decisão prejudicial que os litígios nos processos principais só dizem respeito à situação em que o devedor é demandado pelo credor de alimentos no órgão jurisdicional do lugar de residência habitual deste último. Por conseguinte, importa responder às questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio apenas à luz do artigo 3.o, alínea b), do referido regulamento.

    22

    Com as suas questões respetivas, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 3.o, alínea b), do Regulamento n.o 4/2009 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa nos processos principais, que institui uma concentração de competências jurisdicionais em matéria de obrigações alimentares transfronteiriças num órgão jurisdicional de primeira instância competente da circunscrição do órgão jurisdicional de recurso.

    23

    A título liminar, importa precisar que, como observou o advogado‑geral no n.o 33 das conclusões, na medida em que as disposições do Regulamento n.o 4/2009 relativas às regras de competência substituíram as do Regulamento n.o 44/2001, a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre as disposições relativas à competência em matéria de obrigações alimentares que figuram na Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186; a seguir «Convenção de Bruxelas») bem como no Regulamento n.o 44/2001, que se inscreve na linha da Convenção de Bruxelas, é pertinente para analisar as disposições correspondentes do Regulamento n.o 4/2009.

    24

    Cumpre igualmente recordar que é jurisprudência constante que as disposições relativas às regras de competência devem ser interpretadas de forma autónoma, fazendo referência, por um lado, aos objetivos e ao sistema do regulamento considerado, bem como, por outro, aos princípios gerais que decorrem das ordens jurídicas nacionais (v., por analogia, acórdãos Cartier parfums‑lunettes e Axa Corporate Solutions assurances, C‑1/13, EU:C:2014:109, n.o 32 e jurisprudência referida, e flyLAL‑Lithuanian Airlines, C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.o 24 e jurisprudência referida).

    25

    Neste contexto, há que interpretar o artigo 3.o, alínea b), do Regulamento n.o 4/2009 à luz das suas finalidades, da sua redação e do sistema em que o mesmo se insere.

    26

    A este respeito, em primeiro lugar, resulta do considerando 45 do Regulamento n.o 4/2009 que este visa implementar uma série de medidas que permitam assegurar a cobrança efetiva das prestações de alimentos em situações transfronteiriças e, como tal, facilitar a livre circulação das pessoas na União. Segundo o considerando 9 desse regulamento, um credor de alimentos deverá poder obter facilmente, num Estado‑Membro, uma decisão que terá automaticamente força executória noutro Estado‑Membro, sem quaisquer outras formalidades.

    27

    Em segundo lugar, o considerando 15 do referido regulamento enuncia que as regras relativas à competência como as que resultam do Regulamento n.o 44/2001 devem ser adaptadas a fim de preservar os interesses dos credores de alimentos e favorecer uma boa administração da justiça na União.

    28

    No que diz respeito às regras de competência nos litígios transfronteiriços relativos a prestações de alimentos, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de precisar, no contexto do artigo 5.o, n.o 2, da Convenção de Bruxelas, que a derrogação relativa às regras de competência em matéria de obrigações alimentares tem por objetivo oferecer uma proteção especial ao credor de alimentos, que é considerado a parte mais fraca nesse processo (v., neste sentido, acórdãos Farrell, C‑295/95, EU:C:1997:168, n.o 19, e Blijdenstein, C‑433/01, EU:C:2004:21, n.os 29 e 30). A este respeito, as regras de competência previstas pelo Regulamento n.o 4/2009 visam, a exemplo da enunciada no referido artigo 5.o, n.o 2, garantir uma proximidade entre o credor e o órgão jurisdicional competente, como, de resto, referiu o advogado‑geral no n.o 49 das conclusões.

    29

    Importa igualmente sublinhar que o objetivo da boa administração da justiça deve ser entendido não apenas do ponto de vista de uma otimização da organização judiciária mas igualmente, como referiu o advogado‑geral no n.o 69 das suas conclusões, à luz do interesse das partes, quer se trate do requerente ou do requerido, que devem ter a possibilidade de beneficiar, designadamente, de um acesso facilitado à justiça e da previsibilidade das regras de competência.

    30

    O artigo 3.o, alínea b), do Regulamento n.o 4/2009 determina o critério que permite identificar o órgão jurisdicional competente para dirimir os litígios transfronteiriços em matéria de obrigações alimentares, a saber, «o local em que o credor tem a sua residência habitual». Essa disposição, que determina tanto a competência internacional como a competência territorial, visa unificar as regras de conflitos de jurisdição (v., neste sentido, acórdão Color Drack, C‑386/05, EU:C:2007:262, n.o 30).

    31

    Nas suas observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, o Governo alemão e a Comissão Europeia sublinham que, ainda que o artigo 3.o, alínea b), do Regulamento n.o 4/2009 determine a competência internacional e territorial dos órgãos jurisdicionais competentes para conhecer dos litígios transfronteiriços em matéria de prestações de alimentos, cabe, no entanto, exclusivamente aos Estados‑Membros, no quadro da sua organização jurisdicional, quer identificar o órgão jurisdicional concretamente competente para dirimir tais litígios quer definir a competência dos órgãos jurisdicionais do lugar onde o credor tem a sua residência habitual na aceção do artigo 3.o, alínea b), do Regulamento n.o 4/2009.

    32

    A este respeito, há que concluir que, embora as regras de conflitos de jurisdição tenham sido harmonizadas mediante a determinação de critérios comuns de conexão, a identificação do órgão jurisdicional competente continua a incumbir aos Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdãos Mulox IBC, C‑125/92, EU:C:1993:306, n.o 25, e GIE Groupe Concorde e o., C‑440/97, EU:C:1999:456, n.o 31), desde que essa legislação nacional não ponha em causa os objetivos do Regulamento n.o 4/2009 nem prive este último do seu efeito útil (v., designadamente, neste sentido, acórdão Zuid‑Chemie, C‑189/08, EU:C:2009:475, n.o 30, e, por analogia, acórdão C., C‑92/12 PPU, EU:C:2012:255, n.o 79).

    33

    No caso em apreço, importa examinar, em primeiro lugar, se, em processos que têm por objeto os alimentos, a concentração de competências, como a que está em causa nos processos principais, tem por consequência que as pessoas que residam no território nacional perdem a vantagem que o Regulamento n.o 4/2009 lhes proporciona, concretamente a possibilidade de instaurar uma ação no órgão jurisdicional competente do lugar da sua residência habitual.

    34

    A este respeito, como é precisado na página 23 do Relatório sobre a Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1979, C 59, p. 1; JO 1990, C 189, p. 122), elaborado por P. Jenard, «é o tribunal do domicílio do credor de alimentos que está em melhor posição para verificar se ele tem necessidade dos referidos alimentos e para determinar em que medida».

    35

    Importa precisar que a execução dos objetivos recordados nos n.os 28 e 29 do presente acórdão não implica que os Estados‑Membros devam instituir órgãos jurisdicionais em todos os lugares.

    36

    Em contrapartida, importa que, de entre os órgãos jurisdicionais designados para dirimir litígios em matéria de obrigações alimentares, o órgão jurisdicional competente seja o que assegura um critério de conexão particularmente estreito com o lugar onde o credor de alimentos tem a sua residência habitual.

    37

    A Comissão sublinha, a este propósito, que o Regulamento n.o 4/2009 restringe a liberdade dos Estados‑Membros no que diz respeito à determinação do órgão jurisdicional competente, na medida em que se deve tratar de uma competência territorial ligada ao lugar de residência habitual dos credores. Como tal, a designação do órgão jurisdicional competente deve basear‑se numa conexão razoável entre este último e o lugar de residência habitual do credor, no quadro da própria organização jurisdicional do Estado‑Membro em causa.

    38

    No caso em apreço, o órgão jurisdicional competente, por força da regra enunciada no § 28 da AUG, é o Amtsgericht competente da circunscrição do Oberlandesgericht territorialmente competente no qual o credor se deveria eventualmente apresentar no quadro de um processo de recurso.

    39

    Por conseguinte, essa regulamentação nacional, ao designar, enquanto órgão jurisdicional do lugar onde o credor tem a sua residência habitual na aceção do artigo 3.o, alínea b), do Regulamento n.o 4/2009, um órgão jurisdicional cuja competência pode não coincidir com a do foro competente para os litígios internos com o mesmo objetivo, não contribui necessariamente para a realização do objetivo de proximidade.

    40

    Todavia, embora a proximidade entre o órgão jurisdicional competente e o credor de alimentos figure entre os objetivos prosseguidos pelo artigo 3.o, alínea b), do Regulamento n.o 4/2009, não constitui, como recordado nos n.os 26 a 29 do presente acórdão, o único objetivo desse regulamento.

    41

    Assim, em segundo lugar, cumpre examinar se a regulamentação nacional como a que está em causa nos processos principais é suscetível de comprometer o objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 4/2009, que é facilitar o mais possível a cobrança de prestações de alimentos internacionais, na medida em que conduziria a tornar o processo mais pesado ao implicar para as partes um dispêndio de tempo adicional não despiciendo.

    42

    O Governo alemão e a Comissão alegam que uma concentração de competências jurisdicionais em matéria de obrigações alimentares, como a que está em causa nos processos principais, tem um efeito positivo na administração da justiça, pois permite ter acesso a tribunais especializados e, como tal, dotados de uma maior especialização nesse tipo de contencioso, que reveste, frequentemente, em seu entender, uma grande complexidade fáctica e jurídica.

    43

    A este respeito, cumpre referir, por um lado, que, embora a diferença de competência geográfica entre os órgãos jurisdicionais competentes em matéria de obrigações alimentares pressuponha que, quando o litígio for de natureza transfronteiriça, o credor de alimentos é suscetível de, em certos casos, percorrer uma maior distância, esse pressuposto não se verifica necessariamente. Com efeito, o recurso a um órgão jurisdicional não implica uma deslocação sistemática das partes em cada uma das fases do processo. Assim, e como precisa o considerando 23 do Regulamento n.o 4/2009, para limitar os custos ligados aos processos regidos por esse regulamento, importa, em especial, recorrer, tanto quanto possível, às modernas tecnologias de comunicação, designadamente na audição das partes no litígio, uma vez que estes meios processuais permitem evitar a deslocação das referidas partes.

    44

    Por outro lado, uma regra de competência como a que está em causa nos processos principais é suscetível de satisfazer simultaneamente as exigências recordadas nos n.os 26 a 29 do presente acórdão, isto é, a execução de medidas que permitam assegurar a cobrança efetiva das prestações de alimentos em situações transfronteiriças, preservar os interesses dos credores de alimentos e favorecer uma boa administração da justiça.

    45

    Com efeito, uma concentração de competências como a que está em causa nos processos principais contribui para desenvolver uma especialização específica, que pode melhorar a eficácia da cobrança das prestações de alimentos sem deixar de garantir uma boa administração da justiça e de servir os interesses das partes no litígio.

    46

    No entanto, não se pode excluir que tal concentração de competências restringe a cobrança efetiva das prestações de alimentos em situações transfronteiriças, o que pressupõe uma apreciação concreta, pelos órgãos jurisdicionais de reenvio, da situação existente no Estado‑Membro em causa.

    47

    Resulta de todas estas considerações que o artigo 3.o, alínea b), do Regulamento n.o 4/2009 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa nos processos principais, que institui uma concentração de competências jurisdicionais em matéria de obrigações alimentares transfronteiriças num órgão jurisdicional de primeira instância competente da circunscrição do órgão jurisdicional de recurso, salvo se essa regra contribuir para realizar o objetivo de uma boa administração da justiça e proteger o interesse dos credores de alimentos ao mesmo tempo que favorece a cobrança efetiva dessas prestações, o que incumbe, contudo, aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar.

    Quanto às despesas

    48

    Revestindo os processos, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidentes suscitados perante os órgãos jurisdicionais de reenvio, compete a estes decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    O artigo 3.o, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa nos processos principais, que institui uma concentração de competências jurisdicionais em matéria de obrigações alimentares transfronteiriças num órgão jurisdicional de primeira instância competente da circunscrição do órgão jurisdicional de recurso, salvo se essa regra contribuir para realizar o objetivo de uma boa administração da justiça e proteger o interesse dos credores de alimentos ao mesmo tempo que favorece a cobrança efetiva dessas prestações, o que incumbe, contudo, aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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