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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62013CC0133

Conclusões da advogada-geral Kokott apresentadas em 2 de Outubro de 2014.
Staatssecretaris van Economische Zaken e Staatssecretaris van Financiën contra Q.
Pedido de decisão prejudicial: Raad van State - Países Baixos.
Reenvio prejudicial - Livre circulação de capitais - Legislação fiscal - Imposto sobre as doações - Isenção fiscal aplicável a uma ‘propriedade rústica’ - Inexistência de isenção fiscal quando está em causa uma propriedade situada no território de outro Estado-Membro.
Processo C-133/13.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2014:2255

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 2 de outubro de 2014 ( 1 )

Processo C‑133/13

Staatssecretaris van Economische Zaken

e

Staatssecretaris van Financiën

contra

Q

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State (Reino dos Países Baixos)]

«Fiscalidade — Livre circulação de capitais (artigo 63.o, n.o 1, TFUE) — Imposto nacional sobre as doações — Benefício fiscal aplicável a ‘propriedades rústicas’ situadas no território nacional — Conservação do património natural e cultural nacional — Eficácia da fiscalização tributária — Assistência mútua transfronteiriça em matéria fiscal — Âmbito de aplicação das Diretivas 2010/24/UE e 2011/16/UE — Conceito de ‘inquéritos administrativos’ nos termos do artigo 5.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2010/24/UE e do artigo 3.o, n.o 7, da Diretiva 2011/16/UE — Limites da obrigação de investigação»

I – Introdução

1.

Quando os Estados‑Membros optam por tributar a transmissão de bens sob a forma de uma sucessão ou de uma doação, o encargo fiscal resultante pode ser de tal forma elevado que os adquirentes são obrigados a alienar elementos do património para pagar os impostos devidos. Em relação a determinados patrimónios, os Estados‑Membros receiam, no entanto, estas consequências e optam por conceder benefícios que possibilitam a conservação do conjunto do património transmitido.

2.

Esta situação verifica‑se no presente caso, em que o Reino dos Países Baixos pretende conservar a unidade de determinados terrenos mesmo após a transmissão sujeita a imposto. Neste sentido, caso um terreno seja qualificado como uma «beleza natural», o imposto pode ser reduzido para metade ou mesmo ser integralmente eliminado se o proprietário mantiver a referida beleza natural a longo prazo. O Reino dos Países Baixos apenas está, no entanto, interessado nas suas próprias belezas naturais. Caso um cidadão nacional transmita um terreno estrangeiro, estando esta operação sujeita ao imposto sobre as doações, não lhe é concedido qualquer benefício fiscal.

3.

Compete agora ao Tribunal de Justiça esclarecer se um regime deste tipo é compatível com as liberdades fundamentais, não devendo, neste âmbito, apenas ser analisada a admissibilidade de um incentivo fiscal restringido a objetivos nacionais. A este respeito, verificam‑se certos paralelismos com o processo pendente C‑87/13, no qual apresentei recentemente as minhas conclusões ( 2 ). Para além disso, o presente processo levanta ainda questões relativas aos limites da cooperação administrativa dos Estados‑Membros, caso também os terrenos estrangeiros devam beneficiar dos referidos incentivos. Com efeito, para efeitos do benefício fiscal em causa a conservação da beleza natural num terreno terá de ser fiscalizada durante um período prolongado.

II – Quadro jurídico

A – Direito da União

4.

O artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2010/24/UE do Conselho, de 16 de março de 2010, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas ( 3 ) (a seguir «Diretiva 2010/24/UE relativa à cobrança de créditos») define da seguinte forma o seu âmbito de aplicação:

«A presente diretiva é aplicável aos créditos respeitantes a:

a)

Todos os impostos e direitos […] cobrados por um Estado‑Membro […].

[…]»

5.

O artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2010/24/UE relativa à cobrança de créditos fornece a possibilidade de uma «pedido de informações»:

«A pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida faculta quaisquer informações que sejam previsivelmente úteis à autoridade requerente para efeitos da cobrança dos créditos a que se refere o artigo 2.o

Para a prestação dessas informações, a autoridade requerida manda efetuar os inquéritos administrativos que sejam necessários à obtenção das mesmas.»

6.

Para além da Diretiva 2010/24/UE relativa à cobrança de créditos, no domínio da assistência mútua transfronteiriça em matéria fiscal existe ainda a Diretiva 2011/16/UE do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade e que revoga a Diretiva 77/799/CEE ( 4 ) (a seguir «Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa»), cujo artigo 1.o, n.o 1, define o seu «objeto»:

«A presente diretiva estabelece as regras e os procedimentos ao abrigo dos quais os Estados‑Membros devem cooperar entre si tendo em vista a troca de informações previsivelmente relevantes para a administração e a execução da legislação interna dos Estados‑Membros respeitante aos impostos a que se refere o artigo 2.o»

7.

O «âmbito de aplicação» da Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa resulta do seu artigo 2.o:

«1.   A presente diretiva é aplicável a todos os tipos de impostos cobrados por um Estado‑Membro ou em seu nome […].

2.   Não obstante o n.o 1, a presente diretiva não é aplicável ao imposto sobre o valor acrescentado nem aos direitos aduaneiros, nem a impostos especiais de consumo abrangidos por outra legislação da União em matéria de cooperação administrativa entre Estados‑Membros. A presente diretiva também não é aplicável às contribuições obrigatórias para a segurança social […].

[…]»

8.

O artigo 5.o da Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa apresenta uma possibilidade de assistência mútua transfronteiriça:

«A pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida comunica à autoridade requerente todas as informações a que se refere o n.o 1 do artigo 1.o de que disponha ou que obtenha na sequência de inquéritos administrativos.»

9.

Para efeitos da presente diretiva, o artigo 3.o, n.o 7, da Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa define o conceito de «inquérito administrativo» como abrangendo «todos os controlos, verificações e ações empreendidos pelos Estados‑Membros no desempenho das suas atribuições, com o objetivo de assegurar a correta aplicação da legislação fiscal».

B – Direito nacional

10.

De acordo com o artigo 1.o, n.o 1, ponto 2, da lei neerlandesa sobre as sucessões de 1956 (Successiewet 1956), nos Países Baixos é cobrado imposto sobre as doações «sobre o valor da totalidade dos bens transmitidos por doação de uma pessoa residente nos Países Baixos no momento da doação».

11.

O artigo 7.o, n.o 1, primeiro período, da lei neerlandesa da beleza Natural de 1928 (Natuurschoonwet 1928) prevê o seguinte benefício fiscal:

«Se uma aquisição nos termos da lei sobre as sucessões de 1956 incluir um bem imóvel que seja considerado uma propriedade rústica, não será cobrada […] a diferença entre o imposto sobre as doações ou o imposto sobre as sucessões devido e o imposto que seria devido se o imóvel fosse avaliado em metade do valor de mercado que teria de lhe ser atribuído no momento da aquisição, desde que fique sujeito à obrigação de, durante um período de 25 anos, ser preservado como tal e de não serem feitos abates de árvores, a não ser na medida do necessário ou do habitual segundo as regras normais de gestão florestal. [...].»

12.

Nos termos do segundo período desta disposição, o valor económico relevante no âmbito do primeiro período é reduzido a zero quando a propriedade rústica for acessível ao público. Deste modo, acaba por não ser cobrado imposto sobre as doações.

13.

O artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Natuurschoonwet 1928 define «propriedade rústica» como «bem imóvel situado nos Países Baixos, total ou parcialmente composto por áreas naturais, florestais ou por outras áreas arborizadas — podendo incluir uma casa de campo ou outros edifícios conformes com o caráter rústico da propriedade — na medida em que a existência do imóvel, com a sua aparência característica, seja desejável para a conservação da beleza natural».

14.

De acordo com o artigo 1.o, n.o 2, da Natuurschoonwet 1928 por via de um regulamento administrativo é definido, de forma mais precisa, em que condições um terreno deve ser considerado uma propriedade rústica. Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do referido regulamento administrativo (Rangschikkingsbesluit Natuurschoonwet 1928) devem ser cumpridas quatro condições: o terreno deve ter uma área não inferior a 5 hectares; as áreas de terreno e de água devem formar uma área contígua; um mínimo de 30% da área do terreno deve estar coberto por zonas florestais ou outro tipo de zonas naturais; a utilização do terreno não pode afetar a beleza natural do terreno. O artigo 1.o, n.o 1, do regulamento administrativo define, de forma precisa, as zonas florestais e outras áreas naturais dignas de proteção, entre outros pontos.

15.

De acordo com o disposto no artigo 2.o da Natuurschoonwet 1928, um proprietário pode requerer ao ministro competente que este declare que o seu terreno constitui uma propriedade rústica nesta aceção.

III – Litígio no processo principal

16.

O litígio no processo principal diz respeito a um pedido, apresentado por Q, de reconhecimento como «propriedade rústica», na aceção da Natuurschoonwet 1928, de um terreno de que é proprietária e que se situa em Inglaterra. Subjacente à apresentação do pedido está a intenção de Q de doar o terreno ao seu filho, que reside no Reino Unido. Como Q, pelo contrário, reside nos Países Baixos, esta doação está sujeita ao imposto sobre as doações neerlandês.

17.

A administração neerlandesa indeferiu o pedido, unicamente com o fundamento de que o terreno não se situa nos Países Baixos, tal como é exigido pelo artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Natuurschoonwet 1928. Q interpôs recurso judicial desta decisão.

IV – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

18.

Nos termos do artigo 267.o TFUE, o Raad van State, entretanto chamado a conhecer do litígio, submeteu em 13 de março de 2013 as seguintes questões prejudiciais à apreciação do Tribunal de Justiça:

«1.

) O interesse da conservação da beleza natural nacional e do património histórico‑cultural, tal como previsto na [Natuurschoonwet 1928], constitui uma razão imperiosa de interesse geral que justifica um regime nos termos do qual a aplicação de uma isenção do imposto sobre as doações (benefício fiscal) está limitada às propriedades rústicas situadas nos Países Baixos?

2)

a)

Podem as autoridades de um Estado‑Membro, no âmbito de uma averiguação para saber se um imóvel situado noutro Estado‑Membro pode ser qualificado de propriedade rústica na aceção da Natuurschoonwet 1928, invocar a [Diretiva 2010/24 relativa à cobrança de créditos], para solicitar a assistência das autoridades do Estado‑Membro onde o imóvel está situado, quando a qualificação como propriedade rústica, com base nessa lei, tem como consequência a concessão de uma isenção do imposto sobre as doações que será devido no momento da doação desse imóvel?

2)

b)

Em caso de resposta afirmativa à questão 2.a), deve o conceito de ‘inquérito administrativo’ previsto no artigo 3.o, n.o 7, da [Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa] ser interpretado no sentido de também incluir uma verificação in loco?

2)

c)

Em caso de resposta afirmativa à questão 2.b), para efeitos de determinação do conceito de ‘inquéritos administrativos’ previsto no artigo 5.o, n.o 1, da [Diretiva 2010/24 relativa à cobrança de créditos], poder‑se‑á tomar em consideração a definição do conceito de ‘inquérito administrativo’ previsto no artigo 3.o, n.o 7, da [Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa]?

3)

Em caso de resposta negativa às questões 2.a), 2.b) ou 2.c), deverá o princípio da cooperação leal, previsto no artigo 4.o, n.o 3, do TUE, em conjugação com o artigo 167.o, n.o 2, do TFUE, ser interpretado no sentido de implicar que, se um Estado‑Membro solicitar a outro Estado‑Membro que preste a sua colaboração no âmbito de uma averiguação para saber se um imóvel situado nesse outro Estado‑Membro pode ser qualificado de propriedade rústica na aceção de uma lei que tem por objetivo a preservação e a proteção da beleza natural nacional e do património histórico‑cultural, o Estado‑Membro requerido está obrigado a prestar essa colaboração?

4)

Pode uma restrição à livre circulação de capitais ser justificada pela necessidade de garantir a eficácia da fiscalização tributária, se tal eficácia da fiscalização tributária apenas puder ser posta em causa pelo facto de as autoridades nacionais se deverem deslocar a outro Estado‑Membro, durante um período de 25 anos, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, da Natuurschoonwet 1928, para aí realizarem a necessária fiscalização?»

19.

O presente processo começou por ser apensado ao processo C‑87/13 para efeitos da tramitação processual e do acórdão. Q, X (parte do litígio na causa principal no processo C‑87/13), a República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana, o Reino dos Países Baixos, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas em julho de 2013. Posteriormente, a apensação dos processos foi anulada.

20.

Na audiência de 21 de maio de 2014 participaram Q, a República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha, o Reino dos Países Baixos e a Comissão.

V – Apreciação jurídica

21.

Com as suas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional pretende, no essencial, saber se um regime de incentivos fiscais como o presente é compatível com a livre circulação de capitais nos termos do artigo 63.o, n.o 1, TFUE. No âmbito da análise da existência de uma violação da referida liberdade, será também possível esclarecer as questões do órgão jurisdicional de reenvio a respeito da interpretação das diretivas relativas à cooperação das administrações fiscais dos Estados‑Membros.

A – Restrição

22.

Um benefício fiscal concedido no âmbito do imposto sobre as doações, tal como o presente, restringe a livre circulação de capitais prevista no artigo 63.o, n.o 1, TFUE.

23.

Em primeiro lugar, o tratamento fiscal de doações está abrangido pelas disposições do Tratado relativas aos movimentos de capitais, desde que um elemento constitutivo da operação em causa se situe no exterior de um Estado‑Membro ( 5 ). Esta situação verifica‑se no presente caso, na medida em que o terreno que se pretende doar não se situa nos Países Baixos, mas sim noutro Estado‑Membro.

24.

Em segundo lugar, parte‑se do princípio de que se verifica uma restrição à livre circulação de capitais quando a doação de um terreno estrangeiro está sujeita a um imposto mais elevado do que a doação de um terreno nacional. O Tribunal de Justiça concluiu neste sentido no caso da transmissão por morte ( 6 ), sendo esta jurisprudência transponível para uma doação entre vivos ( 7 ). No presente caso, a qualificação como «propriedade rústica, e por conseguinte a concessão de um benefício fiscal no âmbito do imposto sobre as doações, apenas é recusada ao terreno de Q devido ao facto de o mesmo não se situar nos Países Baixos.

25.

Segundo jurisprudência assente, apesar da disposição derrogatória aplicável à legislação fiscal nacional nos termos do artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE, uma restrição deste tipo só é compatível com a livre circulação de capitais quando a diferença de tratamento diz respeito a situações não comparáveis objetivamente (v., a este respeito, o ponto B, infra), ou se justifica por uma razão imperiosa de interesse geral ( 8 ) (v., a este respeito, o ponto C, infra).

B – Comparabilidade objetiva das situações

26.

Antes de mais, levanta‑se a questão de saber se são objetivamente comparáveis a situação de um sujeito passivo que doa uma «propriedade rústica» situada nos Países Baixos, estando esta operação sujeita a imposto sobre as doações, e a situação de um sujeito passivo que doa um terreno situado noutro Estado‑Membro, operação que também está sujeita a imposto sobre as doações mas, de resto, cumpre as condições par ser qualificado de «propriedade rústica».

27.

Nos termos de jurisprudência assente, a comparabilidade objetiva das situações deve ser analisada tendo em conta o objetivo da regulamentação em causa ( 9 ). De acordo com as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, o presente regime de incentivos fiscais visa a conservação tanto da beleza natural nacional, como do património histórico‑cultural nos Países Baixos.

28.

Deste objetivo restringido ao território nacional não resulta, no entanto, que as situações a analisar no presente caso não possam ser comparadas objetivamente, na medida em que, tal como já referi, com mais detalhe, noutra ocasião, no âmbito da análise da comparabilidade objetiva a finalidade de um regime nacional de incentivos fiscais não pode ser definida unicamente do ponto de vista nacional ( 10 ).

29.

Por conseguinte, as referidas situações são objetivamente comparáveis quando o terreno situado noutro Estado‑Membro cumpre as condições previstas no regime neerlandês para a qualificação como beleza natural e património histórico‑cultural, com exceção da localização no território nacional. Esta situação verifica‑se no presente caso, uma vez que o reconhecimento foi recusado a Q unicamente devido ao facto de o seu terreno não se situar no território nacional.

C – Justificação

30.

Importa ainda analisar se um regime de incentivos fiscais como o neerlandês é justificado por uma razão imperiosa de interesse geral.

1. Conservação do património natural e cultural nacional

31.

No âmbito do processo, foi sustentado que a conservação do património natural e cultural nacional constitui uma razão justificativa deste tipo.

32.

Antes de mais, é inegável que o Reino dos Países Baixos pode atribuir incentivos ao seu património natural e cultural nacional. No entanto, este objetivo também seria concretizado caso os benefícios fiscais fossem alargados a terrenos estrangeiros. O Reino dos Países Baixos não poderia sustentar com êxito que este alargamento do benefício fiscal levaria a uma diminuição das receitas fiscais. Isto porque, segundo jurisprudência assente, a necessidade de evitar a redução de receitas fiscais não figura entre as razões imperiosas de interesse geral suscetíveis de justificar uma restrição a uma liberdade instituída pelo Tratado ( 11 ).

33.

Por conseguinte, o regime neerlandês apenas pode ser justificado caso os Estados‑Membros possam restringir, num caso como o presente, a concessão de benefícios fiscais a terrenos situados no território nacional.

a) Limites da definição do objetivo de um incentivo

34.

A jurisprudência ainda não esclareceu a questão de saber em que condições os Estados‑Membros podem definir, para um incentivo fiscal, um objetivo restrito ao território nacional.

35.

Apesar de já ter sido proferida uma série de acórdãos sobre regimes fiscais dos Estados‑Membros que previam uma restrição do incentivo fiscal a atividades nacionais ou objetos nacionais, na maior parte destes casos o objetivo subjacente ao regime não se restringia ao território nacional. Nestes casos, o Tribunal de Justiça recusou uma restrição nacional do incentivo fiscal, apenas porque o objetivo prosseguido com o referido incentivo também pode ser concretizado com apoios estrangeiros. Neste sentido, no acórdão Petersen o Tribunal de Justiça não vislumbrou motivos para que a política de desenvolvimento alemã apenas pudesse ser promovida por empresas nacionais ( 12 ). No acórdão relativo à subvenção alemã para habitação própria, o Tribunal de Justiça considerou que o objetivo que visa satisfazer a procura de habitação é igualmente atingido quando também é apoiada a aquisição de casas, no estrangeiro, para habitação própria ( 13 ). No acórdão Persche, o Tribunal de Justiça concluiu que um Estado‑Membro não pode recusar a dedução de donativos a favor de instituições estrangeiras, quando estas prosseguem objetivos idênticos aos das instituições nacionais ( 14 ).

36.

No presente caso, o objetivo de incentivo fiscal consiste na conservação do património natural e cultural nacional. A concessão de um benefício fiscal a terrenos estrangeiros não serviria este objetivo, na medida em que promoveria o património cultural e natural de outro Estado‑Membro. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça deve decidir no presente caso se o objetivo subjacente ao benefício fiscal, objetivo esse que está claramente restrito ao território nacional, representa uma razão justificativa.

37.

A jurisprudência reforçou repetidamente a este respeito que, por princípio, os Estados‑Membros são livres de decidir quais os interesses da coletividade que pretendem promover através da concessão de benefícios fiscais ( 15 ).

38.

Para além disso, o Tribunal de Justiça reconheceu ainda que, por princípio, uma medida de incentivo adotada pelos Estados‑Membros pode apresentar uma finalidade nacional, caso o domínio incentivado não esteja harmonizado ao nível do direito da União ( 16 ). Isto porque, nos termos da jurisprudência assente, a vontade a nível dos Estados‑Membros de garantir a existência de uma determinada conexão entre a sociedade do Estado‑Membro em causa e o beneficiário de uma prestação pode constituir uma consideração objetiva de interesse geral ( 17 ). Deste modo, também se reconhece que o alargamento do círculo de beneficiários pode apresentar um encargo excessivo para o Estado‑Membro que concede o subsídio e, por conseguinte, ter consequências sobre o nível do incentivo ( 18 ). O mesmo deve valer quando o alvo do incentivo não é uma determinada pessoa com uma conexão com a sociedade do Estado‑Membro, mas sim um bem que faz parte integrante da referida sociedade, como é, no presente caso, o património natural e cultural. Para além disso, não se verifica qualquer diferença relevante entre o facto de um Estado‑Membro pagar diretamente um incentivo ou, tal como sucede no presente caso, o conceder sob a forma de um benefício fiscal, ou seja, a renúncia a receitas fiscais.

39.

Contudo, nos termos do direito da União os Estados‑Membros não podem gozar de uma liberdade plena na definição do objetivo de incentivo, tal como já referi no âmbito do processo C‑87/13 ( 19 ), na medida em que um objetivo também poderia ter um propósito manifestamente protecionista, o que sucede, por exemplo, quando um incentivo fiscal apenas pretende beneficiar os próprios nacionais, prejudicando assim significativamente o mercado interno.

40.

Neste contexto, importa proceder a uma diferenciação entre os objetivos nacionais para um incentivo fiscal que são admissíveis à luz do direito da União e aqueles que não o são. No acórdão Tankreederei I, o Tribunal de Justiça deu os primeiros passos neste sentido, ao distinguir consoante os incentivos estejam associados a uma «finalidade social» ( 20 ). Para além disso, no acórdão Laboratoires Fournier o Tribunal de Justiça não considerou admissível a existência de um objetivo, para um incentivo fiscal, definido de forma puramente nacional, por este contrariar diretamente os objetivos da correspondente política comunitária consagrados no Tratado ( 21 ).

41.

Na minha opinião, é por isso necessário fazer, em cada caso concreto, uma ponderação entre o objetivo, orientado para os interesses nacionais, prosseguido pelo Estado‑Membro com um regime de incentivos fiscais e as consequências para os objetivos da União fixados nos Tratados, em particular para a liberdade fundamental restringida. Isto vale, em todo o caso, quando o objetivo prosseguido pelo Estado‑Membro também se inclui, pelo menos de uma forma geral, entre os objetivos da União. Caso as liberdades fundamentais não sejam afetadas de forma desproporcionada, permite‑se, desse modo, ao Estado‑Membro a promoção, com os meios à sua disposição, de um objetivo que apresenta uma relação com a sua sociedade, da qual também provêm os meios utilizados para a promoção. Além disso, previne‑se o risco de um Estado‑Membro não aplicar os seus recursos na promoção de um objetivo da União unicamente porque o direito da União só lhe permite uma promoção ao nível da União.

b) Significado do objetivo do incentivo fiscal

42.

Em regra, o resultado de uma ponderação deste tipo é claro quando o objetivo prosseguido pelo Estado‑Membro, sobretudo no que se refere ao seu limite nacional, é respeitado pelos Tratados, tal como sucede no caso da conservação do património cultural nacional. No âmbito do processo C‑87/13 já demonstrei, por conseguinte, que a conservação do património cultural nacional representa uma razão imperiosa de interesse geral que pode justificar uma restrição à liberdade de estabelecimento ( 22 ). Não encontro quaisquer motivos para seguir um entendimento diferente no âmbito de aplicação da livre circulação de capitais restringida no presente caso. Por conseguinte, o presente benefício fiscal, desde que tenha por objetivo a conservação do património cultural nacional, deve ser considerado justificado.

43.

O mesmo se aplica à conservação do património natural, desde que se possa considerar que este integra o património cultural como anexo de um edifício ou como um edifício. Esta situação verifica‑se quando os edifícios incluídos no património cultural nacional e a natureza envolvente formam uma unidade ou quando a natureza retrabalhada — por exemplo um jardim barroco — deve ser considerada equiparável a um edifício.

44.

Levanta‑se, no entanto, a questão de saber se, para além disso, também a conservação do património natural nacional pode servir como razão justificativa de uma restrição à livre circulação de capitais. Esta situação diz respeito a casos em que foi concedido um benefício fiscal ao objeto prioritário da proteção prevista no regime constante do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Natuurschoonwet 1928, nomeadamente o «terreno total ou parcialmente composto por áreas naturais, florestais ou por outras áreas arborizadas», sem que o referido terreno contenha simultaneamente qualquer elemento passível de ser considerado património cultural nacional. Ao contrário do que sucede com o património cultural, não é possível encontrar no Tratado quaisquer elementos que permitam concluir que também o património natural — em particular, na sua vertente nacional — deve ser protegido.

45.

No entanto, várias partes no processo referiram, com razão, a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, que reconhece em termos gerais a proteção do ambiente como razão justificativa ( 23 ). Apesar de, até ao momento, a referida jurisprudência se ter focado na proteção do ambiente contra a poluição ou na gestão prudente dos recursos naturais, o artigo 191.o, n.o 1, primeiro travessão, TFUE prevê, em termos gerais, o objetivo da União de preservação e proteção do ambiente. Também se inclui neste objetivo a proteção do património natural ( 24 ), que também é concretizado pela conservação das áreas naturais coerentes existentes. O benefício fiscal controvertido no presente processo promove a manutenção de determinadas áreas naturais enquanto unidade, porquanto reduz a carga fiscal da transmissão por sucessão ou doação de bens com ónus relacionados com a proteção da natureza e, deste modo, também torna menos provável a ocorrência de alienações parciais que possam ameaçar a subsistência de uma área natural.

46.

Por conseguinte, também no que se refere à conservação do património natural se pode concluir que o regime controvertido prossegue um objetivo reconhecido, mesmo que de uma forma meramente geral, pelos Tratados.

c) Dimensão dos entraves do mercado interno

47.

A questão de saber se um Estado‑Membro também pode, no entanto, prosseguir um objetivo apenas promovido de forma geral pelos Tratados — tal como sucede no presente caso com a conservação do património natural — quando este tem uma finalidade meramente nacional depende, em particular, da dimensão dos entraves ao mercado interno, neste caso dos entraves à livre circulação de capitais. No entanto, no presente caso este entrave não me parece ser suficientemente grave para impedir o Estado‑Membro de restringir o seu incentivo fiscal ao património natural nacional.

48.

Antes de mais, o artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE prevê que, por princípio, pode ser estabelecida uma diferenciação entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar em que o seu capital é investido. Apesar de esta exceção ser fortemente relativizada pelo n.o 3 da disposição e, em particular, pela jurisprudência ( 25 ), é possível concluir, com base na mesma, que se deve atribuir à livre circulação de capitais, no contexto da sua ponderação com um objetivo de incentivo prosseguido pelo Estado‑Membro, uma menor relevância em relação a outras liberdades fundamentais.

49.

O objeto do presente benefício fiscal é um terreno, visando‑se através do incentivo fiscal influenciar o seu estado. No entanto, um terreno situado no estrangeiro está, por princípio, sujeito à competência do Estado‑Membro em cujo território se situa. Caso se alargasse, no presente caso, o benefício fiscal neerlandês a um terreno inglês, poder‑se‑ia estar a criar um conflito com os objetivos em matéria de política de proteção da natureza do Reino Unido, na medida em que um benefício fiscal sujeito a determinadas condições é suscetível de produzir efeitos semelhantes a deveres e proibições fixados pelos Estados‑Membros. No entanto, o Reino dos Países Baixos não dispõe deste tipo de poderes em relação a um terreno situado no Reino Unido.

50.

Neste sentido, a Comissão argumentou aqui, no essencial, que através da tributação da transmissão de um terreno estrangeiro o Reino dos Países Baixos está desde logo a ultrapassar a sua competência territorial, pelo que também o benefício fiscal deve ser concedido independentemente da competência territorial. Não concordo, no entanto, com este entendimento. Ao tributar a transmissão de património de um cidadão nacional, o Estado‑Membro apenas está a absorver a capacidade financeira deste a favor da sociedade em que vive, pelo que não chega a ultrapassar a sua competência territorial quando a capacidade financeira do cidadão nacional também é representada pela posse de propriedades no estrangeiro.

51.

Por fim, considero que os efeitos sobre a livre circulação de capitais no presente caso são muito limitados. O mercado interno é afetado, neste caso, pelo facto de a promoção exclusiva de terrenos nacionais reduzir a atratividade de terrenos estrangeiros como investimento de capital para cidadãos nacionais. Por um lado, esta promoção apenas diz respeito a um número relativamente reduzido de terrenos, capazes de cumprir as condições impostas para qualificação como «propriedade rústica». Por outro, considerando as muitas ponderações que um investidor de capitais tem de fazer no âmbito de um investimento, o valor de um eventual imposto sobre as doações assumirá, em regra, um papel acessório.

d) Conclusão

52.

Por conseguinte, importa concluir que a restrição à livre circulação de capitais no presente caso, resultante do benefício fiscal no âmbito do imposto sobre as doações, é justificada pelos objetivos de promoção do património natural e cultural nacional prosseguidos com o referido regime.

2. Eficácia da fiscalização tributária

53.

Para além disso, irei igualmente analisar se as necessidades de fiscalização tributária também podem justificar a presente restrição, situação a que se refere, sobretudo, a quarta questão prejudicial. Mas também as questões prejudiciais 2.a), 2.b) e 2.c), bem como a terceira questão prejudicial, que dizem respeito à assistência mútua transfronteiriça, são colocadas neste contexto. Subjacente a todas estas interrogações está a questão de saber se o controlo administrativo do cumprimento das condições do presente benefício fiscal está suficientemente garantido no caso de um terreno estrangeiro.

54.

Segundo jurisprudência assente, as liberdades fundamentais podem ser restringidas por motivos relacionados com a «eficácia da fiscalização tributária» ou dos «controlos fiscais» ( 26 ). Isto porque um Estado‑Membro deve, por princípio, estar em condições de verificar corretamente a dívida fiscal de um contribuinte ( 27 ), o que se pode revelar problemático no caso de uma matéria de facto que deve ser investigada noutro Estado‑Membro.

55.

Igualmente segundo jurisprudência assente, esta razão justificativa não pode, no entanto, ser acolhida quando um Estado‑Membro, quer por via da assistência administrativa providenciada por outros Estados‑Membros ( 28 ) quer através do recurso a informações e provas fornecidas pelo contribuinte ( 29 ), está em condições de efetuar a fiscalização necessária no estrangeiro. Neste âmbito, é também razoável considerar que um Estado‑Membro terá mais dificuldades em proceder à referida fiscalização noutro Estado‑Membro do que no território nacional ( 30 ). Apenas quando as fontes de informação referidas não são adequadas ao controlo de factos ocorridos no estrangeiro é que um Estado‑Membro pode, por conseguinte, invocar a razão justificativa da «eficácia da fiscalização tributária» ( 31 ).

56.

De acordo com as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, a decisão administrativa sobre a questão de saber se um terreno cumpre as condições para ser considerado «propriedade rústica», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Natuurschoonwet 1928, pressupõe uma verificação in loco. O mesmo deve valer, durante um período de 25 anos, para a subsequente fiscalização para verificar se o terreno continua a cumprir as condições do benefício fiscal.

57.

Por conseguinte, no presente caso é de excluir a informação prestada pelo próprio contribuinte como meio de fiscalização tributária. Levanta‑se, no entanto, a questão de saber se os controlos necessários no local do terreno podem ser realizados por via da assistência administrativa prestada pelas autoridades de outros Estados‑Membros.

a) Quanto à diretiva aplicável

58.

Neste contexto, o presente órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, antes de mais, com a sua questão 2.a), se as autoridades neerlandesas podem, de acordo com a Diretiva 2010/24 relativa à cobrança de créditos, obter a assistência das autoridades do Estado‑Membro em que o território está localizado.

59.

A Diretiva 2010/24 relativa à cobrança de créditos não fornece, no entanto, qualquer possibilidade de assistência mútua para a decisão controvertida no processo principal, relativa à questão de saber se um terreno cumpre as condições para ser considerado «propriedade rústica» na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Natuurschoonwet 1928, na medida em que, nos termos do seu artigo 2.o, n.o 1, apenas se aplica a créditos já constituídos. No entanto, no presente caso ainda não se constituiu a obrigação de imposto sobre as doações.

60.

No entanto, para este efeito as autoridades neerlandesas podem recorrer, por princípio, à Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa.

61.

De acordo com o seu artigo 2.o, n.o 1, esta diretiva é aplicável a todos os tipos de impostos, não se contando o imposto sobre as doações entre os impostos excluídos nos termos do artigo 2.o, n.o 2, da diretiva.

62.

Não partilho o entendimento da República Federal da Alemanha, nos termos do qual a Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa não se aplica, no entanto, a procedimentos administrativos que precedem a tributação. A averiguação, controvertida no processo principal, sobre se um terreno pode ser qualificado como uma propriedade rústica na aceção da Natuurschoonwet 1928, constitui manifestamente um ato administrativo ordinário, ao qual estão associados diferentes efeitos jurídicos. No entanto, de acordo com as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, desta constatação também resulta, no caso de uma doação, a concessão de um benefício fiscal no âmbito do imposto sobre as doações. Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa, o seu âmbito de aplicação está, no entanto, regulado de forma ampla, abrangendo todas as informações «previsivelmente relevantes» para a administração e a execução da legislação interna respeitante aos impostos. Caso, nos termos da ordem jurídica nacional, a constatação vinculativa possa, por conseguinte, ter efeitos sobre a determinação de um imposto abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa, também as informações relativas a esta constatação são previsivelmente relevantes para a tributação.

63.

No entanto, não é possível recorrer à Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa para a subsequente fiscalização do cumprimento das condições do benefício fiscal previstas no artigo 7.o, n.o 1, primeiro período, da Natuurschoonwet 1928. O Reino dos Países Baixos referiu com razão, que neste âmbito se aplica a Diretiva 2010/24 relativa à cobrança de créditos. Isto porque, nos termos do regime neerlandês, só não é cobrada uma parte do imposto devido na totalidade se estiverem cumpridas determinadas condições. Tal como o Tribunal de Justiça também reconheceu desde logo no acórdão National Grid Intus, a Diretiva 2010/24 relativa à cobrança de créditos forma a base jurídica para a assistência administrativa no âmbito de impostos já liquidados, mas cuja cobrança depende de outras condições ( 32 ).

64.

Por conseguinte, no presente caso em princípio as autoridades neerlandesas podem recorrer, para efeitos da fiscalização tributária, primeiro à Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa e, posteriormente, à Diretiva 2010/24 relativa à cobrança de créditos.

b) Quanto à dimensão dos inquéritos administrativos do Estado‑Membro requerido

65.

Para além disso, com as suas questões 2.b) e 2.c) o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se as autoridades do Estado‑Membro requerido estariam obrigadas a realizar as necessárias fiscalizações do terreno in loco. Dado que, no presente caso, tanto se aplica a Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa, como também a Diretiva 2010/24 relativa à cobrança de créditos, as obrigações daí resultantes para o Estado‑Membro requerido devem ser analisadas em separado.

i) Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa

66.

Nos termos do artigo 5.o da Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa, as autoridades do Estado‑Membro requerido comunicam todas as informações de que dispõem ou «que obtenham na sequência de inquéritos administrativos». O conceito de inquéritos administrativos é definido pelo artigo 3.o, n.o 7, da diretiva, nos termos do qual os mesmos abrangem «todos os controlos, verificações e ações empreendidos pelos Estados‑Membros no desempenho das suas atribuições, com o objetivo de assegurar a correta aplicação da legislação fiscal».

67.

Esta definição ampla abrange, sem mais, também controlos in loco, o que é corroborado pelo artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa, nos termos do qual a autoridade requerida efetua «os inquéritos administrativos necessários para obter as informações […].» A Comissão remeteu ainda, a título complementar e com razão, para o artigo 11.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da diretiva, do qual resulta que os inquéritos administrativos podem ser realizados no exterior dos serviços administrativos em todo o território do Estado‑Membro requerido. Deste modo, está dada a resposta à questão 2.b).

68.

No entanto, o Reino dos Países Baixos observou ainda que as fiscalizações no local em que se situa o terreno também terão de ser efetuadas sem aviso prévio, de forma a permitir a fiscalização da concessão do acesso público, de acordo com o disposto no artigo 7.o, n.o 1, segundo período, da Natuurschoonwet 1928. Porém, a este respeito o Reino Unido entende que, por força dos artigos 17.°, n.o 2 e 6.°, n.o 3, da Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa, as suas autoridades não estão obrigadas a proceder a fiscalizações sem aviso prévio, na medida em que, nos termos do direito processual do Reino Unido, as fiscalizações efetuadas in loco no terreno estão obrigatoriamente associadas a um aviso prévio ao proprietário do terreno.

69.

De acordo com o artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa, o Estado‑Membro requerido não está obrigado a «proceder a inquéritos […] se a realização de tais inquéritos […] para fins próprios infringir a sua legislação». A título complementar, o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa dispõe que, para conduzir o inquérito administrativo requerido, a autoridade requerida «procede como se agisse por iniciativa própria […]».

70.

Já a respeito da disposição que precedeu o artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa, o Tribunal de Justiça tinha concluído que esta, enquanto disposição derrogatória, deve ser objeto de interpretação estrita e que, por força do princípio da cooperação leal (atual artigo 4.o, n.o 3, TUE), os Estados‑Membros estão obrigados a praticar efetivamente a troca de informações instituída pela diretiva ( 33 ). Desta jurisprudência resultam duas consequências para o presente caso. Em primeiro lugar, concordo, nesta base, com os argumentos invocados pela República Federal da Alemanha e do Reino Unido, de que o princípio da cooperação leal é concretizado pelas presentes diretivas relativas à assistência mútua transfronteiriça e deve ser tido em consideração no âmbito da sua aplicação, mas não impõe a obrigação de prestar assistência contrariamente a estas normas. Deste modo, está dada a resposta à terceira questão prejudicial.

71.

Em segundo lugar, no âmbito de uma interpretação estrita do artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativo, não considero que atualmente o Reino Unido tenha o direito de recusar a fiscalização, sem aviso prévio, do acesso público a um terreno. Com efeito, aqui está em causa uma informação acessível ao público, cuja obtenção não necessita do exercício da autoridade pública. Pelo contrário, as normas processuais invocadas pelo Reino Unido neste processo parecem dizer respeito à fiscalização de terrenos que não são acessíveis ao público.

72.

Caso se verifique, no âmbito da aplicação da assistência mútua, que as autoridades britânicas estão efetivamente impedidas de realizar uma fiscalização, sem aviso prévio, do acesso público a um terreno, por força de uma correspondente proibição imposta pelo seu direito processual, as autoridades neerlandesas ainda estariam em condições de realizar de forma suficiente as necessárias fiscalizações do acesso público ao terreno, com base em verificações in loco com aviso prévio e em elementos de prova complementares, como por exemplo depoimentos de testemunhas.

ii) Diretiva 2010/24 relativa à cobrança de créditos

73.

Desde que seja necessária a fiscalização de um terreno durante um período de 25 anos após o seu reconhecimento como «propriedade rústica» e a liquidação do imposto sobre as doações, as autoridades neerlandesas podem recorrer a pedidos de informações nos termos do artigo 5.o da Diretiva 2011/16 relativa à cooperação.

74.

Os «inquéritos administrativos», que a autoridade requerida efetua, nos termos do artigo 5.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2010/24 relativa à cobrança de créditos, para a obtenção das informações, também abrangem verificações in loco. Com efeito, a diretiva não prevê uma restrição a determinados atos de investigação. Pelo contrário, de acordo com o disposto no artigo 5.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2010/24 relativa à cobrança de créditos, esses atos de investigação devem consistir em todos os inquéritos «necessários» à obtenção das informações. Para além disso, no seu artigo 7.o, n.o 1, alíneas a) e b), a Diretiva 2010/24 relativa à cobrança de créditos indica ainda que os inquéritos tanto podem ser realizados nos serviços administrativos como no exterior dos mesmos, em todo o território do Estado‑Membro requerido. Deste modo, também está dada a resposta à questão prejudicial 2. c).

75.

No que respeita ao artigo 5.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2010/24 relativa à cobrança de créditos, que nega a obrigação, da autoridade requerida, de transmitir informações «que não esteja em condições de obter para a cobrança de créditos similares constituídos no Estado‑Membro requerido», no presente processo o Reino Unido não apresentou quaisquer objeções relacionadas com o seu direito processual nacional. Para além disso, aplicam‑se, com as necessárias adaptações, as considerações que teci supra sobre os limites da obrigação de investigação no âmbito da Diretiva 2011/16 relativa à cooperação administrativa ( 34 ).

76.

Por fim, não posso acolher o entendimento da República Federal da Alemanha, de que as fiscalizações em curso necessárias no âmbito do presente benefício fiscal não são exigíveis ao Estado‑Membro requerido, devido aos encargos daí resultantes. Podem, efetivamente, existir casos excecionais, em que a obtenção de informações representa um encargo desproporcionado para o Estado‑Membro requerido. No entanto, por princípio a realização de inquéritos abrangentes é considerada razoável, na medida em que a cooperação das administrações fiscais dos Estados‑Membros é mútua. Para além disso, ao contrário do artigo 54.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (UE) n.o 904/2010 do Conselho, de 7 de outubro, relativo à cooperação administrativa e à fraude no domínio do imposto sobre o valor acrescentado ( 35 ), a Diretiva 2010/24 não prevê qualquer restrição geral do dever de assistência mútua, caso se verifiquem encargos administrativos desproporcionados. Tendo em consideração o princípio da cooperação leal nos termos do artigo 4.o, n.o 3, TUE, o Estado‑Membro requerente não pode, no entanto, exigir ao Estado‑Membro requerido fiscalizações mais frequentes ou intensivas do que ele próprio realizaria.

c) Conclusão

77.

A presente restrição à livre circulação de capitais não é, por conseguinte, justificada pela necessidade de uma fiscalização tributária eficaz, porque as autoridades neerlandesas estão em condições de realizar as fiscalizações necessárias com recurso aos pedidos de informações nos termos do artigo 5.o da Diretiva 2011 relativa à cooperação administrativa ou do artigo 5.o da Diretiva 2010/24 relativa à cobrança de créditos. Por isso, não é necessário responder à quarta questão, que diz respeito à realização da fiscalização pelas autoridades neerlandesas no estrangeiro.

3. Preservação da coerência fiscal

78.

Por fim, importa ainda analisar a razão justificativa da preservação da coerência fiscal, que algumas partes no processo invocaram, com o fundamento de que os benefícios fiscais se destinam a compensar os encargos do proprietário resultantes do dever de conservação e das restrições à utilização de um terreno situado nos Países Baixos.

79.

Segundo jurisprudência assente, a necessidade de preservar a coerência de um sistema fiscal pode justificar a restrição de uma liberdade fundamental. Para este efeito, é necessário demonstrar a existência de um nexo direto entre a concessão da vantagem fiscal e a compensação através da liquidação de um determinado imposto ( 36 ). O caráter direito do nexo deve ser apreciado à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação fiscal em causa ( 37 ).

80.

Independentemente da questão de saber se esta razão justificativa também pode ter em consideração encargos exteriores ao direito fiscal, baseando‑me nas informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio não consigo depreender por que razão o reconhecimento de um terreno situado noutro Estado‑Membro como «propriedade rústica» não deve também estar associado a deveres de preservação e restrições à utilização para poder obter o benefício fiscal controvertido no presente processo. Para além disso, o órgão jurisdicional de reenvio indicou como finalidade do referido benefício fiscal a conservação do património natural e cultural nacional, e não a compensação dos encargos do proprietário que não estão diretamente relacionados com as condições do benefício fiscal.

81.

Por conseguinte, a presente restrição à livre circulação de capitais não pode ser justificada com a preservação da coerência fiscal.

D – Conclusão

82.

Todavia, importa concluir, em suma, que o benefício fiscal neerlandês aplicável a «propriedades rústicas» nacionais no âmbito do imposto sobre as doações restringe a livre circulação de capitais, mas esta restrição é justificada por motivos de conservação do património natural e cultural nacional.

VI – Conclusão

83.

Atendendo às considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo Raad van State:

«1.

Legislação nacional como a que está aqui em apreço, e que restringe a aplicação de uma isenção do imposto sobre as doações a propriedades rústicas situadas no território nacional, não viola a livre circulação de capitais nos termos do artigo 63.o, n.o 1, TFUE, se tiver por objetivo a conservação do património natural e cultural nacional.

2.

Tanto na aceção do artigo 3.o, n.o 7, da Diretiva 2011/16/UE como também na aceção do artigo 5.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2010/24/EU, os ‘inquéritos administrativos’ abrangem verificações no local onde se situa um terreno.»


( 1 ) Língua original: alemão.

( 2 ) Processo X (EU:C:2014:2164).

( 3 ) JO L 84, p. 1.

( 4 ) JO L 61, p. 1.

( 5 ) Acórdão Mattner (C‑510/08, EU:C:2010:216, n.o 20).

( 6 ) V. acórdão Jäger (C‑256/06, EU:C:2008:20, n.o 35).

( 7 ) V., neste sentido, acórdão Mattner (C‑510/08, EU:C:2010:216, n.os 25 e 26).

( 8 ) V. acórdão Welte (C‑181/12, EU:C:2013:662, n.o 44 e jurisprudência aí referida).

( 9 ) V. acórdãos X Holding (C‑337/08, EU:C:2010:89, n.o 22), e SCA Group Holding e o. (C‑39/13 a C‑41/13, EU:C:2014:1758, n.o 28).

( 10 ) V. as minhas conclusões no processo X (C‑87/13, EU:C:2014:2164, n.o 31).

( 11 ) Acórdão Comissão/Áustria (C‑10/10, EU:C:2011:399, n.o 40 e jurisprudência aí referida).

( 12 ) Acórdão Petersen (C‑544/11, EU:C:2013:124, n.o 61).

( 13 ) V. acórdão Comissão/Alemanha (C‑152/05, EU:C:2008:17, n.o 28).

( 14 ) V. acórdão Persche (C‑318/07, EU:C:2009:33, n.os 47 a 49 e jurisprudência aí referida).

( 15 ) V. acórdãos Centro di Musicologia Walter Stauffer (C‑386/04, EU:C:2006:568, n.o 39), Persche (C‑318/07, EU:C:2009:33, n.o 48), e Tankreederei I (C‑287/10, EU:C:2010:827, n.o 30).

( 16 ) V. neste sentido acórdão Ålands Vindkraft (C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.o 94).

( 17 ) V., entre outros, acórdãos Tas‑Hagen e Tas (C‑192/05, EU:C:2006:676, n.o 34), Gottwald (C‑103/08, EU:C:2009:597, n.o 32), e Thiele Meneses (C‑220/12, EU:C:2013:683, n.o 34 e jurisprudência aí referida).

( 18 ) V. acórdão Thiele Meneses (C‑220/12, EU:C:2013:683, n.o 35 e jurisprudência aí referida).

( 19 ) V. as minhas conclusões no processo X (C‑87/13, EU:C:2014:2164, n.o 43).

( 20 ) V. acórdão Tankreederei I (C‑287/10, EU:C:2010:827, n.os 30 a 33).

( 21 ) V. acórdão Laboratoires Fournier (C‑39/04, EU:C:2005:161, n.o 23).

( 22 ) V. as minhas conclusões no processo X (C‑87/13, EU:C:2014:2164, n.os 35 a 46).

( 23 ) V. acórdãos ADBHU (240/83, EU:C:1985:59, n.o 13), Comissão/Dinamarca (302/86, EU:C:1988:421, n.o 9), Comissão/Bélgica (C‑2/90, EU:C:1992:310, n.o 32), Comissão/Alemanha (C‑463/01, EU:C:2004:797, n.o 75), Comissão/Áustria (C‑320/03, EU:C:2005:684, n.o 70), Comissão/Áustria (C‑524/07, EU:C:2008:717, n.o 57), e Mickelsson e Roos (C‑142/05, EU:C:2009:336, n.o 32).

( 24 ) V. quarto considerando da Diretiva 92/43/CEE do Conselho de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206, p. 7) e acórdão Comissão/Reino Unido (C‑6/04, EU:C:2005:626, n.o 25).

( 25 ) V. acórdão Comissão/Alemanha (C‑211/13, EU:C:2014:2148, n.os 45 a 47 e jurisprudência aí referida).

( 26 ) V. acórdãos Rewe, dito «Cassis de Dijon» (120/78, EU:C:1979:42, n.o 8), A (C‑101/05, EU:C:2007:804, n.o 55), e Strojírny Prostějov e ACO Industries Tábor (C‑53/13 e C‑80/13, EU:C:2014:2011, n.o 55).

( 27 ) V., neste sentido, acórdãos Futura Participations e Singer (C‑250/95, EU:C:1997:239, n.o 31), Établissements Rimbaud (C‑72/09, EU:C:2010:645, n.o 35), e SIAT (C‑318/10, EU:C:2012:415, n.o 44).

( 28 ) V., entre outros, acórdãos Bachmann (C‑204/90, EU:C:1992:35, n.o 18), Centro di Musicologia Walter Stauffer (C‑386/04, EU:C:2006:568, n.o 50), e Comissão/Bélgica (C‑296/12, EU:C:2014:24, n.o 43), relacionados com a Diretiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos diretos e indiretos (JO L 336, p. 15).

( 29 ) V., entre outros, acórdãos Bachmann (C‑204/90, EU:C:1992:35, n.o 20), Danner (C‑136/00, EU:C:2002:558, n.o 50), Persche (C‑318/07, EU:C:2009:33, n.o 53) ,e Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (C‑190/12, EU:C:2014:249, n.o 81).

( 30 ) V., neste sentido, acórdãos Centro di Musicologia Walter Stauffer (C‑386/04, EU:C:2006:568, n.o 48), e Comissão/Bélgica (C‑383/10, EU:C:2013:364, n.o 53).

( 31 ) V., neste sentido, acórdãos Schmelz (C‑97/09, EU:C:2010:632, n.o 67), e Comissão/Bélgica (C‑383/10, EU:C:2013:364, n.os 55 a 60).

( 32 ) V. acórdão National Grid Indus (C‑371/10, EU:C:2011:785, n.o 78) a respeito da Diretiva 2008/55/CE do Conselho, de 26 de maio de 2008, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a certas quotizações, direitos, impostos e outras medidas (JO L 150, p. 28), que foi substituída pela Diretiva 2010/24 relativa à cobrança de créditos.

( 33 ) Acórdão Établissements Rimbaud (C‑72/09, EU:C:2010:645, n.o 48) a respeito do artigo 8.o da Diretiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos diretos e indiretos (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94).

( 34 ) V. n.os 70 a 72, supra.

( 35 ) JO L 268, p. 1.

( 36 ) V. acórdãos Manninen (C‑319/02, EU:C:2004:484, n.o 42), Papillon (C‑418/07, EU:C:2008:659, n.os 43 e 44), DI VI Finanziaria SAPA di Diego della Valle & C. (C‑380/11, EU:C:2012:552, n.o 46), e Welte (C‑181/12, EU:C:2013:662, n.o 59).

( 37 ) V. acórdãos Papillon (C‑418/07, EU:C:2008:659, n.o 44), e Argenta Spaarbank (C‑350/11, EU:C:2013:447, n.o 42).

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