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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62013CJ0277

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 11 de setembro de 2014.
    Comissão Europeia contra República Portuguesa.
    Incumprimento de Estado – Diretiva 96/67/CE – Artigo 11.° – Transporte aéreo – Serviço de assistência em escala – Seleção dos prestadores.
    Processo C‑277/13.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2014:2208

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    11 de setembro de 2014 ( *1 )

    «Incumprimento de Estado — Diretiva 96/67/CE — Artigo 11.o — Transporte aéreo — Serviço de assistência em escala — Seleção dos prestadores»

    No processo C‑277/13,

    que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, entrada em 21 de maio de 2013,

    Comissão Europeia, representada por P. Guerra e Andrade e F. W. Bulst, na qualidade de agentes,

    demandante,

    contra

    República Portuguesa, representada por L. Inez Fernandes, T. Falcão e V. Moura Ramos, na qualidade de agentes,

    demandada,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: A. Tizzano, presidente de secção, E. Levits, M. Berger, S. Rodin (relator) e F. Biltgen, juízes,

    advogado‑geral: M. Szpunar,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos e após a audiência de 14 de maio de 2014,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República Portuguesa, ao não tomar as medidas necessárias para que fosse organizado um processo de seleção dos operadores autorizados a prestar serviços de assistência em escala a bagagens, a operações em pista e a carga e correio nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro, de acordo com o artigo 11.o da Diretiva 96/67/CE do Conselho, de 15 de outubro de 1996, relativa ao acesso ao mercado da assistência em escala nos aeroportos da Comunidade (JO L 272, p. 36), não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força deste artigo 11.o

    Quadro jurídico

    Direito da União

    2

    A Diretiva 96/67 prevê no seu considerando 5:

    «[...] a abertura do acesso ao mercado da assistência em escala é uma medida que deverá contribuir para reduzir os custos de exploração das companhias aéreas e melhorar a qualidade oferecida aos utilizadores».

    3

    Esta diretiva estabelece no seu considerando 16:

    «[...] a manutenção de uma concorrência efetiva e leal exige que, em caso de limitação do número de prestadores, estes sejam selecionados através de um processo transparente e imparcial; […] importa consultar os utilizadores ao fazer esta seleção[,] uma vez que são os primeiros interessados na qualidade e no preço dos serviços a que têm de recorrer».

    4

    O artigo 2.o, alínea e), da Diretiva 96/67, que define o conceito de «assistência em escala», remete para o anexo desta diretiva no que respeita às categorias dos serviços compreendidos nesse conceito. Nos termos do referido anexo, incluem‑se entre os serviços de assistência em escala os serviços seguintes:

    «[...]

    3.

    A assistência a bagagem [...]

    [...]

    4.

    A assistência a carga e correio [...]

    [...]

    5.

    A assistência de operações na pista [...]

    [...]»

    5

    O artigo 6.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

    «1.   Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias, de acordo com as regras previstas no artigo 1.o, para garantir aos prestadores de serviços de assistência em escala o livre acesso ao mercado da prestação de serviços de assistência em escala a terceiros.

    […]

    2.   Os Estados‑Membros podem limitar o número de prestadores autorizados a prestar as seguintes categorias de serviços de assistência em escala:

    assistência a bagagens,

    assistência a operações em pista,

    […]

    assistência a carga e correio no que se refere, tanto à chegada como à partida ou em trânsito, ao tratamento físico da carga e do correio entre a aerogare e o avião.

    Todavia, os Estados‑Membros não podem limitar esse número a menos de dois para cada categoria de serviço.

    3.   Além disso, a partir de 1 de janeiro de 2001, pelo menos um desses prestadores autorizados não pode ser controlado direta ou indiretamente:

    pela entidade gestora do aeroporto,

    por um utilizador que tenha transportado mais de 25% dos passageiros ou da carga registados no aeroporto durante o ano anterior ao da seleção dos prestadores, nem

    por uma entidade que controle ou seja controlada direta ou indiretamente por essa entidade gestora ou por esse utilizador.

    No entanto, até 1 de julho de 2000, qualquer Estado‑Membro poderá solicitar que a obrigação estabelecida no presente número seja diferida até 31 de dezembro de 2002.

    A Comissão, assistida pelo comité referido no artigo 10.o, analisará esses pedidos e, tendo em conta a evolução do setor, especialmente a situação de aeroportos comparáveis em termos de volume e tipo de tráfego, poderá decidir autorizá‑los.

    4.   Quando, em aplicação do n.o 2, limitarem o número de prestadores autorizados, os Estados‑Membros não podem impedir um utilizador de um aeroporto, independentemente da parte do aeroporto que lhe esteja afetada, de beneficiar, para cada categoria de serviços de assistência em escala sujeita a limitação, de uma escolha efetiva entre pelo menos dois prestadores de serviços de assistência em escala, nas condições previstas nos n.os 2 e 3.»

    6

    O artigo 11.o da mesma diretiva prevê:

    «1.   Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para organizar um processo de seleção dos prestadores autorizados a prestar serviços de assistência em escala num aeroporto sempre que o seu número for limitado nos casos previstos no n.o 2 do artigo 6.o ou no artigo 9.o Este processo deve obedecer aos seguintes princípios:

    a)

    Nos casos em que os Estados‑Membros prevejam a elaboração de um caderno de encargos ou de especificações técnicas a satisfazer pelos prestadores, o caderno ou as especificações são elaborados após consulta prévia do comité de utilizadores. Os critérios de seleção previstos no caderno de encargos ou nas especificações técnicas devem ser pertinentes, objetivos, transparentes e não discriminatórios.

    […]

    b)

    Deve ser aberto concurso, publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, ao qual qualquer prestador interessado pode concorrer;

    c)

    Os prestadores são selecionados:

    i)

    após consulta do comité de utilizadores, pela entidade gestora, caso esta:

    não preste serviços idênticos de assistência em escala,

    não controle, direta ou indiretamente, nenhuma empresa que preste esses serviços e

    não possua qualquer participação nesse tipo de empresa,

    ii)

    nos restantes casos, pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros independentes das entidades gestoras, após consulta do comité de utilizadores e das entidades gestoras;

    d)

    Os prestadores são selecionados por um período máximo de sete anos;

    e)

    Sempre que um prestador cessar a sua atividade antes do final do período para que foi selecionado, proceder‑se‑á à sua substituição de acordo com o mesmo processo.

    2.   Sempre que o número de prestadores for limitado em aplicação do n.o 2 do artigo 6.o ou do artigo 9.o, a própria entidade gestora pode prestar serviços de assistência em escala sem estar sujeita ao processo de seleção previsto no n.o 1. Do mesmo modo, pode autorizar uma empresa prestadora a prestar serviços de assistência em escala no aeroporto considerado, sem necessidade de a submeter a esse processo, caso

    controle essa empresa direta ou indiretamente, ou

    seja direta ou indiretamente controlada por essa empresa.

    3.   A entidade gestora informará o comité de utilizadores das decisões tomadas em aplicação do presente artigo.»

    7

    O artigo 18.o da Diretiva 96/67, sob a epígrafe «Proteção social e proteção do ambiente», prevê:

    «Sem prejuízo da aplicação das disposições da presente diretiva e no respeito das demais disposições do direito comunitário, os Estados‑Membros podem tomar as medidas necessárias para assegurar a proteção dos direitos dos trabalhadores e a proteção do ambiente.»

    8

    O artigo 23.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Transposição», prevê no n.o 1:

    «Os Estados‑Membros porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva no prazo de um ano a contar da publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias. Do facto informarão imediatamente a Comissão.

    [...]»

    9

    Esta diretiva, publicada em 25 de outubro de 1996, devia, pois, ser transposta, o mais tardar, em 25 de outubro de 1997.

    Direito português

    10

    A República Portuguesa transpôs a Diretiva 96/67 através do Decreto‑Lei n.o 275/99, de 23 de julho de 1999. O preâmbulo desse decreto‑lei tem a seguinte redação:

    «Tem‑se ainda em atenção a necessidade de assegurar, na medida do possível, uma transição sem ruturas para o novo regime, assegurando que haverá continuidade nos serviços e protegendo o emprego e os direitos dos trabalhadores do setor.»

    11

    O artigo 27.o do referido decreto‑lei, sob a epígrafe «Seleção de prestadores», é do seguinte teor:

    «1 —   Nos casos de limitação do número de prestadores previstos no n.o 2 do artigo 22.o e nas alíneas a) e b) do n.o 1 do artigo 24.o, a seleção dos prestadores autorizados é feita mediante concurso público, a publicar no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

    [...]

    7 —   Os prestadores são selecionados por um período mínimo de quatro e máximo de sete anos.»

    12

    O artigo 39.o do mesmo decreto‑lei, sob a epígrafe «Regime transitório», prevê:

    «1 —   Sem prejuízo do disposto no n.o 2, as entidades que, à data da entrada em vigor do presente diploma, estiverem autorizadas, por lei ou pela entidade gestora, a exercer a autoassistência ou a prestar serviços de assistência em escala num aeródromo serão automaticamente licenciadas para utilização do domínio público aeroportuário no aeródromo em causa, para o respetivo exercício, até ao termo legal da autorização existente ou pelo prazo de quatro anos, caso a autorização existente não tenha termo ou tenha duração superior.

    [...]

    2 —   No prazo de um ano a contar da data de publicação do presente diploma, as entidades referidas no n.o 1 devem obter licença para o exercício da respetiva atividade, nos termos do capítulo II, sob pena de caducidade das respetivas autorizações ou licenciamentos inerentes a partir dessa data.»

    Procedimento pré‑contencioso

    13

    Segundo as informações recolhidas pela Comissão, os operadores de serviços de assistência a bagagens, de assistência a carga e correio e de assistência a operações em pista em Portugal são a Portway — Handling de Portugal, SA (a seguir «Portway»), e a Serviços Portugueses de Handling, SA, sociedade conhecida, desde 2005, pela sua marca Groundforce Portugal (a seguir «Groundforce»).

    14

    A Portway é uma sociedade detida a 100% pela ANA, SA, cujo objeto social é a gestão das infraestruturas aeroportuárias e a prestação de serviços aeroportuários nos aeroportos de Lisboa, do Porto e de Faro, em virtude de um contrato administrativo de concessão.

    15

    A Groundforce é uma sociedade detida a 50,1% pelo grupo Urbanos. Antes de este grupo participar no capital da sociedade Groundforce, esta sociedade era detida pela companhia Transportes Aéreos Portugueses (a seguir «TAP»). No decurso do ano de 2003, a legislação portuguesa autorizou a TAP a ceder uma participação maioritária do capital da Groundforce através de um concurso público internacional, dirigido aos investidores que reunissem as condições fixadas num caderno de encargos. A Globalia, Corporación Empresarial SA (a seguir «Globalia»), que foi selecionada como o melhor proponente, adquiriu a maioria das ações da Groundforce no decurso do ano de 2004. Após várias transações, o grupo Urbanos adquiriu a referida maioria das ações, que continua a deter até agora.

    16

    Em 25 de novembro de 2010, a Comissão enviou à República Portuguesa uma notificação para cumprir, na qual criticava este Estado‑Membro por não ter cumprido as obrigações que lhe incumbem por força da Diretiva 96/67, na medida em que não tinha organizado o processo de seleção dos prestadores de serviços de assistência em escala em conformidade com o artigo 11.o desta diretiva.

    17

    A República Portuguesa respondeu por ofício de 31 de janeiro de 2011, contestando o incumprimento imputado.

    18

    Em 20 de maio de 2011, a Comissão enviou à República Portuguesa um parecer fundamentado, no qual reiterava as suas acusações. Em particular, segundo a Comissão, durante o período compreendido entre 1999 e 2003, o referido Estado aplicou um regime transitório de autorização automática que teria permitido à Portway, controlada pela ANA, SA, a entidade gestora do aeroporto, e, na mesma data, à Groundforce, controlada pela TAP, a principal transportadora portuguesa, continuar a prestar os serviços em causa. No decurso do ano de 2004, na sequência de um concurso público internacional, a Groundforce foi integrada no grupo Globalia, conservando ao mesmo tempo a autorização para prestar serviços de assistência em escala.

    19

    A República Portuguesa respondeu por ofício de 27 de julho de 2011 e informou a Comissão de que tinham sido lançados dois concursos públicos, um para o aeroporto de Faro e outro para os aeroportos de Lisboa e do Porto. A República Portuguesa indicou que esses dois concursos públicos tinham decorrido, respetivamente, até ao fim dos meses de outubro e de novembro de 2011. Quanto aos comités de utilizadores em causa, afirmou que estes tinham sido informados dos processos de concurso, mas que a mensagem de correio eletrónico enviada ao comité de utilizadores do aeroporto de Faro tinha sido devolvida.

    20

    Em 22 de junho de 2012, a Comissão dirigiu à República Portuguesa um parecer fundamentado complementar, no qual sublinhava que este Estado‑Membro não tinha selecionado novos prestadores, mas tinha, através do Decreto‑Lei n.o 19/2012, de 27 de janeiro de 2012, recorrido a um regime excecional com efeitos retroativos a 31 de dezembro de 2011, para prorrogar a autorização de acesso da Groundforce até à concessão das novas autorizações. Do mesmo modo, a Comissão observou que, não obstante terem sido indicadas as datas para a abertura e para a apreciação das propostas dos prestadores de serviços de assistência em escala, a República Portuguesa comunicou que não era possível determinar a data exata da conclusão dos concursos públicos. No respeitante aos comités de utilizadores, acrescentou que não houve lugar às consultas sobre a escolha dos prestadores.

    21

    Em 3 de outubro de 2012, a República Portuguesa respondeu que considerava que o regime transitório era necessário para manter a continuidade dos serviços, bem como para proteger os empregos e os direitos dos trabalhadores nesse mercado. Segundo este Estado‑Membro, a autorização automática visava proteger a confiança jurídica legítima das entidades que já exerciam atividades de assistência em escala nos aeroportos em causa.

    22

    No respeitante aos concursos públicos em curso, a República Portuguesa sublinhou que o júri se encontrava, no mês de outubro de 2012, em fase de apreciação das propostas, mas que o processo de apreciação dessas propostas revestia especial complexidade. Segundo este Estado‑Membro, não tinha sido possível ao júri concluir o relatório preliminar de apreciação das propostas. Todavia, exprimiu a sua intenção de proceder à consulta dos comités de utilizadores antes de selecionar os prestadores de serviços de assistência em escala.

    23

    Por não ter ficado satisfeita com as respostas dadas pela República Portuguesa, a Comissão intentou a presente ação por incumprimento.

    Quanto à ação

    Argumentos das partes

    24

    Cabe sublinhar que a República Portuguesa deduziu, pela primeira vez na audiência, uma exceção de inadmissibilidade da ação, sustentando que a Comissão não lhe tinha dado instruções precisas que lhe permitissem uma transposição correta da Diretiva 96/67.

    25

    Quanto ao mérito da ação, a Comissão sustenta que a República Portuguesa, após ter limitado o acesso a certas categorias de serviços em escala a dois prestadores — um dos quais, a Portway, não era afetado pelo processo de seleção, por ser controlado a 100% pela entidade gestora dos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro —, não tomou as medidas necessárias para organizar um processo de seleção do segundo prestador de serviços de assistência em escala para os referidos aeroportos, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 96/67.

    26

    A Comissão sublinha que o regime transitório, aplicado pela República Portuguesa através do artigo 39.o do Decreto‑Lei n.o 275/99, mantém automaticamente a autorização concedida à Groundforce para prestar serviços de assistência em escala. Durante este período, o referido Estado‑Membro não organizou nenhum processo de seleção de outros prestadores. Após a restruturação e a cessão das ações da Groundforce, que passaram da TAP para a Globalia, no decurso do ano de 2004, a Groundforce teria continuado a ser titular da autorização.

    27

    No respeitante ao concurso público internacional relativo à cessão referida, a Comissão sublinha que os prestadores de serviços de assistência em escala não podiam obter a autorização sem adquirir ações da Groundforce. Daqui decorre, segundo essa instituição, que o referido concurso público não era um processo de seleção de prestadores, mas um processo de seleção de investidores. Em qualquer caso, este processo não era conforme com os princípios enunciados no artigo 11.o da Diretiva 96/67. Em particular, as autorizações concedidas não eram limitadas a um período máximo de sete anos. Do mesmo modo, os comités de utilizadores dos aeroportos em causa não tinham sido consultados.

    28

    A Comissão, embora reconheça que a República Portuguesa organizou, no decurso do ano de 2011, três novos processos para seleção do segundo prestador de serviços de assistência em escala, sublinha que os mesmos nunca chegaram a ser concluídos. A Comissão acrescenta que a Administração portuguesa aplicou, no decurso do ano de 2012, um regime excecional com efeito retroativo, introduzido pelo Decreto‑Lei n.o 19/2012, para prorrogar a autorização concedida à Groundforce.

    29

    A República Portuguesa contrapõe que, como a Diretiva 96/67 nada referia sobre a possibilidade de introduzir um regime transitório, a introdução desse regime não era contrária às disposições dessa diretiva. Afirma ter aplicado esse regime para preservar os direitos das entidades que, à data da entrada em vigor do Decreto‑Lei n.o 275/99, estavam autorizadas a prestar serviços de assistência em escala para certas categorias de serviços. Do mesmo modo, o referido regime assegurava a continuidade dos serviços e protegia os empregos e os direitos dos trabalhadores, em conformidade com a Resolução do Parlamento Europeu, de 14 de fevereiro de 1995, relativa à aviação civil na Europa, na qual o Parlamento sublinhou a necessidade de ter em conta o impacto do acesso ao mercado da assistência em escala no emprego e a segurança nos aeroportos da União Europeia.

    30

    Este Estado‑Membro acrescenta que as autorizações em causa tinham sido automaticamente renovadas até ao termo legal das autorizações existentes, ou pelo prazo de quatro anos se a autorização existente não tivesse uma data de termo ou se esta data fosse posterior ao termo do prazo de quatro anos.

    31

    A República Portuguesa alega que a cessão das ações da Groundforce visava selecionar um prestador de serviços de assistência em escala, tendo em conta as exigências que figuravam no caderno de encargos e que eram impostas pela legislação nacional e pelo direito da União. O processo foi organizado em conformidade com os critérios de seleção relevantes, objetivos, transparentes e não discriminatórios previstos no artigo 11.o da Diretiva 96/67.

    32

    A cessão das ações permitia, segundo a República Portuguesa, evitar a perturbação do funcionamento normal da atividade dos serviços de assistência em escala no que respeita à disponibilidade e à qualidade do serviço, mas também ao preço dessa atividade. Se a autorização concedida à Groundforce não tivesse sido renovada, o segundo prestador, a Portway, teria o monopólio do mercado dos serviços em escala até ao fim do processo de seleção de outros prestadores.

    33

    Quanto aos concursos públicos lançados no decurso do ano de 2011 para os aeroportos em causa, a República Portuguesa sustenta que estes satisfazem as condições previstas no artigo 11.o da Diretiva 96/67. O período de atribuição das autorizações é limitado a sete anos e os comités de utilizadores foram consultados antes do lançamento dos concursos públicos. Acrescenta que esses comités serão igualmente consultados sobre a escolha do outro prestador.

    34

    A complexidade do processo de seleção deve‑se às modificações ocorridas na legislação nacional em matéria de recursos humanos, no plano do recrutamento e da retribuição, decorrentes de restrições orçamentais que conduziram à assinatura do Memorando de Entendimento entre a República Portuguesa, a Comissão, o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), em 17 de maio de 2011. O funcionamento do júri competente para apreciar as propostas em causa foi interrompido pela demissão de vários dos seus membros na sequência de uma redução significativa das respetivas retribuições, o que afetou decisivamente todo o processo de apreciação das propostas pelo júri. Este Estado‑Membro sublinha que a autoridade competente desenvolveu todos os esforços possíveis para permitir ao júri concluir a apreciação das referidas propostas.

    35

    A República Portuguesa acrescenta que, como a legislação da União relativa ao mercado dos serviços de assistência em escala deverá ser modificada em breve, se vierem a ser adotadas novas alterações, estas afetarão o aeroporto de Lisboa e, potencialmente, os outros aeroportos em causa. Este Estado‑Membro considera que essa modificação, se se concretizar, inevitavelmente levará a que fique impossibilitada a adjudicação dos contratos nos concursos públicos pendentes.

    36

    Na sua réplica, a Comissão sustenta que a Diretiva 96/67 não omite nenhuma disposição e não apresenta nenhuma lacuna que permita à República Portuguesa introduzir um regime transitório. Afirma que este Estado‑Membro não transpôs corretamente a Diretiva 96/67 nos catorze anos posteriores à sua entrada em vigor. Acrescenta que o objetivo do regime transitório era proteger a posição dos operadores nacionais já ativos no mercado em causa. Segundo afirma, se a Groundforce tivesse perdido o seu estatuto de prestador de serviços, isso não excluiria a possibilidade de os seus trabalhadores encontrarem trabalho noutras empresas, inclusivamente na empresa à qual tivesse vindo a ser adjudicado o contrato de prestação dos serviços de assistência em escala.

    37

    No respeitante aos novos processos de seleção dos prestadores, segundo a Comissão, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um Estado‑Membro não pode invocar situações decorrentes da sua ordem jurídica interna para justificar o incumprimento das obrigações resultantes do direito da União. Assim, nem as modificações relacionadas com a organização do pessoal nem uma insuficiência de recursos humanos podem justificar a inobservância do direito da União. A Comissão acrescenta que uma eventual modificação da legislação da União não tem nenhuma influência na obrigação que atualmente incumbe aos Estados‑Membros.

    38

    Por último, segundo a Comissão, a organização de um processo de seleção dos operadores autorizados a prestar serviços de assistência em escala, prevista no artigo 11.o da Diretiva 96/67, é uma obrigação de resultado. Por conseguinte, se um Estado‑Membro organizou um processo de seleção que não produziu nenhum resultado, deve considerar‑se que esse Estado‑Membro não deu cumprimento à referida diretiva. Se o Estado‑Membro estivesse apenas obrigado a organizar um processo de seleção, sem estar sujeito a uma obrigação de resultado, a referida diretiva ficaria privada de todos os efeitos úteis.

    39

    A República Portuguesa, na tréplica, acrescenta que, na medida em que a Globalia, que adquiriu as ações da Groundforce, é um prestador de serviços de assistência em escala, importa tratar a cessão dessas ações como um processo de seleção de outro prestador.

    40

    No que respeita aos novos processos de seleção de prestadores de serviços de assistência em escala, a República Portuguesa alega que a Comissão não pode ignorar o processo de assistência financeira a Portugal nem que uma das condições, decorrente do Memorando de Entendimento entre a República Portuguesa, a Comissão, o BCE e o FMI, diz especificamente respeito à privatização da Aeroportos de Portugal SA, entidade gestora dos aeroportos em causa. Os problemas financeiros da República Portuguesa não são meros problemas administrativos ou burocráticos.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    Quanto à admissibilidade

    41

    Quanto à exceção de inadmissibilidade, deduzida pela primeira vez pela República Portuguesa na audiência e pela qual este Estado‑Membro critica a Comissão por não lhe ter dado, no procedimento pré‑contencioso, instruções precisas para efeitos da transposição correta da Diretiva 96/67, basta recordar que, em conformidade com o artigo 127.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, é proibido deduzir fundamentos novos no decurso da instância, a menos que esses fundamentos tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.

    42

    No caso vertente, a Comissão teve oportunidade de apresentar as acusações imputadas à República Portuguesa e esta teve oportunidade de apresentar as observações que entendeu serem pertinentes. Dado que este Estado‑Membro estava ciente da alegada inexistência de instruções da Comissão durante o procedimento pré‑contencioso, e que as suas objeções não se baseiam em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo, a exceção deduzida é inadmissível.

    Quanto ao mérito da ação

    43

    Para decidir da presente ação, importa recordar que as disposições de uma diretiva devem ser transpostas com uma vinculatividade incontestável, com a especificidade, a precisão e a clareza requeridas para cumprir a exigência de segurança jurídica (acórdão Dillenkofer e o., C‑178/94, C‑179/94 e C‑188/94 a C‑190/94, EU:C:1996:375, n.o 48 e jurisprudência aí referida).

    44

    Além disso, ao determinar, no essencial, que os Estados‑Membros porão em vigor as medidas necessárias para dar cumprimento à diretiva, o mais tardar em 25 de outubro de 1997, o artigo 23.o da referida diretiva impunha a obrigação de os Estados‑Membros adotarem todas as medidas necessárias para assegurar a plena eficácia das disposições da Diretiva 96/67 e garantir, assim, a consecução do resultado que a mesma prescreve (v., por analogia, acórdão Dillenkofer e o., EU:C:1996:375, n.o 49).

    45

    Decorre do exposto que o facto de a Diretiva 96/67 não mencionar a possibilidade de os Estados‑Membros introduzirem um regime transitório não permite concluir que, contrariamente ao que defende a República Portuguesa, esta diretiva apresenta uma lacuna e que esses Estados são livres de introduzir tal regime transitório, para mais após o termo do prazo de transposição, como sucede no caso vertente. Com efeito, isso permitiria a um Estado‑Membro conceder a si mesmo um novo período de transposição.

    46

    Quanto à tese, aduzida pela República Portuguesa, de que o processo de cessão das ações de uma sociedade pode ser considerado equivalente ao processo de seleção de outros prestadores de serviços de assistência em escala, porquanto esse processo cumpre as condições previstas no artigo 11.o da Diretiva 96/67 e, ao mesmo tempo, permite alcançar o objetivo legítimo da proteção dos direitos dos trabalhadores, da proteção da confiança jurídica legítima das entidades que já exerciam atividades, bem como da continuidade e da qualidade dos serviços nos referidos aeroportos, verifica‑se que essa interpretação do referido artigo 11.o não pode ser acolhida.

    47

    Com efeito, o artigo 11.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 96/67 exige que o processo de seleção seja aberto a qualquer prestador interessado.

    48

    Ora, um processo de cessão das ações exclui todos os prestadores que não são, ao mesmo tempo, investidores interessados na aquisição de ações de uma sociedade já existente. Conforme a República Portuguesa reconheceu na audiência, a Groundforce, após ter sido adquirida pela Globalia, conservou a autorização para prestar serviços de assistência em escala que lhe tinha sido concedida, de modo que não era possível a um prestador de serviços de assistência em escala obter a autorização sem, ao mesmo tempo, adquirir as ações da Groundforce.

    49

    Daqui decorre que no processo de cessão das ações da Groundforce não estava aberta a todos os prestadores interessados e que o referido processo teve a consequência de prejudicar o objetivo prosseguido pela Diretiva 96/67, a saber, a abertura à concorrência do mercado dos serviços de assistência em escala, mencionada no considerando 5 desta diretiva.

    50

    Esta circunstância basta, por si só, para concluir que esse processo não pode ser considerado um processo de seleção de prestadores de serviços de assistência em escala na aceção do artigo 11.o da Diretiva 96/67. Logo, não é necessário examinar se foram cumpridas as outras condições fixadas neste artigo.

    51

    Esta conclusão não pode, de resto, ser posta em causa pelo argumento, aduzido pela República Portuguesa, de que esse processo estaria coberto pelo artigo 18.o da Diretiva 96/67, que permite aos Estados‑Membros tomar as medidas necessárias para assegurar a proteção dos empregos e dos direitos dos trabalhadores.

    52

    Com efeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça decidiu que, embora os Estados‑Membros conservem o poder de garantir um nível adequado de proteção social ao pessoal das empresas que prestam serviços de assistência em escala, é igualmente verdade que esse poder não confere uma competência regulamentar ilimitada, devendo ser exercido de maneira a não prejudicar o efeito útil da referida diretiva nem os objetivos por ela prosseguidos (v. acórdão Comissão/Alemanha, C‑386/03, EU:C:2005:461, n.o 28 e jurisprudência aí referida).

    53

    Acrescente‑se que, em resposta a uma questão que lhe foi colocada na audiência, a República Portuguesa sustentou que a conservação, pela Groundforce, da licença à data em que o seu controlo foi cedido à Globalia permitiu conservar todos os postos de trabalho na Groundforce. Acrescentou que foi imposta no concurso público uma obrigação de proteção dos trabalhadores e dos postos de trabalho, mas sem especificar a natureza dessa obrigação.

    54

    A este respeito, importa notar que, em primeiro lugar, embora uma empresa tenha obtido uma licença de prestador de serviços de assistência em escala quando da aquisição do capital da sociedade comprada, isso não permite concluir que o comportamento futuro dessa empresa se manterá inalterado após a obtenção da licença e, em particular, que esta conservará todos os postos de trabalho existentes na sociedade comprada.

    55

    Em segundo lugar, é pacífico que a obrigação, imposta às empresas, de retomar o pessoal do anterior prestador de serviços é desfavorável para os novos concorrentes potenciais em relação às empresas já estabelecidas e compromete a abertura dos mercados da assistência em escala, pelo que prejudica o efeito útil da Diretiva 96/67 (v., designadamente, acórdão Comissão/Itália, C‑460/02, EU:C:2004:780, n.o 34).

    56

    Quanto aos outros argumentos esgrimidos pela República Portuguesa, de que o regime tinha sido estabelecido para proteger a confiança jurídica legítima das entidades que já exerciam atividades e assegurar a continuidade e a qualidade dos serviços nos referidos aeroportos, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o direito de invocar o princípio da proteção da confiança legítima se estende a todos os particulares em cuja esfera jurídica uma instituição da União tenha criado expectativas fundadas e que ninguém pode invocar uma violação deste princípio na falta de garantias precisas que lhe tenham sido dadas pela Administração (v. acórdão Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 147 e jurisprudência aí referida).

    57

    Ora, uma vez que o artigo 288.o, n.o 3, TFUE prevê que as diretivas vinculam os Estados‑Membros destinatários quanto ao resultado a alcançar, que o prazo para a transposição da Diretiva 96/67 expirou em 25 de outubro de 1997 e que não existia nenhuma indicação, proveniente da Comissão ou de outra instituição da União, no sentido de que a República Portuguesa estivesse dispensada de transpor para a sua ordem jurídica nacional a referida diretiva nos prazos fixados ou de que esta diretiva não devia ser aplicada nesse Estado‑Membro, nem este nem nenhuma empresa que aí preste serviços de assistência em escala podem invocar uma confiança legítima na manutenção do sistema em vigor nesse Estado‑Membro.

    58

    No respeitante à proteção da continuidade e da qualidade dos serviços prestados nos aeroportos, basta referir que a República Portuguesa não transmitiu ao Tribunal de Justiça nenhum elemento de prova suscetível de apoiar a argumentação de que a transposição da Diretiva 96/67 dentro dos prazos fixados poderia comprometer a continuidade ou a qualidade dos serviços em causa.

    59

    Quanto às justificações dadas pela República Portuguesa para o facto de os processos de seleção dos prestadores de serviços de assistência em escala organizados no decurso do ano de 2011 não terem sido concluídos, basta recordar que decorre de jurisprudência constante que um Estado‑Membro não pode invocar disposições, práticas nem situações da sua ordem jurídica interna para justificar o incumprimento das obrigações e dos prazos resultantes do direito da União (v. acórdãos Comissão/Portugal, C‑150/97, EU:C:1999:15, n.o 21; Comissão/Luxemburgo, C‑69/05, EU:C:2006:32, n.o 10; e Comissão/Itália, C‑161/05, EU:C:2006:762, n.o 12).

    60

    No que toca ao argumento da República Portuguesa de que as potenciais modificações da legislação em causa poderiam inutilizar a seleção do segundo prestador, importa recordar que o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que a existência de um incumprimento deve ser apreciada à luz da legislação da União em vigor no termo do prazo que a Comissão fixou ao Estado‑Membro em causa para dar cumprimento ao seu parecer fundamentado (v., designadamente, acórdãos Comissão/Bélgica, C‑377/03, EU:C:2006:638, n.o 33 e jurisprudência aí referida, e Comissão/França, C‑170/09, EU:C:2010:97, n.o 6 e jurisprudência aí referida). Logo, a eventual modificação da legislação não dispensa um Estado‑Membro da sua obrigação de transpor uma diretiva em vigor para a sua ordem jurídica no prazo fixado para tal transposição.

    61

    Resulta do exposto que a República Portuguesa, ao não tomar as medidas necessárias para que fosse organizado um processo de seleção dos operadores autorizados a prestar serviços de assistência em escala a bagagens, a operações em pista e a carga e correio nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro, de acordo com o artigo 11.o da Diretiva 96/67, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força deste artigo.

    Quanto às despesas

    62

    Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Portuguesa e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

     

    1)

    A República Portuguesa, ao não tomar as medidas necessárias para que fosse organizado um processo de seleção dos operadores autorizados a prestar serviços de assistência em escala a bagagens, a operações em pista e a carga e correio nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro, de acordo com o artigo 11.o da Diretiva 96/67/CE do Conselho, de 15 de outubro de 1996, relativa ao acesso ao mercado da assistência em escala nos aeroportos da Comunidade, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força deste artigo.

     

    2)

    A República Portuguesa é condenada nas despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: português.

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