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Documento 62013CJ0184

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 4 de setembro de 2014.
API – Anonima Petroli Italiana SpA e o. contra Ministero delle Infrastrutture e dei Trasporti e o.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Tribunale amministrativo regionale per il Lazio.
Reenvio prejudicial – Transporte rodoviário – Montante dos custos mínimos de exploração determinado por um organismo representativo dos operadores em causa – Associação de empresas – Restrição da concorrência – Objetivo de interesse geral – Segurança rodoviária – Proporcionalidade.
Processos apensos C‑184/13 a C‑187/13, C‑194/13, C‑195/13 e C‑208/13.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2014:2147

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

4 de setembro de 2014 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Transporte rodoviário — Montante dos custos mínimos de exploração determinado por um organismo representativo dos operadores em causa — Associação de empresas — Restrição da concorrência — Objetivo de interesse geral — Segurança rodoviária — Proporcionalidade»

Nos processos apensos C‑184/13 a C‑187/13, C‑194/13, C‑195/13 e C‑208/13,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Itália), por decisões de 17 de janeiro de 2013, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 12 e 15 de abril de 2013, nos processos

API — Anonima Petroli Italiana SpA

contra

Ministero delle Infrastrutture e dei Trasporti,

Ministero dello Sviluppo economico,

estando presentes:

FEDIT — Federazione Italiana Trasportatori,

Bertani Remo di Silvio Bertani e C. Srl,

Transfrigoroute Italia Assotir,

Confartigianato Trasporti (C‑184/13),

ANCC‑Coop — Associazione Nazionale Cooperative di Consumatori,

ANCD — Associazione Nazionale Cooperative Dettaglianti,

Sviluppo Discount SpA,

Centrale Adriatica Soc. coop.,

Coop Consorzio Nord Ovest Soc. cons. arl,

Coop Italia Consorzio Nazionale non Alimentari Soc. coop.,

Coop Centro Italia Soc. coop.,

Tirreno Logistica Srl,

Unicoop Firenze Soc. coop.,

Conad — Consorzio Nazionale Dettaglianti Soc. coop.,

Conad Centro Nord Soc. coop.,

Commercianti Indipendenti Associati Soc. coop.,

Conad del Tirreno Soc. coop.,

Pac2000A Soc. coop.,

Conad Adriatico Soc. coop.,

Conad Sicilia Soc. coop.,

Sicilconad Mercurio Soc. coop.

contra

Ministero delle Infrastrutture e dei Trasporti,

Ministero dello Sviluppo economico,

Consulta generale per l’autotrasporto e la logistica,

Osservatorio sulle attività di autotrasporto,

Autorità garante della concorrenza e del mercato,

estando presentes:

Unatras — Unione Nazionale Associazioni Autostrasporto Merci,

Brt SpA,

Coordinamento Interprovinciale FAI,

FIAP — Federazione Italiana Autotrasporti Professionali (C‑185/13),

Air Liquide Italia SpA e o.,

Omniatransit Srl,

Rivoira SpA,

SIAD — Società Italiana Acetilene e Derivati SpA

contra

Ministero delle Infrastrutture e dei Trasporti,

Ministero dello Sviluppo economico,

estando presentes:

TSE Group Srl (C‑186/13),

Confetra — Confederazione Generale Italiana dei Trasporti e della Logistica,

Fedespedi — Federazione Nazionale delle Imprese di Spedizioni Internazionali,

Assologistica — Associazione Italiana Imprese di Logistica Magazzini Generali Frigoriferi Terminal Operators Portuali,

FISI — Federazione Italiana Spedizionieri Industriali,

Federagenti — Federazione Nazionale Agenti Raccomandatari Marittimi e Mediatori Marittimi,

Assofer — Associazione Operatori Ferroviari e Intermodali,

Anama — Associazione Nazionale Agenti Merci Aeree,

ACA Trasporti Srl,

Automerci Srl,

Eurospedi Srl,

Safe Watcher Srl,

Sogemar SpA,

Number 1 Logistic Group SpA

contra

Ministero delle Infrastrutture e dei Trasporti — Osservatorio sulle Attività di Trasporto,

Ministero dello Sviluppo economico,

estando presentes:

Legacoop Servizi,

Mancinelli Due Srl,

Intertrasporti Srl,

Confartigianato Trasporti (C‑187/13),

Esso Italiana Srl

contra

Ministero delle Infrastrutture e dei Trasporti,

Ministero dello Sviluppo economico,

estando presentes:

Autosped G SpA,

Transfrigoroute Italia Assotir,

Confartigianato Trasporti (C‑194/13),

Confindustria — Confederazione generale dell’industria italiana,

Unione Petrolifera,

AITEC — Associazione Italiana Tecnico Economica del Cemento,

ANCE — Associazione Nazionale Costruttori Edili,

ANFIA — Associazione Nazionale Filiera Industria Automobilistica,

Assocarta — Associazione Italiana Fra Industriali della Carta Cartoni e Paste per Carta,

Assografici — Associazione Nazionale Italiana Industrie Grafiche Cartotecniche e Trasformatrici,

Assovetro — Associazione Nazionale degli Industriali del Vetro,

Confederazione Italiana Armatori,

Confindustria Ceramica,

Federacciai — Federazione imprese siderurgiche italiane,

Federalimentare — Federazione Italiana Industria Alimentare,

Federchimica — Federazione Nazionale Industria Chimica,

Italmopa — Associazione Industriale Mugnai d’Italia,

Burgo Group SpA,

Cartesar SpA,

Cartiera Lucchese SpA,

Cartiera del Garda SpA,

Cartiera Modesto Cardella SpA,

Eni SpA,

Polimeri Europa SpA,

Reno De Medici SpA,

Sca Packaging Italia SpA,

Shell Italia SpA,

Sicem Saga SpA,

Tamoil Italia SpA,

Totalerg SpA

contra

Ministero delle Infrastrutture e dei Trasporti,

Ministero dello Sviluppo economico,

estando presentes:

FEDIT — Federazione Italiana Trasporti,

Autosped G SpA,

Consorzio Trasporti Europei Genova,

Transfrigoroute Italia Assotir,

Coordinamento Interprovinciale FAI,

FIAP — Federazione Italiana Autotrasporti Professionali,

Semenzin Fabio Autotrasporti

Conftrasporto,

Confederazione generale italiana dell’artigianato (C‑195/13),

e

Autorità garante della concorrenza e del mercato

contra

Ministero delle Infrastrutture e dei Trasporti,

Ministero dello Sviluppo economico,

estando presentes:

Legacoop Servizi,

Mancinelli Due Srl,

Intertrasporti Srl,

Roquette Italia SpA,

Coordinamento Interprovinciale FAI,

Conftrasporto,

Confartigianato Trasporti,

Transfrigoroute Italia Assotir,

FIAP — Federazione Italiana Autotrasporti Professionali,

Ferrarelle SpA (C‑208/13),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, E. Juhász, A. Rosas, D. Šváby (relator) e C. Vajda, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de abril de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação da API — Anonima Petroli Italiana SpA, por F. Di Gianni e G. Coppo, avvocati,

em representação da ANCC‑Coop — Associazione Nazionale Cooperative di Consumatori e o., por G. Roderi e A. Turi, avvocati,

em representação da Confetra — Confederazione Generale Italiana dei Trasporti e della Logistica e o., por C. Scoca, F. Scoca e F. Vetrò, avvocati,

em representação da Esso Italiana Srl e da Confindustria — Confederazione generale dell’industria italiana e o., por F. Di Gianni e G. Coppo, avvocati,

em representação da Autorità garante della concorrenza e del mercato, por B. Caravita di Toritto, avvocato,

em representação do Consorzio Trasporti Europei Genova, por G. Motta, avvocato,

em representação da Semenzin Fabio Autotrasporti e da Conftrasporto, por I. Di Costa e M. Maresca, avvocati,

em representação da Roquette Italia SpA, por G. Giacomini, R. Damonte e G. Demartini, avvocati,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por L. Malferrari, T. Vecchi, I. V. Rogalski e J. Hottiaux, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação dos artigos 49.° TFUE, 56.° TFUE, 96.° TFUE e 101.° TFUE, bem como do artigo 4.o, n.o 3, TUE.

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem, no processo C‑184/13, a API — Anonima Petroli Italiana SpA e o. ao Ministero delle Infrastrutture e dei Trasporti (Ministério das Infraestruturas e dos Transportes) e ao Ministero dello Sviluppo economico (Ministério do Desenvolvimento económico), no processo C‑185/13, a ANCC‑Coop — Associazione Nazionale Cooperative di Consumatori e o. ao Ministero delle Infrastrutture e dei Trasporti, ao Ministero dello Sviluppo economico, à Consulta generale per l’autotrasporto e la logistica (Conselho Geral para o transporte rodoviário e logística, a seguir «Consulta»), ao Osservatorio sulle attività di autotrasporto (a seguir «Osservatorio») e à Autorità garante della concorrenza e del mercato, no processo C‑186/13, a Air Liquide Italia SpA e o. ao Ministero delle Infrastrutture e dei Trasporti e ao Ministero dello Sviluppo economico, no processo C‑187/13, a Confetra — Confederazione Generale Italiana dei Trasporti e della Logistica e o. ao Ministero delle Infrastrutture e dei Trasporti — Osservatorio sulle Attività di Trasporto e ao Ministero dello Sviluppo economico, nos processos C‑194/13, C‑195/13 e C‑208/13, respetivamente, a Esso Italiana Srl, a Confindustria — Confederazione generale dell’industria italiana e o. e a Autorità garante della concorrenza e del mercato ao Ministero delle Infrastrutture e dei Trasporti e ao Ministero dello Sviluppo economico, a propósito de medidas que fixam os custos mínimos de exploração no setor dos transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Por força dos artigos 1.° e 2.° do Regulamento (CEE) n.o 4058/89 do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, relativo à formação dos preços para o transporte rodoviário de mercadorias entre os Estados‑Membros (JO L 390, p. 1), os preços dos transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem entre os Estados‑Membros são acordados livremente. Nos termos do terceiro considerando deste regulamento, «a livre formação dos preços de transporte rodoviário de mercadorias constitui o regime tarifário que melhor corresponde à criação de um mercado livre dos transportes tal como foi decidido pelo Conselho, aos objetivos do mercado interno e à necessidade de criar um sistema de tarifas que possa ser aplicado uniformemente em toda a Comunidade».

4

O considerando 4 do Regulamento (CE) n.o 1072/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, que estabelece regras comuns para o acesso ao mercado do transporte internacional rodoviário de mercadorias (JO L 300, p. 72), prevê que «[a] criação de uma política comum de transportes implica a eliminação de todas as restrições em relação ao prestador de serviços de transporte em razão da nacionalidade ou do facto de se encontrar estabelecido num Estado‑Membro distinto daquele em que os serviços devam ser prestados». O considerando 6 do referido regulamento enuncia que «[a] realização gradual do mercado único europeu deverá conduzir à eliminação das restrições ao acesso aos mercados nacionais dos Estados‑Membros. Contudo, deverá ser tida em conta a eficácia dos controlos e a evolução das condições de trabalho na profissão, bem como a harmonização das regras, nomeadamente nos domínios da execução e das taxas de utilização das rodovias e da legislação em matéria social e de segurança».

5

O artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1072/2009 dispõe que «[o]s transportadores rodoviários de mercadorias por conta de outrem que sejam titulares de uma licença comunitária e cujos motoristas, quando nacionais de país terceiro, sejam titulares de certificados de motorista[…] ficam autorizados, nas condições fixadas no presente capítulo, a efetuar operações de cabotagem».

6

O artigo 9.o, n.o 1, do mesmo regulamento prevê:

«A realização de operações de cabotagem está sujeita, salvo disposição em contrário da legislação comunitária, às disposições legislativas, regulamentares e administrativas em vigor no Estado‑Membro de acolhimento no que se refere:

a)

Às condições do contrato de transporte;

[...]»

7

O direito da União inclui vários atos em matéria de segurança rodoviária. Assim, o Regulamento (CEE) n.o 3820/85 do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários (JO L 370, p. 1; EE 07 F4 p. 21), fixa, nos seus artigos 6.° e 7.°, as regras comuns relativas aos períodos de condução e de repouso dos motoristas. A Diretiva 2002/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2002, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem atividades móveis de transporte rodoviário (JO L 80, p. 35), fixa, nos seus artigos 4.° a 7.°, prescrições mínimas em matéria de tempo máximo de trabalho semanal, períodos de pausa, períodos de repouso e trabalho noturno. Os artigos 13.° a 16.° do Regulamento (CEE) n.o 3821/85 do Conselho, de 20 dezembro de 1985, relativo à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários (JO L 370, p. 8; EE 07 F4 p. 28), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006 (JO L 102, p. 1), preveem as obrigações do empregador e do condutor relativas à utilização do aparelho de controlo e das folhas de registo. A Diretiva 2006/126/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativa à carta de condução (JO L 403, p. 18), e a Diretiva 2007/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de setembro de 2007, que estabelece um quadro para a homologação dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a serem utilizados nesses veículos (Diretiva‑Quadro) (JO L 263, p. 1), preveem igualmente regras comuns importantes em matéria de proteção da segurança rodoviária.

Direito italiano

8

Além das diferentes regulamentações em matéria de circulação, nomeadamente as relativas ao Código da Estrada, a Lei n.o 32, de 1 de março de 2005, que delega competência ao governo para a revisão da legislação do setor do transporte rodoviário de pessoas e mercadorias (GURI n.o 57, de 10 de março de 2005, p. 5), fixou os princípios e critérios orientadores da reorganização do setor do transporte rodoviário. Esta lei visa, nomeadamente, proceder a uma liberalização regulada e substituir o anterior sistema de tarifas obrigatórias escalonadas, criado ao abrigo da Lei n.o 298, de 6 de junho de 1974, por um sistema baseado na livre negociação dos preços para os serviços de transportes rodoviários. Entre os princípios e critérios orientadores da delegação figuram, igualmente, a adaptação da regulamentação à legislação da União com vista à criação de um mercado aberto e concorrencial, a proteção da concorrência entre empresas e a proteção da segurança da circulação e da segurança social.

9

Fazendo uso da delegação acima mencionada, o Governo italiano adotou diferentes decretos legislativos que visavam pôr a referida reforma em prática.

10

O Decreto Legislativo n.o 284, de 21 de novembro de 2005, incumbiu a Consulta do exercício de atividades de apresentação de propostas, de estudo, de monitorização e consulta das autoridades políticas para a definição das políticas de intervenção e das estratégias do governo no setor do transporte rodoviário. A Consulta é composta por representantes das Administrações do Estado, por associações setoriais de transportadores rodoviários, por associações de clientes e por empresas e/ou organismos nos quais o Estado detém uma participação maioritária. À data dos factos nos processos principais, era composta por 102 membros, titulares e suplentes, distribuídos do seguinte modo:

60 membros representantes das associações setoriais de transportadores rodoviários e de clientes;

36 membros representantes das Administrações do Estado; e

6 membros representantes das empresas e/ou organismos nos quais o Estado detinha uma participação maioritária.

11

Além disso, o Decreto Legislativo n.o 284, de 21 de novembro de 2005, criou, enquanto órgão da Consulta, o Osservatorio, que exerce, nomeadamente, funções de monitorização do cumprimento das disposições em matéria de segurança rodoviária e de segurança social e procede à atualização dos usos e costumes aplicáveis aos contratos de transporte rodoviário de mercadorias celebrados verbalmente. Por força do artigo 6.o, n.o 1, alínea g), desse decreto, o Osservatorio é composto por dez membros escolhidos pelo presidente da Consulta de entre os membros desta, com competências específicas em matéria de estatística e de economia. À data da propositura das ações nos processos principais, o Osservatorio tinha dez membros, dos quais oito eram representantes das associações de transportadores rodoviários e clientes e dois eram representantes das Administrações do Estado.

12

O Decreto Legislativo n.o 286, de 21 de novembro de 2005, que procede à liberalização regulada, dispõe no seu artigo 4.o, n.o 1, que as remunerações dos serviços de transporte rodoviário de mercadorias são determinadas pela livre negociação das partes que celebram o contrato de transporte, garantindo, por outro lado, no seu n.o 2, a proteção da segurança rodoviária ao prever que são nulas «as cláusulas dos contratos de transporte que comportem modalidades e condições de execução das prestações contrárias às normas relativas à segurança da circulação rodoviária». No que diz respeito aos contratos celebrados verbalmente, mais suscetíveis de prejudicar a situação do contraente que se encontra numa posição de fraqueza, o referido decreto legislativo mitigou o princípio da liberdade contratual ao prever a aplicação dos usos e costumes do setor, determinados pelo Osservatorio.

13

O artigo 83.o‑A do Decreto‑Lei n.o 112, de 25 de junho de 2008, reduziu o alcance da liberalização tarifária introduzida pelo Decreto Legislativo n.o 286, de 21 de novembro de 2005, ao prever, no que respeita aos contratos celebrados verbalmente, que a remuneração devida pelo cliente não pode ser inferior aos custos mínimos de exploração, cuja fixação foi pedida ao Osservatorio.

14

Esses custos mínimos incluem:

o custo médio do combustível por quilómetro percorrido, para os diferentes tipos de veículos, fixado mensalmente; e

a quota, expressa em percentagem dos custos de exploração da empresa de transporte rodoviário por conta de outrem, representada pelos custos de combustível, fixada semestralmente.

15

A regulamentação constante do artigo 83.o‑A do Decreto‑Lei n.o 112, de 25 de junho de 2008, foi objeto de importantes alterações que eliminaram a distinção entre os contratos escritos e os contratos verbais, tendo igualmente autorizado o Osservatorio a fixar as tarifas dos primeiros, invocando, para esse efeito, a necessidade de garantir o respeito das normas de segurança.

16

O artigo 83.o‑A do Decreto‑Lei n.o 112, de 25 de junho de 2008, na sua versão aplicável aos litígios nos processos principais (a seguir «artigo 83.o‑A do Decreto‑Lei n.o 112/2008 alterado»), sob a epígrafe «Proteção da segurança rodoviária e do funcionamento regular do mercado do transporte de mercadorias por conta de outrem», dispõe:

«1.   O Osservatorio […] regulado pelo artigo 9.o do Decreto Legislativo n.o 286, de 21 de novembro de 2005, determinará mensalmente, com base num inquérito por amostragem adequado e tendo em conta os dados recolhidos mensalmente pelo [Ministério do Desenvolvimento Económico] relativos ao preço médio do gasóleo, o custo médio do combustível por quilómetro percorrido, [em função das] diferentes tipologias de veículos, bem como [d]os respetivos efeitos.

2.   Em função dos tipos de veículos, o Osservatorio determina, no dia 15 dos meses de junho e de dezembro, a quota, expressa em percentagem, dos custos de exploração das empresas de transporte rodoviário por conta de outrem que representam os custos do combustível.

3.   As disposições dos n.os 4 a 11 do presente artigo visam regulamentar os mecanismos de adaptação das remunerações devidas pelos clientes pelos custos de combustível suportados pelo transportador e são objeto de uma verificação, em função do seu impacto no mercado, no prazo de um ano após a sua data de entrada em vigor.

4.   A fim de garantir a tutela da segurança rodoviária e a regularidade do mercado do transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem, no contrato de transporte, celebrado por escrito, na aceção do artigo 6.o do Decreto Legislativo n.o 286, de 21 de novembro de 2005, o preço cobrado pelo transportador deve permitir‑lhe cobrir, pelo menos, os custos mínimos de exploração, e, de qualquer modo, garantir o respeito dos padrões de segurança previstos na lei. Estes custos mínimos são determinados no âmbito dos acordos voluntários setoriais celebrados entre organizações associativas de transportadores representadas na Consulta […], prevista no n.o 16, e organizações associativas dos clientes […]. Estes acordos também podem prever contratos de transporte rodoviário de mercadorias com duração ou quantidades garantidas, ao abrigo dos quais será possível prever derrogações ao disposto no presente número, ao disposto nos artigos 7.°, n.o 3, e 7.°‑A do Decreto Legislativo n.o 286, de 21 de novembro de 2005, e às disposições em matéria de ação direta.

4‑A.   Caso os acordos voluntários previstos no n.o 4 não sejam celebrados no prazo de nove meses a contar da data de entrada em vigor da presente disposição, o Osservatorio […] referido no artigo 6.o, n.o 1, alínea [g)], do Decreto Legislativo n.o 284, de 21 de novembro de 2005, determina os custos mínimos, de acordo com o previsto no n.o 4. Decorrido o prazo previsto no primeiro período e caso nos trinta dias subsequentes o Osservatorio não estabeleça os custos mínimos, é aplicável aos contratos de transporte celebrados por escrito o disposto nos n.os 6 e 7, unicamente para efeitos da determinação da remuneração […].

4‑B.   Se a fatura mencionar uma remuneração inferior à prevista no n.o 4 ou no n.o 4‑A, o direito de o transportador acionar o cliente para pagamento dessa diferença prescreve no prazo de um ano a partir do dia de conclusão da prestação de transporte, salvo convenção em contrário fundada em acordos voluntários setoriais celebrados em conformidade com o n.o 4.

4‑C.   Em derrogação do previsto nos n.os 4 e 4‑A, remete‑se para a autonomia da negociação entre as partes o montante da remuneração devida ao transportador pelas prestações de transporte em execução de um contrato celebrado por escrito, na aceção do artigo 6.o do Decreto Legislativo n.o 286, de 21 de novembro de 2005, quando as acima referidas prestações não ultrapassarem os 100 quilómetros por dia, salvo convenção contrária baseada em acordos voluntários setoriais na aceção do n.o 4.

4‑D.   No momento da celebração do contrato, o transportador deve entregar um certificado dos organismos de proteção social ao cliente, emitido no máximo há três meses, no qual seja indicado que a empresa cumpriu as suas obrigações no que respeita ao pagamento das contribuições sociais e seguros.

5.   Se o contrato tiver por objeto prestações de transporte a efetuar num período superior a 30 dias, a quota de remuneração correspondente ao custo do combustível suportado pelo transportador para a execução das prestações contratuais, como indicada no contrato ou nas faturas emitidas com referência às prestações realizadas pelo transportador durante o primeiro mês de validade do referido contrato, é adaptada com base nas variações no preço do gasóleo determinado em conformidade com o n.o 1, caso essas variações excedam 2% do valor de referência levado em consideração aquando da assinatura do contrato ou da sua última adaptação.

6.   Se o contrato de transporte rodoviário de mercadorias não for celebrado por escrito, em conformidade com o artigo 6.o do Decreto Legislativo n.o 286, de 21 de novembro de 2005, a fatura emitida pelo transportador deve discriminar, apenas para efeitos legais e administrativos, a quota da remuneração devida pelo cliente que corresponde ao custo do combustível suportado pelo transportador pela execução das prestações contratuais. Esse montante deve corresponder ao resultado da multiplicação do montante do custo fixado por quilómetro, para a classe à qual pertence o veículo utilizado para o transporte, na aceção do n.o 1, durante o mês anterior ao do transporte, pelo número de quilómetros que correspondem à prestação indicada na fatura.

7.   Sob reserva do montante devido ao cliente pelo custo do combustível, a parte da remuneração devida ao transportador, diferente da indicada no n.o 6, deve corresponder a uma parte dessa remuneração pelo menos igual àquela que é designada como correspondente aos custos, diferentes dos custos com combustível, visados no n.o 2.

8.   Se a parte da remuneração devida ao transportador, diferente da visada no n.o 6, corresponder a um montante inferior ao indicado no n.o 7, o transportador pode pedir que o cliente pague a diferença. Se o contrato de transporte rodoviário de mercadorias não foi celebrado por escrito, a ação do transportador prescreve cinco anos depois da finalização da prestação de transporte. Se o contrato de transporte for celebrado por escrito, a ação do transportador prescreve no prazo de um ano, em conformidade com o artigo 2951.o do Código Civil.

9.   Se o cliente não proceder ao pagamento num prazo de quinze dias, o transportador pode apresentar, nos quinze dias seguintes, sob pena de caducidade, um requerimento de injunção de pagamento perante o tribunal competente, em conformidade com o artigo 638.o do Código de Processo Civil, mediante apresentação da documentação relativa à sua inscrição no registo dos transportadores rodoviários de mercadorias por conta de outrem, do livrete do veículo utilizado para o transporte, da fatura na qual é indicada a remuneração inerente à prestação de transporte, da documentação relativa à execução do pagamento do montante indicado e dos cálculos através dos quais é determinada a remuneração suplementar devida ao transportador em conformidade com os n.os 7 e 8. Após ter verificado a regularidade da documentação e a correção dos cálculos apresentados, o juiz ordena que o cliente pague imediatamente o montante devido ao transportador, através de decisão fundamentada na aceção do artigo 641.o do Código de Processo Civil, autorizando a execução provisória da decisão, na aceção do artigo 642.o do Código de Processo Civil, e fixando o prazo de recurso na aceção das disposições visadas no livro IV, título I, capítulo I, deste mesmo código.

[...]

14.   Sem prejuízo das sanções previstas pelo artigo 26.o da Lei n.o 298, de 6 de junho de 1974, e das alterações subsequentes, bem como pelo artigo 7.o do Decreto Legislativo n.o 286, de 21 de novembro de 2005, caso sejam aplicáveis, qualquer violação das regras visadas nos n.os 6, 7, 8 e 9 conduz à exclusão, por um período que pode ir até seis meses, do processo de adjudicação pública para prestação de bens e serviços, bem como à exclusão do benefício de vantagens fiscais, financeiras e de previdência de todos os tipos legalmente previstos, durante um ano.

15.   As sanções indicadas no n.o 14 são aplicadas pela autoridade competente.

16.   As sanções visadas no n.o 14 não serão aplicadas se as partes tiverem celebrado um contrato de transporte em conformidade com um acordo voluntário assinado entre a maioria das organizações associativas de transportadores rodoviários representadas na Consulta destinado à regulamentação da prestação dos serviços de transporte num setor comercial específico.

[...]»

17

A partir de 12 de setembro de 2012, as funções do Osservatorio foram legalmente atribuídas a um serviço do Ministério das Infraestruturas e dos Transportes.

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

18

Na falta dos acordos voluntários previstos no artigo 83.o‑A, n.os 4 e 4‑A, do Decreto‑Lei n.o 112/2008 alterado, o Osservatorio adotou, em 21 de novembro de 2011, uma série de tabelas nas quais fixava os custos mínimos de exploração das empresas de transporte rodoviário por conta de outrem. Essas tabelas foram novamente utilizadas na decisão do diretor‑geral do Ministério das Infraestruturas e dos Transportes de 22 de novembro de 2011.

19

As posições relativas às despesas nas tabelas acima referidas são calculadas para cinco categorias de veículos, em função da massa máxima em carga total, mediante identificação de um percurso anual médio e de um consumo médio de gasóleo por quilómetro. Os custos incluem os relativos aos tratores rodoviários, aos semirreboques, à manutenção, ao trabalho dos motoristas por conta de outrem com base na convenção coletiva em vigor, aos seguros, às revisões, às vinhetas, aos pneus, ao combustível, às portagens nas autoestradas e à organização. Assim, a Comissão Europeia menciona, a título de exemplo, que, para os veículos com uma massa não superior a 3,5 toneladas e para percursos entre 101 quilómetros e 150 quilómetros, os custos de exploração estabelecidos em aplicação do artigo 83.o‑A, n.o 2, do Decreto‑Lei n.o 112/2008 alterado ascendem a 0,999 euro por quilómetro, ao passo que os custos mínimos de exploração ao abrigo do artigo 83.o‑A, n.os 4 e 4‑A, do referido decreto são de 0,909 euro por quilómetro, sendo o custo do combustível de 0,122 euro por quilómetro.

20

O Osservatorio também determinou a fórmula de adaptação periódica dos custos de exploração e, por conseguinte, as tarifas dos transportes rodoviários. Este organismo ajustou os valores estabelecidos na primeira fixação, ao adotar, em 14 e 21 de dezembro de 2011, os atos intitulados «Publicação periódica dos custos de exploração das empresas de transporte rodoviário por conta de outrem e dos custos mínimos de exploração que garantem o respeito dos critérios de segurança».

21

Os processos principais resultam de uma série de ações de anulação principais, e dos respetivos pedidos de ampliação, intentadas no Tribunale amministrativo regionale per il Lazio, contra os atos através dos quais o Osservatorio estabeleceu os custos mínimos, na aceção do artigo 83.o‑A do Decreto‑Lei n.o 112/2008 alterado.

22

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a regulamentação italiana introduz um sistema regulado de fixação dos custos mínimos de exploração, que restringe a liberdade contratual e a liberdade de determinar um dos elementos essenciais do contrato, mesmo que tenha por objeto garantir o respeito das normas de segurança.

23

Ainda que a necessidade de preservação da segurança rodoviária esteja presente no direito da União, o órgão jurisdicional de reenvio duvida que a relação entre os valores em conflito instituída pelo artigo 83.o‑A do Decreto‑Lei n.o 112/2008 alterado seja conforme com o direito da União.

24

Nestas condições, o Tribunale amministrativo regionale per il Lazio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, redigidas em termos idênticos nos processos C‑184/13 a C‑187/13, C‑194/13, C‑195/13 e C‑208/13:

«1)

A proteção da livre concorrência, da livre circulação das empresas, da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, previstas [no artigo 4.o, n.o 3, TUE e nos artigos 101.° TFUE, 49.° TFUE, 56.° TFUE e 96.° TFUE], é compatível, e em que medida, com disposições legislativas dos Estados‑Membros da União que estabelecem custos mínimos de exploração no setor do transporte rodoviário, que implicam a fixação externa de um elemento constitutivo da remuneração do serviço e, portanto, do preço contratual?

2)

As exigências de proteção do interesse público da segurança da circulação rodoviária podem justificar[,] e, em caso afirmativo, em que condições, limitações aos princípios referidos na questão anterior, bem como, nesta perspetiva funcional, a fixação de custos mínimos de exploração nos termos previstos no artigo 83.o‑A do [Decreto‑Lei n.o 112/2008] alterado?

3)

A fixação dos custos mínimos de exploração, nesta perspetiva, pode ser remetida para acordos voluntários setoriais entre os operadores interessados e, a título subsidiário, para organismos cuja composição se caracteriza por uma forte presença de representantes dos operadores económicos privados setoriais, na falta de critérios previamente definidos a nível legislativo?»

25

Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de maio de 2013, os processos C‑184/13 a C‑187/13, C‑194/13, C‑195/13 e C‑208/13 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

Quanto às questões prejudiciais

26

Através das suas questões, que há que analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, e os artigos 49.° TFUE, 56.° TFUE e 96.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa nos processos principais, ao abrigo da qual o preço dos serviços de transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem não pode ser inferior aos custos mínimos de exploração, os quais são fixados por um organismo principalmente composto por representantes dos operadores económicos em causa.

27

A título preliminar, há que precisar que a regulamentação em causa nos processos principais prevê que os custos mínimos de exploração são estabelecidos, a título principal, por acordos voluntários setoriais, celebrados por associações profissionais de transportadores e de clientes, a título subsidiário, na falta desses acordos, pelo Osservatorio e, em caso de não atuação deste último, diretamente pelo Ministério das Infraestruturas e Transportes. Durante o período visado nos processos principais, compreendido entre novembro de 2011 e agosto de 2012, os custos mínimos de exploração foram efetivamente fixados pelo Osservatorio.

Quanto ao direito da União em matéria de concorrência

28

A este respeito, importa recordar que, como resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, embora seja verdade que o artigo 101.o TFUE apenas diz respeito ao comportamento das empresas e que não visa medidas legislativas ou regulamentares que emanam dos Estados‑Membros, não é menos certo que este artigo, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, que institui um dever de cooperação entre a União Europeia e os Estados‑Membros, impõe a estes últimos que não tomem nem mantenham em vigor medidas, mesmo de natureza legislativa ou regulamentar, suscetíveis de eliminar o efeito útil das regras de concorrência aplicáveis às empresas (v. acórdãos Cipolla e o., C‑94/04 e C‑202/04, EU:C:2006:758, n.o 46, e Sbarigia, C‑393/08, EU:C:2010:388, n.o 31).

29

Existe violação do artigo 101.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, quando um Estado‑Membro impõe ou favorece a celebração de acordos contrários ao artigo 101.o TFUE ou reforça os seus efeitos, ou retira à sua própria regulamentação o caráter estatal, delegando em operadores privados a responsabilidade de tomar decisões de intervenção de interesse económico (v. acórdãos Centro Servizi Spediporto, C‑96/94, EU:C:1995:308, n.o 21; Arduino, C‑35/99, EU:C:2002:97, n.o 35; e Cipolla e o., EU:C:2006:758, n.o 47).

30

No acórdão Centro Servizi Spediporto (EU:C:1995:308), em particular, tendo‑lhe sido colocada uma questão semelhante à luz da legislação italiana então em vigor, que instituía um sistema de tarifas obrigatórias escalonadas que incluía um limite máximo e um limite mínimo, o Tribunal de Justiça decidiu, por um lado, que, quando uma regulamentação de um Estado‑Membro preveja que as tarifas dos transportes rodoviários de mercadorias sejam aprovadas e colocadas em vigor pela autoridade pública, com base em propostas de um comité, se este for composto por uma maioria de representantes dos poderes públicos, ao lado de uma minoria de representantes dos operadores económicos interessados, e estiver obrigado a respeitar, nas suas propostas, certos critérios de interesse público, a fixação dessas tarifas não pode ser considerada como um acordo, decisão ou prática concertada entre operadores económicos privados que os poderes públicos impõem ou favorecem ou cujos efeitos reforçam e, por outro lado, que os poderes públicos não delegaram as respetivas competências em operadores económicos privados, ao terem em conta, antes da aprovação das propostas, observações de outros organismos públicos e privados, ou ao fixarem as tarifas oficiosamente.

31

No acórdão Librandi (C‑38/97, EU:C:1998:454), o Tribunal de Justiça precisou que estas conclusões não são postas em causa pelo facto de os representantes dos operadores económicos terem deixado de ser minoritários nesse comité, desde que as tarifas sejam fixadas no respeito dos critérios de interesse público definidos por lei e que os poderes públicos não deleguem as suas prerrogativas em operadores económicos privados tendo em conta, antes da aprovação das propostas, as observações de outros organismos públicos e privados, ou mesmo fixando as tarifas oficiosamente.

32

No que respeita, em primeiro lugar, à questão de saber se a regulamentação em causa nos processos principais permite concluir no sentido da existência de um acordo, decisão ou prática concertada entre operadores económicos privados, importa salientar que, nos processos principais, o comité que estabeleceu os custos mínimos de exploração, concretamente o Osservatorio, é principalmente composto por representantes de associações profissionais de transportadores e de clientes. Com efeito, à data dos factos nos processos principais, entre os dez membros do Osservatorio escolhidos pelo presidente da Consulta, oito representavam a posição das associações de transportadores e de clientes, sendo certo que, além disso, o decreto de nomeação desses membros indicava que estes tinham sido nomeados «a título representativo» da associação ou da empresa a que pertenciam.

33

Por outro lado, as decisões do Osservatorio são aprovadas pela maioria dos seus membros, sem que qualquer representante do Estado disponha de um direito de veto ou de um voto de qualidade suscetíveis de reequilibrar as relações de força entre a Administração e o setor privado, ao contrário da situação nos acórdãos Reiff (C‑185/91, EU:C:1993:886, n.o 22), Delta Schiffahrts‑ und Speditionsgesellschaft (C‑153/93, EU:C:1994:240, n.o 21), Centro Servizi Spediporto (EU:C:1995:308, n.o 27) e Librandi (EU:C:1998:454, n.o 35).

34

A tarifa estabelecida por essa organização profissional pode, ainda assim, ter caráter estatal, nomeadamente quando os membros desta organização sejam peritos independentes dos operadores económicos em causa e quando sejam legalmente obrigados a fixar as tarifas tomando em consideração não apenas os interesses das empresas ou das associações de empresas do setor que os designou mas igualmente o interesse geral e os interesses das empresas dos outros setores ou dos utentes dos serviços em causa (v., neste sentido, acórdãos Reiff, EU:C:1993:886, n.os 17 a 19 e 24; Delta Schiffahrts‑ und Speditionsgesellschaft, EU:C:1994:240, n.os 16 a 18 e 23; DIP e o., C‑140/94 a C‑142/94, EU:C:1995:330, n.os 18 e 19; Comissão/Itália, C‑35/96, EU:C:1998:303, n.o 44; e Arduino, EU:C:2002:97, n.o 37).

35

Ora, segundo as indicações constantes das decisões de reenvio, a regulamentação nacional que institui a Consulta e o Osservatorio não indica os princípios orientadores a respeitar por estes órgãos e não contém nenhuma disposição que possa impedir os representantes das organizações profissionais de atuar no exclusivo interesse da profissão.

36

Além disso, no que diz respeito às disposições nacionais que instituem o sistema de custos mínimos de exploração e que atribuem o poder de os fixar ao Osservatorio, há que observar que o artigo 83.o‑A, n.o 4, do Decreto‑Lei n.o 112/2008 alterado, por um lado, faz referência aos objetivos de proteção da segurança rodoviária e ao regular funcionamento do mercado do transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem e, por outro, prevê que esses custos mínimos de exploração devem, de qualquer modo, garantir o respeito dos padrões de segurança legalmente previstos.

37

A regulamentação em causa nos processos principais limita‑se, contudo, a fazer uma referência vaga à proteção da segurança rodoviária, deixando, aliás, aos membros do Osservatorio uma grande margem de discricionariedade e de autonomia na determinação dos custos mínimos de exploração no interesse das organizações profissionais que os designaram. Assim, a este propósito, a Comissão salienta que consta de uma ata de uma reunião do Osservatorio que, quando os seus membros discordaram sobre o âmbito de aplicação dos custos mínimos de exploração, um deles expressou a sua oposição em razão dos interesses da associação profissional que representava, e não em razão dos interesses públicos.

38

Nestas condições, a regulamentação nacional em causa nos processos principais não contém modalidades processuais nem disposições de fundo suscetíveis de assegurar que o Osservatorio se comporta, na determinação dos custos mínimos de exploração, como um prolongamento dos poderes públicos agindo para fins de interesse geral.

39

Em segundo lugar, a respeito da questão de saber se os poderes públicos delegaram as suas competências em matéria de fixação de tarifas a operadores privados, importa observar que o artigo 83.o‑A, n.os 1, 2 e 4‑A, do Decreto‑Lei n.o 112/2008 alterado se limita a prever que o Osservatorio «fixa» os diversos tipos de custos visados pela regulamentação em causa nos processos principais. Decorre dos autos apresentados no Tribunal de Justiça que a autoridade pública não exerce nenhuma forma de fiscalização das apreciações do Osservatorio a respeito dos critérios de fixação dos custos mínimos ou do valor fixado.

40

Do mesmo modo, não se afigura que outros órgãos ou associações públicas sejam consultados antes que esses custos sejam transpostos para decreto e que entrem em vigor.

41

Resulta das considerações expostas que, atendendo à composição e ao modo de funcionamento do Osservatorio, por um lado, bem como à falta de critérios de interesse público legalmente definidos de forma suficientemente precisa para garantir que os representantes dos transportadores e dos clientes operam efetivamente no respeito do interesse público geral que a lei visa atingir e à falta de fiscalização efetiva e de poder de decisão em última instância por parte do Estado, por outro, o Osservatorio deve ser considerado como uma associação de empresas na aceção do artigo 101.o TFUE quando adota decisões que fixam os custos mínimos de exploração para o transporte rodoviário, como as que estão em causa nos processos principais.

42

Em seguida, para que as regras de concorrência da União se apliquem à regulamentação em causa nos processos principais, tornando obrigatórios os custos mínimos de exploração estabelecidos pelo Osservatorio, importa que a mesma seja suscetível de restringir o jogo da concorrência no interior do mercado interno.

43

A este respeito, importa constatar que a fixação dos custos mínimos de exploração, tornados obrigatórios por força de uma regulamentação nacional, como a que está em causa nos processos principais, equivale, ao impedir as empresas de estabelecerem tarifas inferiores a esses custos, à fixação horizontal de tarifas mínimas impostas.

44

Quanto à afetação das trocas intracomunitárias, basta recordar que um acordo que se estende a todo o território de um Estado‑Membro tem como efeito, pela sua própria natureza, consolidar barreiras de caráter nacional, entravando assim a interpenetração económica pretendida pelo Tratado FUE (v. acórdãos Comissão/Itália, EU:C:1998:303, n.o 48, e Manfredi e o., C‑295/04 a C‑298/04, EU:C:2006:461, n.o 45).

45

Atendendo às considerações expostas, importa constatar que a fixação dos custos mínimos de exploração para o transporte rodoviário, tornada obrigatória por uma regulamentação nacional como a que está em causa nos processos principais, é suscetível de restringir o jogo da concorrência no mercado interno.

46

Importa, por último, salientar que a regulamentação em causa nos processos principais, que torna obrigatória uma decisão de uma associação de empresas que tem por objeto ou efeito restringir a concorrência ou restringir a liberdade de ação das partes, ou de uma delas, não é necessariamente abrangida pela proibição prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE.

47

Efetivamente, para efeitos da aplicação destas disposições ao caso concreto, há, antes de mais, que ter em conta o contexto global em que a decisão da associação de empresas em causa foi tomada ou produziu os seus efeitos e, em particular, os seus objetivos. Em seguida, importa verificar se os efeitos restritivos da concorrência decorrentes da decisão são inerentes à prossecução dos referidos objetivos (v. acórdãos Wouters e o., C‑309/99, EU:C:2002:98, n.o 97, e Consiglio nazionale dei geologi e Autorità garante della concorrenza e del mercato, C‑136/12, EU:C:2013:489, n.o 53).

48

Neste contexto, há que verificar se as restrições assim impostas pelas normas em causa nos processos principais se limitam ao necessário para assegurar a execução de objetivos legítimos (v., neste sentido, acórdãos Meca‑Medina e Majcen/Comissão, C‑519/04 P, EU:C:2006:492, n.o 47, e Consiglio nazionale dei geologi e Autorità garante della concorrenza e del mercato, EU:C:2013:489, n.o 54).

49

Contudo, sem que seja necessário analisar a questão de saber se a jurisprudência referida nos n.os 47 e 48 do presente acórdão é aplicável a uma regulamentação nacional que prevê um acordo horizontal sobre os preços, basta constatar que a regulamentação em causa nos processos principais não pode, de qualquer modo, ser justificada por um objetivo legítimo.

50

Segundo o artigo 83.o‑A, n.o 4, do Decreto‑Lei n.o 112/2008 alterado, a fixação de custos mínimos de exploração visa, em particular, proteger a segurança rodoviária.

51

Ainda que não seja de excluir que a proteção da segurança rodoviária possa constituir um objetivo legítimo, não parece, no entanto, que a fixação de custos mínimos de exploração seja apta, direta ou indiretamente, a garantir a sua realização.

52

A este respeito, importa salientar que a regulamentação em causa nos processos principais se limita a visar, de forma geral, a proteção da segurança rodoviária, sem prever qualquer nexo entre os custos mínimos de exploração e o reforço da segurança rodoviária.

53

Por outro lado, uma legislação nacional só é apta a garantir a realização do objetivo invocado se corresponder verdadeiramente à intenção de o alcançar de uma forma coerente e sistemática (v. acórdãos Hartlauer, C‑169/07, EU:C:2009:141, n.o 55, e Attanasio Group, C‑384/08, EU:C:2010:133, n.o 51).

54

A este respeito, importa observar que, embora o «custo mínimo», na aceção do artigo 83.o‑A do Decreto‑Lei n.o 112/2008 alterado, deva representar o montante mínimo, objetivamente determinado, abaixo do qual não é possível cumprir as obrigações impostas pela regulamentação em matéria de proteção da segurança rodoviária, existem, contudo, exceções previstas na regulamentação em causa nos processos principais. Assim, ao abrigo do artigo 83.o‑A, n.o 4‑C, do Decreto‑Lei n.o 112/2008 alterado, a fixação da remuneração é deixada à livre negociação entre as partes, quando as prestações de serviços de transporte são efetuadas dentro do limite diário de 100 quilómetros. Do mesmo modo, o n.o 16 do referido artigo prevê a possibilidade de derrogar, através de convenções setoriais, o custo mínimo fixado pelo Osservatorio.

55

De qualquer modo, as medidas em causa ultrapassam o necessário. Por um lado, não permitem ao transportador provar que, apesar de propor preços inferiores às tarifas mínimas estabelecidas, cumpre plenamente as disposições em vigor em matéria de segurança (v., neste sentido, acórdãos Outokumpu, C‑213/96, EU:C:1998:155, n.o 39, e Marks & Spencer, C‑446/03, EU:C:2005:763, n.os 54 a 56).

56

Por outro lado, existem várias regras, incluindo de direito da União, mencionadas no n.o 7 do presente acórdão, que visam especificamente a segurança rodoviária, e que constituem medidas mais eficazes e menos restritivas, como as regras da União em matéria de tempo máximo de trabalho semanal, de períodos de pausa, de períodos de repouso, de trabalho noturno e de controlo técnico de veículos. O respeito rigoroso destas regras pode efetivamente assegurar o nível de segurança rodoviária adequado.

57

Daqui decorre que a fixação de custos mínimos de exploração não pode ser justificada por um objetivo legítimo.

58

Resulta das considerações expostas que importa responder às questões submetidas que o artigo 101.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa nos processos principais, ao abrigo da qual o preço dos serviços de transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem não pode ser inferior aos custos mínimos de exploração, fixados por um organismo principalmente composto por representantes dos operadores económicos em causa.

Quanto aos princípios da livre circulação e à política de transportes

59

Atendendo à resposta acima dada, não é necessário proceder à interpretação dos artigos 49.° TFUE, 56.° TFUE e 96.° TFUE.

Quanto às despesas

60

Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 101.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa nos processos principais, ao abrigo da qual o preço dos serviços de transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem não pode ser inferior aos custos mínimos de exploração, fixados por um organismo principalmente composto por representantes dos operadores económicos em causa.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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