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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62012CO0537

    Despacho do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 14 de novembro de 2013.
    Banco Popular Español SA contra Maria Teodolinda Rivas Quichimbo e Wilmar Edgar Cun Pérez e Banco de Valencia SA contra Joaquín Valldeperas Tortosa e María Ángeles Miret Jaume.
    Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Juzgado de Primera Instancia e Instrucción n.° 1 de Catarroja e pelo Juzgado de Primera Instancia n.° 17 de Palma de Mallorca.
    Diretiva 93/13/CEE — Artigo 99.° do Regulamento de Processo — Contratos celebrados com os consumidores — Contrato de empréstimo hipotecário — Processo de penhora hipotecária — Competências do juiz nacional da execução — Cláusulas abusivas — Critérios de apreciação.
    Processos apensos C‑537/12 e C‑116/13.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2013:759

    DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    14 de novembro de 2013 ( *1 )

    «Diretiva 93/13/CEE — Artigo 99.o do Regulamento de Processo — Contratos celebrados com os consumidores — Contrato de empréstimo hipotecário — Processo de penhora hipotecária — Competências do juiz nacional da execução — Cláusulas abusivas — Critérios de apreciação»

    Nos processos apensos C‑537/12 e C‑116/13,

    que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentados pelo Juzgado de Primera Instancia e Instrucción n.o 1 de Catarroja (Espanha) e pelo Juzgado de Primera Instancia n.o 17 de Palma de Mallorca (Espanha), por decisões de 15 de novembro de 2012 e 26 de fevereiro de 2013, entrados no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 26 de novembro de 2012 e 11 de março de 2013, nos processos

    Banco Popular Español SA

    contra

    Maria Teodolinda Rivas Quichimbo,

    Wilmar Edgar Cun Pérez (C‑537/12),

    e

    Banco de Valencia SA

    contra

    Joaquín Valldeperas Tortosa,

    María Ángeles Miret Jaume (C‑116/13),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: A. Tizzano (relator), presidente de secção, A. Borg Barthet, E. Levits, M. Berger e S. Rodin, juízes,

    advogado‑geral: J. Kokott,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de decidir por despacho fundamentado, em conformidade com o artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

    profere o presente

    Despacho

    1

    Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29).

    2

    Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem, por um lado, o Banco Popular Español SA (a seguir «Banco Popular») a M. T. Rivas Quichimbo e a W. E. Cun Pérez, bem como, por outro, o Banco de Valencia SA (a seguir «Banco de Valencia») a M. Valldeperas Tortosa e a Miret Jaume, a propósito da cobrança de dívidas não pagas decorrentes de contratos de empréstimo hipotecário celebrados entre as partes.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    O décimo sexto considerando da Diretiva 93/13 enuncia:

    «Considerando […] que a exigência de boa‑fé pode ser satisfeita pelo profissional, tratando de forma leal e equitativa com a outra parte, cujos legítimos interesses deve ter em conta;».

    4

    O artigo 3.o da diretiva dispõe:

    «1.   Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

    2.   Considera‑se que uma cláusula não foi objeto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão.

    […]

    3.   O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas.»

    5

    Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva:

    «Sem prejuízo do artigo 7.o, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.»

    6

    O artigo 6.o, n.o 1, da mesma diretiva tem a seguinte redação:

    «1. Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

    7

    O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 enuncia:

    «Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

    8

    O anexo da diretiva enumera, no seu n.o 1, as cláusulas previstas no artigo 3.o, n.o 3, desta última. Este anexo tem a seguinte redação:

    «1.   Cláusulas que têm como objetivo ou como efeito:

    […]

    e)

    Impor ao consumidor que não cumpra as suas obrigações uma indemnização de montante desproporcionalmente elevado;

    […]

    g)

    Autorizar o profissional a pôr termo a um contrato de duração indeterminada sem um pré‑aviso razoável, exceto por motivo grave.

    2.   Alcance das alíneas g), j) e l)

    a)

    A alínea g) não prejudica as cláusulas pelas quais o fornecedor de serviços financeiros se reserva o direito de extinguir unilateralmente e sem pré‑aviso, no caso de razão válida, um contrato de duração indeterminada, desde que fique a cargo do profissional a obrigação de informar imediatamente dessa decisão a ou as outras partes contratantes.

    […]»

    Direito espanhol

    9

    Em direito espanhol, a defesa dos consumidores contra cláusulas abusivas era inicialmente garantida pela Lei Geral 26/1984, relativa à defesa dos consumidores e dos utentes (Ley General 26/1984 para la Defensa de los Consumidores y Usuarios), de 19 de julho de 1984 (BOE n.o 176, de 24 de julho de 1984, p. 21686).

    10

    Esta lei foi, em seguida, alterada pela Lei 7/1998, sobre condições contratuais gerais (Ley 7/1998 sobre condiciones generales de la contratación), de 13 de abril de 1998 (BOE n.o 89, de 14 de abril de 1998, p. 12304), que transpôs a Diretiva 93/13 para o direito interno espanhol.

    11

    Por último, a Lei Geral 26/1984, relativa à proteção dos consumidores e dos utentes, conforme alterada pela Lei 7/1998 relativa às condições gerais dos contratos, foi codificada pelo Real Decreto Legislativo 1/2007, que reformula a lei geral relativa à proteção dos consumidores e dos utentes e outras leis complementares (Real Decreto Legislativo 1/2007 por el que se aprueba el texto refundido de la Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios y otras leyes complementarias), de 16 de novembro de 2007 (BOE n.o 287, de 30 de novembro de 2007, p. 49181).

    12

    Nos termos do artigo 82.o deste real decreto legislativo:

    «1.   Consideram‑se cláusulas abusivas todas as estipulações não negociadas individualmente e todas as práticas não expressamente consentidas que, contra os ditames da boa‑fé, criem em detrimento do consumidor e utente um desequilíbrio significativo dos direitos e obrigações que decorram do contrato para as partes.

    [...]

    3.   O caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias presentes no momento em que o contrato foi celebrado, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa (artigo 4.o).

    4.   Não obstante o previsto nos números anteriores, são sempre consideradas abusivas as cláusulas que, nos termos do disposto nos artigos 85.° a 90.°, ambos inclusive:

    a)

    vinculem o contrato à vontade do profissional,

    b)

    restrinjam os direitos do consumidor e utente,

    c)

    determinem a falta de reciprocidade no contrato,

    d)

    exijam garantias desproporcionadas ao consumidor e utente ou sobre ele façam recair indevidamente o ónus da prova,

    e)

    sejam desproporcionadas relativamente à celebração e execução do contrato, ou

    f)

    sejam contrárias às regras de competência e de direito aplicáveis.»

    13

    O Código de Processo Civil (Ley 1/2000, de 7 de janeiro, de Enjuiciamiento Civil), na versão em vigor à data da apresentação do pedido no processo principal (a seguir «Código de Processo Civil»), regula, no seu livro III, título IV, capítulo V, intitulado «Especificidades da execução dos bens hipotecados ou penhorados», designadamente nos seus artigos 681.° a 698.°, o processo de execução hipotecária.

    14

    O artigo 695.o do Código de Processo Civil enuncia:

    «1.   Nos processos objeto do presente capítulo, a oposição deduzida pelo executado só pode ter algum dos fundamentos seguintes:

    1.o

    Extinção da garantia ou da obrigação garantida, mediante apresentação de certidão do registo predial comprovativa do cancelamento da hipoteca ou, eventualmente, do penhor mercantil, bem como de documento público de quitação ou de cancelamento da garantia.

    2.o

    Erro na liquidação da quantia exigível, quando a dívida garantida seja o saldo resultante de um extrato de conta entre exequente e executado. O executado deverá juntar o seu exemplar da caderneta onde constem os movimentos de conta e a oposição só será admitida se o saldo constante da referida caderneta for diferente do que consta na apresentada pelo exequente.

    […]

    3.o

    […] Existência de outra garantia ou hipoteca […] inscrita anteriormente ao ónus que está na origem do processo, o que deverá ser demonstrado pelo certificado de registo correspondente.

    2.   Deduzida a oposição referida no número anterior, o secretário procederá à suspensão da execução e convocará as partes para comparecem no tribunal que proferiu o despacho de penhora. Deverá proceder‑se à citação para comparência pelo menos quatro dias antes da realização da audiência em questão. Nessa audiência, o tribunal ouvirá as partes, recolherá os documentos que serão apresentados e adotará a decisão pertinente, sob a forma de despacho, ao longo do segundo dia.

    […]»

    15

    O artigo 698.o do Código de Processo Civil dispõe:

    «1.   Qualquer reclamação que o devedor, o terceiro possuidor ou qualquer outro interessado possam apresentar e que não esteja abrangida nos artigos anteriores, incluindo as relativas à nulidade do título ou ao vencimento, certeza, extinção ou valor da dívida, será apreciada no competente processo, não dando lugar à suspensão ou à dilação do processo previsto no presente capítulo.

    […]

    2.   Na apresentação da reclamação a que se refere o número anterior ou no decurso do processo a que dê origem, pode requerer‑se que seja assegurada a eficácia da decisão a proferir mediante a retenção de toda ou de uma parte da quantia que, pelo processo regulado neste capítulo, deva ser entregue ao credor.

    O tribunal, por despacho, ordenará essa retenção com base nos documentos apresentados, se considerar suficientes os motivos alegados. Se aquele que requerer a retenção não tiver liquidez notória e suficiente, o tribunal deve exigir‑lhe uma garantia prévia e suficiente para cobrir os juros de mora e o ressarcimento de quaisquer outros danos que possam advir ao credor.

    3.   Quando o credor garanta, a contento do tribunal, a quantia retida na sequência do processo a que se refere o n.o 1, será levantada a retenção.»

    16

    O artigo 131.o da Lei hipotecária (Ley Hipotecaria) em vigor à época dos factos no processo principal, cujo texto foi codificado pelo Decreto de 8 de fevereiro de 1946 (BOE n.o 58, de 27 de fevereiro de 1946, p. 1518), prevê:

    «As inscrições preventivas de pedido de nulidade da hipoteca ou as outras inscrições não baseadas num dos casos que podem determinar a suspensão da execução são anuladas por força do despacho de anulação referido no artigo 133.o, sempre que sejam posteriores à nota à margem da emissão do certificado de encargos. O ato relativo ao recibo de pagamento da hipoteca não poderá ser inscrito enquanto a inscrição à margem não for previamente anulada, mediante despacho judicial adotado para o efeito.»

    17

    Nos termos do artigo 153.o‑ A desta lei:

    «[…] As partes podem acordar que, em caso de execução, o montante exigível seja o que resultar da liquidação efetuada pela instituição financeira credora na forma acordada pelas partes na escritura.

    Ao vencimento acordado pelos contratantes ou ao termo de uma das prorrogações deste, a ação hipotecária pode ser feita em conformidade com os artigos 129.° e 153.° da presente lei e com as disposições análogas do código de processo civil.»

    Litígios no processo principal e questões prejudiciais

    Processo C‑537/12

    18

    Em 28 de maio de 2005, W. E. Cun Pérez e M. T. Rivas Quichimbo celebraram um contrato de um empréstimo pelo montante de 107300 euros, garantido pela hipoteca da habitação familiar.

    19

    A contar de 31 de outubro de 2009, os devedores deixaram de pagar as prestações do empréstimo.

    20

    Assim, pronunciando‑se sobre o pedido apresentado em 20 de janeiro de 2012 pelo Banco Popular Español SA, o Juzgado de Primera Instancia e Instrucción n.o 1 de Catarroja (Tribunal de Primeira Instância e de Instrução n.o 1 de Catarroja) autorizou a execução hipotecária do bem imóvel dado em garantia, por decisão de 8 de fevereiro de 2012, ordenando ao devedor de proceder ao pagamento dos montantes de 97667,49 euros a título de capital restante devido e de 17962,02 euros a título de juros e despesas.

    21

    Em 18 de maio de 2012, M. T. Rivas Quichimbo, representada pelo advogado designado na sequência do seu pedido de assistência judiciária, deduziu oposição à decisão de execução, invocando, designadamente, o caráter abusivo da cláusula «solo» do contrato de empréstimo, que garante à instituição de crédito uma taxa de juro mínima, no caso de a taxa utilizada como referência descer abaixo de um valor determinado, transformando, na essência, um empréstimo de taxa variável num empréstimo de taxa fixa.

    22

    Na audiência de 10 de julho de 2012, uma vez que o referido advogado reiterou o argumento relativo ao caráter abusivo da cláusula em questão, o Banco Popular Español SA alegou que este não entrava na lista exaustiva dos fundamentos de oposição previstos no artigo 695.o do Código de Processo Civil, e que, em consequência, o devedor tinha de recorrer ao processo declarativo.

    23

    Neste contexto, por decisão de 15 de outubro de 2012, o Juzgado de Primera Instancia e Instrucción n.o 1 de Catarroja informou as partes, a fim de que estas apresentassem as suas observações, das suas dúvidas quanto à conformidade com o direito processual espanhol com o quadro jurídico estabelecido pela Diretiva 93/13.

    24

    Em especial, expôs que, se o credor optar, para efeitos da execução coerciva, pelo processo da execução hipotecária, apenas o recurso de mérito ao órgão jurisdicional competente, desprovido de efeito suspensivo, permite suscitar o fundamento relativo ao caráter abusivo de uma das cláusulas do contrato de empréstimo do qual resulta a dívida reclamada. Nestas condições, tendo em conta da impossibilidade de apreciar na fase da execução, oficiosamente ou a pedido de uma parte, esse caráter abusivo, é extremamente difícil para um juiz espanhol suprir o desequilíbrio que existe entre o consumidor e o profissional no processo de execução hipotecária.

    25

    Segundo o órgão jurisdicional, a legislação espanhola que regula este processo viola a efetividade da proteção do consumidor pretendida pela Diretiva 93/13.

    26

    Esta apreciação decorre igualmente do n.o 53 do acórdão de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito (acórdão de 14 de junho de 2012, C‑618/10, n.o 53), no qual o Tribunal de Justiça chegou à mesma conclusão no que respeita a um regime de injunção de pagamento como o que está em vigor em Espanha, pelo facto de que institui «a impossibilidade de o tribunal em que é apresentado um pedido de injunção de pagamento apreciar oficiosamente o caráter abusivo das cláusulas que constam de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, in limine litis ou em qualquer outra fase do procedimento, mesmo quando disponha já de todos os elementos de direito e de facto necessários para o efeito, na falta de oposição deduzida por este».

    27

    Foi nestas condições que o Juzgado de Primera Instancia e Instrucción n.o 1 de Catarroja decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    [A] Diretiva 93/13[…] deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que impede um órgão jurisdicional, que conhece de um processo de execução hipotecária como o regulado nos artigos 681.° a 695.° do Código de Processo Civil espanhol, de apreciar, oficiosamente ou a pedido de uma parte, o caráter abusivo de uma cláusula contida num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, quer este tenha ou não deduzido oposição[?]

    2)

    Quer a resposta a essas perguntas seja afirmativa ou negativa, peço ao TJUE que esclareça se a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que impede um órgão jurisdicional, que conhece de um processo de execução hipotecária como o regulado nos artigos 681.° a 695.° do Código de Processo Civil espanhol, de suspender a instância nesse processo no caso de posteriormente ser intentada uma ação declarativa em que seja pedida a declaração do caráter abusivo de uma cláusula contida num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, contrato que serviu de base à instauração do referido processo de execução[?]»

    Processo C‑116/13

    28

    V. Tortosa e M. Jaume, por escritura de 26 de julho de 2007, assinaram com o Banco de Valencia SA um contrato de empréstimo imobiliário no montante de 300000 euros para financiar a compra da sua habitação familiar. Nesse mesmo ato, os contraentes do empréstimo hipotecaram o bem financiado para garantia do reembolso do empréstimo.

    29

    O referido contrato previa, numa cláusula específica intitulada «vencimento antecipado do empréstimo hipotecário», a possibilidade de a instituição de crédito, em caso de incumprimento de alguma das obrigações contratuais, de rescindir unilateralmente o contrato de empréstimo sem notificação prévia e de exigir o reembolso do restante capital devido, dos juros e das despesas. Por força dessa cláusula, o banco podia, nomeadamente, rescindir o contrato a partir da primeira mensalidade não paga, sem ter de tomar em consideração o respeito anterior das obrigações contratuais pelos devedores.

    30

    Não tendo os devedores pago quatro prestações correspondentes aos meses de março a junho de 2012, o Banco de Valencia SA deu por vencido antecipadamente o prazo e, em 5 de junho de 2012, deu início a um processo de execução hipotecária a fim de obter o pagamento do montante de 279540,58 euros a título do capital e do montante, provisório, de 83862,17 euros, a título de juros de mora vencidos posteriormente à liquidação notarial junta à petição, e das despesas.

    31

    O Juzgado de Primera Instancia n.o 17 de Palma de Mallorca (Tribunal de Primeira Instância e de Instrução n.o 17 de Palma de Maiorca), que conhecia do processo como juiz de execução, teve dúvidas, tal como o Juzgado de Primera Instancia e Instrucción n.o 1 de Catarroja, quanto à conformidade com a Diretiva 93/13 do processo de execução hipotecária espanhola. Por força desta última, o juiz competente é provado do poder, por um lado, de apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contida no contrato de empréstimo hipotecário antes de ordenar a execução, limitando‑se a sua função ao exame formal do título de execução e da documentação que o acompanha, e, por outro, a suspender a execução hipotecária quando é intentado um processo declarativo pelo devedor a fim de declarar o referido caráter abusivo.

    32

    Assim, recordando a opinião manifestada nas conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Aziz (acórdão de 14 de março de 2013, C‑415/11), o Juzgado de Primera Instancia n.o 17 de Palma de Mallorca a afirmou que este regime processual comporta o risco de se revelar contrário ao sistema estabelecido pela Diretiva 93/13 conforme interpretada pela jurisprudência constante do Tribunal de Justiça na matéria (v. acórdãos de 27 de junho de 2000, Océano Grupo Editorial e Salvat Editores, C-240/98 a C-244/98, Colet., p. I-4941; de 26 de outubro de 2006, Mostaza Claro, C-168/05, Colet., p. I-10421; de 4 de junho de 2009, Pannon GSM, C-243/08, Colet., p. I-4713; e Banco Español de Crédito, já referido). Com efeito, resulta desta que o juiz nacional está sempre obrigado a apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva, uma vez que dispõe dos elementos de direito e de facto necessários para o efeito.

    33

    Além disso, o Juzgado de Primera Instancia n.o 17 de Palma de Mallorca considerou que o tratamento do processo principal suscitava outras questões relativas designadamente à interpretação do conceito de «cláusula abusiva», tendo em conta o artigo 3.o, n.os 1 e 3, da referida diretiva, bem como dos n.os 1, alínea e) e alínea g), e 2, alínea a), do anexo desta. Com efeito, considerou que havia que duvidar da conformidade com estas disposições da cláusula que são objeto do litígio no processo principal e que dizem respeito ao vencimento antecipado do empréstimo hipotecário.

    34

    Neste contexto, o Juzgado de Primera Instancia n.o 17 de Palma de Mallorca decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:

    «1)

    O processo de execução hipotecária espanhol, dado que não permite, com vista a ordenar a execução, que o tribunal aprecie oficiosamente uma cláusula de resolução antecipada do empréstimo por iniciativa unilateral do banco, cláusula essa que se considera, em si mesma e na sua aplicação específica a este caso, abusiva e é imprescindível para que o mutuante profissional aceda ao referido meio privilegiado de execução, respeita o artigo 7.o da [Diretiva 93/13]?

    2)

    Ainda nos termos do disposto no artigo 7.o da [Diretiva 93/13], qual deve ser o alcance da intervenção do juiz em face da referida cláusula aquando da decisão que ordena a execução no processo de execução hipotecária?

    3)

    De acordo com o artigo 3.o, n.os 1 e 3 da [Diretiva 93/13]e dos n.os 1, alíneas e) e g) e 2, alínea a), do respetivo anexo, pode ser considerada abusiva, em si mesma e na sua aplicação específica a este caso, uma cláusula contratual que permite à instituição de crédito mutuante a resolução unilateral do contrato de mútuo por causas meramente objetivas, algumas sem qualquer relação com o próprio contrato e, no caso sub judice, por falta de pagamento de quatro prestações hipotecárias mensais?»

    35

    Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de junho de 2013, os processos C‑537/12 a C‑116/13 foram apensados para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

    Quanto às questões prejudiciais

    36

    Por força do artigo 99.o do Regulamento de Processo, quando uma questão submetida a título prejudicial for idêntica a uma questão sobre a qual o Tribunal de Justiça já se tenha pronunciado, quando a resposta a essa questão possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta à questão submetida a título prejudicial não suscite nenhuma dúvida razoável, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

    37

    Importa aplicar o referido artigo aos presentes processos apensos.

    Quanto às duas questões prejudiciais no processo C‑537/12 e quanto às duas primeiras questões prejudiciais no processo C‑116/13

    38

    Através destas questões, que devem ser apreciadas em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que não permite ao juiz de execução, no quadro de um processo de execução hipotecária, apreciar, seja oficiosamente seja a pedido do consumidor, o caráter abusivo de uma cláusula contida no contrato do qual resulta a dívida reclamada e em que assenta o título executivo, nem adotar medidas provisórias que garantam a eficácia plena da decisão final do juiz que conhece do correspondente mérito, competente para verificar o caráter abusivo desta cláusula.

    39

    A este respeito, é jurisprudência constante que o sistema de proteção instituído pela Diretiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade em relação ao profissional no que respeita tanto ao poder de negociação como ao nível de informação (acórdão Aziz, já referido, n.o 44).

    40

    Atendendo a essa situação de inferioridade, o artigo 6.o, n.o 1, da diretiva prevê que as cláusulas abusivas não vinculam o consumidor. Conforme resulta da jurisprudência, trata‑se de uma disposição imperativa que pretende substituir o equilíbrio formal entre os direitos e obrigações dos cocontratantes por um equilíbrio real suscetível de restabelecer a igualdade entre estes últimos (acórdão Aziz, já referido, n.o 45).

    41

    Neste contexto, o Tribunal de Justiça já sublinhou reiteradamente que o tribunal nacional deve apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva e, deste modo, suprir o desequilíbrio que existe entre o consumidor e o profissional, desde que disponha dos elementos jurídicos e de facto necessários para esse efeito (acórdão Aziz, já referido, Aziz, n.o 46 e jurisprudência referida).

    42

    Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça decidiu no sentido de que a Diretiva 93/13 se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que não permite ao tribunal em que é apresentado um pedido de injunção de pagamento, e na falta de oposição do consumidor, apreciar oficiosamente, in limine litis ou em qualquer outra fase do procedimento, o caráter abusivo de uma cláusula de juros de mora contida num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, mesmo quando disponha dos elementos de direito e de facto necessários para esse efeito (acórdão Banco Español de Crédito, já referido, n.o 57).

    43

    Além disso, o Tribunal de Justiça considerou, no n.o 64 do acórdão Aziz, já referido, que a diretiva deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que, ao mesmo tempo que não prevê, no âmbito de um processo de execução hipotecária, fundamentos de oposição relativos ao caráter abusivo de uma cláusula contratual que constitui o fundamento do título executivo, também não permite ao tribunal que julga o processo declarativo, que é o competente para apreciar o caráter abusivo de tal cláusula, decretar medidas provisórias, como, por exemplo, a suspensão do referido processo de execução, quando a concessão dessas medidas seja necessária para garantir a plena eficácia da sua decisão final.

    44

    Nestas condições, há que salientar que esta jurisprudência permite inferir claramente a resposta a dar às questões submetidas a título prejudicial, na medida em que dizem respeito, em substância, à definição, por força de referida diretiva, das funções do juiz competente para autorizar a execução hipotecária, no quadro do mesmo sistema processual que o analisado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Aziz, já referido.

    45

    A este propósito, declare‑se que, na falta de harmonização dos mecanismos nacionais de execução coerciva, as modalidades de aplicação, por um lado, dos fundamentos de oposição admitidos no quadro de um processo de execução hipotecária e, por outro, dos poderes conferidos nessa fase ao juiz de execução para analisar a legitimidade das cláusulas dos contrato celebrados com os consumidores, são regidas pela ordem jurídica interna dos Estados‑Membros por força do princípio da autonomia processual destes últimos, na condição, no entanto, de as mesmas não serem menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes submetidas ao direito interno (princípio da equivalência) e de que não tornem impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos aos consumidores pelo direito da União (princípio da efetividade) (v., por analogia, acórdão Aziz, já referido, n.o 50).

    46

    No que respeita ao princípio da equivalência, há que salientar que o Tribunal de Justiça não dispõe de nenhum elemento que permita suscitar dúvidas quanto à conformidade da legislação em causa nos processos principais com esse princípio.

    47

    Com efeito, resulta dos autos que o sistema processual espanhol impede o juiz de execução, no quadro de um processo de execução hipotecária, quer de analisar, oficiosamente ou a pedido de uma parte, o contrato do qual resulta a dívida reclamada por razões diferentes dos fundamentos de oposição expressamente previstos quer de adotar medidas provisórias que garantam a plena eficácia da decisão final do tribunal que julga o processo declarativo, não só quando este último aprecia o caráter abusivo tendo em conta o artigo 6.o da Diretiva 93/13, de uma cláusula que figura num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, mas igualmente quando verifica que essa cláusula é contrária às regras nacionais de ordem pública, o que lhe incumbe verificar.

    48

    No que respeita ao princípio da efetividade, importa recordar que, de acordo com jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União deve ser analisado tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, na tramitação deste e nas suas particularidades, perante as várias instâncias nacionais (acórdão Aziz, já referido, n.o 53).

    49

    No caso em apreço, resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça que, nos termos do artigo 695.o do Código de Processo Civil, nos processos de execução hipotecária, a oposição deduzida pelo executado só pode ter por fundamento a extinção da garantia ou da obrigação garantida, ou um erro na liquidação do montante exigível, nos casos em que a dívida garantida corresponda ao saldo de encerramento de uma conta entre exequente e executado, ou ainda a sujeição a novo penhor, hipoteca ou penhora registados anteriormente ao ónus que deu origem ao processo.

    50

    Segundo o artigo 698.o, qualquer outra reclamação que o devedor possa apresentar, incluindo as relativas à anulação do título ou ao vencimento, ao caráter certo, à extinção ou ao valor da dívida, será apreciada no correspondente processo, nunca tendo por efeito a suspensão ou a dilação do processo judicial de execução previsto no capítulo em questão.

    51

    Além disso, nos termos do artigo 131.o da Lei hipotecária, os registos provisórios de pedido de nulidade da hipoteca ou outros registos que não se baseiem em nenhum dos casos que podem determinar a suspensão da execução serão cancelados por força do despacho de cancelamento previsto no artigo 133.o dessa lei, desde que sejam posteriores ao registo da emissão da certidão de custas.

    52

    Ora, decorre destas indicações que, no sistema processual espanhol, a adjudicação final de um bem hipotecado a um terceiro comprador tem caráter irreversível, mesmo quando o caráter abusivo da cláusula impugnada pelo consumidor perante o tribunal que julga o processo declarativo acarrete a nulidade do processo de execução hipotecária, a não ser que o referido consumidor tenha efetuado o registo provisório do pedido de cancelamento da hipoteca antes do referido registo da emissão da certidão de custas (acórdão Aziz, já referido, n.o 57).

    53

    A este respeito, importa, no entanto, declarar que, tendo em conta a tramitação e as particularidades do processo de execução hipotecária em causa no processo principal, se deve considerar essa hipótese como altamente improvável, porque existe um risco não negligenciável de o consumidor em causa não efetuar o referido registo provisório no prazo previsto para o efeito, quer devido ao caráter extremamente rápido do processo de execução em questão quer porque ignora ou não se apercebe do alcance dos seus direitos (v. acórdão Aziz, já referido, n.o 58).

    54

    Ora, como o Tribunal de Justiça já declarou no n.o 59 do acórdão Aziz, já referido, esse regime processual é suscetível de lesar a efetividade da proteção pretendida pela Diretiva 93/13, na medida em que institui a impossibilidade de o tribunal que julga o processo declarativo, perante o qual o consumidor apresentou um pedido em que alega o caráter abusivo de uma cláusula contratual que constitui o fundamento do título executivo, conceder medidas provisórias para suspender ou interromper o processo de execução hipotecária, quando a concessão de tais medidas seja necessária para garantir a plena eficácia da sua decisão final.

    55

    Do mesmo modo, há que concluir que esse regime processual, na medida em que institui igualmente a impossibilidade de o juiz de execução quer apreciar, oficiosamente ou a pedido do consumidor, o caráter abusivo de uma cláusula contida no contrato do qual resulta a dívida reclamada e constitui, no caso concreto, o fundamento do título executivo, quer conceder medidas provisórias suscetíveis de suspender ou interromper o processo de execução hipotecária, quando a concessão de tais medidas seja necessária para garantir a plena eficácia da decisão final do tribunal que julga o processo declarativo, perante o qual o consumidor invoca esse caráter abusivo, é suscetível de lesar a efetividade da proteção pretendida pela Diretiva 93/13.

    56

    Com efeito, como foi decidido pelo Tribunal de Justiça, sem essa possibilidade, sempre que, como no processo principal, a execução do bem imóvel hipotecado tenha sido realizada antes de o tribunal que julga o processo declarativo ter decidido no sentido de declarar o caráter abusivo da cláusula contratual que está na origem da hipoteca e, por conseguinte, a nulidade do processo de execução, essa decisão só permite garantir ao consumidor uma proteção a posteriori, puramente indemnizatória, que se revela incompleta e insuficiente e não constitui um meio adequado nem eficaz para pôr termo à utilização dessa mesma cláusula, contrariamente ao que prevê o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 (acórdão Aziz, já referido, n.o 60).

    57

    Isto é tanto mais assim quanto, como no processo principal, o bem que é objeto da garantia hipotecária é a casa de morada de família do consumidor lesado e da sua família, uma vez que esse mecanismo de proteção dos consumidores, limitado ao pagamento de uma indemnização, não permite impedir a perda definitiva e irreversível da habitação (acórdão Aziz, já referido, n.o 61).

    58

    Assim, bastaria aos profissionais instaurarem um procedimento de injunção de pagamento em vez de um processo civil comum para privarem os consumidores da proteção pretendida pela Diretiva 93/13, o que se afigura igualmente contrário à jurisprudência do Tribunal de Justiça, de acordo com a qual as características específicas dos processos jurisdicionais que decorrem no quadro do direito nacional entre os profissionais e os consumidores não podem constituir um elemento suscetível de afetar a proteção jurídica de que os consumidores devem beneficiar ao abrigo das disposições desta diretiva (acórdão Aziz, já referido, n.o 62).

    59

    Nestas condições, importa concluir que a regulamentação espanhola em causa no processo principal não se afigura conforme com o princípio da efetividade, na medida em que torna impossível ou extremamente difícil, nos processos de execução hipotecária intentados por profissionais e em que o executado é um consumidor, a aplicação da proteção que a diretiva lhe pretende conferir (acórdão Aziz, já referido, n.o 63).

    60

    À luz destas considerações, há que responder às duas primeiras questões no processo C‑537/12 e às duas primeiras questões no processo C‑116/13 que a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que não permite ao juiz de execução, no quadro de um processo de execução hipotecária, apreciar, quer oficiosamente quer a pedido do consumidor, o caráter abusivo de uma cláusula contida no contrato do qual resulta a dívida reclamada e em que assenta o título executivo, nem adotar medidas provisórias, designadamente a suspensão da execução, quando a concessão dessas medidas seja necessária para garantir a plena eficácia da decisão final do tribunal que conhece do correspondente processo declarativo, competente para verificar o caráter abusivo desta cláusula.

    Quanto à terceira questão prejudicial no processo C‑116/13

    61

    Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede, em substância, precisões relativas à interpretação do artigo 3.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 93/13, bem como dos n.os 1, alíneas e) e g), e 2, alínea a), do anexo desta última, a fim de apreciar o caráter abusivo ou não da cláusula que é objeto do litígio no processo principal que é relativa ao «vencimento antecipado do empréstimo hipotecário».

    62

    A este propósito, importa precisar que, no acórdão Aziz, já referido, o Tribunal de Justiça respondeu a uma questão semelhante, a fim de permitir ao órgão jurisdicional nacional verificar, designadamente, o caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado dos contratos de empréstimo hipotecário de longa duração. Consequentemente, a resposta à presente questão pode ser claramente inferida das considerações desenvolvidas nesse acórdão.

    63

    De acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a competência deste último na matéria tem por objeto a interpretação do conceito de «cláusula abusiva», referido no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 e no seu anexo, assim como os critérios que o órgão jurisdicional nacional pode ou deve aplicar na apreciação de uma cláusula contratual à luz das disposições da diretiva, sendo certo que compete ao referido órgão jurisdicional pronunciar‑se, tendo em conta os referidos critérios, sobre a qualificação concreta de uma cláusula contratual particular em função das circunstâncias próprias do caso em apreço. Daqui resulta que o Tribunal de Justiça se deve limitar a fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio as indicações que este deve ter em conta para apreciar o caráter abusivo da cláusula em causa (v. acórdãos de 26 de abril de 2012, Invitel, C‑472/10, n.o 22, e Aziz, já referido, n.o 66).

    64

    Assim sendo, importa sublinhar que, ao fazer referência aos conceitos de boa‑fé e de desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor entre os direitos e obrigações que decorrem do contrato para as partes, o artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva só de maneira abstrata define os elementos que dão caráter abusivo a uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual (acórdão Aziz, já referido, n.o 67).

    65

    Ora, como foi já precisado pelo Tribunal de Justiça, para saber se uma cláusula cria, em detrimento do consumidor, um «desequilíbrio significativo» entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato, há que ter em conta, designadamente, as normas de direito nacional aplicáveis na falta de acordo das partes nesse sentido. É através de uma análise comparativa deste tipo que o órgão jurisdicional nacional poderá avaliar se e em que medida o contrato coloca o consumidor numa situação menos favorável do que a prevista no direito nacional em vigor. De igual modo, afigura‑se pertinente, para este efeito, proceder a um exame da situação jurídica em que se encontra o referido consumidor, atendendo aos meios de que dispõe, ao abrigo da legislação nacional, para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas (acórdão Aziz, já referido, n.o 68).

    66

    No que respeita à questão de saber em que circunstâncias esse desequilíbrio é criado «a despeito da exigência de boa‑fé», importa declarar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o juiz nacional deve verificar para esse fim se o profissional, tratando de forma leal e equitativa com o consumidor, podia razoavelmente esperar que este último aceitasse tal cláusula na sequência de uma negociação individual (acórdão Aziz, já referido, n.o 69).

    67

    Neste contexto, cumpre igualmente recordar que o anexo, para o qual remete o artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 93/13, contém uma lista meramente indicativa e não exaustiva das cláusulas que podem ser declaradas abusivas (acórdão Aziz, já referido, n.o 70).

    68

    Em especial, o n.o 1, alíneas e) e g), deste anexo cita as cláusulas que têm por objeto ou por efeito, por um lado, impor ao consumidor que não cumpre as suas obrigações uma indemnização desproporcionadamente elevada, e, por outro, autorizar o profissional a pôr termo a um contrato de duração indeterminada, exceto em caso de motivo grave. O n.o 2, alínea a), do referido anexo precisa, além disso, que o n.o 1, alínea g), não obsta a cláusulas através das quais o fornecedor de serviços financeiros se reserva o direito de unilateralmente pôr termo ao contrato de duração indeterminada, e isso, sem aviso prévio em caso de razão válida, desde que o profissional seja incumbido da obrigação de disso informar imediatamente a outra parte ou partes contratantes.

    69

    É à luz destes critérios que cabe ao Juzgado de Primera Instancia n.o 17 de Palma de Mallorca apreciar o caráter abusivo da cláusula de vencimento antecipado do empréstimo hipotecário em causa no processo principal, por força da qual a instituição de crédito pode rescindir unilateralmente os contratos de empréstimo de duração determinada e exigir assim o reembolso do restante capital devido e dos juros, em razão de incumprimentos do devedor das suas obrigações contratuais durante um período limitado.

    70

    A este propósito, há que precisar que incumbe ao juiz de reenvio verificar designadamente se a faculdade de o profissional rescindir unilateralmente o contrato depende do incumprimento, pelo devedor, de uma obrigação que apresenta um caráter essencial no quadro da relação contratual em causa, se tal faculdade está prevista para os casos nos quais esse incumprimento reveste um caráter suficientemente grave em relação à duração e ao montante do empréstimo, se a referida faculdade derroga às regras aplicáveis na falta de acordo entre as partes, de maneira a tornar mais difícil para o consumidor, atendendo aos meios processuais de que dispõe, o acesso à justiça e ao exercício dos direitos de defesa, e se o direito nacional prevê meios adequados e eficazes que permitem ao consumidor ao qual essa cláusula é oposta sanar os efeitos da rescisão unilateral do contrato de empréstimo (v., neste sentido, acórdão Aziz, já referido, n.os 73 e 75).

    71

    Atentas estas considerações, há que responder à terceira questão no processo C‑116/13 que o artigo 3.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 93/13, bem como os n.os 1, alíneas e) e g), e 2, alínea a), do anexo desta devem ser interpretados no sentido de que, para apreciar o caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado de um empréstimo hipotecário, como o que está em causa no processo principal, revestem designadamente importância essencial:

    a questão de saber se a faculdade de o profissional rescindir unilateralmente o contrato depende do incumprimento, pelo devedor, de uma obrigação que apresenta um caráter essencial no quadro da relação contratual em causa;

    a questão de saber se essa faculdade está prevista para os casos em que esse incumprimento reveste um caráter suficientemente grave em relação à duração e ao montante do empréstimo;

    a questão de saber se a referida faculdade derroga às regras aplicáveis na falta de acordo entre as partes, de maneira a tornar mais difícil para o consumidor, atendendo aos meios de que dispõe, o acesso à justiça bem como o exercício dos direitos de defesa; e

    a questão de saber se o direito nacional prevê meios adequados e eficazes que permitem ao consumidor ao qual essa cláusula foi oposta sanar os efeitos da rescisão unilateral do contrato de empréstimo.

    Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio fazer essa apreciação, em função de todas as circunstâncias próprias do litígio que lhe é submetido.

    Quanto às despesas

    72

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

     

    1)

    A Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que não permite ao juiz de execução, no quadro de um processo de execução hipotecária, apreciar, quer oficiosamente quer a pedido do consumidor, o caráter abusivo de uma cláusula contida no contrato do qual resulta a dívida reclamada e em que assenta o título executivo, nem adotar medidas provisórias, designadamente a suspensão da execução, quando a concessão dessas medidas seja necessária para garantir a plena eficácia da decisão final do tribunal que conhece do correspondente processo declarativo, competente para verificar o caráter abusivo desta cláusula.

     

    2)

    O artigo 3.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 93/13, bem como os n.os 1, alíneas e) e g), e 2, alínea a), do anexo desta devem ser interpretados no sentido de que, para apreciar o caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado de um empréstimo hipotecário, como a que está em causa no processo principal, revestem designadamente importância essencial:

    a questão de saber se a faculdade de o profissional rescindir unilateralmente o contrato depende do incumprimento, pelo devedor, de uma obrigação que apresenta um caráter essencial no quadro da relação contratual em causa,

    a questão de saber se essa faculdade está prevista para os casos em que esse incumprimento reveste um caráter suficientemente grave em relação à duração e ao montante do empréstimo,

    a questão de saber se a referida faculdade derroga às regras aplicáveis na falta de acordo entre as partes, de maneira a tornar mais difícil para o consumidor, atendendo aos meios de que dispõe, o acesso à justiça bem como o exercício dos direitos de defesa, e

    a questão de saber se o direito nacional prevê meios adequados e eficazes que permitem ao consumidor ao qual essa cláusula foi oposta sanar os efeitos da rescisão unilateral do contrato de empréstimo.

    Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio fazer essa apreciação, em função de todas as circunstâncias próprias do litígio que lhe é submetido.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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