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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62011CJ0638

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 14 de Novembro de 2013.
    Conselho da União Europeia contra Gul Ahmed Textile Mills Ltd.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral - Dumping - Importações de roupa de cama de algodão originária do Paquistão - Regulamento (CE) n.º 384/96 - Artigo 3.º, n.º 7 - Conceito de ‘outros fatores’.
    Processo C-638/11 P.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2013:732

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

    14 de novembro de 2013 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Dumping — Importações de roupa de cama de algodão originária do Paquistão — Regulamento (CE) n.o 384/96 — Artigo 3.o, n.o 7 — Conceito de ‘outros fatores’»

    No processo C‑638/11 P,

    que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 6 de dezembro de 2011,

    Conselho da União Europeia, representado por J.‑P. Hix, na qualidade de agente, assistido por G. Berrisch, Rechtsanwalt,

    recorrente,

    sendo as outras partes no processo:

    Gul Ahmed Textile Mills Ltd, representada por L. Ruessmann, avocat,

    recorrente em primeira instância,

    Comissão Europeia, representada por A. Stobiecka‑Kuik, na qualidade de agente, assistida por E. McGovern, barrister,

    interveniente em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

    composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, K. Lenaerts, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quinta Secção, E. Juhász (relator), A. Rosas e C. Vajda, juízes,

    advogado‑geral: E. Sharpston,

    secretário: L. Hewlett, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 21 de fevereiro de 2013,

    ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 25 de abril de 2013,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o seu recurso, o Conselho da União Europeia pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 27 de setembro de 2011, Gul Ahmed Textile Mills/Conselho (T‑199/04, a seguir «acórdão recorrido»), através do qual foi anulado o Regulamento (CE) n.o 397/2004 do Conselho, de 2 de março de 2004, que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de roupas de cama de algodão originárias do Paquistão (JO L 66, p. 1), na medida em que diz respeito à Gul Ahmed Textile Mills Ltd (a seguir «Gul Ahmed Textile Mills»).

    Quadro jurídico

    2

    O artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 384/96 do Conselho, de 22 de dezembro de 1995, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping de países não membros da Comunidade Europeia (JO 1996, L 56, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1972/2002 do Conselho, de 5 de novembro de 2002 (JO L 305, p. 1, a seguir «Regulamento n.o 384/96»), sob a epígrafe «Determinação da existência de prejuízo», prevê:

    «1.   Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por ‘prejuízo’, salvo disposição em contrário, um prejuízo importante causado à indústria comunitária, uma ameaça de prejuízo importante para a indústria comunitária ou um atraso importante na criação dessa indústria, sendo interpretado em conformidade com o disposto no presente artigo.

    2.   A determinação da existência de prejuízo deve basear‑se em elementos de prova positivos e incluir um exame objetivo a) do volume das importações objeto de dumping e do seu efeito nos preços dos produtos similares no mercado comunitário e b) da repercussão dessas importações na indústria comunitária.

    3.   Verificar‑se‑á se houve um aumento significativo do volume das importações objeto de dumping quer em termos absolutos, quer em relação à produção ou ao consumo na Comunidade. Relativamente aos efeitos nos preços das importações objeto de dumping, verificar‑se‑á se houve uma subcotação importante dos preços provocada pelas importações objeto de dumping em relação aos preços de um produto similar da indústria comunitária ou se, por outro lado, essas importações tiveram como efeito depreciar significativamente os preços ou impedir aumentos significativos de preços que, de outro modo, teriam ocorrido. Nenhum destes elementos, considerados isoladamente ou em conjunto, constitui necessariamente uma indicação determinante.

    [...]

    5.   O exame da repercussão das importações objeto de dumping na indústria comunitária em causa incluirá uma avaliação de todos os fatores e índices económicos pertinentes que influenciem a situação dessa indústria, nomeadamente: o facto de a indústria se encontrar ainda num processo de recuperação dos efeitos de situações de dumping ou de subvenções ocorridas no passado, a amplitude da margem de dumping efetiva, a diminuição efetiva e potencial das vendas, lucros, produção, parte de mercado, produtividade, rentabilidade ou utilização das capacidades; fatores que afetam os preços comunitários; os efeitos negativos, efetivos e potenciais, sobre o cash‑flow, existências, emprego, salários, crescimento e possibilidade de obter capitais ou investimentos. Esta lista não é exaustiva e nenhum destes elementos, considerados isoladamente ou em conjunto, constitui necessariamente uma indicação determinante.

    6.   É necessário demonstrar, através de todos os elementos de prova relevantes apresentados em conformidade com o n.o 2, que as importações objeto de dumping estão a causar prejuízo na aceção do presente regulamento. Concretamente, tal facto implicará a demonstração de que o volume e/ou os níveis de preços identificados nos termos do n.o 3 se repercutem na indústria comunitária conforme disposto no n.o 5 e de que esta repercussão pode ser classificada de importante.

    7.   Outros fatores conhecidos, que não as importações objeto de dumping, que simultaneamente estejam a causar um prejuízo à indústria comunitária, serão igualmente examinados para que os prejuízos por eles causados não sejam atribuídos às importações objeto de dumping nos termos do n.o 6. Os fatores eventualmente relevantes para o efeito compreendem, nomeadamente, o volume e os preços das importações não vendidas a preços de dumping, a contração da procura ou alterações nos padrões de consumo, as práticas comerciais restritivas dos produtores de países terceiros e comunitários e a concorrência entre eles, a evolução tecnológica, bem como os resultados das exportações e a produtividade da indústria comunitária.

    [...]»

    Antecedentes do litígio

    3

    O acórdão recorrido contém as seguintes constatações:

    «1

    A recorrente, Gul Ahmed Textile Mills [...], é uma sociedade de direito paquistanês, com sede em Karachi (Paquistão). Exerce, designadamente, a atividade de venda e comercialização para exportação de roupa de cama. A recorrente fabrica os seus produtos no Paquistão e exporta para a União Europeia. Não vende roupa de cama no Paquistão, onde vende outros produtos de base.

    2

    Na sequência de uma denúncia, apresentada pelo Comité das Indústrias de Algodão e Fibras Afins [da Comunidade Europeia], em 30 de julho de 1996, e do início de um processo antidumping, em 13 de setembro de 1996, foram instituídos direitos antidumping definitivos designadamente aos produtores paquistaneses pelo Regulamento (CE) n.o 2398/97 do Conselho, de 28 de novembro de 1997, que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de roupas de cama de algodão originárias do Egito, da Índia e do Paquistão (JO L 332, p. 1, a seguir ‘direitos antidumping anteriores’). Em conformidade com o artigo 1.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do referido regulamento, o direito antidumping instituído dizia respeito às importações de roupas de cama de fibras de algodão, puras ou combinadas com fibras sintéticas ou artificiais ou com linho (não o sendo o linho a fibra dominante), branqueadas, tintas ou estampadas, originárias do Paquistão e classificadas nos seguintes códigos da Nomenclatura Combinada: ex 6302 21 00 (códigos TARIC 6302 21 00 * 81 e 6302 21 00 * 89), ex 6302 22 90 (código TARIC 6302 22 90 * 19), ex 6302 31 10 (código TARIC 6302 31 10 * 90), ex 6302 31 90 (código TARIC 6302 31 90 * 90) e ex 6302 32 90 (código TARIC 6302 32 90 * 19).

    3

    Nos termos do Memorando de entendimento entre a Comunidade Europeia e a República Islâmica do Paquistão sobre o regime transitório de acesso ao mercado para os produtos têxteis e de vestuário, rubricado em Bruxelas em 15 de outubro de 2001 (JO L 345, p. 81), e no seguimento da adoção do Regulamento (CE) n.o 2501/2001 do Conselho, de 10 de dezembro de 2001, relativo à aplicação de um sistema de preferências pautais generalizadas durante o período compreendido entre 1 de janeiro de 2002 e 31 de dezembro de 2004 (JO L 346, p. 1), [a República Islâmica do] Paquistão começou a beneficiar do referido sistema na medida em que aquele se aplicava aos países que lutavam contra a produção e o tráfico de droga. Consequentemente, a partir de 1 de janeiro de 2002, os produtos têxteis e de vestuário do Paquistão começaram a beneficiar de uma isenção dos direitos aduaneiros na Comunidade Europeia após terem sido sujeitos a uma taxa aduaneira de 12%. Nos termos do artigo 10.o do Regulamento n.o 2501/2001, conjugado com o seu Anexo IV, os produtos isentos dos referidos direitos por força da sua inclusão no regime especial de luta contra a produção e o tráfico de droga incluem designadamente os seguintes produtos, que figuram no capítulo 63 da Nomenclatura Combinada: ‘outros artefactos têxteis confecionados; sortidos; vestuário usado e artigos têxteis usados’.

    4

    Os direitos antidumping anteriores foram abolidos a partir de 30 de janeiro de 2002, relativamente aos produtores paquistaneses, pelo Regulamento (CE) n.o 160/2002 do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que altera o Regulamento n.o 2398/97 (JO L 26, p. 1).

    5

    Na sequência de uma nova denúncia apresentada em 4 de novembro de 2002 pelo [Comité das Indústrias de Algodão e Fibras Afins da Comunidade] em nome de produtores que representavam uma parte significativa da produção comunitária total de roupa de cama de algodão, a Comissão das Comunidades Europeias iniciou um processo antidumping relativamente às importações de roupas de cama de fibras de algodão, puras ou combinadas com fibras sintéticas ou artificiais ou com linho (não o sendo o linho a fibra dominante), branqueadas, tintas ou estampadas, originárias do Paquistão […], em relação às quais mencionou, ‘a título meramente informativo’, que pertenciam aos códigos da Nomenclatura Combinada ‘ex 6302 21 00, ex 6302 22 90, ex 6302 31 10, ex 6302 31 90 e ex 6302 32 90’. O aviso de início desse processo foi publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 18 de dezembro de 2002 (JO C 316, p. 6).

    6

    O inquérito relativo ao dumping e ao prejuízo daí resultante abrangeu o período compreendido entre 1 de outubro de 2001 e 30 de setembro de 2002 (a seguir ‘período de inquérito’). O exame das tendências pertinentes para efeitos da avaliação do prejuízo abrangeu o período compreendido entre 1 de janeiro de 1999 e o termo do período de inquérito [...]

    7

    Tendo em conta o elevado número de produtores‑exportadores abrangidos pelo processo antidumping, a Comissão, em conformidade com o artigo 17.o do Regulamento [...] n.o 384/96 [...], selecionou uma amostra de seis sociedades, entre as quais a recorrente, que representavam mais de 32% do volume das exportações de roupas de cama do Paquistão para a Comunidade durante o período de inquérito. Estas sociedades foram convidadas a responder ao questionário antidumping.

    8

    Atendendo ao elevado número de produtores comunitários que apoiaram a denúncia e em conformidade com o artigo 17.o do Regulamento [n.o 384/96], a Comissão selecionou também uma amostra, composta por cinco sociedades provenientes de três Estados‑Membros, em função dos volumes de produção e de vendas considerados mais representativos da dimensão do mercado. Em seguida, a Comissão enviou questionários a essas sociedades.

    9

    Todos os produtores‑exportadores paquistaneses incluídos na amostra responderam ao questionário, bem como os cinco produtores comunitários que estiveram na origem da denúncia incluídos na amostra. Por outro lado, também responderam ao questionário dois importadores independentes na Comunidade, e três produtores‑exportadores paquistaneses que não foram incluídos na amostra e que pediram um exame individual.

    10

    Em 10 de fevereiro de 2003, as associações representativas de produtores‑exportadores paquistaneses de roupa de cama apresentaram à Comissão um documento intitulado ‘Observações sobre o prejuízo’. Nele contestavam designadamente a legalidade do início do processo antidumping, a materialidade do prejuízo sofrido pela indústria comunitária e a existência de um nexo de causalidade entre as exportações paquistanesas e o alegado prejuízo sofrido pela referida indústria. Em 2 de junho de 2003, a Comissão organizou uma audição, na presença, nomeadamente, de produtores‑exportadores paquistaneses, entre os quais a recorrente. Em seguida, as associações representativas de produtores‑exportadores paquistaneses apresentaram à Comissão um documento intitulado ‘Observações pós‑audição sobre o prejuízo’, no qual retomaram os pontos abordados nessa audição.

    11

    Em conformidade com o artigo 16.o do Regulamento [n.o 384/96], a Comissão realizou verificações no local, designadamente junto de dois produtores‑exportadores paquistaneses, para comprovar as informações que lhe foram prestadas nas respostas ao questionário. [...] [A]penas uma inspeção completa nas instalações de um produtor‑exportador paquistanês, a saber, a recorrente, e uma inspeção parcial nas instalações de outro produtor‑exportador paquistanês foram efetuadas. As exportações destas duas sociedades representavam mais de 50% do valor Cif total (custo, seguro e frete) das exportações para a Comunidade realizadas pelos produtores‑exportadores incluídos na amostra. Além disso, por considerar que não estavam reunidas as condições necessárias para efetuar o inquérito no local no Paquistão, a Comissão não aceitou os pedidos de exame individual apresentados pelos três produtores‑exportadores não incluídos na amostra.

    12

    Em 10 de dezembro de 2003, a Comissão enviou à recorrente um documento de informação final geral em que detalhava os factos e os fundamentos pelos quais propunha a adoção de medidas antidumping definitivas e um documento de informação final específico para a recorrente (a seguir ‘documentos de informação final’). Por carta de 5 de janeiro de 2004, a recorrente contestou oficialmente as conclusões da Comissão, tal como expostas no primeiro documento de informação final. A recorrente apresentou outras informações à Comissão por cartas de 16 de fevereiro de 2004.

    13

    Em 17 de fevereiro de 2004, a Comissão respondeu à carta de 5 de janeiro de 2004. Apesar de ter feito certas retificações aos seus cálculos, confirmou as conclusões a que chegara nos documentos de informação final. Por carta de 27 de fevereiro de 2004, a recorrente insistiu nos erros que a Comissão teria cometido na sua análise.

    [...]

    15

    Em 2 de março de 2004, o Conselho adotou o Regulamento [...] n.o 397/2004 [...]

    16

    Com o Regulamento [n.o 397/2004], o Conselho aplicou direitos antidumping de 13,1% às importações de roupa de cama de fibras de algodão, puras ou combinadas com fibras sintéticas ou artificiais ou com linho (não sendo o linho a fibra dominante), branqueadas, tintas ou estampadas, originárias do Paquistão, com os códigos de Nomenclatura Combinada ex 6302 21 00 (códigos TARIC 6302 21 00 81 e 6302 21 00 89), ex 6302 22 90 (código TARIC 6302 22 90 19), ex 6302 31 10 (código TARIC 6302 31 10 90), ex 6302 31 90 (código TARIC 6302 31 90 90) e ex 6302 32 90 (código TARIC 6302 32 90 19).

    17

    Subsequentemente, o Regulamento [n.o 397/2004] foi alterado, no que se refere à recorrente, pelo Regulamento (CE) n.o 695/2006 do Conselho, de 5 de maio de 2006, […] (JO L 121, p. 14). O regulamento de alteração fixou em 5,6% a taxa do direito antidumping definitivo aplicável aos produtos em questão fabricados pela recorrente.»

    Acórdão recorrido

    4

    Por petição entrada em 28 de maio de 2004, a Gul Ahmed Textile Mills pediu ao Tribunal Geral que anulasse o Regulamento n.o 397/2004 na medida em que lhe era aplicável.

    5

    A Gul Ahmed Textile Mills invocou cinco fundamentos, relativos, respetivamente, a:

    violação, no que diz respeito ao início do inquérito, do artigo 5.o, n.os 7 e 9, do Regulamento n.o 384/96 e dos artigos 5.1 e 5.2 do Acordo sobre a Aplicação do artigo VI do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994 (OMC‑GATT 1994) (JO L 336, p. 103, a seguir «Código antidumping de 1994»), que figura no anexo 1 A do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), assinado em Marraquexe, em 15 de abril de 1994, e aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO L 336, p. 1);

    erro manifesto de apreciação e violação dos artigos 2.°, n.os 3 e 5, e 18.°, n.o 4, do Regulamento n.o 384/96 e violação do Código antidumping de 1994, no que respeita ao cálculo do valor normal;

    violação do artigo 2.o, n.o 10, do Regulamento n.o 384/96, do Código antidumping de 1994 e do dever de uma fundamentação adequada, instituído pelo artigo 253.o CE, no que diz respeito ao ajustamento para ter em conta o draubaque dos direitos realizado na comparação entre o valor normal e o preço de exportação;

    erro manifesto de apreciação e violação do artigo 3.o, n.os l a 3 e 5, do Regulamento n.o 384/96, bem como violação do Código antidumping de 1994, relativamente à determinação da existência de um prejuízo importante; e

    erro manifesto de apreciação e violação do artigo 3.o, n.os 6 e 7, do Regulamento n.o 384/96 e do Código antidumping de 1994, relativamente ao estabelecimento de um nexo de causalidade entre as importações alegadamente objeto de dumping e o prejuízo invocado.

    6

    O Tribunal Geral entendeu ser oportuno pronunciar‑se, em primeiro lugar, sobre a terceira parte do quinto fundamento. Nesta parte, a recorrente acusava o Conselho, no essencial, de ter cometido um erro de direito por não ter examinado se a abolição dos direitos antidumping anteriores e a aplicação de um sistema de preferências generalizadas a favor da República Islâmica do Paquistão no início de 2002 tiveram por efeito quebrar o nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido pela indústria comunitária e as importações do Paquistão.

    7

    Em primeiro lugar, nos n.os 45 a 51 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou que, desde o início do processo administrativo, as associações representativas de produtores‑exportadores paquistaneses de roupa de cama chamaram a atenção das instituições da União para o facto de o prejuízo alegadamente sofrido pela indústria comunitária ser causado por dois fatores, a saber, a abolição dos direitos antidumping anteriores e a abolição dos direitos aduaneiros comuns no âmbito do sistema de preferências pautais generalizadas a favor da República Islâmica do Paquistão, e não pelo dumping nas importações provenientes do Paquistão. Assim, segundo os produtores‑exportadores paquistaneses, o aumento das importações provenientes do Paquistão foi facilitado pela isenção de certos direitos e pela alteração do quadro regulamentar.

    8

    Nos n.os 53 a 59 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, para cumprir devidamente o seu dever de examinar, nos termos do artigo 3.o, n.o 7, do Regulamento n.o 384/96, «outros fatores conhecidos, que não as importações objeto de dumping, que simultaneamente causem um prejuízo à indústria comunitária», as instituições da União devem separar e distinguir corretamente os efeitos prejudiciais das importações objeto de dumping dos efeitos prejudiciais de outros fatores conhecidos.

    9

    O Tribunal Geral considerou, no n.o 56 do acórdão recorrido, que a enumeração dos «outros fatores conhecidos, que não as importações objeto de dumping», feita no artigo 3.o, n.o 7, do Regulamento n.o 384/96 não é exaustiva, mas indicativa, como comprova a utilização da expressão «nomeadamente» que introduz a lista dos fatores que podem ser considerados pertinentes. O Tribunal Geral sublinhou, no n.o 57 desse acórdão, que o objetivo comum do artigo 3.o, n.o 7, do referido regulamento e do artigo 3.5 do Código antidumping de 1994 é garantir que não serão atribuídos às importações objeto do inquérito os eventuais efeitos negativos de outros fatores possíveis que se repercutem no prejuízo sofrido, respetivamente, pelas indústrias comunitárias ou nacionais, para que não seja conferida a estas indústrias uma proteção que exceda o que é necessário.

    10

    O Tribunal Geral considerou, no n.o 59 do acórdão recorrido, que a abolição dos direitos antidumping anteriores e dos direitos aduaneiros comuns, no âmbito do sistema de preferências pautais generalizadas, constituíam fatores conhecidos que as instituições da União deviam ter em conta na avaliação do nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido pela indústria comunitária e as importações paquistanesas do produto objeto do inquérito antidumping.

    11

    O Tribunal Geral concluiu, no n.o 84 do acórdão recorrido, que da análise realizada pelas instituições da União não resultava, nem mesmo sob a forma de uma simples estimativa, qual teria sido o prejuízo sofrido pela indústria comunitária na inexistência de qualquer dumping, o que equivale a dizer qual teria sido o prejuízo decorrente apenas da entrada em vigor do sistema de preferências pautais generalizadas e da abolição dos direitos antidumping anteriores, seja em termos de perda de quota de mercado, de redução de rentabilidade ou da produtividade da referida indústria, renúncia a segmentos mais baixos do mercado ou de qualquer outro indicador económico pertinente.

    12

    Consequentemente, o Tribunal Geral acolheu a terceira parte do quinto fundamento e, sem examinar os outros fundamentos, anulou o Regulamento n.o 397/2004 na parte em que se refere à Gul Ahmed Textile Mills.

    13

    Neste contexto, o Conselho interpôs o presente recurso, apoiado pela Comissão, interveniente em primeira instância.

    Quanto ao presente recurso

    Argumentos das partes

    14

    O Conselho considera que o Tribunal Geral violou o artigo 3.o, n.o 7, do Regulamento n.o 384/96, ao interpretar de forma errada o conceito de «outros fatores» previsto nesta disposição. Sublinha, é certo, que o Tribunal Geral apreciou corretamente que a referida disposição obriga em princípio a separar e distinguir os efeitos prejudiciais dos outros fatores conhecidos do prejuízo causado pelas importações objeto de dumping. Contudo, o Conselho alega que o Tribunal Geral cometeu um erro ao concluir que os dois fatores controvertidos, a saber, a supressão dos direitos antidumping anteriores e a instituição do sistema de preferências pautais generalizadas, constituíam «outros fatores» na aceção do artigo 3.o, n.o 7, do Regulamento n.o 384/96. Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro ao concluir que, no caso vertente, as instituições tinham violado esta disposição, uma vez que não separaram nem distinguiram os alegados efeitos danosos dos dois fatores controvertidos.

    15

    O Conselho considera que «outro fator» na aceção do artigo 3.o, n.o 7, do Regulamento n.o 384/96 é, por definição, um fator que não está ligado às importações objeto de dumping. Os dois fatores controvertidos estão estreitamente ligados às importações objeto de dumping originárias do Paquistão. Segundo o Conselho, «um fator que se limita a facilitar um aumento das importações objeto de dumping não é em si um fator distinto que causa prejuízo, dado que todo o prejuízo que resulta de um aumento das importações objeto de dumping é causado pelas importações objeto de dumping e não pelos fatores que facilitam o aumento de tais importações». Esta interpretação é confirmada pelas conclusões do Relatório do Júri da OMC de 28 de outubro de 2011, com o título «União Europeia — Direitos antidumping sobre determinado calçado originário da China» (WT/DS405/R).

    16

    O Conselho salienta que, ainda que a lista que figura no artigo 3.o, n.o 7, do Regulamento n.o 384/96 não seja exaustiva, não inclui contudo os dois fatores controvertidos como «outros fatores» na aceção desta disposição. Com efeito, as alterações do quadro legislativo e regulamentar só teriam importância na medida em que produziram efeitos no mercado e que os dois fatores controvertidos podiam ter efeitos apenas nas importações objeto de dumping. Contudo, segundo o Conselho, estes dois fatores não têm nenhuma repercussão no desempenho da indústria da União.

    17

    Além disso, o Conselho considera que o erro de direito cometido pelo Tribunal Geral resulta de uma interpretação errada do artigo 3.o, n.os 6 e 7, do Regulamento n.o 384/96, que resulta das afirmações que figuram do n.o 84 do acórdão recorrido.

    18

    No essencial, a Comissão apoia as considerações do Conselho.

    19

    A Gul Ahmed Textile Mills considera que os fundamentos de recurso invocados restringem de forma infundada o conceito de «outros fatores», na aceção do artigo 3.o, n.o 7, do Regulamento n.o 384/96. Com efeito, a interpretação que o Conselho faz do conceito de «outros fatores» é contrária a esta disposição. Além disso, uma vez que o objetivo da referida disposição é garantir que nenhum prejuízo seja atribuído às importações objeto de dumping quando resulte de outro fator, não deve realizar‑se uma restrição arbitrária dos fatores cujos efeitos prejudiciais devem ser tidos em consideração.

    20

    Segundo a Gul Ahmed Textile Mills, no que diz respeito ao conceito de «outros fatores», não é exato que os fatores controvertidos estivessem «estreitamente ligados» às importações objeto de dumping. A supressão dos direitos antidumping anteriores reflete a retificação por parte da União da imposição infundada de medidas em 1997 e não está ligada às importações objeto de dumping durante o período de inquérito, ou antes. A concessão por parte da União de uma preferência pautal especial às importações provenientes do Paquistão, a partir de 1 de janeiro de 2002, não é específica para as importações de roupa de cama, e muito menos para as importações de roupa de cama objeto de dumping. As alterações do quadro legislativo do mercado devem‑se unicamente à ação da União e não estão «estreitamente ligadas» às ações dos produtores de países terceiros.

    21

    A Gul Ahmed Textile Mills salienta que os fatores controvertidos reduziram diretamente o peso dos direitos sobre todas as importações de roupas de cama do Paquistão, influenciando assim diretamente os níveis de preços dessas importações no mercado da União. Qualificar estas alterações pautais de «simples facilitadores do crescimento do volume das importações objeto de dumping» é manifestamente errado.

    22

    Segundo a Gul Ahmed Textile Mills, a questão‑chave é saber se os fatores controvertidos influenciaram diretamente o nível de um dos indicadores económicos que as instituições da União têm em conta para determinar se a indústria da União sofreu um prejuízo material e a eventual razão para tal. Ora, o artigo 3.o, n.o 5, do Regulamento n.o 384/96 requer uma avaliação de «todos os fatores e índices económicos pertinentes que influenciem a situação [da] indústria» e na lista indicativa prevista nesta disposição figuram os «fatores que afetam os preços comunitários». A recorrida no presente recurso sublinha que os fatores controvertidos tiveram por consequência direta que os produtores da União tenham sido subitamente confrontados com importações que acediam ao mercado da União a um nível de preços consideravelmente inferiores aos anteriores, sem qualquer alteração dos preços free on board (Fob) dos produtos dos produtores paquistaneses. Como tal, as mudanças regulamentares tiveram um efeito direto nas circunstâncias económicas a ter em conta na determinação do prejuízo e do nexo de causalidade entre este e o dumping.

    Apreciação do Tribunal

    23

    Resulta dos considerandos 108 a 115 do Regulamento n.o 397/2004 que as instituições da União examinaram os fatores que consideraram serem outros fatores além das importações objeto de dumping.

    24

    Em particular, foram examinadas as importações provenientes da Índia, da Turquia, da Roménia, do Bangladeche e do Egito, bem como os fatores ligados à contração da procura, às importações e às exportações da indústria da União e à produtividade desta indústria.

    25

    Ao avaliar o nexo de causalidade entre as importações objeto de dumping e o prejuízo sofrido pela indústria da União, é pacífico que as instituições da União não examinaram as duas medidas controvertidas em questão, a saber, a abolição dos direitos aduaneiros comuns no âmbito da aplicação do sistema de preferências pautais generalizadas e a supressão dos direitos antidumping anteriores.

    26

    Há que observar que estas medidas visavam os produtos originários do Paquistão e que o Regulamento n.o 397/2004 se aplica a todos os exportadores paquistaneses. Assim, por força deste regulamento, todas as exportações dos produtos aí enumerados constituem importações objeto de dumping na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 384/96.

    27

    É certo que a abolição dos direitos de importação, por um lado, de 12% e, por outro, de 6,7% pode ter tido o efeito de facilitar e favorecer as importações dos produtos em questão. Em contrapartida, este efeito foi exercido sobre as importações objeto de dumping.

    28

    Resulta da redação do artigo 3.o, n.o 7, do Regulamento n.o 384/96, designadamente dos termos «fatores conhecidos […] que [causam] um prejuízo à indústria comunitária», que este regulamento exige o exame dos fatores que causam diretamente um prejuízo, o que pressupõe um nexo de causalidade direto.

    29

    Em contrapartida, no caso vertente, as alterações dos requisitos regulamentares das importações objeto de dumping não podem ser consideradas causadoras, enquanto tal, de um prejuízo. São as próprias importações que causam um prejuízo.

    30

    Com efeito, as importações objeto de dumping e os requisitos regulamentares segundo os quais estas se efetuam são indissociáveis.

    31

    Assim, as medidas controvertidas que facilitam e favorecem as importações são unicamente causas indiretas e não podem ser consideradas «outros fatores» na aceção do artigo 3.o, n.o 7, do Regulamento n.o 384/96.

    32

    Esta interpretação está em conformidade com o Relatório do Júri da OMC de 28 de outubro de 2011, com o título «União Europeia — Direitos antidumping sobre determinado calçado originário da China», que examinou a questão do nexo de causalidade entre a supressão de um contingente de importação e o prejuízo nos termos do artigo 3.5 do Código antidumping de 1994. No ponto 7.527 desse relatório, considerou‑se que a supressão de uma quota de importação, que permite um aumento do volume de importações objeto de dumping, não é um fator que cause, ele próprio, prejuízo.

    33

    Os contingentes à importação constituem os requisitos regulamentares nos termos dos quais se efetuam as importações nos mesmos moldes que os direitos aduaneiros de importação.

    34

    Nestas condições, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que os dois fatores controvertidos constituem «outros fatores» na aceção do artigo 3.o, n.o 7, do Regulamento n.o 384/96.

    35

    Todavia, esta conclusão não prejudica a questão de saber se os fatores controvertidos devem ser tidos em conta no exame da existência de um prejuízo em conformidade com o artigo 3.o, n.os 2, 3 e 5, do Regulamento n.o 384/96.

    36

    Por conseguinte, há que anular o acórdão recorrido.

    37

    Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este Tribunal, julgando o recurso procedente, anula a decisão do Tribunal Geral, podendo decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

    38

    No presente processo, não se encontram preenchidos os requisitos para que o Tribunal de Justiça possa decidir definitivamente sobre este litígio.

    39

    Assim, há que remeter o processo ao Tribunal Geral e reservar para final a decisão quanto às despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) decide:

     

    1)

    É anulado o acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 27 de setembro de 2011, Gul Ahmed Textile Mills/Conselho (T‑199/04).

     

    2)

    O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia.

     

    3)

    Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

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