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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62012CJ0136

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 18 de julho de 2013.
Consiglio nazionale dei geologi contra Autorità garante della concorrenza e del mercato e Autorità garante della concorrenza e del mercato contra Consiglio nazionale dei geologi.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Consiglio di Stato.
Artigo 267.°, terceiro parágrafo, TFUE — Âmbito da obrigação de reenvio que incumbe aos órgãos jurisdicionais de última instância — Artigo 101.° TFUE — Código Deontológico de uma ordem profissional que proíbe a aplicação de tarifas que não correspondam à dignidade da profissão.
Processo C‑136/12.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2013:489

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

18 de julho de 2013 ( *1 )

«Artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE — Âmbito da obrigação de reenvio que incumbe aos órgãos jurisdicionais de última instância — Artigo 101.o TFUE — Código Deontológico de uma ordem profissional que proíbe a aplicação de tarifas que não correspondam à dignidade da profissão»

No processo C-136/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Consiglio di Stato (Itália), por decisão de 14 de fevereiro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 13 de março de 2012, no processo

Consiglio nazionale dei geologi

contra

Autorità garante della concorrenza e del mercato

e

Autorità garante della concorrenza e del mercato

contra

Consiglio nazionale dei geologi,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, J. Malenovský, U. Lõhmus, M. Safjan (relator) e A. Prechal, juízes,

advogado-geral: P. Cruz Villalón,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Consiglio nazionale dei geologi, por A. Lagonegro, avvocatessa,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

em representação do Governo francês, por G. de Bergues, E. Belliard e B. Beaupère-Manokha, na qualidade de agentes,

em representação do Governo húngaro, por M. Fehér, K. Molnár e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por J.-P. Keppenne, L. Malferrari e G. Conte, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 101.° TFUE e 267.°, terceiro parágrafo, TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Consiglio nazionale dei geologi (Conselho Nacional dos Geólogos, a seguir «CNG») à Autorità garante della concorrenza e del mercato (a seguir «Autorità») e a Autorità ao CNG, a propósito da constatação, pela Autorità, de um acordo que restringe a concorrência e que foi implementado através de uma regulamentação deontológica adotada pelo CNG relativa à fixação dos honorários dos geólogos.

Quadro jurídico

3

Nos termos do artigo 2.o da Lei n.o 112, relativa à proteção do título e da profissão de geólogo (legge n.o 112 — Disposizioni per la tutela del titolo e della professione di geologo), de 3 de fevereiro de 1963 (GURI n.o 57, de 28 de fevereiro de 1963, a seguir, «Lei n.o 112/1963»), o exercício da referida profissão em Itália está subordinado à inscrição no registo que é gerido pela Ordem Nacional dos Geólogos.

4

O artigo 8.o desta lei prevê que todos os geólogos inscritos no referido registo constituem a Ordem e elegem o CNG.

5

O artigo 9.o da referida lei enuncia:

«O [CNG] exerce as seguintes atribuições, para além das que lhe são impostas por outras normas:

a)

velar pela observância da regulamentação profissional e de todas as outras disposições relativas à profissão;

b)

velar pela manutenção do registo e da lista especial e proceder às inscrições e às expulsões;

c)

supervisionar a proteção do título profissional e desenvolver as atividades dirigidas à repressão do exercício abusivo da profissão;

d)

instaurar os processos disciplinares;

e)

proceder, se lhe for solicitado, à liquidação de honorários;

f)

proceder à administração dos bens pertencentes à Ordem Nacional e elaborar anualmente o orçamento e a conta final;

g)

fixar, dentro dos limites estritamente necessários para cobrir as despesas de funcionamento da Ordem Nacional, por deliberação sujeita a aprovação do Ministro da Justiça, o montante da contribuição anual a pagar pelos inscritos no registo ou na lista especial, da taxa de inscrição no registo ou na lista e da taxa para a emissão de certificados e de pareceres sobre a liquidação de honorários.»

6

Nos termos do artigo 14.o, n.o 1, da Lei n.o 616 que contém as disposições de execução da Lei de 3 de fevereiro de 1963, n.o 112, relativa à proteção do título e da profissão de geólogo (legge n.o 616 — Norme integrative per l’applicazione della L. 3 febbraio 1963, n.o 112, contenente norme per la tutela del titolo e della professione di geologo), de 25 de julho de 1966 (GURI n.o 201, de 13 de agosto de 1966):

«Ao inscrito no registo ou na lista especial que tenha um comportamento não conforme com o prestígio ou com a dignidade profissional pode ser aplicada, em função da gravidade dos factos, uma das seguintes sanções disciplinares:

1)

censura;

2)

suspensão do exercício da profissão por tempo não superior a um ano;

3)

expulsão.

[…]»

7

O artigo 2.o do Decreto-Lei n.o 223 relativo às disposições urgentes para o relançamento económico e social, para a contenção e racionalização da despesa pública, bem como às intervenções em matéria de receitas e de luta contra a evasão fiscal (decreto-legge n.o 223 — Disposizioni urgenti per il rilancio economico e sociale, per il contenimento e la razionalizzazione della spesa pubblica, nonchè interventi in materia di entrate e di contrasto all’evasione fiscale), de 4 de julho de 2006 (GURI n.o 153, de 4 de julho de 2006), convertido em lei, com alterações, pela Lei n.o 248 (a seguir «Decreto-Lei n.o 223/2006»), prevê:

«1.   Em conformidade com os princípios comunitários da livre concorrência e da livre circulação de pessoas e serviços, e com o objetivo de assegurar aos utilizadores uma possibilidade efetiva de escolha no exercício dos seus direitos e de comparação dos serviços oferecidos no mercado, a partir da data de entrada em vigor do presente decreto são revogadas as disposições legislativas e regulamentares que, no que respeita às profissões liberais e às atividades intelectuais, estabelecem:

a)

tabelas fixas ou mínimas obrigatórias ou a proibição de fixar honorários determinados em função da obtenção dos objetivos prosseguidos;

[…]

3.   As regras deontológicas e convencionais, bem como os códigos de conduta que contenham as disposições referidas no n.o 1, serão adaptados até 1 de janeiro de 2007, designadamente através da adoção de medidas destinadas a assegurar a qualidade dos serviços profissionais. Não se procedendo à adaptação, a partir desta mesma data, as disposições que contrariem o disposto no n.o 1, serão, seja como for, consideradas nulas.»

8

Nos termos do artigo 2233.o do Código Civil italiano, relativo às profissões intelectuais:

«Os honorários que não tenham sido definidos pelas partes e que não possam ser fixados em conformidade com as tarifas ou com os usos são fixados pelo juiz após consulta da associação profissional à qual o profissional pertence.

Em qualquer caso, o montante da remuneração deve ser adequado à importância da obra e ao prestígio da profissão.

[…]»

9

Os artigos 17.° a 19.° do Código Deontológico relativo ao exercício da profissão de geólogo em Itália, aprovado pelo CNG em 19 de dezembro de 2006 e alterado pela última vez em 24 de março de 2010 (a seguir «Código Deontológico»), dispõem:

«Artigo 17.o — Parâmetros tarifários

Quando fixa o montante dos seus honorários, o geólogo deve ater-se ao estabelecido no Decreto-Lei n.o 223/2006, ao princípio da adequação mencionado no artigo 2233.o, n.o 2, do Código Civil e, em qualquer caso, a todas as disposições legais aplicáveis na matéria. A tabela profissional aprovada por Decreto Ministerial de 18 de novembro de 1971, conforme alterado, e a tabela em matéria de concursos públicos aprovada por Decreto Ministerial de 4 de abril de 2001, na parte aplicável aos geólogos, constituem um elemento legítimo e objetivo de referência técnico-profissional para as partes na consideração, fixação e determinação dos honorários.

Artigo 18.o — Fixação dos honorários

No âmbito da regulamentação vigente, para garantia da qualidade das prestações, independentemente da forma mediante a qual exerce a sua atividade profissional — de forma individual, societária ou associativa — o geólogo deve sempre adequar os seus honorários à importância e a dificuldade da tarefa, ao prestígio da profissão, aos conhecimentos técnicos e ao empenho exigidos.

A Ordem, tendo em conta os princípios da concorrência profissional, supervisiona a observância [destas regras].

Artigo 19.o — Tramitação de concursos públicos

No âmbito dos processos de concursos públicos, em que a Administração Pública, legitimamente, não utilize como parâmetro de remuneração a tabela profissional, o geólogo deverá, ainda assim, determinar a sua proposta em função da importância e da dificuldade da tarefa, do prestígio da profissão, dos conhecimentos técnicos e do empenho exigidos».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10

Por decisão de 23 de junho de 2010, adotada com base nos resultados de um inquérito (a seguir «decisão da Autorità»), a Autorità concluiu que a Ordem Nacional dos Geólogos tinha violado o artigo 101.o TFUE ao incentivar os seus membros a uniformizarem os respetivos comportamentos económicos através da aplicação de uma tabela profissional. Em particular, a Autorità considerou que o Código Deontológico constituía uma decisão de uma associação de empresas que, em violação do artigo 101.o TFUE, restringia a concorrência.

11

Segundo a Autorità, a qualificação, nos termos do artigo 17.o do referido código, da tabela profissional como elemento legítimo de referência para efeitos da fixação dos honorários incentivava os geólogos a fixarem os seus honorários em conformidade com esta tabela. A referência formal, no citado artigo 17.o, ao Decreto-Lei n.o 223/2006, que revogou as tarifas fixas e mínimas, não permite indicar aos geólogos a possibilidade de fixarem os honorários com base num livre acordo entre as partes.

12

Além disso, a obrigação, prevista nos artigos 18.° e 19.° do Código Deontológico, de determinar os honorários de acordo com cláusulas de ordem geral, como o prestígio e a dignidade da profissão, quando não haja critérios que contribuam para caracterizar essas cláusulas através de uma referência específica à fixação das tabelas de serviços profissionais, incentiva também a considerar a tabela profissional obrigatória, impedindo deste modo a adoção de comportamentos de mercado independentes. Além disso, a circunstância de o artigo 17.o do mesmo código remeter para o artigo 2233.o do Código Civil, que faz referência à dignidade da profissão, apoia esta tese.

13

O CNG impugnou a referida decisão da Autorità no Tribunale amministrativo regionale per il Lazio.

14

Por decisão de 25 de fevereiro de 2011, este órgão jurisdicional negou provimento ao recurso do CNG. Em particular, partilhou da posição da Autorità segundo a qual a indicação da tabela profissional como elemento legítimo de referência na fixação de honorários incitava os geólogos a adotarem essa tabela, o que conduz a uma restrição da concorrência. Simultaneamente, o referido órgão jurisdicional considerou que a Autorità não tinha apresentado elementos suficientes que servissem de apoio à tese segundo a qual a referência à dignidade da profissão como um dos elementos a ter em conta na fixação dos honorários dos geólogos implica o caráter obrigatório da tabela profissional. Considerou, ainda assim, que esse erro não era suficiente para anular a decisão da Autorità.

15

O CNG interpôs recurso da decisão do Tribunale amministrativo regionale per il Lazio no Consiglio di Stato. A Autorità também interpôs recurso dessa decisão por nesta última se declarar que a fundamentação da decisão da Autorità era parcialmente errada.

16

No processo que decorreu no órgão jurisdicional de reenvio, o CNG propôs que fossem submetidas ao Tribunal de Justiça várias questões prejudiciais relativas à conformidade das disposições nacionais, tanto de natureza legislativa e regulamentar como das contidas no Código de Deontologia, com o direito da União em matéria de concorrência.

17

Embora o órgão jurisdicional de reenvio considere que a maioria das questões propostas pelo CNG é, em princípio, relevante para a resolução do litígio no processo principal, constata, porém, que as mesmas foram expressas em termos vagos. Além disso, o referido órgão jurisdicional considera que algumas das ditas questões são manifestamente irrelevantes para o processo principal, nomeadamente as que se referem ao Regulamento (CEE) n.o 2137/85 do Conselho, de 25 de julho de 1985, relativo à instituição de um Agrupamento Europeu de Interesse Económico (AEIE) (JO L 199, p. 1).

18

Assim, o órgão jurisdicional de reenvio submete ao Tribunal de Justiça questões sobre o âmbito do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE no que respeita à sua competência para escolher e reformular as questões propostas por uma das partes no processo principal e a sua eventual obrigação de proceder a essa escolha e a essa reformulação.

19

Quanto às questões relativas à regulamentação da União em matéria de concorrência, o órgão jurisdicional de reenvio procede a uma reformulação das propostas apresentadas pelo CNG.

20

Nestas condições, o Consiglio di Stato decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«I.

1)

No que respeita ao artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, a regulamentação processual nacional, que preveja um sistema de preclusões processuais, tais como prazos de recurso, especificidade dos fundamentos, proibição de alteração do pedido no decurso do processo, proibição de o tribunal alterar o pedido da parte, impede a aplicação do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, relativamente à obrigação [de o] tribunal de última instância [submeter um pedido] de reenvio prejudicial de uma questão de interpretação do direito comunitário suscitada por uma parte no processo?

2)

O poder de triagem por parte do órgão jurisdicional nacional, quanto à relevância da questão e à avaliação do grau de clareza da norma comunitária, impede a aplicação do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, relativamente à obrigação [de o] tribunal de última instância [submeter um pedido] de reenvio prejudicial de uma questão de interpretação do direito comunitário suscitada por uma parte no processo?

3)

O artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, quando interpretado no sentido de impor ao órgão jurisdicional nacional de última instância uma obrigação incondicional de reenvio prejudicial de uma questão de interpretação do direito comunitário suscitada por uma parte no processo, está em coerência com o princípio de duração razoável do processo, igualmente enunciado no direito comunitário?

4)

Em presença de que circunstâncias de facto e de direito a não observância do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, configura, por parte do órgão jurisdicional nacional, uma ‘manifesta violação do direito comunitário’, e pode este conceito ter diferente alcance e âmbito para efeitos da ação especial contra o Estado, nos termos da Lei n.o 117, de 13 de abril de 1988, para ‘indemnização dos danos causados no exercício de funções judiciais e responsabilidade civil dos magistrados’ […]?

II.

Para o caso de o Tribunal de Justiça […] aderir à tese do ‘filtro de malha larga’ […] que impede a aplicação das normas processuais nacionais relativas à especificidade dos fundamentos de recurso, a questão prejudicial comunitária deve ser remetida ao Tribunal de Justiça […] nos exatos termos em que foi formulada pela recorrente [no processo principal] e [que a seguir] se transcreve.

‘1)

[…] submete-se ao Tribunal de Justiça […] um pedido de decisão prejudicial sobre a interpretação do artigo 101.o [TFUE] […] em relação às normas legais e deontológicas que regulam a profissão de geólogo e as funções institucionais e normas de funcionamento do [CNG] aplicáveis ao caso concreto, que a seguir se descreve, para efeitos de apreciação da coerência e legalidade destas face à legislação europeia [o referido artigo 101.o (TFUE)] relativo à regulamentação da concorrência. […]

[reprodução do artigo 9.o da Lei 1n.° 12/1963]

[reprodução dos artigos 14.°, n.o 1, e 17.° da Lei n.o 616, de 25 de julho de 1966, que contém as disposições de execução da Lei de 3 de fevereiro de 1963, n.o 112, relativa à proteção do título e da profissão de geólogo]

[reprodução dos artigos 6.° e 7.° do Código Deontológico]

[reprodução do artigo 17.o do Código Deontológico]. Em particular, sobre este ponto, solicita-se que o Tribunal [de Justiça] […] esclareça se contraria o artigo 101.o [TFUE] a circunstância de ter sido indicado, como norma legal em vigor no seu integral conteúdo, o [Decreto-Lei] n.o 223/2006 com o sistema numérico-cronológico, único sistema histórico e legítimo, tanto a nível interno como comunitário, que decerto não incide minimamente na cognoscibilidade e na obrigatoriedade da norma jurídica.

[reprodução dos artigos 18.° e 19.° do Código Deontológico]

Em relação a:

Regulamento […] n.o 2137/85 […] com o objetivo de 'facilitar ou desenvolver a atividade económica dos seus membros', que estabelece, no sexto considerando, que as disposições 'não prejudicam a aplicação, a nível nacional, das regras legais e/ou deontológicas relativas às condições de exercício de uma atividade ou de uma profissão';

[reprodução do considerando 43 da Diretiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais (JO L 255, p. 22)];

[reprodução do considerando 115 da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO L 376, p. 36)].

Solicita-se, finalmente, ao Tribunal de Justiça […] que se pronuncie sobre a compatibilidade com o artigo 101.o [TFUE] da distinção efetuada nos aspetos jurídicos e de organização regulamentar entre empresas profissionais e empresas comerciais, bem como entre concorrência profissional e concorrência comercial.

2)

a)

O artigo 101.o TFUE, ou outra norma europeia, proíbe e/ou impede a referência aos componentes de dignidade e prestígio do profissional — no caso concreto, geólogo — na estruturação da remuneração profissional?

b)

Na aceção do artigo 101.o TFUE, ou de outra norma europeia, a referência aos componentes de dignidade e prestígio profissional acarreta efeitos restritivos da concorrência profissional?

c)

O artigo 101.o TFUE, ou outra norma europeia, estabelece que os requisitos de dignidade e prestígio, enquanto elementos a ter em conta para a retribuição do profissional em conexão com as tabelas definidas expressamente como derrogáveis nos mínimos, atendendo à expressa e formal remissão do artigo 17.o do [Código Deontológico] para as normas da lei que permite essa derrogação [(Decreto-Lei) n.o 223/2006 (…)], podem ser considerados como indutores de comportamentos restritivos da concorrência?

d)

O artigo 101.o TFUE, ou outra norma europeia, proíbe a referência à tabela profissional — estabelecida para os geólogos por decisão estatal, [a saber, um decreto ministerial] do Ministro da Justiça em conjunto com o Ministro das Atividades Produtivas e derrogável nos mínimos por efeito, repete-se, da remissão expressa e formal para o [Decreto-Lei] n.o 223/2006 do artigo 17.o do […] Código Deontológico — como simples elemento técnico-profissional de referência para a determinação das retribuições?

e)

O artigo 101.o TFUE, ou outra norma europeia, proíbe a correspondência entre a importância das prestações, os requisitos de dignidade e prestígio profissional como também definidos nos artigos 6.° e 7.° do [Código Deontológico], com a retribuição profissional, tal como está previsto no artigo 2233.o do Código Civil, n.o 2, segundo o qual 'em qualquer caso, o montante da retribuição (profissional) deve ser adequado à importância da obra e ao prestígio da profissão'?

f)

Pode, por isso, segundo o artigo 101.o TFUE, considerar-se que a referência ao artigo 2233.o, n.o 2, do Código Civil é legítima e não produz efeitos restritivos da concorrência?

g)

O artigo 101.o TFUE, ou outra norma europeia, estabelece, no âmbito da regulamentação da concorrência, uma equiparação do ponto de vista jurídico entre a Ordem Profissional, no caso concreto dos geólogos, regulada por normas específicas do Estado adotadas para a prossecução dos fins institucionais, e os acordos e concentrações de empresas comerciais que constituem acordos anticoncorrenciais?

h)

O artigo 101.o TFUE, ou outra norma europeia, permite estabelecer a equiparação da contribuição regulamentar obrigatória por lei — adotada para a prossecução das funções e fins institucionais — com a atividade de venda de bens e serviços e com o lucro económico efetuados e obtidos mediante comportamentos anticoncorrenciais por parte de concentrações de empresas comerciais?

i)

O artigo 101.o TFUE, ou outra norma europeia, justifica a aplicação de sanções no caso em apreço?

j)

O artigo 101.o TFUE, ou outra norma europeia, legitima a sujeição a imposição coerciva sob a forma de contribuição regulamentar, obrigatória por lei, equiparando essa contribuição a lucro e receita fruto de acordo económico comercial anticoncorrencial?

III.

1)

A título subsidiário, para o caso de o Tribunal de Justiça decidir as questões de interpretação do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE no sentido da irrelevância das normas processuais nacionais e da existência de um dever de o órgão jurisdicional nacional solicitar assistência e a questão prejudicial, como suscitada pela recorrente, no sentido do caráter genérico da questão da parte, a questão prejudicial sobre se o direito comunitário da concorrência e das profissões e, em particular, as disposições comunitárias invocadas pela recorrente na sua questão, impedem a adoção de códigos deontológicos profissionais que adaptam a retribuição ao prestígio e à dignidade profissional, à qualidade e quantidade do trabalho desenvolvido, com o resultado de que as retribuições que se situem abaixo dos mínimos tarifários (e que, portanto, sejam concorrenciais) possam ser [punidas], no plano disciplinar, por violação de regras deontológicas?

2)

A título subsidiário, para o caso de o Tribunal de Justiça decidir as questões de interpretação do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE no sentido da irrelevância das normas processuais nacionais e da existência de um dever de o órgão jurisdicional nacional solicitar assistência e a questão prejudicial, como suscitada pela recorrente, no sentido do caráter genérico da questão da parte, a questão prejudicial sobre se o direito comunitário da concorrência e, em particular, a regulamentação que proíbe os acordos restritivos pode ser interpretada no sentido de que um acordo restritivo pode assumir a forma de regras deontológicas estabelecidas pelas ordens profissionais, quando tais regras, ao referirem o prestígio e a dignidade profissional, bem como a qualidade e quantidade do trabalho desenvolvido, como parâmetros de quantificação da retribuição do profissional, têm como efeito a inderrogabilidade dos mínimos tarifários e, portanto, também um efeito restritivo da concorrência por causa da referida inderrogabilidade?

3)

A título subsidiário, para o caso de o Tribunal de Justiça decidir as questões de interpretação do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE no sentido da irrelevância das normas processuais nacionais e da existência de um dever de o órgão jurisdicional nacional solicitar assistência e a questão prejudicial, como suscitada pela recorrente, no sentido do caráter genérico da questão da parte, a questão prejudicial sobre se quando o direito nacional impõe regras de proteção da concorrência mais severas do que as comunitárias, em particular estabelecendo que os mínimos tarifários das tabelas profissionais podem ser derrogados, quando o direito comunitário parece, pelo contrário, consentir, ainda, em certas condições, a inderrogabilidade dos mínimos tarifários e, consequentemente, quando uma atuação da ordem profissional que impõe a inderrogabilidade dos mínimos tarifários constitui, para o direito nacional, um acordo restritivo da concorrência enquanto pode não o ser para o direito comunitário, o direito comunitário da concorrência e, designadamente, a regulamentação comunitária dos acordos restritivos da concorrência impedem esse resultado de considerar uma dada conduta punível como acordo restritivo com base na regulamentação nacional e não também com base na regulamentação comunitária, sempre que as regras nacionais de proteção da concorrência sejam mais severas do que as comunitárias?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto às questões relativas ao artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE

21

Com as suas questões relativas ao artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, determinar o âmbito da sua competência para escolher e reformular as questões propostas por uma das partes no processo principal e a sua eventual obrigação de fazer essa escolha e essa reformulação.

22

Neste contexto, pergunta ao Tribunal de Justiça, em particular, se a referida disposição se opõe a regras nacionais cuja aplicação determinaria que o órgão jurisdicional nacional não pode exercer a sua competência de reenvio prejudicial ou tem de reproduzir as questões propostas pelas partes.

23

Além disso, na hipótese de o artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE dever ser interpretado no sentido de que impõe ao órgão jurisdicional nacional de última instância uma obrigação incondicional de reenvio a título prejudicial de uma questão de interpretação do direito da União suscitada por uma das partes no litígio, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a eventual incidência da exigência da duração razoável do processo, consagrada no direito da União, sobre os deveres de um órgão jurisdicional de última instância nos termos da referida disposição.

24

Por outro lado, o Consiglio di Stato submete uma questão relativa às circunstâncias nas quais a não observância da obrigação de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE é suscetível de constituir uma violação manifesta do direito da União enquanto premissa da responsabilidade extracontratual do Estado decorrente da violação do referido direito.

25

A este respeito, há que recordar, em primeiro lugar, que na medida em que não exista recurso jurisdicional da decisão de um órgão jurisdicional nacional este está, em princípio, obrigado a questionar o Tribunal de Justiça, na aceção do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, quando lhe seja submetida uma questão relativa à interpretação do Tratado FUE (v. acórdão de 4 de novembro de 1997, Parfums Christian Dior, C-337/95, Colet., p. I-6013, n.o 26).

26

Resulta da conjugação do segundo e do terceiro parágrafos do artigo 267.o TFUE que os órgãos jurisdicionais visados pelo terceiro parágrafo gozam do mesmo poder de apreciação que quaisquer outros órgãos jurisdicionais nacionais no que se refere à questão de saber se uma decisão sobre uma questão de direito da União é necessária para lhes permitir proferir a sua decisão. Por conseguinte, esses órgãos jurisdicionais não são obrigados a reenviar uma questão de interpretação do direito da União que lhes é submetida se a questão não for relevante, isto é, quando a resposta a essa questão, qualquer que seja, não possa ter influência na solução do litígio (acórdão de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o., 283/81, Recueil, p. 3415, n.o 10).

27

Em contrapartida, se constatarem que o recurso ao direito da União é necessário para a resolução de um litígio que lhes foi submetido, o artigo 267.o TFUE impõe-lhes, em princípio, a obrigação de submeter ao Tribunal de Justiça qualquer questão de interpretação que seja suscitada (v. acórdão Cilfit e o., já referido, n.os 11 a 20).

28

O Tribunal de Justiça já declarou que o sistema instituído pelo artigo 267.o TFUE para garantir a uniformidade da interpretação do direito da União nos Estados-Membros institui a cooperação direta entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais através de um processo alheio a qualquer iniciativa das partes (acórdãos de 16 de dezembro de 2008, Cartesio, C-210/06, Colet., p. I-9641, n.o 90, e de 21 de julho de 2011, Kelly, C-104/10, Colet., p. I-6813, n.o 62).

29

A determinação e a formulação das questões a submeter ao Tribunal de Justiça são da competência do órgão jurisdicional nacional e as partes no processo principal não podem alterar o seu teor (v. acórdãos de 14 de abril de 2011, Vlaamse Dierenartsenvereniging e Janssens, C-42/10, C-45/10 e C-57/10, Colet., p. I-2975, n.o 43, e de 21 de dezembro de 2011, Danske Svineproducenter, C-316/10, Colet., p. I-13721, n.o 32).

30

Embora o referido órgão jurisdicional tenha liberdade para convidar as partes do litígio que lhe foi submetido a sugerirem formulações, suscetíveis de serem aceites, para o enunciado das questões prejudiciais, não é menos certo que só a esse órgão jurisdicional cabe decidir em última instância tanto da forma como do conteúdo dessas questões (acórdão Kelly, já referido, n.o 65).

31

Resulta do que precede que é competência exclusiva do órgão jurisdicional de reenvio determinar e formular as questões prejudiciais relativas à interpretação do direito da União que são necessárias para a resolução do litígio no processo principal.

32

No que respeita às regras processuais nacionais às quais o órgão jurisdicional de reenvio se referiu sem, porém, explicitar o âmbito exato, basta, seja como for, recordar que essas regras não violam a competência e as obrigações que recaem sobre um órgão jurisdicional nacional como o órgão jurisdicional de reenvio por força do artigo 267.o TFUE (v., neste sentido, acórdão Cartesio, já referido, n.os 93, 94 e 98).

33

Por outro lado, há que salientar que o juiz nacional responsável pela aplicação, no âmbito da sua competência, das disposições do direito da União tem a obrigação de garantir a plena eficácia dessas disposições e de não aplicar, se necessário pela sua própria autoridade, qualquer disposição nacional contrária, nomeadamente processual, sem que tenha de aguardar pela eliminação prévia dessa disposição nacional por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (v., neste sentido, acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov, C-173/09, Colet., I-8889, n.o 31).

34

No que respeita, em seguida, à eventual incidência da exigência da duração razoável do processo igualmente invocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que salientar que a interrogação do referido órgão jurisdicional só foi formulada por este para o caso de o artigo 267.o TFUE dever ser interpretado no sentido de que a referida disposição impõe ao órgão jurisdicional nacional de última instância uma obrigação incondicional de reenvio a título prejudicial de uma questão de interpretação do direito da União suscitada por uma das partes no litígio. Nestas condições, tendo em conta o que resulta dos n.os 25 a 33 do presente acórdão, não há que responder à referida interrogação.

35

Finalmente, no que respeita à violação manifesta do direito da União enquanto premissa da responsabilidade extracontratual do Estado decorrente da violação do referido direito, há que salientar que esta questão é manifestamente desprovida de pertinência e é hipotética no âmbito do litígio no processo principal. Com efeito, não resulta da decisão de reenvio que o litígio no processo principal diga respeito à referida responsabilidade nem mesmo que esta questão tenha sido abordada por uma das partes no litígio no processo principal a título de incidente processual.

36

Vistas as considerações que precedem, há que responder às questões relativas ao artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE que esta disposição deve ser interpretada no sentido de que compete exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio determinar e formular as questões prejudiciais relativas à interpretação do direito da União que considera pertinentes para a resolução do litígio no processo principal. Não devem ser aplicadas regras nacionais que tenham por efeito violar esta competência.

Quanto às questões relativas à regulamentação da União em matéria de concorrência

37

Dado que, no caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio procedeu efetivamente à reformulação das questões propostas pelo CNG, há que analisar as questões conforme reformuladas.

38

No essencial, o referido órgão jurisdicional procura saber se o artigo 101.o TFUE se opõe a que uma ordem profissional, como a Ordem Nacional dos Geólogos em Itália, adote regras de deontologia que prevejam como critérios de fixação dos honorários, para além da qualidade e da importância da prestação de serviços, a dignidade da profissão, tendo como consequência que possam ser aplicadas sanções por violação das referidas regras à fixação de honorários abaixo de um certo nível, situação equiparável ao caso do estabelecimento de tarifas mínimas.

39

Por outro lado, pergunta ao Tribunal de Justiça se o direito nacional pode prever uma proteção da concorrência mais estrita do que a regulamentação da União. A este respeito, há que salientar que não decorre da decisão de reenvio que esta questão seja pertinente para a resolução do litígio no processo principal. Com efeito, esta última não contém elementos que permitam identificar a utilidade da resposta a este respeito para a resolução do litígio no processo principal. Ora, essa explicação era necessária dado que resulta do processo apresentado ao Tribunal de Justiça que este litígio diz respeito à legalidade de uma decisão da Autorità que aplicou o artigo 101.o TFUE e não as regras nacionais em matéria de acordos restritivos da concorrência. Por conseguinte, esta questão deve ser julgada inadmissível.

40

Sucede o mesmo com as questões relativas à interpretação do Regulamento n.o 2137/85 e das Diretivas 2005/36 e 2006/123.

41

No que respeita à questão referida no n.o 38 do presente acórdão, há que analisar em que medida uma organização profissional como a Ordem Nacional dos Geólogos em Itália deve ser considerada uma associação de empresas na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE quando adota regras como as previstas no Código Deontológico.

42

No âmbito desta análise, há que verificar se, ao adotar regras como as que estão em causa no processo principal, uma ordem profissional deve ser considerada uma associação de empresas ou, pelo contrário, uma autoridade pública pelo facto de a sua atividade estar associada ao exercício de prerrogativas de poder público (v. acórdão de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o., C-309/99, Colet., p. I-1577, n.o 57 e jurisprudência referida).

43

No que respeita à natureza das atividades do CNG, resulta dos artigos 8.° e 9.° da Lei n.o 112/1963 que todos os geólogos inscritos no registo previsto nesta disposição constituem a Ordem e elegem o CNG, sendo este último responsável por velar pela conformidade da regulamentação profissional e de quaisquer outras disposições relativas à profissão, e por exercer a ação disciplinar.

44

Ora, há que salientar que, quando adota um ato como o Código Deontológico, uma organização profissional como a Ordem Nacional dos Geólogos não exerce uma missão social baseada no princípio da solidariedade nem prerrogativas típicas de poder público. Surge como um órgão de regulação de uma profissão cujo exercício constitui, por outro lado, uma atividade económica (v., neste sentido, acórdão Wouters e o., já referido, n.o 58).

45

À luz destas considerações, importa, deste modo, constatar que uma organização profissional como a Ordem Nacional dos Geólogos se comporta como uma associação de empresas, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, no quadro da elaboração de regras deontológicas como as que estão em causa no processo principal.

46

Quanto à questão de saber se as regras deontológicas em causa no processo principal constituem uma decisão à luz do artigo 101.o TFUE, há que recordar que se pode considerar que mesmo uma recomendação de preço, independentemente da sua natureza jurídica exata, constitui uma decisão de uma associação de empresas (acórdão de 27 de janeiro de 1987, Verband der Sachversicherer/Comissão, 45/85, Colet., p. 405, n.o 32).

47

No caso em apreço, o caráter vinculativo do Código Deontológico relativamente aos geólogos, bem como a possibilidade de lhes aplicar sanções em caso de inobservância do referido código, deve conduzir a que se considere que as regras nele contidas constituem uma decisão nos termos do artigo 101.o TFUE.

48

Para que as regras da concorrência da União se apliquem a um acordo ou uma prática abusiva, é necessário que esse acordo ou essa prática abusiva sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros (v. acórdão de 13 de julho de 2006, Manfredi e o., C-295/04 a C-298/04, Colet., p. I-6619, n.o 40).

49

Para este fim, uma decisão, um acordo ou uma prática devem, com base num conjunto de elementos objetivos de direito ou de facto, permitir que se considere com um grau suficiente de probabilidade a sua influência direta ou indireta, efetiva ou potencial, nos fluxos comerciais entre os Estados-Membros, de modo a que se possa temer que entravem a realização de um mercado único entre os Estados-Membros (v. acórdão Manfredi e o., já referido, n.o 42).

50

Um acordo que abranja todo o território de um Estado-Membro tem por efeito, pela sua própria natureza, consolidar barreiras de caráter nacional, entravando assim a interpenetração económica pretendida pelo Tratado (v. acórdãos de 18 de junho de 1998, Comissão/Itália, C-35/96, Colet., p. I-3851, n.o 48, e Manfredi e o., já referido, n.o 45).

51

Este pode ser o efeito da decisão da associação de empresas em causa no processo principal, na medida em que o direito italiano prevê uma inscrição obrigatória, em todo o território da República Italiana, dos geólogos na ordem profissional, o que implica a sua submissão a regras deontológicas e a sua responsabilidade disciplinar pela violação dessas regras.

52

Tendo em conta as considerações que precedem, há que constatar que as regras deontológicas, que indicam a dignidade da profissão bem como a qualidade e a importância da prestação como critérios de fixação de honorários do profissional, são suscetíveis de restringir a concorrência dentro do mercado interno.

53

No entanto, há que salientar que qualquer decisão de uma associação de empresas que restringe a liberdade de ação das partes ou de uma delas não fica necessariamente sob a alçada da proibição constante do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. De facto, para efeitos da aplicação desta disposição a um caso concreto, há antes de mais que ter em conta o contexto global no qual uma decisão da associação de empresas em causa foi tomada ou produz os seus efeitos, e, mais concretamente, os seus objetivos, que consistem, no presente caso, em procurar as garantias necessárias para os consumidores finais dos serviços em causa. Em seguida, há que examinar se os efeitos restritivos da concorrência decorrentes da decisão são inerentes à prossecução dos referidos objetivos (v., neste sentido, acórdão Wouters e o., já referido, n.o 97).

54

Neste contexto, há que verificar se as restrições assim impostas pelas normas em causa no processo principal se limitam ao que é necessário para garantir a execução de objetivos legítimos (v., neste sentido, acórdão de 18 de julho de 2006, Meca Medina e Majcen/Comissão, C-519/04 P, Colet., p. I-6991, n.o 47).

55

Tendo em conta o processo que foi disponibilizado ao Tribunal de Justiça, este não tem capacidade para apreciar se a existência do critério relativo à dignidade da profissão pode ser considerado necessário para a execução de um objetivo legítimo, como o que está relacionado com as garantias concedidas aos consumidores finais dos serviços dos geólogos, dado que, nomeadamente, o referido critério acresce a outros critérios de determinação dos honorários estreitamente relacionados com a qualidade do trabalho dos referidos geólogos, tais como a importância e a dificuldade do trabalho, os conhecimentos técnicos e o empenho exigidos.

56

Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, tendo em conta o contexto global no qual o Código Deontológico produz os seus efeitos, incluindo à luz de todo o quadro jurídico nacional e da prática da aplicação deste código pela Ordem Nacional dos Geólogos, se se está a produzir um efeito restritivo na concorrência dentro do mercado interno. O referido órgão jurisdicional deve também verificar se, à luz de todos os elementos pertinentes de que dispõe, as regras do referido código, nomeadamente na parte em que recorrem ao critério relativo à dignidade da profissão, podem ser consideradas necessárias à execução do referido objetivo legítimo relacionado com garantias atribuídas aos consumidores.

57

Tendo em conta todas as considerações que precedem, há que responder às questões relativas à regulamentação da União em matéria de concorrência que regras como as previstas no Código Deontológico, que preveem como critérios de fixação dos honorários dos geólogos, para além da qualidade e da importância da prestação de serviço, a dignidade da profissão, constituem uma decisão de uma associação de empresas na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, que pode ter por efeito restringir a concorrência dentro do mercado interno. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, tendo em conta o contexto global no qual este código produz os seus efeitos, incluindo à luz de todo o quadro jurídico nacional e da prática da aplicação do referido código pela Ordem Nacional dos Geólogos, se no caso concreto ocorre o mencionado efeito. O referido órgão jurisdicional deve também verificar se, à luz de todos os elementos pertinentes de que dispõe, as regras deste mesmo código, nomeadamente na parte em que recorrem ao critério relativo à dignidade da profissão, podem ser consideradas necessárias à execução do objetivo legítimo relacionado com garantias atribuídas aos consumidores dos serviços dos geólogos.

Quanto às despesas

58

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que compete exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio determinar e formular as questões prejudiciais relativas à interpretação do direito da União que considera pertinentes para a resolução do litígio no processo principal. Não devem ser aplicadas regras nacionais que tenham por efeito violar esta competência.

 

2)

Regras como as previstas no Código Deontológico relativo ao exercício da profissão de geólogo em Itália, aprovado pelo Consiglio nazionale dei geologi em 19 de dezembro de 2006 e alterado pela última vez em 24 de março de 2010, que preveem como critérios de fixação dos honorários dos geólogos, para além da qualidade e da importância da prestação de serviço, a dignidade da profissão, constituem uma decisão de uma associação de empresas na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, que pode ter por efeito restringir a concorrência dentro do mercado interno. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, tendo em conta o contexto global no qual este código produz os seus efeitos, incluindo à luz de todo o quadro jurídico nacional e da prática da aplicação do referido código pela Ordem Nacional dos Geólogos, se no caso concreto ocorre o mencionado efeito. O referido órgão jurisdicional deve também verificar se, à luz de todos os elementos pertinentes de que dispõe, as regras deste mesmo código, nomeadamente na parte em que recorrem ao critério relativo à dignidade da profissão, podem ser consideradas necessárias à execução do objetivo legítimo relacionado com garantias atribuídas aos consumidores dos serviços dos geólogos.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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