Escolha as funcionalidades experimentais que pretende experimentar

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62011CJ0206

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 17 de janeiro de 2013.
    Georg Köck contra Schutzverband gegen unlauteren Wettbewerb.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof.
    Proteção dos consumidores — Práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno — Legislação de um Estado‑Membro que prevê uma autorização prévia para o anúncio de saldos.
    Processo C‑206/11.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2013:14

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    17 de janeiro de 2013 ( *1 )

    «Proteção dos consumidores — Práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno — Legislação de um Estado-Membro que prevê uma autorização prévia para o anúncio de saldos»

    No processo C-206/11,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria), por decisão de 12 de abril de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de maio de 2011, no processo

    Georg Köck

    contra

    Schutzverband gegen unlauteren Wettbewerb,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Ilešič, E. Levits, J.-J. Kasel e M. Safjan (relator), juízes,

    advogado-geral: V. Trstenjak,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 21 de junho de 2012,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de G. Köck, por E. Kroker, Rechtsanwalt,

    em representação da Schutzverband gegen unlauteren Wettbewerb, por M. Prunbauer, Rechtsanwältin,

    em representação do Governo austríaco, por A. Posch e G. Kunnert, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo belga, por T. Materne e J.-C. Halleux, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por M. Owsiany-Hornung e S. Grünheid, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 6 de setembro de 2012,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 3.°, n.o 1, e 5.°, n.o 5, da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 («diretiva relativa às práticas comerciais desleais») (JO L 149, p. 22, a seguir «diretiva»).

    2

    Este pedido foi submetido no quadro de um litígio que opõe G. Köck à Schutzverband gegen unlauteren Wettbewerb (Associação de Proteção contra a Concorrência Desleal), a propósito do anúncio, pelo recorrente no processo principal, de uma «liquidação total» dos seus produtos e dos saldos correspondentes, efetuado sem a necessária autorização administrativa prévia.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    Os considerandos 8 e 17 da diretiva enunciam:

    «(8)

    A presente diretiva protege diretamente os interesses económicos dos consumidores das práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores. Consequentemente, protege também indiretamente os interesses legítimos das empresas face aos concorrentes que não respeitam as regras da presente diretiva e garante assim a concorrência leal no domínio por ela coordenado. [...]

    [...]

    (17)

    É desejável que essas práticas comerciais consideradas desleais em quaisquer circunstâncias sejam identificadas por forma a proporcionar segurança jurídica acrescida. Por conseguinte, o anexo I contém uma lista exaustiva dessas práticas. Estas são as únicas práticas comerciais que podem ser consideradas desleais sem recurso a uma avaliação casuística nos termos dos artigos 5.° a 9.° A lista só poderá ser alterada mediante revisão da presente diretiva.»

    4

    O artigo 1.o da diretiva dispõe:

    «A presente diretiva tem por objetivo contribuir para o funcionamento correto do mercado interno e alcançar um elevado nível de defesa dos consumidores através da aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas às práticas comerciais desleais que lesam os interesses económicos dos consumidores.»

    5

    O artigo 2.o da diretiva tem a seguinte redação:

    «Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

    [...]

    d)

    ‘Práticas comerciais das empresas face aos consumidores’ (a seguir designadas também por ‘práticas comerciais’): qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing,por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores;

    e)

    ‘Distorcer substancialmente o comportamento económico dos consumidores’: utilização de uma prática comercial que prejudique sensivelmente a aptidão do consumidor para tomar uma decisão esclarecida, conduzindo-o, por conseguinte, a tomar uma decisão de transação que não teria tomado de outro modo;

    [...]

    k)

    ‘Decisão de transação’: a decisão tomada por um consumidor sobre a questão de saber se, como e em que condições adquirir, pagar integral ou parcialmente, conservar ou alienar um produto ou exercer outro direito contratual em relação ao produto, independentemente de o consumidor decidir agir ou abster-se de agir;

    [...]»

    6

    O artigo 3.o da diretiva enuncia:

    «1.   A presente diretiva é aplicável às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, tal como estabelecidas no artigo 5.o, antes, durante e após uma transação comercial relacionada com um produto.

    2.   A presente diretiva não prejudica o direito contratual e, em particular, as normas relativas à validade, à formação ou aos efeitos de um contrato.

    [...]»

    7

    O artigo 5.o da diretiva prevê:

    «1.   São proibidas as práticas comerciais desleais.

    2.   Uma prática comercial é desleal se:

    a)

    For contrária às exigências relativas à diligência profissional;

    e

    b)

    Distorcer ou for suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um produto, do consumidor médio a que se destina ou que afeta, ou do membro médio de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores.

    3.   As práticas comerciais que são suscetíveis de distorcer substancialmente o comportamento económico de um único grupo, claramente identificável, de consumidores particularmente vulneráveis à prática ou ao produto subjacente, em razão da sua doença mental ou física, idade ou credulidade, de uma forma que se considere que o profissional poderia razoavelmente ter previsto, devem ser avaliadas do ponto de vista do membro médio desse grupo. Esta disposição não prejudica a prática publicitária comum e legítima que consiste em fazer afirmações exageradas ou afirmações que não são destinadas a ser interpretadas literalmente.

    4.   Em especial, são desleais as práticas comerciais:

    a)

    Enganosas, tal como definido nos artigos 6.° e 7.°;

    ou

    b)

    Agressivas, tal como definido nos artigos 8.° e 9.°

    5.   O anexo I inclui a lista das práticas comerciais que são consideradas desleais em quaisquer circunstâncias. A lista é aplicável em todos os Estados-Membros e só pode ser alterada mediante revisão da presente diretiva.»

    8

    O artigo 11.o da diretiva dispõe:

    «1.   Os Estados-Membros devem assegurar a existência de meios adequados e eficazes para lutar contra as práticas comerciais desleais, a fim de garantir o cumprimento das disposições da presente diretiva no interesse dos consumidores.

    Estes meios devem incluir disposições legais nos termos das quais as pessoas ou organizações que, de acordo com a legislação nacional, tenham um interesse legítimo em combater as práticas comerciais desleais, incluindo os concorrentes, possam:

    a)

    Intentar uma ação judicial contra tais práticas comerciais desleais;

    e/ou

    b)

    Submetê-las a uma autoridade administrativa competente para decidir as queixas ou para mover os procedimentos legais adequados.

    Compete a cada Estado-Membro decidir qual destas vias estará disponível e se o tribunal ou a autoridade administrativa terão poderes para exigir o recurso prévio a outras vias estabelecidas para a resolução de litígios […]. Estas vias devem estar disponíveis quer os consumidores afetados se encontrem no território do Estado-Membro em que o profissional está estabelecido, quer se encontrem noutro Estado-Membro.

    [...]

    2.   No âmbito das disposições legais referidas no n.o 1, os Estados-Membros devem conferir aos tribunais ou às autoridades administrativas as competências que os habilitem, no caso em que estes considerem que estas medidas são necessárias, tendo em conta todos os interesses em jogo e, em especial, o interesse geral:

    a)

    A ordenar a cessação de uma prática comercial desleal ou a mover os procedimentos legais adequados para que seja ordenada a cessação dessa prática comercial desleal;

    ou

    b)

    A proibir uma prática comercial desleal ou a mover os procedimentos legais adequados para que seja ordenada a sua proibição nos casos em que esta prática não tenha ainda sido aplicada, mas essa aplicação esteja iminente;

    mesmo na ausência de prova de ter havido uma perda ou prejuízo real, ou de uma intenção ou negligência da parte do profissional.

    Os Estados-Membros devem dispor, por outro lado, que as medidas referidas no primeiro parágrafo possam ser tomadas no âmbito de um processo simplificado:

    seja com efeito provisório,

    seja com efeito definitivo,

    entendendo-se que compete a cada Estado-Membro determinar qual destas duas opções será adotada.

    Além disso, para eliminar os efeitos persistentes de uma prática comercial desleal cuja cessação tenha sido ordenada por uma decisão definitiva, os Estados-Membros podem conferir aos tribunais ou às autoridades administrativas competências que os habilitem:

    a)

    A exigir a publicação desta decisão, no todo ou em parte e da forma que considerem adequada;

    b)

    A exigir, além disso, a publicação de um comunicado retificativo.

    3.   As autoridades administrativas referidas no n.o 1 devem:

    a)

    Ser compostas de forma a que não seja posta em causa a sua imparcialidade;

    b)

    Ter poderes adequados que lhes permitam fiscalizar e impor de forma eficaz a observação das suas decisões quando decidirem sobre as queixas;

    c)

    Em princípio, fundamentar as suas decisões.

    Quando as competências referidas no n.o 2 forem exercidas unicamente por uma autoridade administrativa, as decisões devem ser sempre fundamentadas. Além disso, neste caso, devem ser previstos procedimentos mediante os quais o exercício impróprio ou injustificado de poderes pela autoridade administrativa ou a omissão imprópria ou injustificada do exercício desses poderes possam ser objeto de recurso judicial.»

    9

    O artigo 13.o tem a seguinte redação:

    «Os Estados-Membros devem determinar as sanções aplicáveis às violações das disposições nacionais aprovadas em aplicação da presente diretiva e tomar todas as medidas necessárias para assegurar a aplicação das referidas disposições. Essas sanções devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

    10

    O anexo I da diretiva enumera as práticas comerciais consideradas desleais em todas as circunstâncias, referindo-se, designadamente, às seguintes práticas:

    «[...]

    4)

    Afirmar que um profissional (incluindo as suas práticas comerciais) ou um produto foi aprovado, reconhecido ou autorizado por um organismo público ou privado quando tal não corresponde à verdade ou fazer tal afirmação sem respeitar os termos da aprovação, reconhecimento ou autorização.

    [...]

    7)

    Declarar falsamente que o produto estará disponível apenas durante um período muito limitado ou que só estará disponível em condições especiais por um período muito limitado, a fim de obter uma decisão imediata e privar os consumidores da oportunidade ou do tempo suficientes para tomarem uma decisão esclarecida.

    [...]

    15)

    Alegar que o profissional está prestes a cessar a sua atividade ou a mudar de instalações quando tal não corresponde à verdade.

    [...]»

    Direito austríaco

    11

    Em conformidade com o § 33a da Lei relativa ao combate à concorrência desleal (Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb), na sua versão aplicável ao processo principal (a seguir «UWG»):

    «(1)   Na aceção da presente lei federal, o anúncio de uma liquidação abrange qualquer aviso ao público ou qualquer comunicação destinada a um número significativo de pessoas, que permita concluir que se pretende promover o escoamento acelerado de grandes quantidades de produtos na venda a retalho e que, simultaneamente, seja adequado a fazer crer que o comerciante está obrigado, em virtude de circunstâncias particulares, a vender apressadamente os seus produtos, disponibilizando, por conseguinte, os seus produtos [em] condições ou [a] preços extremamente vantajosos. […]

    (2)   Não são abrangidos pelas disposições dos §§ 33a a 33e os avisos e as comunicações relativas a saldos sazonais, a promoções sazonais, à venda de inventários e semelhantes, bem como a operações de venda especiais habituais no respetivo ramo comercial em determinadas épocas do ano (por exemplo a ‘semana branca’ ou a ‘semana do casaco’).

    (3)   O ponto 7 do anexo não é afetado por estas disposições.»

    12

    O ponto 7 do anexo a esta lei retoma, sem modificação, o ponto 7 do anexo I da diretiva.

    13

    O § 33b da UWG enuncia:

    «O anúncio de uma liquidação só é permitido mediante autorização da autoridade administrativa do distrito competente em função do local em que se realiza a liquidação. O pedido de autorização deve ser apresentado por escrito e indicar as seguintes informações:

    1.   Os produtos a vender, de acordo com a quantidade, as características e o valor de venda;

    2.   O local exato da liquidação;

    3.   O período em que se pretende realizar a liquidação;

    4.   Os motivos que estão na origem da liquidação, como o falecimento do proprietário da loja, a cessação da atividade comercial ou a suspensão de uma determinada linha de produtos, a mudança da loja para outro local, os danos provocados por motivo de força maior e outros motivos semelhantes;

    [...]»

    14

    O § 33c da UWG prevê:

    «(1)   Previamente à sua decisão sobre o pedido, a autoridade administrativa do distrito deve requerer à câmara regional de comércio competente a emissão de um parecer no prazo de duas semanas.

    (2)   A autoridade administrativa do distrito é obrigada a decidir sobre o pedido, no espaço de um mês após a sua receção.

    (3)   A autorização deve ser recusada, caso não se verifique nenhum dos motivos enunciados no § 33[b], ponto 4, ou caso a venda não seja anunciada para um período contínuo. A autorização deve também ser recusada, caso a venda deva decorrer no período entre o início da antepenúltima semana antes da Páscoa até ao Pentecostes, ou de 15 de novembro até ao Natal, ou durar mais de meio ano, a menos que ocorra por motivo de falecimento do proprietário da loja, por motivo de danos provocados por caso de força maior ou outros casos que também mereçam especial consideração. Caso o estabelecimento comercial ainda não exista há três anos completos, a autorização apenas deve ser concedida no caso de falecimento do proprietário da loja, de danos provocados por motivo de força maior ou em outros casos que também mereçam uma consideração especial.

    [...]»

    15

    O § 33d da UWG dispõe:

    «(1)   O anúncio de liquidação deve indicar os motivos para a venda acelerada, o período durante o qual a liquidação irá decorrer e uma descrição geral dos produtos que serão postos à venda. Estas informações devem corresponder à decisão de autorização.

    (2)   Após o decurso do período de venda indicado na decisão de autorização, é proibido qualquer anúncio à liquidação.

    (3)   Durante o período de venda indicado na decisão de autorização, apenas é permitida a venda dos produtos especificados no anúncio, na quantidade indicada na decisão de autorização. É proibido qualquer novo fornecimento de produtos do mesmo tipo.

    [...]»

    16

    Nos termos do § 34, n.o 3, da UWG:

    «Contra quem infringir as disposições deste capítulo, sem prejuízo de eventual procedimento criminal, pode ser intentada uma ação para cessação da operação de liquidação e, em caso de culpa, uma ação de indemnização. A ação só pode ser intentada perante os tribunais comuns. […]»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    17

    G. Köck, comerciante estabelecido em Innsbruck (Áustria), anunciou num jornal a «liquidação total» dos produtos do seu estabelecimento e publicitou-a igualmente diante do referido estabelecimento, por meio de cartazes e de autocolantes nas montras. Para além da expressão «liquidação total», recorreu ainda a frases como «tudo tem de sair» e «descontos até 90%». G. Köck não requereu a autorização da autoridade administrativa do distrito (Bezirksverwaltungsbehörde) para anunciar a referida liquidação.

    18

    Considerando que o anúncio de G. Köck constituía um «anúncio de liquidação» na aceção da legislação nacional e violava as disposições dos §§ 33a e seguintes da UWG, pelo facto de não ter sido objeto de uma autorização administrativa prévia, a Schutzverband gegen unlauteren Wettbewerb intentou no Landesgericht Innsbruck uma ação para obter a cessação da prática e a publicação da decisão judiciária.

    19

    Tendo esta ação sido julgada improcedente, a Schutzverband gegen unlauteren Wettbewerb interpôs recurso da decisão para o Oberlandesgericht Innsbruck. Este tribunal emitiu um despacho de medidas provisórias, deferindo o pedido da recorrente.

    20

    G. Köck interpôs no órgão jurisdicional de reenvio recurso de revista («Revisionsrekurs») do despacho do Oberlandesgericht Innsbruck.

    21

    Por um lado, como resulta da decisão de reenvio, o processo judicial na causa principal incide unicamente sobre a questão de saber se G. Köck dispõe de uma autorização apropriada, emitida por uma autoridade administrativa. No âmbito desse processo, a fiscalização do caráter desleal de uma prática comercial é transferida dos órgãos jurisdicionais para as autoridades administrativas, sem no entanto se decidir previamente se a prática é desleal «em quaisquer circunstâncias», nos termos do artigo 5.o, n.o 5, da diretiva.

    22

    Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio não exclui que, em conformidade com a diretiva, uma proibição judicial de uma prática comercial só possa ser considerada como admissível se a decisão de uma autoridade administrativa sobre este assunto respeitar, ela própria, as exigências da referida diretiva.

    23

    Considerando que a decisão do litígio no processo principal depende da interpretação das disposições da diretiva, o Oberster Gerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Os artigos 3.°, n.o 1, e 5.°, n.o 5, da diretiva […] ou outras disposições desta […] opõem-se a uma regulamentação nacional nos termos da qual o anúncio de uma liquidação sem a autorização da autoridade administrativa competente não é permitido, devendo por isso ser judicialmente proibido, não cabendo ao tribunal apreciar nesse processo o caráter enganoso, agressivo ou desleal dessa prática comercial?»

    Quanto à questão prejudicial

    24

    Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a diretiva deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que um tribunal nacional ordene a cessação de uma prática comercial, com o único fundamento de que esta não foi objeto de uma autorização prévia por parte da Administração competente, sem proceder ele próprio a uma apreciação do caráter desleal da referida prática.

    25

    Para responder a esta questão, importa, a título preliminar, determinar se uma prática comercial como o anúncio de uma liquidação visado pelo § 33a, n.o 1, da UWG constitui uma «prática comercial» no sentido do artigo 2.o, alínea d), da diretiva e está, portanto, submetida aos requisitos desta.

    26

    A este respeito, há que observar que o artigo 2.o, alínea d), da diretiva define, utilizando uma formulação particularmente ampla, o conceito de «prática comercial» como «qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores» (acórdão de 9 de novembro de 2010, Mediaprint Zeitungs- und Zeitschriftenverlag, C-540/08, Colet., p. I-10909, n.o 17).

    27

    Ora, medidas publicitárias como as que estão em causa no processo principal, as quais dizem respeito à venda de produtos aos consumidores, sob condições ou a preços vantajosos, inscrevem-se claramente no quadro da estratégia comercial de um operador e visam diretamente a promoção e a venda destes produtos. Daqui resulta que constituem «práticas comerciais» na aceção do artigo 2.o, alínea d), da diretiva e estão abrangidas, por consequência, pelo âmbito de aplicação material da mesma.

    28

    Determinado este aspeto, importa examinar se disposições nacionais como os §§ 33b e 34, n.o 3, da UWG podem estar abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva, tendo em conta os objetivos que prosseguem.

    29

    A este respeito, há que salientar que, como o Tribunal de Justiça já decidiu, a diretiva, em conformidade com o seu considerando 8, «protege diretamente os interesses económicos dos consumidores das práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores» e assegura, como enuncia nomeadamente o seu artigo 1.o, «um elevado nível de defesa dos consumidores através da aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas às práticas comerciais desleais que lesam os interesses económicos dos consumidores» (despacho de 4 de outubro de 2012, Pelckmans Turnhout, C-559/11, n.o 19 e jurisprudência aí referida).

    30

    Só são excluídas do âmbito de aplicação da diretiva, como resulta do seu considerando 6, as legislações nacionais relativas a práticas comerciais desleais que «apenas» prejudiquem os interesses económicos de concorrentes ou que digam respeito a uma transação entre profissionais (v. acórdão Mediaprint Zeitungs- und Zeitschriftenverlag, já referido, n.o 21).

    31

    No processo principal, como alega o órgão jurisdicional de reenvio, «o anúncio de uma liquidação» na aceção do § 33a, n.o 1, da UWG, disposição aplicada no âmbito do litígio no processo principal, constitui uma «prática comercial» na aceção da diretiva. O referido órgão jurisdicional admite, assim, implicitamente, como salienta a advogada-geral no n.o 38 das suas conclusões, que esta disposição visa a proteção dos consumidores e não, exclusivamente, a dos concorrentes e outros atores do mercado.

    32

    Além disso, o artigo 33b da UWG prevê que o anúncio de uma liquidação só é lícito se for objeto de uma autorização administrativa prévia. Enumera também os elementos que devem acompanhar o pedido de autorização. O § 34, n.o 3, desta lei, por seu lado, determina que qualquer infração às disposições dos §§ 33a a 33d da UWG pode dar lugar a uma ação para cessação e, em caso de culpa, a uma ação de indemnização.

    33

    Nestas condições, há que concluir que as disposições nacionais como os §§ 33b e 34, n.o 3, da UWG, conjugados com o § 33a, n.o 1, da UWG, que proíbem, sob pena de sanções, uma prática comercial que não tenha sido autorizada, constituem medidas destinadas a lutar contra as práticas comerciais desleais no interesse dos consumidores e, portanto, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva.

    34

    Estabelecido isto, há que verificar se a diretiva se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal.

    35

    Segundo jurisprudência constante, as únicas práticas comerciais que, por força da regulamentação nacional, podem ser consideradas desleais, sem serem objeto de uma avaliação caso a caso ao abrigo das disposições dos artigos 5.° a 9.° da diretiva, são as que figuram no anexo I da diretiva. Por conseguinte, uma prática não abrangida por este anexo só pode ser declarada desleal na sequência de uma análise do seu caráter desleal em conformidade com os critérios enunciados nos referidos artigos 5.° a 9.° (v., neste sentido, acórdãos de 14 de janeiro de 2010, Plus Warenhandelsgesellschaft, C-304/08, Colet., p. I-217, n.os 41 a 45, e Mediaprint Zeitungs- und Zeitschriftenverlag, já referido, n.os 30 a 34).

    36

    Ora, não se pode considerar que uma prática comercial que consiste no anúncio de uma liquidação, como o referido no § 33a, n.o 1, da UWG, feito por um profissional que não dispõe da autorização prévia da Administração competente para o efeito, esteja abrangida, enquanto tal, pelas práticas enumeradas no anexo I da diretiva.

    37

    Entre as práticas consideradas desleais em quaisquer circunstâncias, contidas nesse anexo, importa abordar aquelas que, nas circunstâncias do processo principal, poderiam potencialmente ser pertinentes e às quais as partes fizeram referência no processo no Tribunal de Justiça.

    38

    No n.o 4 do referido anexo figura a prática que consiste em «[a]firmar que um profissional (incluindo as suas práticas comerciais) ou um produto foi aprovado, reconhecido ou autorizado por um organismo público ou privado quando tal não corresponde à verdade ou fazer tal afirmação sem respeitar os termos da aprovação, reconhecimento ou autorização».

    39

    O referido número não prevê uma proibição geral das práticas comerciais que não foram objeto de uma autorização concedida por um organismo competente. Visa, pelo contrário, os casos específicos em que, como salienta a advogada-geral no n.o 93 das suas conclusões, a regulamentação aplicável estabelece determinadas exigências, designadamente, quanto à qualidade de um profissional ou dos seus produtos e prevê, a este respeito, um regime de aprovação, reconhecimento ou autorização.

    40

    Da mesma maneira, o anúncio de uma liquidação que é feito sem se dispor da autorização apropriada prévia também não pode estar abrangido pelo ponto 7 do referido anexo I da diretiva e ser considerado uma falsa declaração que leve os consumidores a acreditar que o produto em causa «estará disponível apenas durante um período muito limitado ou que só estará disponível em condições especiais por um período muito limitado, a fim de obter uma decisão imediata e privar os consumidores da oportunidade ou do tempo suficientes para tomarem uma decisão esclarecida».

    41

    Tão-pouco é aplicável ao litígio no processo principal o ponto 15 deste anexo. Este ponto diz respeito a uma prática que consiste em «[a]legar que o profissional está prestes a cessar a sua atividade ou a mudar de instalações quando tal não corresponde à verdade». No entanto, no processo principal, não se trata de uma prática como a que está abrangida pelo referido ponto 15, mas de uma prática comercial executada sem autorização prévia da Administração competente.

    42

    Resulta do que precede que o anúncio de uma liquidação, referido no § 33a, n.o 1, da UWG, feito por um profissional que não dispõe de autorização prévia para o efeito, na medida em que não está abrangido pelo dito anexo, não pode, enquanto tal, ser considerado desleal em quaisquer circunstâncias.

    43

    Nestas condições, importa apreciar se a regulamentação nacional referida no n.o 33 do presente acórdão é ou não contrária ao regime instituído pela diretiva.

    44

    Como salienta a advogada-geral nos n.os 44 a 55 das suas conclusões, esta última deixa aos Estados-Membros uma margem de apreciação relativamente à escolha das medidas nacionais destinadas a lutar, em conformidade com os artigos 11.° e 13.° da diretiva, contra as práticas comerciais desleais, na condição de essas medidas serem adequadas e eficazes e de as sanções assim previstas serem eficazes, proporcionadas e dissuasivas.

    45

    Dado que, em certas circunstâncias, uma fiscalização antecipada ou preventiva por parte do Estado-Membro se pode mostrar mais adequada e apropriada do que uma fiscalização a posteriori que ordene a cessação da prática comercial já em execução ou iminente, essas medidas nacionais podem consistir, designadamente, em prever um regime de autorização prévia, sob pena de sanções, de certas práticas cujo caráter exige essa fiscalização, com vista a combater as práticas comerciais desleais.

    46

    Não obstante, o regime previsto pelas referidas medidas nacionais, que constitui a transposição da diretiva, não pode ter como resultado proibir uma prática comercial pela única razão de a referida prática não ter sido objeto de autorização prévia pela Administração competente, sem que esta prática seja submetida a uma apreciação do seu caráter desleal.

    47

    Por um lado, a diretiva opõe-se a uma regulamentação nacional que exclui a fiscalização, relativamente aos critérios enunciados nos artigos 5.° a 9.° desta diretiva, de uma prática comercial não abrangida pelo anexo I da referida diretiva.

    48

    Por outro lado, uma regulamentação nacional por força da qual a prática comercial é submetida ao exame do seu caráter desleal só posteriormente à proibição prevista pelo incumprimento da obrigação de obter uma autorização prévia é inconciliável com o regime instituído pela diretiva, pois leva a que essa prática seja, por natureza e em particular pelo fator tempo que lhe é inerente, privada de qualquer sentido económico para o profissional.

    49

    Ora, uma regulamentação nacional como a referida no número precedente resultaria no estabelecimento de uma proibição geral das práticas comerciais executadas no âmbito de um regime particular, mesmo que o caráter eventualmente desleal destas não tenha sequer sido avaliado, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 35 do presente acórdão, segundo os critérios enunciados nos artigos 5.° a 9.° da diretiva.

    50

    Resulta de tudo o que precede que a diretiva deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional ordene a cessação de uma prática comercial não abrangida pelo anexo I da diretiva, apenas com o fundamento de que a referida prática não foi objeto de autorização prévia pela Administração competente, sem proceder ele próprio a uma apreciação do caráter desleal da prática em causa, à luz dos critérios enunciados nos artigos 5.° a 9.° da referida diretiva.

    Quanto às despesas

    51

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

     

    A Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 («diretiva relativa às práticas comerciais desleais»), deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional ordene a cessação de uma prática comercial não abrangida pelo anexo I desta diretiva, apenas com o fundamento de que a referida prática não foi objeto de autorização prévia pela Administração competente, sem proceder ele próprio a uma apreciação do caráter desleal da prática em causa, à luz dos critérios enunciados nos artigos 5.° a 9.° da referida diretiva.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) * Língua do processo: alemão.

    Início