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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62011CJ0068

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 19 de dezembro de 2012.
    Comissão Europeia contra República Italiana.
    Incumprimento de Estado — Ambiente — Diretiva 1999/30/CE — Controlo da poluição — Valores‑limite para as concentrações de PM10 no ar ambiente.
    Processo C‑68/11.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2012:815

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    19 de dezembro de 2012 ( *1 )

    «Incumprimento de Estado — Ambiente — Diretiva 1999/30/CE — Controlo da poluição — Valores-limite para as concentrações de PM10 no ar ambiente»

    No processo C-68/11,

    que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, entrada em 16 de fevereiro de 2011,

    Comissão Europeia, representada por A. Alcover San Pedro e S. Mortoni, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandante,

    contra

    República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Varone, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandada,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Ilešič, E. Levits, M. Safjan (relator) e M. Berger, juízes,

    advogado-geral: E. Sharpston,

    secretário: A. Impellizzeri, administradora,

    vistos os autos,

    vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, não tendo garantido que, durante vários anos consecutivos, em várias zonas e aglomerações situadas em território italiano, as concentrações de PM10 no ar ambiente não ultrapassassem os valores-limite fixados no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 1999/30/CE do Conselho, de 22 de abril de 1999, relativa a valores-limite para o dióxido de enxofre, dióxido de azoto e óxidos de azoto, partículas em suspensão e chumbo no ar ambiente (JO L 163, p. 41), atual artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2008/50/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa (JO L 152, p. 1), a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do referido artigo 5.o

    Quadro jurídico

    A Diretiva 96/62/CE

    2

    Em conformidade com o artigo 11.o da Diretiva 96/62/CE do Conselho, de 27 de setembro de 1996, relativa à avaliação e gestão da qualidade do ar ambiente (JO L 296, p. 55), os Estados-Membros são obrigados a apresentar à Comissão relatórios anuais relativos ao respeito dos valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10.

    3

    Nos termos do artigo 8.o desta diretiva:

    «1.   Os Estados-Membros devem estabelecer a lista das zonas e aglomerações em que os níveis de um ou mais poluentes são superiores ao valor-limite acrescido da margem de tolerância.

    [...]

    3.   Nas zonas e aglomerações referidas no n.o 1, os Estados-Membros devem tomar medidas para garantir que seja elaborado ou aplicado um plano ou programa destinado a fazer cumprir o valor-limite dentro do prazo fixado.

    Este plano ou programa, a que o público deve ter acesso, incluirá pelo menos as informações enumeradas no anexo IV.

    4.   Nas zonas e aglomerações referidas no n.o 1 em que os níveis de mais de um poluente excedem os valores-limite, os Estados-Membros estabelecerão um plano integrado abrangendo todos os poluentes em questão.

    [...]»

    A Diretiva 1999/30

    4

    As PM10 são definidas no artigo 2.o, n.o 11, da Diretiva 1999/30 como partículas suscetíveis de passar através de um filtro seletivo com 50% de eficiência para um diâmetro aerodinâmico de 10 μm.

    5

    Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, desta diretiva:

    «Os Estados-Membros adotarão as medidas necessárias para garantir que as concentrações de PM10 no ar ambiente, avaliadas nos termos do artigo 7.o, não excedam os valores-limite estabelecidos na secção I do anexo III, a partir das datas nela fixadas.

    [...]»

    6

    O artigo 5.o, n.o 4, da referida diretiva prevê:

    «Sempre que os valores-limite de PM10 indicados na secção I do anexo III forem excedidos em virtude de concentrações de PM10 no ar ambiente devidas a catástrofes naturais de que resultem concentrações significativamente superiores aos valores de base normais decorrentes de fatores naturais, os Estados-Membros informarão a Comissão, nos termos do n.o 1 do artigo 11.o da Diretiva 96/62/CE, apresentando a justificação necessária para demonstrar que essas superações se devem a catástrofes naturais. Nesses casos, os Estados-Membros só serão obrigados a aplicar planos de ação nos termos do n.o 3 do artigo 8.o da Diretiva 96/62/CE quando os valores-limite estabelecidos na secção I do anexo III forem excedidos devido a outras causas que não catástrofes naturais.»

    7

    Para garantir a proteção da saúde humana, o anexo III da referida Diretiva 1999/30 fixa dois tipos de limites para as partículas PM10, distinguindo duas fases que, por sua vez, se dividem em dois períodos. No que se refere aos períodos da fase 1, de 1 de janeiro de 2005 a 31 de dezembro de 2009, por um lado, o valor diário de 50 μg/m3 não deve ser excedido mais de 35 vezes em cada ano civil e, por outro, não pode ser excedido o valor anual de 40 μg/m3. No que diz respeito aos períodos da fase 2, a partir de 1 de janeiro de 2010, por um lado, o valor diário de 50 μg/m3 não pode ser excedido mais de 7 vezes em cada ano civil e, por outro, o valor-limite anual é de 20 μg/m3.

    8

    Para efeitos da avaliação das concentrações de PM10 prevista no artigo 7.o desta mesma diretiva, importa distinguir entre «zona» e «aglomeração».

    9

    Por força do artigo 2.o, ponto 8, da Diretiva 1999/30, uma zona designa uma «parte do território dos Estados-Membros, delimitada por eles próprios».

    10

    O artigo 2.o, ponto 9, desta diretiva define aglomeração como «uma zona caracterizada por uma concentração de população superior a 250 000 habitantes ou, quando a concentração da população for inferior ou igual a 250 000 habitantes, uma densidade populacional por quilómetro quadrado que justifique que os Estados-Membros avaliem e giram a qualidade do ar ambiente».

    11

    Segundo o artigo 12.o da referida diretiva, os Estados-Membros porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 19 de julho de 2001.

    A Diretiva 2008/50

    12

    A Diretiva 2008/50, entrada em vigor em 11 de junho de 2008, revogou, no seu artigo 31.o, as Diretivas 96/62 e 1999/30, com efeitos a partir de 11 de junho de 2010, sem prejuízo das obrigações que incumbem aos Estados-Membros no que respeita aos prazos de transposição e de aplicação destas últimas diretivas.

    13

    O artigo 13.o da Diretiva 2008/50, intitulado «Valores-limite e limiares de alerta para a proteção da saúde humana», prevê, no seu n.o 1:

    «Os Estados-Membros asseguram que, em todas as suas zonas e aglomerações, os níveis de dióxido de enxofre, PM10, chumbo e monóxido de carbono no ar ambiente não excedam os valores-limite fixados no anexo XI.

    [...]

    O cumprimento destes requisitos é avaliado de acordo com o anexo III.

    As margens de tolerância fixadas no anexo XI são aplicáveis nos termos do disposto no n.o 3 do artigo 22.o e no n.o 1 do artigo 23.o»

    14

    Importa referir que o anexo XI da Diretiva 2008/50 não alterou os valores-limite fixados para as PM10 pelo anexo III da Diretiva 1999/30, para a fase 1.

    15

    Em contrapartida, a Diretiva 2008/50 estabelece, no seu artigo 22.o, normas relativas à prorrogação dos prazos fixados para atingir os valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10 e, nomeadamente, os requisitos de isenção da obrigação de os aplicar.

    16

    Nos termos do artigo 22.o desta diretiva:

    «1.   Caso, numa determinada zona ou aglomeração, os valores-limite fixados para o dióxido de azoto ou o benzeno não possam ser respeitados nos prazos fixados no anexo XI, o Estado-Membro pode prorrogar esses prazos por cinco anos, no máximo, para a zona ou aglomeração em causa, desde que seja estabelecido um plano de qualidade do ar, nos termos do artigo 23.o, para a zona ou aglomeração a que se aplica a prorrogação do prazo; tal plano deve ser completado pelas informações enumeradas na parte B do anexo XV relativas aos poluentes em questão e demonstrar que os valores-limite serão respeitados antes do termo do novo prazo.

    2.   Caso, numa determinada zona ou aglomeração, os valores-limite fixados no anexo XI para as PM10 não possam ser respeitados devido às características de dispersão específicas do local, a condições climáticas desfavoráveis ou a fatores transfronteiriços, o Estado-Membro é dispensado, até 11 de junho de 2011, da obrigação de aplicar aqueles valores-limite, desde que cumpra as condições previstas no n.o 1 e comprove que foram tomadas todas as medidas adequadas a nível nacional, regional e local para o cumprimento dos prazos.

    [...]

    4.   Os Estados-Membros notificam a Comissão das zonas ou aglomerações onde consideram que são aplicáveis os n.os 1 ou 2 e comunicam o plano de qualidade do ar referido no n.o 1, incluindo todas as informações necessárias para a Comissão avaliar se foram cumpridas as condições aplicáveis. Na sua avaliação, a Comissão deve ter em conta os efeitos estimados, presentes e futuros, na qualidade do ar ambiente dos Estados-Membros, das medidas tomadas pelos Estados-Membros, bem como os efeitos estimados, na qualidade do ar ambiente, das medidas comunitárias atuais e futuras a propor pela Comissão.

    Caso a Comissão não levante objeções no prazo de nove meses a contar da receção da notificação, consideram-se cumpridas as condições de aplicação do n.o 1 ou do n.o 2.

    Em caso de objeção, a Comissão pode solicitar aos Estados-Membros que adaptem ou apresentem um novo plano de qualidade do ar.»

    Antecedentes do litígio e processo pré-contencioso

    17

    Em aplicação do artigo 11.o da Diretiva 96/62, a República Italiana apresentou à Comissão relatórios relativos ao respeito dos valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10 no ar ambiente, para o período compreendido entre 2005 e 2007.

    18

    Ao analisar esses relatórios, a Comissão constatou uma ultrapassagem desses valores-limite, fixados na secção I do anexo III da Diretiva 1999/30, durante um longo período, em numerosas zonas do território italiano.

    19

    Por carta de 30 de junho de 2008, a Comissão informou a República Italiana da sua intenção de dar início ao procedimento previsto no artigo 226.o CE, caso não recebesse, o mais tardar, até 31 de outubro de 2008, um pedido de isenção ao abrigo do artigo 22.o da Diretiva 2008/50.

    20

    Por ofícios de 3 e 16 de outubro de 2008, a República Italiana comunicou à Comissão as medidas programadas ou decididas por catorze regiões e duas províncias autónomas para evitar ultrapassar os valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10 nas respetivas zonas de competência.

    21

    Na medida em que, em 14 de janeiro de 2009, não tinha recebido nenhum pedido de isenção deste Estado-Membro, a Comissão considerou que o artigo 22.o da Diretiva 2008/50 não era aplicável.

    22

    Por conseguinte, considerando que a República Italiana não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 1999/30, a Comissão enviou a este Estado-Membro uma carta de notificação para cumprir, em 2 de fevereiro de 2009. Em anexo, enviou uma lista que elencava 55 zonas e aglomerações italianas onde os limites diários e/ou anuais aplicáveis às concentrações de PM10 tinham sido ultrapassados durante 2006 e 2007.

    23

    Por ofícios de 1 e 30 de abril, 22 de outubro e 11 de novembro de 2009, a República Italiana respondeu à Comissão indicando que, em 27 de janeiro e 5 de maio de 2009, lhe tinha enviado dois pedidos de isenção ao abrigo do artigo 22.o da Diretiva 2008/50, relativos, por um lado, a 67 zonas situadas em 12 regiões e 2 províncias autónomas e, por outro, a 12 zonas situadas em 3 outras regiões.

    24

    Depois de analisar estes dois pedidos de isenção, a Comissão adotou duas decisões relativas aos referidos pedidos, respetivamente, em 28 de setembro de 2009 e 1 de fevereiro de 2010.

    25

    Na sua decisão de 28 de setembro de 2009, a Comissão formulou objeções ao pedido apresentado pela República Italiana em 27 de janeiro de 2009, no que diz respeito a 62 das 67 zonas recenseadas pela República Italiana, situadas nas Regiões de Emília-Romanha, do Friul-Venécia Juliana, do Lácio, da Ligúria, da Lombardia, das Marcas, da Úmbria, do Piemonte, da Toscânia e do Veneto, bem como na Província Autónoma de Trentino.

    26

    Na sua decisão de 1 de fevereiro de 2010, a Comissão formulou objeções ao pedido da República Italiana de 5 de maio de 2009, a respeito de 11 das 12 zonas recenseadas pela República Italiana, situadas nas Regiões da Campânia, da Apúlia e da Sicília.

    27

    Na sequência desta decisão, este Estado-Membro não apresentou novo pedido de isenção ao abrigo do artigo 22.o da Diretiva 2008/50.

    28

    Considerando que a República Italiana tinha ultrapassado os valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10 no ar ambiente, durante vários anos consecutivos, em numerosas zonas do território italiano, a Comissão, em 7 de maio de 2010, emitiu um parecer fundamentado no qual concluía que a República Italiana tinha violado as obrigações que lhe incumbiam ao abrigo do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 1999/30. Por conseguinte, a Comissão convidou este Estado-Membro a adotar as medidas necessárias para dar cumprimento às suas obrigações, num prazo de dois meses a contar da receção do referido parecer.

    29

    Na sua resposta de 6 de julho de 2010, a República Italiana invocou a elaboração de uma estratégia nacional, que se devia traduzir tanto na adoção de um conjunto de medidas legislativas e regulamentares à escala nacional como em linhas orientadoras respeitantes aos setores de atividade que eram principalmente responsáveis pelas emissões de PM10 e de substâncias poluentes suscetíveis de se transformar em PM10. A República Italiana solicitou, por outro lado, a realização de uma reunião com os serviços da Comissão, para discutir as medidas legislativas e regulamentares previstas. Esta reunião realizou-se em Bruxelas (Bélgica), em 26 de julho de 2010.

    30

    Por carta de 25 de agosto de 2010, a República Italiana reconheceu que, na data de expiração do prazo de resposta ao parecer fundamentado, os valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10 no ar ambiente ainda eram ultrapassados em numerosas zonas e aglomerações italianas. Este Estado-Membro transmitiu à Comissão outras informações relativas às medidas nacionais que deveriam ser adotadas no outono de 2010 e comunicadas antes de novembro de 2010, acompanhadas de uma avaliação de impacto respeitante às zonas e aglomerações onde esses valores-limite ainda eram ultrapassados, tendo em vista beneficiar de uma isenção ao abrigo do artigo 22.o da Diretiva 2008/50.

    31

    Em seguida, a Comissão não foi informada da adoção das referidas medidas nacionais. Também não recebeu nenhuma avaliação de impacto relativa às zonas e aglomerações em causa nem um novo pedido de isenção ao abrigo do artigo 22.o da Diretiva 2008/50.

    32

    Nestas condições, a Comissão intentou a presente ação.

    Quanto à ação

    Argumentos das partes

    33

    Na sua petição, a Comissão alega que os relatórios apresentados ao abrigo do artigo 11.o da Diretiva 96/62, pela República Italiana, para 2005 e os anos seguintes, mostram ultrapassagens dos valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10 no ar ambiente, durante um longo período e em numerosas zonas do território italiano.

    34

    Além disso, segundo as informações transmitidas por este Estado-Membro, relativamente a 2009, as ultrapassagens dos referidos valores-limite mantinham-se em 70 zonas situadas nas Regiões da Campânia, da Emília-Romanha, do Friul-Venécia Juliana, do Lácio, da Ligúria, da Lombardia, das Marcas, da Úmbria, do Piemonte, da Apúlia, da Sicília, da Toscânia e do Veneto, bem como na Província Autónoma de Trentino.

    35

    Ora, a República Italiana não adotou as medidas necessárias para garantir o respeito dos valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10 e não apresentou um novo pedido de isenção ao abrigo do artigo 22.o da Diretiva 2008/50.

    36

    A República Italiana observa que as emissões de PM10 proveem quer de fontes de origem antrópica, como o aquecimento, e de fontes naturais, como os vulcões, quer de reações químicas que se produzem na atmosfera entre os poluentes ditos «precursores». As concentrações de PM10 no ar ambiente são fortemente influenciadas pelas condições meteorológicas e pela extensão do levantamento das partículas depositadas no solo.

    37

    Tendo as ultrapassagens dos valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10 sido verificadas a partir de 2001, as regiões italianas adotaram os planos previstos no artigo 8.o da Diretiva 96/62 para reduzir as emissões destas partículas. Estes planos visaram sobretudo o setor dos transportes. Em seguida, foram também progressivamente adotadas medidas a partir de 2006, no setor civil, da agricultura e da criação de gado.

    38

    À escala nacional, as autoridades competentes adotaram igualmente medidas nos setores civil, da indústria, da agricultura e dos transportes, para reduzir as concentrações de PM10 no ar ambiente.

    39

    O conjunto destas disposições conduziu a uma significativa melhoria da qualidade do ar, entre 1990 e 2009, com uma diminuição do número de dias de ultrapassagem do valor-limite diário de PM10. Contudo, esta melhoria não foi suficiente para respeitar, nos prazos estabelecidos, os valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10.

    40

    Com efeito, segundo a República Italiana, era impossível atingir este objetivo. Para o conseguir, teria sido necessário adotar medidas drásticas no plano económico e social e violar direitos e liberdades fundamentais, como a livre circulação de mercadorias e de pessoas, a iniciativa económica privada e o direito dos cidadãos aos serviços de utilidade pública.

    41

    A República Italiana considera que há pelo menos cinco razões pelas quais os valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10 não foram respeitados nos prazos estabelecidos, concretamente, em primeiro lugar, a complexidade do fenómeno de formação de PM10, em segundo lugar, a influência da meteorologia nas concentrações atmosféricas de PM10, em terceiro lugar, os insuficientes conhecimentos técnicos do fenómeno de formação de PM10, que conduziram à fixação de prazos demasiado curtos para o respeito destes valores-limite, em quarto lugar, o facto de as diferentes políticas da União Europeia para a redução dos precursores de PM10 não terem produzido os resultados esperados e, em quinto lugar, a falta de ligação entre a política da União relativa à qualidade do ar e, nomeadamente, a que visa reduzir os gazes com efeito de estufa.

    42

    Na réplica, a Comissão observa que, no âmbito das Diretivas 96/62, 1999/30 e 2008/50, apenas se pode basear, para o controlo do respeito dos valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10, nos dados apresentados pelo Estado-Membro em causa, que determina as zonas de medição das concentrações de PM10 e se encarrega de efetuar as medições em causa. Nestas condições, o facto de esses valores-limite terem sido ultrapassados, durante vários anos consecutivos, em numerosas zonas, é perfeitamente conhecido pela República Italiana.

    43

    No que diz respeito ao argumento baseado na existência de razões de ordem geral que não permitiram à República Italiana respeitar, nos prazos estabelecidos, os valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10, a Comissão recorda que o artigo 22.o da Diretiva 2008/50 prevê, mediante o respeito de certos requisitos, uma isenção da obrigação de aplicar esses valores-limite. Ora, a República Italiana não apresentou nenhum novo pedido de isenção, na sequência das objeções da Comissão formuladas nas suas decisões de 28 de setembro de 2009 e de 1 de fevereiro de 2010.

    44

    Além disso, na sua decisão de 28 de setembro de 2009, a Comissão indicou que o argumento baseado na emissão de PM10 à escala mundial e continental só pode ser tido em conta em certas situações específicas, e não de forma geral. No que respeita à bacia do Pó, sublinhou que a «contribuição prevista de poluição transfronteiriça na bacia do Pó não pode ser considerada representativa, devido à situação geográfica específica desta região, na medida em que se encontra rodeada de montanhas e de mar. A Comissão constata que as contribuições transfronteiriças têm, de qualquer modo, uma importância limitada nesta zona».

    45

    De igual modo, nas suas decisões de 28 de setembro de 2009 e de 1 de fevereiro de 2010, a Comissão realçou a falta de informações fornecidas pela República Italiana, em aplicação do artigo 20.o da Diretiva 2008/50, sobre a contribuição das fontes naturais para a ultrapassagem dos valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10 nas zonas em causa. Por outro lado, embora a República Italiana tivesse apresentado alguns planos regionais à Comissão, ainda não lhe tinha apresentado um plano nacional para a qualidade do ar.

    46

    Quanto ao argumento relativo à obrigação de adotar medidas drásticas no plano económico e social e de violar direitos fundamentais, a Comissão refere que nenhum Estado-Membro interpôs recurso de anulação das Diretivas 1999/30 e 2008/50.

    47

    A Comissão acrescenta que a República Italiana reconhece, na sua contestação, que os valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10 nem sempre são respeitados e que esta situação não será resolvida a curto ou médio prazo. A Comissão deduz daqui que a situação de ultrapassagem desses valores-limite tem caráter constante e sistémico.

    48

    Nestas condições, caso o Tribunal de Justiça se limitasse a declarar o incumprimento para o período compreendido entre 2005 e 2007, esse acórdão não teria efeito útil. Com efeito, mantendo-se o incumprimento, a Comissão seria obrigada a intentar uma nova ação para o período compreendido entre 2008 e 2010, e assim por diante. Por isso, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie igualmente sobre a situação presente, na medida em que a ação visa o respeito contínuo das Diretivas 1999/30 e 2008/50.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    49

    A título preliminar, importa observar que, embora a República Italiana não tenha suscitado uma exceção de inadmissibilidade da presente ação, o Tribunal de Justiça pode conhecer oficiosamente do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 258.o TFUE para a propositura de uma ação por incumprimento (v., nomeadamente, acórdãos de 31 de março de 1992, Comissão/Itália, C-362/90, Colet., p. I-2353, n.o 8; de 26 de janeiro de 2012, Comissão/Eslovénia, C-185/11, n.o 28; e de 15 de novembro de 2012, Comissão/Portugal, C-34/11, n.o 42).

    50

    Nesta perspetiva, importa examinar se o parecer fundamentado e a ação apresentam as acusações de forma coerente e precisa, para permitir ao Tribunal de Justiça apreender exatamente o alcance da violação do direito da União imputada, condição necessária para poder verificar a existência do incumprimento alegado (v., neste sentido, acórdão de 1 de fevereiro de 2007, Comissão/Reino Unido, C-199/04, Colet., p. I-1221, n.os 20 e 21, e acórdão Comissão/Portugal, já referido, n.o 43).

    51

    Com efeito, como resulta, nomeadamente, do artigo 38.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, na versão em vigor à data da propositura da ação, e da jurisprudência a ele relativa, a petição inicial deve indicar o objeto do litígio e conter a exposição sumária dos fundamentos, que devem ser suficientemente claros e precisos para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização. Daqui resulta que os elementos essenciais de facto e de direito em que se funda uma ação devem decorrer, de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição, e os pedidos desta última devem ser formulados de forma inequívoca, a fim de evitar que o Tribunal de Justiça decida ultra petita ou não conheça de uma acusação (v. acórdão Comissão/Portugal, já referido, n.o 44 e jurisprudência referida).

    52

    No caso vertente, a Comissão não precisa, nem nos pedidos constantes da petição nem nos fundamentos da mesma, os anos a que se refere o incumprimento. Com efeito, limita-se a alegar que a República Italiana ultrapassou os valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10, «durante vários anos consecutivos». Alega que se trata de um incumprimento atual e que a decisão do Tribunal de Justiça deve incidir sobre o presente e não sobre o passado, sem precisar o período em causa.

    53

    Nestas condições, há que concluir que a falta de indicação de um elemento indispensável do conteúdo da petição inicial, como o período durante o qual a República Italiana violou, segundo as alegações da Comissão, o direito da União, não respeita os requisitos de coerência, de clareza e de precisão (v., neste sentido, acórdão Comissão/Portugal, já referido, n.o 47).

    54

    Além disso, a Comissão não indica o período exato a que se refere o incumprimento imputado e, além do mais, abstém-se de fornecer provas pertinentes, sublinhando laconicamente que, neste processo, não tem interesse em agir para que o Tribunal de Justiça decida sobre factos passados, dado que em nada lhe aproveita um acórdão que constate uma situação passada. Por conseguinte, esta instituição não só desconhece manifestamente as obrigações, para o Tribunal de Justiça e para ela própria, decorrentes da jurisprudência referida nos n.os 50 e 51 do presente acórdão como também não cria as condições para que o Tribunal de Justiça exerça a sua fiscalização sobre a presente ação por incumprimento.

    55

    Importa, no entanto, observar que a verificação dos relatórios anuais referentes aos anos de 2005 a 2007, apresentados pela República Italiana, revelou que os valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10 tinham sido ultrapassados em várias zonas e aglomerações. Com base nestes relatórios, a Comissão considerou que a República Italiana não tinha respeitado as obrigações previstas no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 1999/30, devido ao facto de, em 55 zonas e aglomerações italianas, indicadas em anexo à notificação para cumprir, os valores-limite diários e/ou anuais aplicáveis às concentrações de PM10 terem sido ultrapassados durante os anos de 2006 e 2007.

    56

    Pode deduzir-se destes elementos que o incumprimento das obrigações previstas no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 1999/30, de qualquer modo, cobre os anos de 2006 e 2007 e tem por objeto 55 zonas e aglomerações italianas.

    57

    Nestas condições, a presente ação, nos limites assim definidos, pode ser declarada admissível. Pelo contrário, na medida em que diz respeito ao ano de 2005 e ao período posterior a 2007, a ação deve ser declarada inadmissível.

    58

    Quanto ao mérito da presente ação, há que recordar que a República Italiana reconhece, nas suas observações, que foram ultrapassados os valores-limite aplicáveis às concentrações diárias de PM10 nos limites referidos no n.o 56 do presente acórdão.

    59

    A República Italiana acrescenta que estes valores-limite não podiam ser respeitados nos prazos estabelecidos pela Diretiva 1999/30, por cinco razões, pelo menos, enunciadas no n.o 41 do presente acórdão. Nestas condições, garantir o respeito dos referidos valores-limite teria implicado a adoção de medidas drásticas no plano económico e social e a violação de direitos e liberdades fundamentais como a livre circulação de mercadorias e de pessoas, a iniciativa económica privada e o direito dos cidadãos aos serviços de utilidade pública.

    60

    A este respeito, importa sublinhar que, na falta de alteração de uma diretiva, pelo legislador da União, para prorrogar os prazos para a sua aplicação, os Estados-Membros estão obrigados a cumprir os prazos originalmente fixados.

    61

    Além disso, há que constatar que a República Italiana não alega ter pedido, nomeadamente, a aplicação do artigo 5.o, n.o 4, da Diretiva 1999/30, que diz respeito à situação em que os valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10 no ar ambiente são ultrapassados devido a fatores naturais, que originam concentrações que ultrapassam significativamente os valores de base habituais provenientes de fontes naturais.

    62

    Ora, o processo visado no artigo 258.o TFUE assenta na verificação objetiva do desrespeito, por um Estado-Membro, das obrigações que lhe são impostas pelo Tratado FUE ou por um ato de direito derivado (v. acórdãos de 1 de março de 1983, Comissão/Bélgica, 301/81, Recueil, p. 467, n.o 8, e de 4 de março de 2010, Comissão/Itália, C-297/08, Colet., p. I-1749, n.o 81).

    63

    Desde que essa verificação, como no presente caso, tenha sido demonstrada, é irrelevante que o incumprimento resulte da vontade do Estado-Membro ao qual é imputável, da sua negligência ou ainda de dificuldades técnicas com que este se deparou (acórdãos de 1 de outubro de 1998, Comissão/Espanha, C-71/97, Colet., p. I-5991, n.o 15, e de 4 de março de 2010, Comissão/Itália, já referido, n.o 82).

    64

    De qualquer modo, um Estado-Membro que se depare com dificuldades momentaneamente intransponíveis que o impeçam de dar cumprimento às obrigações resultantes do direito da União só pode invocar uma situação de força maior pelo período necessário à resolução dessas dificuldades (v., neste sentido, acórdão de 13 de dezembro de 2001, Comissão/França, C-1/00, Colet., p. I-9989, n.o 131).

    65

    Contudo, no caso em apreço, os argumentos avançados pela República Italiana são demasiado gerais e imprecisos para poderem constituir um caso de força maior que justifique o desrespeito dos valores-limite aplicáveis às concentrações de PM10 nas 55 zonas e aglomerações italianas visadas pela Comissão.

    66

    Por conseguinte, há que julgar a ação procedente nos limites referidos no n.o 56 do presente acórdão.

    67

    Face às considerações que precedem, há que declarar que, não tendo garantido, nos anos de 2006 e 2007, que as concentrações de PM10 no ar ambiente não excedessem os valores-limite estabelecidos no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 1999/30, nas 55 zonas e aglomerações italianas visadas na notificação para cumprir da Comissão, de 2 de fevereiro de 2009, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força desta disposição.

    Quanto às despesas

    68

    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 3, primeiro período, do mesmo regulamento, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas.

    69

    No presente litígio, há que ter em conta o facto de que a acusação da Comissão relativa ao incumprimento das obrigações decorrentes do artigo 5.o da Diretiva 1999/30, atual artigo 13.o da Diretiva 2008/50, no que se refere a 2005 e ao período posterior a 2007, foi declarada inadmissível.

    70

    Por conseguinte, há que condenar a Comissão e a República Italiana a suportarem as suas próprias despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

     

    1)

    Não tendo garantido, nos anos de 2006 e 2007, que as concentrações de PM10 no ar ambiente não excedessem os valores-limite estabelecidos no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 1999/30/CE do Conselho, de 22 de abril de 1999, relativa a valores-limite para o dióxido de enxofre, dióxido de azoto e óxidos de azoto, partículas em suspensão e chumbo no ar ambiente, nas 55 zonas e aglomerações italianas visadas na notificação para cumprir da Comissão Europeia, de 2 de fevereiro de 2009, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força desta disposição.

     

    2)

    A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

     

    3)

    A Comissão Europeia e a República Italiana suportarão, cada uma, as suas próprias despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: italiano.

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