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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62010CJ0571

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 24 de abril de 2012.
    Servet Kamberaj contra Istituto per l’Edilizia Sociale della Provincia autonoma di Bolzano (IPES) e o.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale di Bolzano.
    Espaço de liberdade, de segurança e de justiça ― Artigo 34.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ― Diretiva 2003/109/CE ― Estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração ― Direito à igualdade de tratamento no que diz respeito à segurança social, à assistência social e à proteção social ― Derrogação do princípio da igualdade de tratamento para as medidas relativas à assistência social e à proteção social ― Exclusão das ‘prestações sociais de base’ do âmbito de aplicação desta derrogação ― Regulamentação nacional que prevê uma ajuda à habitação para os arrendatários menos favorecidos ― Montante dos fundos destinados aos nacionais de países terceiros determinado em função de uma média ponderada diferente ― Indeferimento de um pedido de ajuda à habitação em virtude de o orçamento destinado aos nacionais de países terceiros estar esgotado.
    Processo C‑571/10.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2012:233

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    24 de abril de 2012 ( *1 )

    «Espaço de liberdade, de segurança e de justiça — Artigo 34.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Diretiva 2003/109/CE — Estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração — Direito à igualdade de tratamento no que diz respeito à segurança social, à assistência social e à proteção social — Derrogação do princípio da igualdade de tratamento para as medidas relativas à assistência social e à proteção social — Exclusão das ‘prestações sociais de base’ do âmbito de aplicação desta derrogação — Regulamentação nacional que prevê uma ajuda à habitação para os arrendatários menos favorecidos — Montante dos fundos destinados aos nacionais de países terceiros determinado em função de uma média ponderada diferente — Indeferimento de um pedido de ajuda à habitação em virtude de o orçamento destinado aos nacionais de países terceiros estar esgotado»

    No processo C-571/10,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Tribunale di Bolzano (Itália), por decisão de 24 de novembro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 7 de dezembro de 2010, no processo

    Servet Kamberaj

    contra

    Istituto per l’Edilizia sociale della Provincia autonoma di Bolzano (IPES),

    Giunta della Provincia autonoma di Bolzano,

    Provincia autonoma di Bolzano,

    sendo intervenientes:

    Associazione Porte Aperte/Offene Türen,

    Human Rights International,

    Associazione Volontarius,

    Fondazione Alexander Langer,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J. Malenovský e U. Lõhmus, presidentes de secção, A. Rosas, E. Levits, A. Ó Caoimh (relator), L. Bay Larsen, T. von Danwitz, A. Arabadjiev e E. Jarašiūnas, juízes,

    advogado-geral: Y. Bot,

    secretário: A. Impellizzeri, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 18 de outubro de 2011,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de S. Kamberaj, por F. Pinton e D. Simonato, avvocati,

    em representação da Provincia autonoma di Bolzano, por R. von Guggenberg, S. Beikircher, C. Bernardi e D. Ambach, Rechtsanwälte,

    em representação do Governo belga, por J-C. Halleux e C. Pochet, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo francês, por E. Belliard, G. de Bergues e B. Beaupère-Manokha, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por M. Condou-Durande e C. Cattabriga, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 13 de dezembro de 2011,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 2.° TUE, 6.° TUE, 18.° TFUE, 45.° TFUE e 49.° TFUE, 21.° e 34.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), bem como de disposições das Diretivas 2000/43/CE do Conselho, de 29 de junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica (JO L 180, p. 22), e 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44). O órgão jurisdicional de reenvio suscita igualmente questões relativas aos artigos 14.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), e 1.° do Protocolo n.o 12 à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinado em Roma, em 4 de novembro de 2000 (a seguir «Protocolo n.o 12»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe S. Kamberaj ao Istituto per l’Edilizia sociale della Provincia autonoma di Bolzano (Instituto para a habitação social da província autónoma de Bolzano, a seguir «IPES»), à Giunta della Provincia autonoma di Bolzano (Conselho provincial da província autónoma de Bolzano, a seguir «Giunta») e à Provincia autonoma di Bolzano (província autónoma de Bolzano) devido ao indeferimento pelo IPES do seu pedido de ajuda à habitação para o ano de 2009, com o fundamento de que o orçamento da Provincia autonoma di Bolzano previsto para a concessão desse tipo de ajuda aos nacionais de países terceiros estava esgotado.

    Quadro jurídico

    Regulamentação da União

    Diretiva 2000/43

    3

    Nos termos do seu artigo 1.o, a Diretiva 2000/43 «tem por objetivo estabelecer um quadro jurídico para o combate à discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica, com vista a pôr em prática nos Estados-Membros o princípio da igualdade de tratamento».

    4

    O artigo 2, n.os 1 e 2, desta diretiva dispõe:

    «1.   Para efeitos da presente diretiva, entende-se-por ‘princípio da igualdade de tratamento’ a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão da origem racial ou étnica.

    2.   Para os efeitos do n.o 1:

    a)

    Considera-se que existe discriminação direta sempre que, em razão da origem racial ou étnica, uma pessoa seja objeto de tratamento menos favorável que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

    b)

    Considera-se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra coloque pessoas de uma dada origem racial ou étnica numa situação de desvantagem comparativamente com outras pessoas, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificada por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários.»

    5

    O artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2000/43 prevê que esta «não inclui as diferenças de tratamento baseadas na nacionalidade e não prejudica as disposições e condições relativas à entrada e residência de nacionais de países terceiros e pessoas apátridas no território dos Estados-Membros, nem qualquer tratamento que decorra do estatuto jurídico dos nacionais de países terceiros e das pessoas apátridas em causa».

    6

    O artigo 15.o da mesma diretiva tem a seguinte redação:

    «Os Estados-Membros determinarão os regimes das sanções aplicáveis às violações das disposições nacionais adotadas em execução da presente diretiva e adotarão as medidas necessárias para assegurar a aplicação dessas disposições. As sanções, em que se pode incluir o pagamento de indemnizações à vítima, devem ser eficazes, proporcionais e dissuasivas. Os Estados-Membros notificarão tais disposições à Comissão até 19 de julho de 2003, e notificá-la-ão o mais rapidamente possível de qualquer posterior alteração às mesmas.»

    Diretiva 2003/109

    7

    O segundo a quarto, sexto, décimo segundo e décimo terceiro considerandos da Diretiva 2003/109 têm a seguinte redação:

    «(2)

    Aquando da reunião extraordinária de Tampere, de 15 e 16 de outubro de 1999, o Conselho Europeu proclamou que o estatuto jurídico dos nacionais de países terceiros deveria aproximar-se do estatuto dos nacionais dos Estados-Membros e que uma pessoa que resida legalmente num Estado-Membro, durante um período a determinar, e seja titular de uma autorização de residência de longa duração deveria beneficiar neste Estado-Membro de um conjunto de direitos uniformes tão próximos quanto possível dos que gozam os cidadãos da União Europeia.

    (3)

    A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, designadamente na [CEDH] e na [Carta].

    (4)

    A integração dos nacionais de países terceiros que sejam residentes de longa duração nos Estados-Membros constitui um elemento-chave para promover a coesão económica e social, que é um dos objetivos fundamentais da Comunidade consagrado no Tratado [CE].

    […]

    (6)

    O critério principal para a aquisição do estatuto de residente de longa duração deverá ser a duração da residência no território de um Estado-Membro. Esta residência deverá ter sido legal e ininterrupta a fim de comprovar o enraizamento da pessoa no país. […]

    […]

    (12)

    A fim de constituir um verdadeiro instrumento de integração na sociedade em que se estabeleceu o residente de longa duração, este deverá ser tratado em pé de igualdade com os cidadãos do Estado-Membro num amplo leque de domínios económicos e sociais, de acordo com as condições relevantes definidas na presente diretiva.

    (13)

    No que diz respeito à assistência social, a possibilidade de limitar o acesso dos residentes de longa duração às prestações sociais de base deverá ser entendida no sentido de que este conceito abrange, pelo menos, o rendimento mínimo de subsistência, a assistência em caso de doença, a gravidez, a assistência parental e os cuidados de longo prazo. As regras em matéria de concessão destas prestações deverão ser determinadas pela legislação nacional.»

    8

    O capítulo II da Diretiva 2003/109 diz respeito à concessão do estatuto de residente de longa duração num Estado-Membro.

    9

    Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, da mesma diretiva, que faz parte do referido capítulo II, os Estados-Membros devem conceder o estatuto de residente de longa duração aos nacionais de países terceiros que tenham residência legal e ininterrupta no seu território durante os cinco anos que antecedem imediatamente a apresentação do respetivo pedido.

    10

    O artigo 5.o da Diretiva 2003/109 prevê as condições para a aquisição do estatuto de residente de longa duração. Em conformidade com o n.o 1, alíneas a) e b), deste artigo, os Estados-Membros devem exigir ao nacional de um país terceiro que apresente provas de que este e os familiares a seu cargo dispõem, por um lado, de recursos estáveis e regulares que sejam suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social do Estado-Membro em causa, e, por outro lado, de um seguro de doença que cubra todos os riscos normalmente cobertos no Estado-Membro em questão para os próprios nacionais.

    11

    O n.o 2 do referido artigo 5.o dispõe que os Estados-Membros podem também exigir que os nacionais de países terceiros preencham condições de integração, em conformidade com o direito nacional.

    12

    Embora os Estados-Membros possam recusar, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109, a concessão do estatuto de residente de longa duração por razões de ordem pública ou de segurança pública, o n.o 2 do mesmo artigo enuncia que essa recusa não deve basear-se em razões económicas.

    13

    Em virtude do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109, a fim de obter o estatuto de residente de longa duração, o nacional de um país terceiro deve apresentar um pedido às autoridades competentes do Estado-Membro em que reside, acompanhado dos documentos comprovativos, conforme determinado na legislação nacional, de que preenche as condições enunciadas nos artigos 4.° e 5.° desta mesma diretiva.

    14

    O artigo 11.o, n.o 1, da referida diretiva tem a seguinte redação:

    «O residente de longa duração beneficia de igualdade de tratamento perante os nacionais em matéria de:

    […]

    d)

    Segurança social, assistência social e proteção social, tal como definidas na legislação nacional;

    […]

    f)

    Acesso a bens e serviços e ao fornecimento de bens e serviços à disposição do público, bem como aos procedimentos de obtenção de alojamento;

    […]»

    15

    O artigo 11.o, n.o 4, da mesma diretiva dispõe que «[o]s Estados-Membros podem limitar às prestações sociais de base a igualdade de tratamento no que diz respeito à assistência social e à proteção social».

    16

    O artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109 prevê que os Estados-Membros só podem tomar uma decisão de expulsão de um residente de longa duração se este representar uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública. O n.o 2 do mesmo artigo precisa que uma decisão de expulsão não deve basear-se em razões económicas.

    17

    Em conformidade com o artigo 26.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/109, os Estados-Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento a esta diretiva o mais tardar até 23 de janeiro de 2006.

    Legislação nacional

    Constituição italiana

    18

    Em virtude do artigo 117.o da Constituição italiana, o Estado só tem competência exclusiva para legislar em matéria de assistência social para efeitos da determinação dos níveis essenciais das prestações relativas aos direitos civis e sociais que devem ser garantidos em todo o território nacional. No que vai além deste objetivo, a competência é das regiões.

    Decreto Legislativo n.o 286/1998

    19

    O Decreto Legislativo n.o 3, de 8 de janeiro de 2007, que transpõe a Diretiva 2003/109/CE relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (GURI n.o 24, de 30 de janeiro de 2007, p. 4), integrou as disposições desta diretiva no âmbito das disposições do Decreto Legislativo n.o 286, de 25 de julho de 1998, que aprova o texto único das disposições sobre o regime da imigração e as normas sobre a condição de estrangeiro (suplemento ordinário do GURI n.o 191, de 18 de agosto de 1998, a seguir «Decreto Legislativo n.o 286/1998»).

    20

    O artigo 9.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 286/1998 dispõe:

    «O estrangeiro que seja titular, há pelo menos cinco anos, de uma autorização de residência válida, que demonstre dispor de um rendimento não inferior ao montante anual do subsídio social e, em caso de pedido relativo aos membros da sua família, de um rendimento suficiente […] e de habitação adequada que preencha as condições mínimas previstas nas [disposições pertinentes do direito nacional] pode pedir ao questore a emissão de uma autorização de residência CE para residentes de longa duração, para ele próprio e para os membros da sua família […]»

    21

    O artigo 9.o, n.o 12, do Decreto Legislativo n.o 286/1998 dispõe:

    «Para além das disposições previstas para os estrangeiros que residem regularmente em Itália, em território nacional, o titular de uma autorização de residência CE para residentes de longa duração pode:

    […]

    c)

    beneficiar das prestações de assistência social, de segurança social, das prestações em matéria sanitária, escolar e social e das relativas ao acesso a bens e serviços à disposição do público, incluindo o acesso ao procedimento para a obtenção de habitação social gerida pelas autoridades públicas, salvo disposição em contrário e sempre que seja demonstrado que o estrangeiro reside efetivamente no território nacional […]»

    Decreto Presidencial n.o 670/1972

    22

    Por força do artigo 3.o, terceiro parágrafo, do Decreto Presidencial n.o 670, de 31 de agosto de 1972, relativo ao estatuto especial previsto para a Região do Trentino-Alto Adige (GURI n.o 301, de 20 de novembro de 1972, a seguir «Decreto Presidencial n.o 670/1972»), que é um decreto de nível constitucional, a Provincia autonoma di Bolzano, atendendo à composição particular da sua população, repartida por três grupos linguísticos, a saber, os grupos que se exprimem em italiano, em alemão e em ladino (a seguir «três grupos linguísticos»), beneficia de condições de autonomia especiais.

    23

    Por força do artigo 8.o, ponto 25, do Decreto Presidencial n.o 670/1972, essa autonomia inclui, designadamente, o poder de adotar disposições de nível legislativo em matéria de assistência e de ajuda públicas.

    24

    O artigo 15.o, n.o 2, do Decreto Presidencial n.o 670/1972 prevê que a Provincia autonoma di Bolzano, salvo casos excecionais, utiliza as suas verbas destinadas a fins de assistência e a fins sociais e culturais na proporção direta da importância de cada um dos três grupos linguísticos e com referência às necessidades desses grupos.

    Lei provincial

    25

    No artigo 2.o, primeiro parágrafo, alínea k), da Lei Provincial n.o 13, de 17 de dezembro de 1998, na sua versão em vigor à data dos factos do litígio no processo principal (a seguir «lei provincial»), encontra-se prevista uma ajuda à habitação. Esta ajuda, que constitui uma contribuição para o pagamento da renda dos arrendatários mais desfavorecidos com o objetivo de lhes permitir obviar à mesma, é repartida pelos três grupos linguísticos em conformidade com o artigo 15.o, n.o 2, do Decreto Presidencial n.o 670/1972.

    26

    O artigo 5.o, n.o 1, da lei provincial dispõe que os fundos destinados às intervenções referidas no artigo 2.o, primeiro parágrafo, alínea k), da mesma lei devem ser repartidos pelos requerentes dos três grupos linguísticos na proporção da média ponderada entre a sua importância numérica e as necessidades de cada grupo. De acordo com o n.o 2 do mesmo artigo, as necessidades de cada grupo linguístico são determinadas anualmente com base nos pedidos apresentados nos últimos dez anos.

    27

    Resulta da decisão de reenvio que o cálculo da importância numérica de cada grupo linguístico é efetuado com base no último censo geral da população e nas declarações de pertença a um dos três grupos linguísticos que todos os nacionais italianos de idade superior a 14 anos que residam na Provincia autonoma di Bolzano são obrigados a fazer.

    28

    Os cidadãos da União que residam no território provincial, que aí exerçam uma atividade profissional e satisfaçam os outros requisitos a que está sujeita a concessão das ajudas à habitação devem, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 5, da lei provincial, apresentar uma declaração de pertença ou agregação a um dos três grupos linguísticos.

    29

    Por força do artigo 5.o, n.o 7, da lei provincial, a Giunta fixa anualmente o montante dos fundos a reservar aos nacionais de países terceiros e aos apátridas, que, à data da apresentação do seu pedido, residam de modo permanente e regular há, pelo menos, cinco anos no território da província e que tenham exercido nesse território uma atividade profissional durante pelo menos três anos. O número das habitações para arrendamento que podem ser atribuídas a esses nacionais de países terceiros e apátridas é determinado na proporção da média ponderada entre, por um lado, a importância numérica dos nacionais de países terceiros e apátridas que satisfaçam os critérios acima mencionados e, por outro, as suas necessidades.

    Deliberação n.o 1885

    30

    Resulta da Deliberação n.o 1885 da Giunta, de 20 de julho de 2009, relativa ao montante dos fundos destinados aos nacionais de países terceiros e aos apátridas para o ano de 2009 (a seguir «Deliberação n.o 1885»), que, na média ponderada, foi atribuído à sua importância numérica um coeficiente 5, enquanto às suas necessidades foi atribuído um coeficiente 1.

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    31

    S. Kamberaj é um nacional albanês residente e com emprego estável, desde 1994, na Provincia autonoma di Bolzano. Resulta da decisão de reenvio que é titular de uma autorização de residência por tempo indeterminado.

    32

    O recorrente no processo principal beneficiou, de 1998 a 2008, da ajuda à habitação prevista no artigo 2.o, primeiro parágrafo, alínea k), da lei provincial.

    33

    Por carta de 22 de março de 2010, o IPES informou o recorrente no processo principal do indeferimento do seu pedido de ajuda para o ano de 2009, com o fundamento de estar esgotado o montante orçamentado destinado aos nacionais de países terceiros, fixado em conformidade com a Deliberação n.o 1885.

    34

    Por recurso interposto em 8 de outubro de 2010, o recorrente no processo principal pediu ao Tribunale di Bolzano que declarasse que a referida decisão de indeferimento era constitutiva de uma discriminação contra ele exercida pelos recorridos no processo principal. Segundo o recorrente, uma regulamentação nacional como a prevista na lei provincial e na Deliberação n.o 1885 é incompatível, nomeadamente, com as Diretivas 2000/43 e 2003/109, na medida em que reserva aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração um tratamento menos favorável do que o previsto para os cidadãos da União no domínio da ajuda à habitação.

    35

    A Provincia autonoma di Bolzano defendeu no órgão jurisdicional de reenvio que é necessário prever uma repartição proporcional das ajudas pelos grupos linguísticos residentes nesta província, de forma a preservar a paz social entre as pessoas que requerem uma ajuda social.

    36

    O órgão jurisdicional de reenvio refere que, em virtude da lei provincial, a população residente da Provincia autonoma di Bolzano está repartida em duas categorias, a saber, os cidadãos da União, italianos ou não, para os quais o acesso à ajuda à habitação está indistintamente subordinado à apresentação da declaração de pertença a um dos três grupos linguísticos, e os nacionais de países terceiros, aos quais essa declaração não é exigida.

    37

    O mesmo órgão jurisdicional indica que, para satisfazer, em 2009, as exigências globais de acesso à habitação, em arrendamento ou em propriedade, foram aprovados créditos no montante global de 90812321,57 euros, dos quais 21546197,57 euros a título de ajuda à habitação e 69266124 euros a título de ajudas à aquisição, à construção e à renovação de habitações destinadas a servir de residência principal, para a primeira categoria acima mencionada, a saber, os cidadãos da União, italianos ou não, e créditos no montante global de 11604595 euros, dos quais 10200000 euros a título de ajuda à habitação e 1404595 euros a título de ajudas à aquisição, à construção e à renovação de habitações destinadas a servir de residência principal, para a segunda categoria, a saber, a constituída pelos nacionais de países terceiros.

    38

    Resulta da decisão de reenvio que o Tribunale di Bolzano reconheceu ao recorrente no processo principal, a título cautelar, o benefício da ajuda à habitação requerida correspondente aos meses de outubro de 2009 a junho de 2010, no valor de 453,62 euros por mês.

    39

    Considerando que a resolução do litígio que lhe foi submetido depende da interpretação do direito da União, o Tribunale di Bolzano decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    O princípio do primado [...] do direito da União impõe ao órgão jurisdicional nacional a aplicação plena e imediata das normas da União dotadas de eficácia direta, deixando de aplicar normas internas em conflito com o direito da União, mesmo se adotadas ao abrigo de princípios fundamentais da ordem constitucional do Estado-Membro?

    2)

    Em caso de conflito entre uma norma interna e a CEDH, a referência feita no artigo 6.o TUE à CEDH impõe ao órgão jurisdicional nacional a aplicação direta do artigo 14.o [da CEDH] e do artigo 1.o do [Protocolo n.o 12], deixando de aplicar a norma interna incompatível, sem dever previamente suscitar a questão da constitucionalidade perante o Tribunal Constitucional nacional?

    3)

    O direito da União, em particular os artigos 2.° [TUE] e 6.° [TUE], os artigos 21.° e 34.° da Carta e as Diretivas 2000/43[...] e 2003/109[...], opõe-se a uma legislação nacional (rectius, provincial) como a constante das disposições conjugadas do artigo 15.o, n.o [2], do [Decreto Presidencial] n.o 670/1972, dos artigos 1.° e 5.° da [lei provincial], bem como da [D]eliberação n.o 18[8]5 [...], na parte em que, para os benefícios considerados e, em particular, para o denominado ‘subsídio de habitação’, atribui relevância à nacionalidade, reservando aos trabalhadores residentes de longa duração que não sejam nacionais da União ou aos apátridas um tratamento menos favorável do que aos cidadãos residentes da União (italianos e não italianos)?

    Em caso de resposta afirmativa às questões anteriores:

    4)

    Em caso de violação de princípios gerais da União, como [o princípio da não] discriminação e [o princípio da] segurança jurídica, perante uma norma nacional de transposição que permite ao tribunal ‘ordenar a cessação do comportamento lesivo e adotar qualquer outra medida idónea, segundo as circunstâncias, [para pôr termo aos] efeitos da discriminação’, e impõe que seja ordenada ‘a cessação do comportamento, da conduta ou do ato discriminatório, se ainda subsistente, bem como a eliminação dos efeitos’ e permite ordenar, ‘a fim de impedir a sua repetição, dentro do prazo fixado na medida, um plano de eliminação das discriminações verificadas’, o artigo 15.o da Diretiva 2000/43[...], na parte em que prevê que as sanções devem ser eficazes, proporcionais e dissuasivas, deve ser interpretado no sentido de que abrange, entre as discriminações verificadas e os efeitos a eliminar, e para evitar igualmente discriminações inversas injustificadas, todas as violações [que afetam] os destinatários da discriminação, mesmo que não sejam partes no litígio?

    Em caso de resposta afirmativa à questão anterior:

    5)

    O direito da União, em particular os artigos 2.° [TUE] e 6.° TUE, os artigos 21.° e 34.° da Carta e as Diretivas 2000/43[...] e 2003/109[...], opõe-se a uma legislação nacional (rectius, provincial) que exige apenas aos [cidadãos não comunitários], mas não aos cidadãos comunitários (italianos e não italianos), colocados em plano de igualdade unicamente no que respeita à obrigação de residência no território da província [há mais de cinco] anos, o requisito adicional de [três] anos de atividade profissional para poderem beneficiar do subsídio de habitação?

    6)

    O direito da União, em particular os artigos 2.° [TUE] e 6.° TUE e os artigos 18.° [TFUE], 45.° [TFUE] e 49.° TFUE, em conjugação com os artigos 1.°, 21.° e 34.° da Carta, opõe-se a uma legislação nacional (rectius, provincial) que prevê para os cidadãos comunitários (italianos e não italianos) a obrigação de apresentarem a declaração ou agregação étnica a um dos três grupos linguísticos existentes no Alto Adige/Tirol do Sul para aceder ao benefício do subsídio de habitação?

    7)

    O direito da União, em particular os artigos 2.° [TUE] e 6.° TUE e os artigos 18.° [TFUE], 45.° [TFUE] e 49.° TFUE, em conjugação com os artigos 21.° e 34.° da Carta, opõe-se a uma legislação nacional (rectius, provincial) que impõe aos cidadãos comunitários (italianos e não italianos) a obrigação de residência ou de trabalho no território da província durante, pelo menos, [cinco] anos para aceder ao benefício do subsídio de habitação?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à admissibilidade da primeira e quarta a sétima questões

    40

    Importa recordar, a título preliminar, que, segundo jurisprudência assente, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, é da competência exclusiva do juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões colocadas digam respeito à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar-se (v., designadamente, acórdão de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C-212/04, Colet., p. I-6057, n.o 41 e jurisprudência referida).

    41

    Todavia, cabe ao Tribunal de Justiça analisar as condições em que os pedidos lhe são submetidos pelos órgãos jurisdicionais nacionais, para verificar a sua própria competência Com efeito, o espírito de colaboração que deve presidir ao funcionamento do reenvio prejudicial implica que, pelo seu lado, o juiz nacional tenha em consideração a função cometida ao Tribunal de Justiça, que é contribuir para a administração da justiça nos Estados-Membros, e não formular opiniões sobre questões gerais ou hipotéticas (v. acórdão Adeneler e o., já referido, n.o 42).

    42

    A este respeito, o indeferimento de um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se resultar de forma manifesta que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, ou ainda quando o problema é de natureza hipotética ou o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas (v. acórdão de 23 de novembro de 2006, Asnef-Equifax e Administración del Estado, C-238/05, Colet., p. I-11125, n.o 17).

    43

    É à luz destes princípios que o Tribunal de Justiça deve examinar a admissibilidade de determinadas questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

    Quanto à primeira questão

    44

    Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o princípio do primado do direito da União impõe ao juiz nacional a aplicação das disposições do direito da União dotadas de efeito direto, deixando de aplicar qualquer norma de direito nacional contrária a estas disposições, mesmo que essa norma tenha sido adotada ao abrigo de princípios fundamentais do sistema constitucional do Estado-Membro em causa.

    45

    Esta questão está relacionada com o princípio da proteção das minorias linguísticas, que é, segundo o órgão jurisdicional nacional, um princípio fundamental do sistema constitucional do referido Estado-Membro. Ora, no processo principal, este princípio é pertinente apenas relativamente aos nacionais italianos e aos cidadãos da União para os quais, como resulta dos n.os 26 a 28 do presente acórdão, o acesso à ajuda à habitação está indistintamente subordinado à apresentação de uma simples declaração de pertença a um dos três grupos linguísticos, não sendo essa declaração exigida aos nacionais de países terceiros, como o recorrente no processo principal.

    46

    Uma vez que a primeira questão visa, na realidade, que o Tribunal de Justiça formule uma opinião sobre uma questão geral relativa a uma situação que não tem qualquer relação com a realidade ou com o objeto do litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio, há que considerar esta questão inadmissível.

    Quanto à quarta questão

    47

    Com a quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 15.o da Diretiva 2000/43, que prevê que as sanções aplicáveis em caso de violação do princípio da não discriminação em razão da origem racial ou étnica devem ser eficazes, proporcionais e dissuasivas, impõe que o juiz nacional, quando declara a existência dessa violação, ordene a cessação de todas as violações que afetam as vítimas da discriminação, mesmo que estas não sejam partes no litígio.

    48

    No caso em apreço, resulta claramente da decisão de reenvio e das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça que a diferença de tratamento de que o recorrente no processo principal alega ter sido vítima em relação aos nacionais italianos se baseia no seu estatuto de nacional de um país terceiro.

    49

    Ora, em conformidade com os artigos 1.° e 2.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/43, esta é aplicável unicamente às discriminações, diretas ou indiretas, em razão da origem racial ou étnica. O artigo 3.o, n.o 2, desta diretiva precisa que não inclui as diferenças de tratamento baseadas na nacionalidade e não prejudica as disposições e condições relativas à entrada e residência de nacionais de países terceiros e pessoas apátridas no território dos Estados-Membros, nem qualquer tratamento que decorra do estatuto jurídico dos nacionais de países terceiros e das pessoas apátridas em causa.

    50

    Daqui decorre que a discriminação alegada pelo recorrente no processo principal não é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/43 e que a quarta questão é inadmissível.

    Quanto à quinta questão

    51

    Com a quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se as disposições do direito da União e, nomeadamente, das Diretivas 2000/43 e 2003/109 se opõem a uma legislação nacional ou regional que impõe apenas aos nacionais de países terceiros, mas não aos cidadãos da União, italianos ou não, um requisito adicional em relação à obrigação de residência no território da Provincia autonoma di Bolzano durante um período superior a cinco anos, segundo o qual se exige que os nacionais de países terceiros exerçam uma atividade profissional desde há três anos para poderem beneficiar da ajuda à habitação.

    52

    Importa recordar que, como resulta da decisão de reenvio, o litígio no processo principal tem por objeto a discriminação alegada pelo recorrente no processo principal resultante do mecanismo de repartição dos fundos destinados às ajudas à habitação previstas na lei provincial e na Deliberação n.o 1885.

    53

    No processo principal, é pacífico que o recorrente no processo principal preenchia o requisito imposto aos nacionais de países terceiros pelo artigo 5.o, n.o 7, da lei provincial, a saber, o requisito relativo à obrigação de ter exercido uma atividade profissional na Provincia autonoma di Bolzano durante um período mínimo de três anos, e que o seu pedido de ajuda à habitação não foi indeferido com o fundamento de que não preenchia esse requisito.

    54

    Nestas circunstâncias, cumpre referir que a quinta questão, que não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio, deve ser julgada inadmissível.

    Quanto à sexta e sétima questões

    55

    Com a sexta e sétima questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o direito da União e, nomeadamente, os artigos 2.° TUE, 6.° TUE, 18.° TFUE, 45.° TFUE e 49.° TFUE, lidos em conjugação com os artigos 1.°, 21.° e 34.° da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional ou regional que impõe aos cidadãos da União, para poderem beneficiar da ajuda à habitação prevista nessa regulamentação, a obrigação, por um lado, de residirem ou de exercerem uma atividade profissional no território da Provincia autonoma di Bolzano há pelo menos cinco anos e, por outro, de apresentar uma declaração de pertença ou de agregação a um dos três grupos linguísticos presentes neste território.

    56

    A este respeito, importa recordar que, como resulta dos n.os 31 e 52 do presente acórdão, o recorrente no processo principal, nacional de um país terceiro, reside, desde há vários anos, no território da Provincia autonoma di Bolzano e que o litígio no processo principal tem por objeto o indeferimento do seu pedido de ajuda à habitação com o fundamento de que estava esgotado o orçamento previsto para os nacionais de países terceiros e já não estavam disponíveis os fundos necessários ao pagamento desta ajuda aos referidos nacionais.

    57

    O órgão jurisdicional de reenvio não demonstrou a razão pela qual a invalidade, com fundamento no direito da União, dos requisitos de residência ou linguísticos impostos aos cidadãos da União para poderem beneficiar da ajuda à habitação prevista na regulamentação adotada pela Provincia autonoma di Bolzano pode ter uma relação com a realidade e o objeto litígio que lhe foi submetido.

    58

    Nestas circunstâncias, há que considerar que a sexta e sétima questões submetidas pelo referido órgão jurisdicional são inadmissíveis.

    Quanto ao mérito

    Quanto à segunda questão

    59

    Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, em caso de conflito entre uma norma de direito nacional e a CEDH, a referência feita a esta última no artigo 6.o TUE impõe que o juiz nacional aplique diretamente as disposições desta Convenção, no caso em apreço, o artigo 14.o desta e o artigo 1.o do Protocolo n.o 12, deixando de aplicar a norma de direito nacional incompatível, sem dever previamente suscitar a questão da constitucionalidade perante a Corte costituzionale.

    60

    Em conformidade com o artigo 6.o, n.o 3, TUE, do direito da União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a [CEDH] e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros.

    61

    Esta disposição do Tratado UE traduz a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça segundo a qual os direitos fundamentais são parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdão de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C-521/09 P, Colet., p. I-8947, n.o 112).

    62

    Contudo, o artigo 6.o, n.o 3, TUE não regula a relação entre a CEDH e as ordens jurídicas dos Estados-Membros e também não determina as consequências que o juiz nacional deve tirar em caso de conflito entre os direitos garantidos por esta Convenção e uma norma de direito nacional.

    63

    Por conseguinte, há que responder à segunda questão que a referência que o artigo 6.o, n.o 3, TUE faz à CEDH não impõe que o juiz nacional, em caso de conflito entre uma norma de direito nacional e a CEDH, aplique diretamente as disposições da referida Convenção, deixando de aplicar a norma de direito nacional incompatível com esta.

    Quanto à terceira questão

    64

    Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o direito da União, nomeadamente as Diretivas 2000/43 e 2003/109, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional ou regional como a que está em causa no processo principal que prevê, no que respeita à concessão de ajuda à habitação, um tratamento para os nacionais de países terceiros residentes de longa duração diferente do reservado aos cidadãos da União, quer se trate de nacionais italianos ou não, que residam no território da Provincia autonoma di Bolzano.

    65

    Pelas razões já expostas nos n.os 48 a 50 do presente acórdão, a discriminação alegada pelo recorrente no processo principal não é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/43.

    66

    No que respeita à Diretiva 2003/109, importa recordar, a título preliminar, que o regime estabelecido por esta indica claramente que a aquisição do estatuto de residente de longa duração atribuído ao abrigo desta diretiva está sujeita a um procedimento específico e, além disso, à obrigação de preencher os requisitos previstos no capítulo II da mesma diretiva.

    67

    Assim, o artigo 4.o da Diretiva 2003/109 prevê que os Estados-Membros reservarão a atribuição do estatuto de residente de longa duração aos nacionais de países terceiros que tenham residência legal e ininterrupta no seu território durante os cinco anos que antecedem imediatamente a apresentação do respetivo pedido. O artigo 5.o desta diretiva subordina a aquisição deste estatuto à prova de que o nacional de um país terceiro que requer o benefício deste estatuto dispõe de recursos suficientes e de um seguro de doença. Por último, o artigo 7.o da mesma diretiva precisa as exigências de caráter processual necessárias à obtenção do referido estatuto.

    68

    Nestas circunstâncias, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se o recorrente no processo principal é titular do estatuto de residente de longa duração, para que possa solicitar, ao abrigo da referida diretiva, o benefício da igualdade de tratamento em relação aos nacionais do Estado-Membro em causa, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 1, desta.

    69

    Assim, há que verificar se um mecanismo de repartição dos fundos destinados às ajudas à habitação como o que está em causa no processo principal é conforme com o princípio da igualdade de tratamento consagrado no artigo 11.o da Diretiva 2003/109.

    ¾ Quanto à diferença de tratamento e à comparabilidade das situações em causa

    70

    Em primeiro lugar, observe-se que, no processo principal, tanto em relação aos cidadãos da União, italianos ou não, como aos nacionais de países terceiros, a lei provincial reparte os fundos destinados às ajudas à habitação com base numa média ponderada determinada a partir da importância numérica de cada categoria e das necessidades desta.

    71

    Todavia, enquanto no que toca aos nacionais italianos e os cidadãos da União — para os quais, como resulta dos n.os 26 a 28 do presente acórdão, o acesso à ajuda à habitação está indistintamente subordinado à apresentação de uma declaração de pertença a um dos três grupos linguísticos — é atribuído o mesmo coeficiente aos dois fatores levados em conta na determinação da média ponderada, a saber, o coeficiente 1, no que se refere aos nacionais de países terceiros, em virtude da Deliberação n.o 1885, foi atribuído à sua importância numérica o coeficiente 5, enquanto às suas necessidades foi atribuído o coeficiente 1.

    72

    Como resulta da decisão de reenvio, a partir de 2009, a determinação da parte dos fundos atribuídos, a título de ajuda à habitação, aos cidadãos da União, por um lado, e aos nacionais de países terceiros, por outro, foi, por conseguinte, objeto de um modo de cálculo diferente. A aplicação de coeficientes diferentes tem por efeito desfavorecer a categoria composta pelos nacionais de países terceiros, visto que o orçamento disponível para satisfazer os seus pedidos de ajuda à habitação é mais reduzido, e corre o risco, portanto, de se esgotar mais rapidamente do que o afetado aos cidadãos acima referidos.

    73

    Assim, importa salientar que o diferencial entre os coeficientes relativos à importância numérica dos nacionais de países terceiros, por um lado, e dos cidadãos da União, italianos ou não, pertencentes aos três grupos linguísticos, por outro, cria uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de beneficiários.

    74

    Quanto à comparação entre os cidadãos da União, italianos ou não, e os nacionais de países terceiros, a Provincia autonoma di Bolzano alega que a utilização de mecanismos diferentes para determinar a importância numérica destas duas categorias ou para quantificar as necessidades das mesmas demonstra que estas não se encontram numa situação comparável.

    75

    Todavia, mesmo admitindo que existam dificuldades estatísticas ou administrativas, como alega a Provincia autonoma di Bolzano, para gerir os pedidos de ajudas à habitação apresentados, nomeadamente, por nacionais de países terceiros, estas dificuldades não explicam a razão pela qual a situação desses nacionais, uma vez que adquiriram o estatuto concedido pela Diretiva 2003/109, cumpriram o procedimento e os requisitos previstos nesta diretiva e não dispõem de recursos suficientes para fazer face às despesas relativas à habitação, não é comparável à de um cidadão da União que tenha a mesma necessidade económica.

    ¾ Quanto à diferença de tratamento à luz do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109

    76

    Em segundo lugar, importa verificar se — o que a Provincia autonoma di Bolzano contesta — a diferença de tratamento assim constatada é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2003/109, em particular do seu artigo 11.o, cujo n.o 1, alínea d), prevê para os residentes de longa duração o benefício da igualdade de tratamento em matéria de segurança social, assistência social e proteção social, tal como estes conceitos estão definidos na legislação nacional.

    77

    A este respeito, há que recordar que, quando o legislador da União remete expressamente para a legislação nacional, como é o caso do artigo 11.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/109, não compete ao Tribunal de Justiça dar aos termos em causa uma definição autónoma e uniforme de acordo com o direito da União (v., neste sentido, acórdão de 18 de janeiro de 1984, Ekro, 327/82, Recueil, p. 107, n.o 14). Com efeito, essa remissão implica que o legislador da União pretendeu respeitar as diferenças que subsistem entre os Estados-Membros quanto à definição e ao alcance exato dos conceitos em causa.

    78

    Todavia, a falta de uma definição autónoma e uniforme, nos termos do direito da União, dos conceitos de segurança social, de assistência social e de proteção social e a remissão para o direito nacional, que figura no artigo 11.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/109, relativo aos referidos conceitos, não implicam que os Estados-Membros possam prejudicar o efeito útil da Diretiva 2003/109 quando da aplicação do princípio da igualdade de tratamento previsto neste artigo.

    79

    Resulta do terceiro considerando da Diretiva 2003/109 que esta respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, designadamente, na Carta, a qual, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TUE, tem o mesmo valor jurídico que os Tratados. Nos termos do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, as suas disposições têm por destinatários os Estados-Membros quando estes aplicam o direito da União.

    80

    Daqui decorre que, ao determinar as medidas de segurança social, assistência social e proteção social definidas pela sua legislação nacional e sujeitas ao princípio da igualdade de tratamento consagrado no artigo 11.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/109, os Estados-Membros devem respeitar os direitos e observar os princípios previstos na Carta, designadamente os enunciados no artigo 34.o desta. Nos termos do n.o 3 deste último artigo, a fim de lutar contra a exclusão social e a pobreza, a União, e, portanto, os Estados-Membros quando aplicam o direito desta última, «reconhece e respeita o direito a uma assistência social e a uma ajuda à habitação destinadas a assegurar uma existência condigna a todos aqueles que não disponham de recursos suficientes, de acordo com o direito da União e com as legislações e práticas nacionais».

    81

    Uma vez que tanto o artigo 11.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/109 como o artigo 34.o, n.o 3, da Carta se referem ao direito nacional, compete ao órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta o objetivo de integração prosseguido por esta diretiva, apreciar se uma ajuda à habitação como a que está prevista na lei provincial é abrangida por uma das categorias previstas no referido artigo 11.o, n.o 1, alínea d), o que a Provincia autonoma di Bolzano contesta.

    ¾ Quanto ao artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109

    82

    Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio pode considerar que a ajuda à habitação em causa no processo principal é abrangida pelo artigo 11.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/109, há que examinar, em terceiro lugar, se a Provincia autonoma di Bolzano tem a faculdade, como defende, de limitar a aplicação do princípio da igualdade de tratamento consagrado no referido artigo 11.o, n.o 1, em aplicação do n.o 4 deste mesmo artigo.

    83

    A este respeito, importa recordar que esta disposição prevê que os Estados-Membros podem limitar às prestações sociais de base a igualdade de tratamento no que diz respeito à assistência social e à proteção social. O artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109 não permite, em contrapartida, uma derrogação do referido princípio no que diz respeito às prestações da segurança social, tal como definida na legislação nacional.

    84

    Resulta do décimo terceiro considerando da referida diretiva que o conceito de benefícios ou de prestações sociais de base abrange, pelo menos, o rendimento mínimo de subsistência, a assistência em caso de doença, a gravidez, a assistência parental e os cuidados de longo prazo. As regras em matéria de concessão destas prestações deverão ser determinadas, nos termos deste considerando, pela legislação nacional.

    85

    Antes de mais, observe-se que a lista enunciada neste décimo terceiro considerando e que ilustra o conceito de «prestações sociais de base» previstas no artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109 não é exaustiva, como demonstra a utilização da expressão «pelo menos». O facto de não ser feita nenhuma referência expressa neste considerando às ajudas à habitação não implica, portanto, que estas não constituam prestações sociais de base às quais deve ser aplicado necessariamente o princípio da igualdade de tratamento.

    86

    Em seguida, saliente-se que, sendo a regra geral a integração dos nacionais de países terceiros instalados de forma duradoura nos Estados-Membros e o direito destes nacionais ao benefício da igualdade de tratamento nos domínios enumerados no artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109, a derrogação prevista no n.o 4 do mesmo artigo deve ser interpretada em termos estritos (v., por analogia, acórdão de 4 de março de 2010, Chakroun, C-578/08, Colet., p. I-1839, n.o 43).

    87

    A este respeito, importa salientar que uma autoridade pública, a nível nacional, regional ou local, só pode invocar a derrogação prevista no artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109 se as instâncias competentes no Estado-Membro em causa para a aplicação desta diretiva tiverem manifestado claramente que pretendiam invocar esta derrogação.

    88

    Não resulta dos autos no Tribunal de Justiça que a República Italiana tenha manifestado a intenção de recorrer à derrogação do princípio da igualdade de tratamento prevista no artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109.

    89

    Por último, há que salientar que a remissão para o direito nacional efetuada no décimo terceiro considerando da referida diretiva se limita às regras em matéria de concessão das prestações em causa, a saber, a determinação dos requisitos de acesso, o nível dessas prestações e os procedimentos correspondentes.

    90

    O sentido e o alcance do conceito de «prestações sociais de base» constante do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109 devem, pois, ser determinados tendo em conta o contexto no qual se inscreve este artigo e o objetivo prosseguido por esta diretiva, a saber, a integração dos nacionais de países terceiros que residem legalmente e de forma duradoura nos Estados-Membros.

    91

    O artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109 deve ser entendido no sentido de que permite que os Estados-Membros limitem a igualdade de tratamento de que beneficiam os titulares do estatuto concedido pela Diretiva 2003/109, com exceção das prestações de assistência social ou de proteção social concedidas pelas autoridades públicas, a nível nacional, regional ou local, que contribuam para permitir que os indivíduos façam face às suas necessidades elementares como a alimentação, a habitação e a saúde.

    92

    A este respeito, há que recordar que, em conformidade com o artigo 34.o da Carta, a União reconhece e respeita o direito a uma assistência social e a uma ajuda à habitação destinadas a assegurar uma existência condigna a todos aqueles que não disponham de recursos suficientes. Daqui decorre que, na medida em que a ajuda em causa no processo principal cumpre a finalidade enunciada no referido artigo da Carta, não se pode considerar, no direito da União, que não faz parte das prestações sociais de base na aceção do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109. Compete ao órgão jurisdicional nacional extrair as conclusões necessárias, levando em consideração a finalidade desta ajuda, o seu montante, as condições da sua concessão e a posição desta ajuda no regime de assistência social italiano.

    93

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que o artigo 11.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/109 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional ou regional, como a que está em causa no processo principal, que prevê, no que se refere à concessão de uma ajuda à habitação, um tratamento diferente para um nacional de um país terceiro beneficiário do estatuto de residente de longa duração concedido em conformidade com as disposições desta diretiva em relação ao reservado aos nacionais que residem na mesma província ou região quando da repartição dos fundos destinados à referida ajuda, na medida em que essa ajuda seja abrangida por uma das três categorias previstas nessa disposição e não seja aplicável o n.o 4 do mesmo artigo.

    Quanto às despesas

    94

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

     

    1)

    A primeira e quarta a sétima questões submetidas pelo Tribunale di Bolzano no processo C-571/10 são julgadas inadmissíveis.

     

    2)

    A referência que o artigo 6.o, n.o 3, TUE faz à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, não impõe que o juiz nacional, em caso de conflito entre uma norma de direito nacional e esta Convenção, aplique diretamente as disposições da referida Convenção, deixando de aplicar a norma de direito nacional incompatível com esta.

     

    3)

    O artigo 11.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional ou regional, como a que está em causa no processo principal, que prevê, no que se refere à concessão de uma ajuda à habitação, um tratamento diferente para um nacional de um país terceiro beneficiário do estatuto de residente de longa duração concedido em conformidade com as disposições desta diretiva em relação ao reservado aos nacionais que residem na mesma província ou região quando da repartição dos fundos destinados à referida ajuda, na medida em que essa ajuda seja abrangida por uma das três categorias previstas nesta disposição e não seja aplicável o n.o 4 do mesmo artigo.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: italiano.

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