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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62010CJ0185

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 29 de março de 2012.
Comissão Europeia contra República da Polónia.
Incumprimento de Estado — Diretiva 2001/83/CE — Artigos 5.° e 6.° — Especialidades farmacêuticas — Medicamentos para uso humano — Autorização de introdução no mercado — Regulamentação de um Estado‑Membro que dispensa uma autorização de introdução no mercado de medicamentos similares, mas com um preço inferior a medicamentos autorizados.
Processo C‑185/10.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2012:181

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

29 de março de 2012 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Diretiva 2001/83/CE — Artigos 5.° e 6.° — Especialidades farmacêuticas — Medicamentos para uso humano — Autorização de introdução no mercado — Regulamentação de um Estado-Membro que dispensa uma autorização de introdução no mercado de medicamentos similares, mas com um preço inferior a medicamentos autorizados»

No processo C-185/10,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, entrada em 13 de abril de 2010,

Comissão Europeia, representada por M. Šimerdová e K. Herrmann, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República da Polónia, representada por M. Szpunar, na qualidade de agente,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, E. Juhász, G. Arestis, T. von Danwitz e D. Šváby (relator), juízes,

advogado-geral: N. Jääskinen,

secretário: K. Malacek, administrador,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 29 de setembro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1

Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao adotar e manter em vigor o artigo 4.o da Lei sobre os medicamentos (Prawo farmaceutyczne), de 6 de setembro de 2001, conforme alterada pela Lei de 30 de março de 2007 (Dz. U. n.o 75, posição 492, a seguir «lei sobre os medicamentos»), na medida em que esta disposição legal dispensa de uma autorização de introdução no mercado (a seguir «AIM») medicamentos provenientes do estrangeiro que apresentem as mesmas substâncias ativas, a mesma dosagem e a mesma forma que os que obtiveram uma AIM na Polónia, desde que, nomeadamente, o preço dos medicamentos importados seja concorrencial em relação ao dos produtos que obtiveram tal autorização, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO L 311, p. 67), conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 1394/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007 (JO L 324, p. 121, a seguir «Diretiva 2001/83»).

Quadro jurídico

Direito da União

2

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83:

«A presente diretiva aplica-se aos medicamentos para uso humano destinados a serem colocados no mercado dos Estados-Membros e preparados industrialmente ou em cujo fabrico intervenha um processo industrial.»

3

O artigo 5.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

«De acordo com a legislação em vigor e a fim de responder a necessidades especiais, um Estado-Membro pode excluir das disposições da presente diretiva os medicamentos fornecidos para satisfazer um pedido de boa fé não solicitado (‘pedido de uso compassivo’), elaborados de acordo com as especificações de um profissional de saúde autorizado e destinados a um doente determinado sob a sua responsabilidade pessoal direta.»

4

O artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da referida diretiva estipula:

«Não pode ser introduzido um medicamento no mercado de um Estado-Membro sem que para tal tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado-Membro uma autorização de introdução no mercado, em conformidade com a presente diretiva, ou sem que tenha sido concedida uma autorização em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 726/2004 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (JO L 136, p. 1,] em conjugação com [o Regulamento n.o 1394/2007].»

Direito nacional

5

O artigo 4.o da lei sobre os medicamentos tem a seguinte redação:

«1.   Sem prejuízo do previsto nos n.os 3 e 4, os medicamentos importados do estrangeiro podem ser introduzidos no mercado sem necessidade de obter uma autorização para esse fim, se a sua utilização for necessária para salvar a vida ou proteger a saúde de um doente, desde que a comercialização do medicamento em causa tenha sido autorizada no país do qual foi importado e o medicamento tenha uma autorização de introdução no mercado atualizada.

2.   A importação de um medicamento prevista no n.o 1 deve ser justificada pela necessidade manifestada pelo hospital ou pelo médico assistente, confirmada por um médico da especialidade em questão.

3.   Os seguintes medicamentos não podem ser introduzidos no mercado nos termos do n.o 1:

1)

aqueles a que o Ministro responsável pelos assuntos de saúde tenha recusado a introdução no mercado ou a prorrogação do prazo de validade da autorização em causa, ou retirado uma autorização; e

2)

os que contenham a mesma substância ativa ou as mesmas substâncias ativas, a mesma dosagem e a mesma forma que medicamentos que obtiveram uma autorização, sem prejuízo do disposto no n.o 3a.

3a.   A regra do n.o 3, ponto 2, não se aplicará aos medicamentos visados no n.o 1 cujo preço seja concorrencial relativamente ao dos medicamentos que obtiveram autorização nos termos do artigo 3.o, n.os 1 ou 2, desde que a sua necessidade tenha sido manifestada por um médico do seguro de doença e confirmada por um médico da especialidade em questão, e que o Ministro responsável pelos assuntos de saúde tenha aprovado, por meio de decisão, a importação desses produtos.

4.   Os medicamentos visados no n.o 1 que, tendo em conta a segurança da sua utilização ou a dimensão da importação, necessitem de uma autorização de introdução no mercado nos termos do artigo 3.o, n.o 1, também não podem ser introduzidos no mercado.

5.   As farmácias, grossistas e hospitais que vendam medicamentos visados no n.o 1 manterão um registo desses produtos.

6.   Com base no referido registo, o grossista farmacêutico deverá enviar ao Ministro responsável pelos assuntos de saúde, no prazo de 10 dias a contar do termo de cada trimestre, uma lista dos medicamentos importados.»

Procedimento pré-contencioso

6

Por considerar que o artigo 4.o da lei sobre os medicamentos era contrário ao disposto no artigo 6.o da Diretiva 2001/83 na medida em que permitia a introdução no mercado de determinados medicamentos desprovidos de autorização para esse efeito, a Comissão dirigiu uma notificação para cumprir à República da Polónia em 6 de junho de 2008.

7

O referido Estado-Membro respondeu a essa notificação para cumprir através de carta de 30 de julho de 2008, nos termos da qual contestou a existência de qualquer violação do direito da União.

8

Não subscrevendo as justificações apresentadas pela República da Polónia, a Comissão emitiu, em 26 de junho de 2009, um parecer fundamentado convidando esse Estado-Membro a tomar as medidas necessárias para lhe dar cumprimento num prazo de dois meses a contar da sua receção.

9

Por carta de 26 de agosto de 2009, a República da Polónia respondeu a essa notificação que as acusações da Comissão eram desprovidas de fundamento uma vez que a conformidade do artigo 4.o da lei sobre os medicamentos com o direito da União se podia justificar com base no disposto no artigo 5.o da Diretiva 2001/83.

10

Uma vez que a resposta da República da Polónia não convenceu a Comissão, esta decidiu propor a presente ação.

Quanto à ação

Argumentos das partes

11

A Comissão sustenta que as disposições combinadas do artigo 4.o, n.os 1, 3, ponto 2, e 3a, da lei sobre os medicamentos violam o artigo 6.o da Diretiva 2001/83 na medida em que permitem introduzir no mercado polaco, sem autorização nacional, medicamentos importados do estrangeiro quase idênticos aos já autorizados no referido mercado desde que esses medicamentos estrangeiros apresentem um preço «concorrencial» em relação ao preço dos medicamentos que obtiveram autorização nacional.

12

A Comissão considera que a Diretiva 2001/83 não prevê a possibilidade de introduzir no mercado medicamentos atendendo ao seu preço «concorrencial», quando não tenham obtido, além disso, a autorização, visada no artigo 6.o da referida diretiva, emitida pelas autoridades nacionais ou em conformidade com o procedimento centralizado previsto pelo Regulamento n.o 726/2004.

13

Segundo a Comissão, o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 permite derrogar, no que respeita a um dado medicamento, a exigência relativa à detenção de uma AIM nacional quando se tratar de um medicamento fornecido em razão de uma encomenda individual específica e que, por não se encontrar no mercado nacional, necessita de ser importado, mas não pode, em contrapartida, justificar uma derrogação baseada em razões de natureza financeira.

14

A Comissão acrescenta que a possibilidade oferecida pela legislação polaca não se limita à importação de medicamentos necessários no quadro do tratamento de perturbações específicas de que padeçam determinados doentes em particular, mas diz respeito, nomeadamente, aos medicamentos utilizados para o tratamento de pessoas que não podem abandonar os locais em que lhes são prestados os cuidados, de forma que a derrogação em questão é suscetível de visar os doentes de todo um setor hospitalar ou a comercialização grossista. Sublinha, além disso, que o n.o 3a do artigo 4.o da lei sobre os medicamentos não menciona o parecer médico respeitante a esse caso individual, mas unicamente a «necessidade […] manifestada por um médico do seguro de doença». Essa disposição não autoriza, portanto, a importação de um medicamento em quantidade limitada, de maneira a cobrir apenas necessidades individuais, mas a importação, em maior escala, de medicamentos cujo preço seja «concorrencial» em relação ao dos medicamentos disponíveis no mercado nacional.

15

A Comissão sublinha que a sua acusação não incide na totalidade das disposições do artigo 4.o da lei sobre os medicamentos, mas unicamente no «levantamento» da proibição prevista no artigo 4.o, n.o 3, ponto 2, desta lei, baseado na existência de um «preço concorrencial». O n.o 3a do artigo 4.o da referida lei permite a introdução no mercado polaco, sem autorização emitida pelas autoridades nacionais, tanto de medicamentos equivalentes estrangeiros menos onerosos, isto é, medicamentos genéricos, como de medicamentos idênticos comercializados em outros países a preços inferiores aos praticados no mercado polaco. Nesse caso, é apenas o critério do preço inferior que permite o levantamento da proibição estabelecida no artigo 4.o, n.o 3, ponto 2, da lei sobre os medicamentos.

16

A República da Polónia contesta a procedência da alegação de incumprimento. Sustenta que o artigo 4.o desta lei, que permite, em condições bem definidas, importar determinados medicamentos no quadro do procedimento de «importação circunscrita», é conforme com a derrogação prevista no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83.

17

Centrando-se no caráter concorrencial do preço, a Comissão ignora as condições que decorrem de uma análise global do artigo 4.o da lei sobre os medicamentos. A aplicação da exceção que figura nesse artigo está subordinada às seguintes condições:

que a utilização do medicamento seja indispensável para a sobrevivência ou para a saúde do doente (n.o 1);

que o medicamento cuja importação está prevista exista no mercado estrangeiro e que aí beneficie, a esse título, de uma AIM válida (n.o 1);

que a importação do medicamento seja efetuada em função da necessidade do hospital ou do médico assistente (n.o 2);

que essa necessidade seja confirmada por um médico da especialidade em questão (n.o 2);

que as farmácias, grossistas e hospitais que põem em circulação esses medicamentos mantenham um registo para esse efeito (n.o 5);

que sejam cumpridas as exigências de segurança de utilização do medicamento (n.o 4 a contrario);

que não seja aplicado o procedimento normal para autorizar a introdução no mercado previsto pela lei sobre os medicamentos, isto é, uma AIM, tendo em conta o caráter limitado da importação (n.o 4 a contrario); e

que, no que diz respeito ao medicamento cuja importação esteja prevista, o Ministro da Saúde não tenha recusado a AIM ou o prolongamento do prazo de validade desta nem retirado a sua autorização (n.o 3, ponto 1).

18

A República da Polónia alega que a sua regulamentação nacional prevê condições suplementares, mais rigorosas que as fixadas no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83, para a importação de medicamentos que contenham a mesma ou as mesmas substâncias ativas, a mesma dosagem e a mesma forma que medicamentos que tenham obtido a AIM. Assim, o artigo 4.o da lei sobre os medicamentos exclui, em princípio, a possibilidade de importar tais medicamentos, salvo se o seu preço for concorrencial em relação ao preço do medicamento que obteve a AIM e desde que, por um lado, a necessidade manifestada pelo médico do seguro de doença seja atestada por um médico da especialidade em causa e, por outro, que o Ministro competente em matéria de saúde tenha decidido expressamente autorizar a importação.

19

A República da Polónia sustenta que o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 não prevê uma condição de indisponibilidade do medicamento no mercado nacional entendida como a inexistência de «equivalente» registado do medicamento.

20

A derrogação, prevista no artigo 4.o, n.o 1, da lei sobre os medicamentos, à exigência da obtenção de uma AIM baseia-se não no preço vantajoso do medicamento no estrangeiro, mas na necessidade de importar um medicamento quando seja indispensável para a sobrevivência ou para a saúde de um doente. Este objetivo preenche a condição relativa à satisfação de necessidades especiais prevista no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83.

21

No tocante à afirmação da Comissão segundo a qual o artigo 4.o desta lei permite a importação na Polónia de medicamentos em grande escala, podendo provocar potencialmente a entrada no mercado nacional de um número importante de produtos farmacêuticos provenientes de países terceiros, a República da Polónia observa que, segundo o artigo 4.o, n.o 4, da referida lei, «os medicamentos […] que, tendo em conta a segurança da sua utilização ou a dimensão da importação, necessitem de uma autorização de introdução no mercado nos termos do artigo 3.o, n.o 1, também não podem ser introduzidos no mercado».

22

A República da Polónia sublinha que o regulamento do Ministro da Saúde de 18 de abril de 2005 respeitante à importação de medicamentos que não possuem AIM e que são indispensáveis para a sobrevivência ou para a saúde do doente prevê que o pedido de importação de um medicamento deve, em todos os casos, indicar o nome próprio, o apelido e a idade do doente, o seu endereço, o seu número PESEL (número de identificação de residente polaco) e os dados respeitantes ao fundo nacional de segurança social. Esse pedido deve também especificar o nome do medicamento, a sua forma farmacêutica e a sua dosagem, a quantidade do medicamento cuja importação está prevista assim como indicações relativas à duração do tratamento para um doente particular. Só em casos excecionais, quando não for possível determinar os dados do doente no momento da sua admissão no hospital, essas especificações poderão ser substituídas pela fórmula «por necessidades imediatas». No entanto, nesse caso, o hospital é obrigado a fornecer ao Ministro da Saúde, dentro de um prazo de 30 dias após o fim do tratamento, um resumo dos dados dos doentes que beneficiaram desse tratamento, bem como as doses administradas.

23

Resulta do artigo 4.o, n.o 3a, da lei sobre os medicamentos que a necessidade será sempre verificada pelo médico assistente de um doente particular, esteja esse médico ligado ou não a um hospital. Além disso, o médico assistente deverá assinar o pedido e atestar que tem consciência de que está a encomendar um medicamento não autorizado a ser posto em circulação no território polaco e de que é responsável pela utilização desse medicamento.

24

A República da Polónia sustenta que a eventual decisão de importar um medicamento no quadro do seguro de doença pode ser ditada por considerações de ordem financeira, a saber, a necessidade de garantir o equilíbrio financeiro do regime nacional de seguro de doença. Recorda a este propósito que, segundo o artigo 168.o, n.o 7, TFUE, o direito da União não prejudica a competência dos Estados-Membros para organizarem os seus sistemas de segurança social e para adotarem, em particular, disposições destinadas a regular o consumo de produtos farmacêuticos no interesse do equilíbrio financeiro dos seus regimes de seguro de cuidados de saúde. Da mesma forma, sublinha que o artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 2001/83 prevê que o disposto nesta diretiva não afeta as competências das autoridades dos Estados-Membros, nem em matéria de fixação dos preços dos medicamentos nem no que se refere à sua inclusão no âmbito de aplicação dos sistemas nacionais de seguro de doença, com base em condições sanitárias, económicas e sociais.

25

Por último, a República da Polónia alega, por um lado, que o artigo 4.o, n.o 3a, da lei sobre os medicamentos é utilizado em casos raros e excecionais e, por outro, que o critério de base para autorizar a importação de um medicamento é a segurança do doente, bem como a preocupação de lhe garantir uma possibilidade real de obter o tratamento indispensável para a sua sobrevivência ou para a sua saúde, constituindo o caráter concorrencial do preço desse tratamento em relação ao dos medicamentos equivalentes registados na Polónia apenas uma condição suplementar. Dado que numerosos doentes dispõem apenas de meios financeiros limitados, a importação de um medicamento equivalente, mas menos oneroso, é a única possibilidade de tratar essas pessoas, ou mesmo, de lhes salvar a vida, o que satisfaz certamente a condição relativa à necessidade de «responder a necessidades especiais» prevista pela Diretiva 2001/83.

Apreciação do Tribunal

26

A título preliminar, deve salientar-se que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 prevê que nenhum medicamento pode ser introduzido no mercado de um Estado-Membro sem que para tal tenha sido emitida uma AIM pela autoridade competente desse Estado-Membro, em conformidade com esta diretiva, ou sem que tenha sido concedida uma autorização emitida em conformidade com o procedimento centralizado previsto pelo Regulamento n.o 726/2004 para os medicamentos referidos no anexo deste.

27

Esta exigência visa atingir os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2001/83, a saber, por um lado, eliminar os obstáculos às trocas comerciais de medicamentos entre os Estados-Membros e, por outro, proteger a saúde pública (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Antroposana e o., C-84/06, Colet., p. I-7609, n.o 36). Como salientou o advogado-geral nos n.os 19 a 21 das suas conclusões, o procedimento harmonizado de AIM permite um acesso ao mercado em condições economicamente racionais e não discriminatórias, garantindo ao mesmo tempo a requerida proteção da saúde pública.

28

A Diretiva 2001/83 prevê, todavia, derrogações a essa regra geral, consagrada no seu artigo 6.o, n.o 1. É dado assente que só a derrogação visada no artigo 5.o, n.o 1, desta diretiva é pertinente no caso em apreço.

29

Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, da referida diretiva, a fim de responder a necessidades especiais, um Estado-Membro pode excluir do âmbito da sua aplicação os medicamentos fornecidos para satisfazer um pedido de boa fé não solicitado, elaborados de acordo com as especificações de um profissional de saúde autorizado e destinados aos seus doentes particulares, sob a sua responsabilidade pessoal direta.

30

Como resulta da letra dessa disposição, a aplicação da derrogação que a mesma prevê está subordinada à reunião de um conjunto de condições cumulativas.

31

A fim de interpretar essa disposição, deve ter-se em conta que, de um modo geral, as disposições que têm o caráter de derrogação a um princípio devem, segundo jurisprudência constante, ser interpretadas de forma estrita (v., designadamente, neste sentido, acórdão de 18 de março de 2010, Erotic Center, C-3/09, Colet., p. I-2361, n.o 15 e jurisprudência referida).

32

Mais especificamente, no tocante à derrogação visada no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83, o Tribunal de Justiça já sublinhou que a possibilidade de importação de medicamentos não autorizados, prevista por uma legislação nacional no uso da faculdade conferida por essa disposição, deve permanecer excecional a fim de preservar o efeito útil do procedimento de AIM (v., neste sentido, acórdão de 8 de novembro de 2007, Ludwigs-Apotheke, C-143/06, Colet., p. I-9623, n.os 33 e 35).

33

Como expôs o advogado-geral no n.o 34 das suas conclusões, a faculdade que decorre do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 de excluir a aplicação das disposições desta diretiva só pode ser exercida, portanto, em caso de necessidade, tendo em conta as necessidades especiais dos doentes. Uma interpretação diferente seria contrária ao objetivo de proteção da saúde pública, que é alcançado através da harmonização das normas relativas aos medicamentos, em especial, as que regulam a AIM.

34

O conceito de «necessidades especiais», visado no artigo 5.o, n.o 1, desta diretiva, refere-se unicamente a situações individuais justificadas por considerações de ordem médica e pressupõe que o medicamento seja necessário para responder às necessidades dos doentes.

35

Da mesma forma, a exigência de que os medicamentos sejam fornecidos para satisfazer um «pedido de boa fé não solicitado» significa que o medicamento deve ter sido prescrito pelo médico no termo de um exame efetivo dos seus doentes e baseando-se em considerações puramente terapêuticas.

36

Resulta do conjunto das condições enunciadas no artigo 5.o, n.o 1, da referida diretiva, lidas à luz dos objetivos essenciais desta mesma diretiva, nomeadamente o que tem a ver com a proteção da saúde pública, que a derrogação prevista nessa disposição só pode dizer respeito a situações em que o médico considera que o estado de saúde dos seus doentes particulares requer a administração de um medicamento do qual não existe equivalente autorizado no mercado nacional ou que se encontra indisponível nesse mercado.

37

Quando medicamentos com as mesmas substâncias ativas, a mesma dosagem e a mesma forma que os que o médico assistente considera dever prescrever para tratar os seus doentes já estão autorizados e disponíveis no mercado nacional, não se pode, com efeito, falar de «necessidades especiais», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83, que requerem uma derrogação à exigência de uma AIM prevista pelo artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva.

38

Considerações de ordem financeira não podem, por si só, conduzir a reconhecer a existência de tais necessidades especiais suscetíveis de justificar a aplicação da derrogação prevista no artigo 5.o, n.o 1, da referida diretiva.

39

Ora, no caso vertente, embora as partes estejam em desacordo, em vários aspetos, quanto à interpretação da lei sobre os medicamentos, não é, todavia, contestado que as disposições combinadas dos n.os 1, 3, ponto 2, e 3a do artigo 4.o da referida lei permitem a introdução no mercado polaco, sem AIM, de medicamentos provenientes do estrangeiro, incluindo de países terceiros, que contenham as mesmas substâncias, a mesma dosagem e a mesma forma que medicamentos já autorizados na Polónia quando o seu preço for concorrencial em relação ao dos medicamentos autorizados.

40

Impõe-se reconhecer que, nesta medida, a lei sobre os medicamentos não satisfaz as condições do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83, como acima especificadas.

41

Com efeito, embora o artigo 4.o, n.o 3, ponto 2, desta lei exclua a importação, sem AIM, de medicamentos que contenham a mesma ou as mesmas substâncias ativas, a mesma dosagem e a mesma forma que medicamentos que obtiveram essa autorização na Polónia, o n.o 3a do referido artigo introduz, todavia, uma exceção a essa regra, baseada não na indisponibilidade efetiva do medicamento autorizado no território nacional, mas no preço «concorrencial», isto é, menos elevado, do medicamento equivalente. A interpretação do artigo 4.o da lei sobre os medicamentos no seu conjunto, como sustentada pela República da Polónia, não poder infirmar esta conclusão, uma vez que não põe em causa a existência dessa exceção.

42

Essas disposições permitem, assim, a importação e a introdução no mercado nacional, sem AIM, de medicamentos que não são necessários para satisfazer necessidades especiais de natureza médica.

43

Daqui decorre que a exceção prevista no artigo 4.o, n.o 3a, da lei sobre os medicamentos não preenche as condições exigidas para beneficiar da derrogação prevista no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83.

44

Nenhum dos outros argumentos invocados pela República da Polónia poderá pôr em causa esta conclusão.

45

O argumento desse Estado-Membro segundo o qual as disposições desta lei, em particular o seu artigo 4.o, n.o 3a, impõem condições suplementares, mais rigorosas que as exigidas pelo artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83, assenta numa leitura errada desta última disposição, pois esta não permite a introdução de medicamentos no mercado sem AIM, quando estejam disponíveis medicamentos equivalentes autorizados no mercado nacional, como resulta dos n.os 40 e 41 do presente acórdão. Ora, o artigo 4.o, n.o 3a, da lei sobre os medicamentos permite tal introdução no mercado, desde que algumas outras condições estejam preenchidas. Assim, contrariamente ao que sustenta a República da Polónia, essa disposição não se limita a impor condições mais rigorosas, mas cria uma exceção à proibição de introdução no mercado em circunstâncias não previstas no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83.

46

Deve igualmente rejeitar-se o argumento desse Estado-Membro segundo o qual a importação e a introdução no mercado nacional de um medicamento mais barato que o medicamento equivalente que obteve a AIM podem ser justificadas por considerações de ordem financeira, na medida em que sejam necessárias tanto para garantir o equilíbrio financeiro do regime nacional de segurança social como para permitir a doentes que apenas dispõem de meios financeiros limitados aceder aos cuidados de que têm necessidade.

47

Cumpre recordar, a este propósito, antes de mais, que, embora o direito da União não prejudique a competência dos Estados-Membros para organizarem os seus sistemas de segurança social e para adotar, em particular, disposições destinadas a regular o consumo de produtos farmacêuticos no interesse do equilíbrio financeiro dos seus regimes de seguro de cuidados de saúde, os Estados-Membros devem, todavia, respeitar o direito da União no exercício dessa competência (acórdão de 2 de abril de 2009, A. Menarini Industrie Farmaceutiche Riunite e o., C-352/07 a C-356/07, C-365/07 a C-367/07 e C-400/07, Colet., p. I-2495, n.os 19 e 20).

48

Há que sublinhar, em seguida, que o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 não diz respeito à organização de um regime de cuidados de saúde ou ao seu equilíbrio financeiro, mas constitui uma disposição derrogatória específica, de interpretação estrita, aplicável em casos excecionais em que há que responder a necessidades especiais de natureza médica.

49

Por último, os Estados-Membros permanecem competentes para fixar o preço dos medicamentos e o seu nível de reembolso pelo sistema nacional de seguro de doença, com base nas condições sanitárias, económicas e sociais, como resulta do artigo 4.o, n.o 3, desta diretiva.

50

O artigo 5.o, n.o 1, da mesma diretiva não pode, por isso, ser invocado para justificar uma derrogação da exigência de uma AIM fundada em razões de ordem financeira.

51

Resulta do exposto que a ação é procedente.

52

Por conseguinte, cumpre declarar que, ao adotar e manter em vigor o artigo 4.o da lei sobre os medicamentos, na medida em que esta disposição legal dispensa de uma AIM medicamentos provenientes do estrangeiro que apresentem as mesmas substâncias ativas, a mesma dosagem e a mesma forma que os que obtiveram uma AIM na Polónia, desde que, nomeadamente, o preço desses medicamentos importados seja concorrencial em relação ao dos produtos que obtiveram tal autorização, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o da Diretiva 2001/83.

Quanto às despesas

53

Por força do artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República da Polónia e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

 

1)

Ao adotar e manter em vigor o artigo 4.o da Lei sobre os medicamentos (Prawo farmaceutyczne), de 6 de setembro de 2001, conforme alterada pela Lei de 30 de março de 2007, na medida em que esta disposição legal dispensa de uma autorização de introdução no mercado medicamentos provenientes do estrangeiro que apresentem as mesmas substâncias ativas, a mesma dosagem e a mesma forma que os que obtiveram uma autorização de introdução no mercado na Polónia, desde que, nomeadamente, o preço desses medicamentos importados seja concorrencial em relação ao dos produtos que obtiveram tal autorização, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 1394/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007.

 

2)

A República da Polónia é condenada nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.

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