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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62009CJ0399

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 22 de Junho de 2011.
Marie Landtová contra Česká správa socialního zabezpečení.
Pedido de decisão prejudicial: Nejvyšší správní soud - República Checa.
Livre circulação de trabalhadores - Segurança social - Convenção em matéria de segurança social celebrada por dois Estados-Membros antes da respectiva adesão à União Europeia - Estado-Membro competente para avaliar os períodos de seguro cumpridos - Pensão de velhice - Complemento de prestação exclusivamente atribuído aos nacionais de um Estado-Membro que aí residem.
Processo C-399/09.

Colectânea de Jurisprudência 2011 I-05573

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2011:415

Processo C‑399/09

Marie Landtová

contra

Česká správa socialního zabezpečení

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Nejvyšší správní soud)

«Livre circulação de trabalhadores – Segurança social – Convenção em matéria de segurança social celebrada por dois Estados‑Membros antes da respectiva adesão à União Europeia – Estado‑Membro competente para avaliar os períodos de seguro cumpridos – Pensão de velhice – Complemento de prestação exclusivamente atribuído aos nacionais de um Estado‑Membro que aí residem»

Sumário do acórdão

1.        Segurança social dos trabalhadores migrantes – Regulamentação comunitária – Convenção concluída entre a República Checa e a República Eslovaca antes da respectiva adesão a título da divisão da República Federativa Checa e Eslovaca – Pensão de velhice – Tomada em consideração dos períodos de seguro cumpridos antes da divisão

[Regulamento n.° 1408/71 do Conselho, anexo III, parte A, ponto 6, e artigo 7.°, n.° 2, alínea c)]

2.        Segurança social dos trabalhadores migrantes – Igualdade de tratamento – Regulamentação de um Estado‑Membro que só permite o pagamento de um complemento de prestação de velhice aos seus nacionais que residam no seu território – Inadmissibilidade – Efeitos

(Regulamento n.° 1408/71 do Conselho, artigos 3.°, n.° 1, e 10.°)

1.        As disposições do ponto 6 da parte A do Anexo III do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, na sua versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 629/2006, conjugadas com o artigo 7.°, n.° 2, alínea c), do mesmo diploma, não se opõem a uma norma nacional que prevê o pagamento de um complemento de prestação de velhice quando o valor desta, definido ao abrigo do artigo 20.° da Convenção bilateral entre a República Checa e a República Eslovaca, celebrada em 29 de Outubro de 1992, a título das medidas destinadas a regular a situação após a divisão, em 31 de Dezembro de 1992, da República Federativa Checa e Eslovaca, é inferior ao que receberia se a pensão de reforma tivesse sido calculada de acordo com as normas do direito da República Checa.

Com efeito, como um tal ajustamento só se verifica quando o montante da prestação de velhice é superior ao que resulta das disposições da Convenção, não se trata da atribuição de uma prestação de velhice checa paralela nem de uma dupla contabilização de um mesmo período de seguro, mas apenas de colmatar uma diferença, objectivamente verificada, entre prestações de origem diferente.

(cf. n.os 37‑38, 40, disp. 1)

2.        As disposições conjugadas dos artigos 3.°, n.° 1, e 10.° do Regulamento n.° 1408/71, na sua versão alterada e actualizada pelo Regulamento n.° 118/97, conforme alterado pelo Regulamento n.° 629/2006, opõem‑se a uma norma nacional que permite o pagamento de um complemento de prestação de velhice apenas aos nacionais checos que residam no território da República Checa, sem que isso implique necessariamente, na perspectiva do direito da União, que devam ser privadas desse complemento as pessoas que satisfaçam esses dois requisitos.

Com efeito, essa regra cria uma discriminação directa fundada da nacionalidade e, além disso, define um requisito de residência que afecta essencialmente os trabalhadores migrantes que residem no território de outros Estados‑Membros que não aquele de onde são originários. Viola, portanto, o princípio da igualdade de tratamento, conforme enunciado no referido artigo 3.°, n.° 1, que proíbe não só as discriminações ostensivas, baseadas na nacionalidade dos beneficiários dos regimes de segurança social, mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que, por aplicação de outros critérios de distinção, conduzam de facto ao mesmo resultado.

No que respeita às consequências práticas para as pessoas prejudicadas na sequência da aplicação dessa regra, enquanto não forem adoptadas medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento, o respeito do princípio da igualdade só pode ser assegurado pela concessão, às pessoas da categoria desfavorecida, das mesmas vantagens de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada, regime este que, na falta da aplicação correcta do direito da União, é o único sistema de referência válido. No que respeita às implicações para as pessoas que pertencem à categoria favorecida por essa discriminação, embora o direito da União não se oponha, sem prejuízo do respeito pelos seus princípios gerais, a medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento através da redução das regalias das pessoas anteriormente privilegiadas, contudo, anteriormente à adopção de tais medidas, nada no direito da União obriga a que se prive do complemento de protecção social a categoria de pessoas que dele já beneficia.

(cf. n.os 43‑44, 46, 49, 51, 53‑54, disp. 2)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

22 de Junho de 2011 (*)

«Livre circulação de trabalhadores – Segurança social – Convenção em matéria de segurança social celebrada por dois Estados‑Membros antes da respectiva adesão à União Europeia – Estado‑Membro competente para avaliar os períodos de seguro cumpridos – Pensão de velhice – Complemento de prestação exclusivamente atribuído aos nacionais de um Estado‑Membro que aí residem»

No processo C‑399/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Nejvyšší správní soud (República Checa), por decisão de 23 de Setembro de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 16 de Outubro de 2009, no processo

Marie Landtová

contra

Česká správa sociálního zabezpečení,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, K. Schiemann (relator), L. Bay Larsen, A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: K. Malaček, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 25 de Novembro de 2010,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de M. Landtová, por V. Vejvoda, advokát,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek e D. Hadroušek, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo eslovaco, por B. Ricziová, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por K. Walkerová e V. Kreuschitz, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de Março de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 12.° CE, dos artigos 3.°, n.° 1, 7.°, n.° 2, alínea c), 10.° e 46.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 629/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril de 2006 (JO L 114, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1408/71»), e da parte A, ponto 6, do Anexo III do Regulamento n.° 1408/71.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe M. Landtová, nacional da República Checa que reside nesse Estado‑Membro, à Česká správa sociálního zabezpečení (administração da segurança social checa, a seguir «správa») a propósito do montante da pensão de reforma parcial que esta última lhe atribuiu.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos do oitavo considerando do Regulamento n.° 1408/71:

«[C]onsiderando que convém subordinar os trabalhadores assalariados e não assalariados que se deslocam no interior da Comunidade ao regime de segurança social de um único Estado‑Membro, por forma a evitar a cumulação de legislações nacionais aplicáveis e os problemas que daí podem decorrer».

4        O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71 estabelece que «[a]s pessoas às quais se aplicam as disposições do presente regulamento estão sujeitas às obrigações e beneficiam da legislação de qualquer Estado‑Membro, nas mesmas condições que os nacionais deste Estado, sem prejuízo das disposições especiais constantes do presente regulamento».

5        O artigo 6.° deste mesmo regulamento enuncia:

«No que respeita ao seu âmbito de aplicação pessoal e material, o presente [r]egulamento substitui, sem prejuízo do disposto nos artigos 7.°, 8.° e n.° 4 do artigo 46.°, qualquer convenção da segurança social que vincule:

a)      [...] exclusivamente dois ou mais Estados‑Membros;

[...]»

6        O artigo 7.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 1408/71 dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no artigo 6.° continuam a ser aplicáveis:

[...]

c)      Determinadas disposições de convenções em matéria de segurança social celebradas pelos Estados‑Membros antes da data de aplicação do presente regulamento, desde que sejam mais favoráveis para os beneficiários ou resultem de circunstâncias históricas específicas e tenham efeitos limitados no tempo e se estiverem enumeradas no Anexo III.»

7        Nos termos do artigo 10.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1408/71:

«Salvo disposição contrária do presente [r]egulamento, as prestações [de] velhice […] adquirid[as] ao abrigo da legislação de um ou de mais Estados‑Membros não podem sofrer qualquer redução, modificação, suspensão, supressão ou confisco, pelo facto de o beneficiário residir no território de um Estado‑Membro que não seja aquele em que se encontra a instituição devedora.»

8        O Anexo III deste regulamento, intitulado «Disposições de convenções de segurança social que continuam a ser aplicáveis sem prejuízo do artigo 6.° do regulamento – Disposições de convenções de segurança social cujo benefício não é extensivo a todas as pessoas às quais se aplica o regulamento», na sua parte A, ponto 6, sob a epígrafe «República Checa – Eslováquia», mantém em vigor, inter alia, o artigo 20.° da Convenção bilateral entre a República Checa e a República Eslovaca, celebrada em 29 de Outubro de 1992, a título das medidas destinadas a regular a situação após a divisão, em 31 de Dezembro de 1992, da República Federativa Checa e Eslovaca (a seguir «Convenção»).

 Convenção

9        O artigo 20.°, n.° 1, da Convenção determina que «os períodos de seguro cumpridos até ao dia da divisão da República Federativa Checa e Eslovaca serão considerados períodos de seguro cumpridos no Estado contratante em cujo território o empregador do interessado tinha a sua sede no dia da divisão da República Federativa Checa e Eslovaca ou na data mais recente anterior a esse dia».

 Direito nacional

10      Nos termos do artigo 89.°, n.° 2, da Constituição da República Checa (Lei orgânica n.° 1/1993), «as decisões executórias do [Ústavní soud] são vinculativas para todas as autoridades e pessoas».

11      Nos termos do artigo 28.° da Lei n.° 155/1995 relativa ao seguro de reforma, «o segurado tem direito a uma pensão de reforma quando tiver cumprido o período de seguro necessário e atingido a idade fixada e, sendo caso disso, quando preencher outros requisitos estabelecidos na presente lei».

12      O Ústavní soud (Tribunal Constitucional), por decisão de 25 de Janeiro de 2005 (III. ÚS 252/04, a seguir «decisão do Ústavní soud»), considerou que o artigo 20.°, n.° 1, da Convenção devia ser interpretado no sentido de que, «quando um nacional da República Checa preenche os requisitos legais para ter direito a uma prestação e, de acordo com a legislação nacional (checa), o montante desse direito seja superior ao do direito decorrente [da Convenção], cabe à [správa] assegurar o pagamento do montante correspondente à prestação mais elevada ao abrigo da legislação nacional, isto é, decidir aumentar o montante da pensão pago pela outra parte, tendo presente o montante da pensão paga em conformidade com [a Convenção] pela outra parte contratante, de modo a evitar o pagamento em duplicado de duas pensões do mesmo tipo concedidas pelas mesmas razões por duas [instituições de segurança social] diferentes».

13      A acrescer ao requisito da nacionalidade checa, o Ústavní soud subordinou o benefício das referidas regras de cálculo a outro requisito cumulativo, a saber, o de o requerente da prestação ter a sua residência no território da República Checa.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      M. Landtová, nacional checa que reside no território da República Checa, trabalhou, de 1964 até 31 de Dezembro de 1992, no território da República Federativa Checa e Eslovaca. Após a divisão desse Estado, trabalhou até 31 de Agosto de 1993 no território da República Eslovaca, e em seguida, a partir de 1 de Setembro de 1993, no território da República Checa.

15      Em 20 de Junho de 2006, a správa atribuiu a M. Landtová uma pensão de reforma parcial (a seguir «prestação de velhice») com efeitos a partir de 31 de Março de 2006.

16      A správa fixou o montante da prestação de velhice nos termos do artigo 20.° da Convenção e chegou à conclusão de que o período de seguro cumprido por M. Landtová até 31 de Dezembro de 1992 devia ser valorizado ao abrigo do regime de segurança social eslovaco dado que o seu empregador tinha a sua sede no território da República Eslovaca.

17      Em 14 de Agosto de 2006, M. Landtová impugnou no Městský soud v Praze (Tribunal da cidade de Praga) o montante da prestação de velhice que lhe havia sido atribuído, por considerar que a správa não contabilizou a totalidade dos períodos de seguro que cumprira.

18      Em 23 de Maio de 2007, o Městský soud v Praze anulou a decisão da správa fundando‑se na decisão do Ústavní soud, segundo a qual, quando um nacional checo preenche os requisitos legais para ter direito a uma prestação de velhice e a legislação nacional lhe confere direito a uma prestação de montante superior ao obtido ao abrigo da Convenção, a správa tem a obrigação de garantir a cobrança de um montante correspondente à prestação mais elevada. Assim, o Městský soud v Praze chegou à conclusão de que a prestação de velhice paga a M. Landtová pela správa devia ser ajustada de forma a atingir o montante a que a recorrente no processo principal teria direito de tivesse cumprido a globalidade do período de seguro antes de 31 de Dezembro de 1992 sob o regime de segurança social da República Checa.

19      A správa interpôs recurso de anulação desta decisão para o Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo).

20      Em 16 de Janeiro de 2008, o Nejvyšší správní soud anulou a decisão proferida pelo Městský soud v Praze e remeteu‑lhe o processo para que procedesse à sua reapreciação. O Nejvyšší správní soud tem dúvidas quanto à compatibilidade da decisão do Ústavní soud e do tratamento preferencial assim concedido aos nacionais checos com o princípio da igualdade de tratamento, enunciado no artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71.

21      O Městský soud v Praze confirmou a sua posição e considerou, fundando‑se na referida decisão do Ústavní soud, que a správa devia ajustar o montante da prestação de velhice paga à recorrente no processo principal de forma a atingir o montante a que teria direito se tivesse estado sempre inscrita no regime de segurança social checo.

22      A správa interpôs novo recurso de anulação para o Nejvyšší správní soud no qual alegou que a obrigação de apenas ajustar as prestações de velhice das pessoas de nacionalidade checa que residem no território da República Checa, cujo período de seguro cumprido à época da República Federativa Checa e Eslovaca é valorizado nos termos do artigo 20.° da Convenção, contraria o princípio da igualdade de tratamento consagrado no artigo 3.° do Regulamento n.° 1408/71. Além disso, essa obrigação também implicava que fossem tomados em consideração os períodos de seguro eslovacos para efeitos do cálculo do montante da prestação de velhice checa, quando o artigo 12.° do Regulamento n.° 1408/71 proíbe a dupla contabilização de um mesmo período.

23      Segundo o Nejvyšší správní soud, a správa, por força da decisão do Ústavní soud, tem de considerar os períodos de seguro que o requerente da prestação cumpriu sob o regime de segurança social da República Federativa Checa e Eslovaca, não obstante a competência de que dispõe a este respeito, nos termos do artigo 20.° da Convenção, a instituição de segurança social eslovaca. Proceder deste modo podia implicar não só a alteração do critério de determinação do Estado competente para contabilizar os períodos de seguro em causa mas também uma dupla contabilização de um mesmo período de seguro.

24      Embora o órgão jurisdicional de reenvio não conteste o facto de M. Landtová cumprir todos os requisitos prévios para que se verifique o ajustamento do montante da prestação de velhice, considera contudo contrário ao artigo 12.° CE e ao artigo 3.° do Regulamento n.° 1408/71 o requisito da nacionalidade checa que, devido à sua própria natureza, prejudica os nacionais dos outros Estados‑Membros que cumpram os outros requisitos da atribuição do direito à prestação em causa. A questão da compatibilidade do requisito de residência com o artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71 também se coloca.

25      Foi nestas circunstâncias que o Nejvyšší správní soud decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O ponto 6 do Anexo III, parte A, em conjugação com o artigo 7.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento [n.° 1408/71], nos termos do qual o critério de determinação do Estado sucessor competente para ter em conta os períodos de seguro cumpridos pelos trabalhadores assalariados até 31 de Dezembro de 1992 no sistema de segurança social da antiga República Federativa Checa e Eslovaca continua a ser aplicável, deve ser interpretado no sentido de que obsta à aplicação de uma norma de direito nacional de acordo com a qual, para efeitos de constituição do direito a uma prestação e da determinação do respectivo montante, uma instituição de segurança social checa deve ter em conta todo o período de seguro cumprido no território da antiga República Federativa Checa e Eslovaca até 31 de Dezembro de 1992, embora, de acordo com o referido critério, a instituição competente para esse efeito seja uma instituição de segurança social da República Eslovaca?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão, o artigo 12.° [CE], em conjugação com os artigos 3.°, n.° 1, 10.° e 46.° do Regulamento [n.° 1408/71], deve ser interpretado no sentido de que obsta a que o período de seguro cumprido no sistema de segurança social da antiga República Federativa Checa e Eslovaca até 31 de Dezembro de 1992, que já foi tido em conta uma vez, na mesma medida, para efeitos das prestações no sistema de segurança social da República Eslovaca, seja, em conformidade com o disposto na referida norma nacional, tido em conta na totalidade, para efeitos da constituição do direito à prestação de velhice e da determinação do respectivo montante, unicamente em relação aos nacionais da República Checa que residem no seu território?»

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

26      A República Eslovaca formula algumas dúvidas quanto à admissibilidade das questões submetidas ao alegar que a interpretação do princípio da não discriminação solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio é irrelevante para a decisão da causa no processo principal e não tem nenhuma relação com a realidade ou o objecto do litígio, pois M. Landtová cumpre todos os requisitos prévios para obter o pagamento do complemento da prestação de velhice checa, como definidos na decisão do Ústavní soud, e não é, portanto, objecto de nenhuma discriminação.

27      A este respeito, recorde‑se que, segundo jurisprudência constante, compete apenas ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdão de 15 de Junho de 2006, Acereda Herrera, C‑466/04, Colect., p. I‑5341, n.° 47).

28      Por conseguinte, na medida em que as questões colocadas versam sobre a interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (v., neste sentido, acórdãos de 13 de Março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98, Colect., p. I‑2099, n.° 38, e de 10 de Março de 2009, Hartlauer, C‑169/07, Colect., p. I‑1721, n.° 24). Não é o que acontece, nomeadamente, quando o problema submetido ao Tribunal de Justiça é puramente hipotético ou quando a interpretação de uma regra da União ou a apreciação da sua validade, solicitada pelo órgão jurisdicional nacional, não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal (v., neste sentido, acórdãos de 9 de Novembro de 2010, Volker und Markus Schecke e Eifert, C‑92/09 e C‑93/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 40).

29      Ora, como sublinhou o advogado‑geral no n.° 30 das suas conclusões, não é este o caso. Embora M. Landtová beneficie da aplicação da decisão do Ústavní soud, essa decisão foi posta em causa tanto pela správa como pelo órgão jurisdicional de reenvio.

30      Assim, há que julgar admissível o pedido de decisão prejudicial.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

31      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se as disposições do ponto 6 da parte A do Anexo III do Regulamento n.° 1408/71, conjugadas com o artigo 7.°, n.° 2, alínea c), do mesmo diploma, se opõem a uma norma de direito nacional, como a em causa no processo principal, que prevê o pagamento de um complemento de prestação de velhice quando o valor desta, definido ao abrigo do artigo 20.° da Convenção, é inferior ao que receberia se a pensão de reforma tivesse sido calculada de acordo com as normas do direito da República Checa.

32      Recorde‑se que as referidas disposições do Regulamento n.° 1408/71 têm o efeito de manter em vigor o artigo 20.° da Convenção, que estabelece que o critério para a determinação do regime aplicável e da autoridade competente para atribuir as prestações de segurança social é o do país de residência do empregador no momento em que se deu a divisão da República Federativa Checa e Eslovaca.

33      Resulta da decisão de reenvio que a primeira questão submetida tem a sua origem em preocupações ligadas ao risco de a aplicação da decisão do Ústavní soud conduzir a uma dupla tomada em consideração do mesmo período de seguro e alterar o critério que resulta do referido artigo 20.° da Convenção.

34      Segundo o Ústavní soud, como resulta dos elementos do processo submetidos ao Tribunal de Justiça, o artigo 20.° da Convenção deve ser interpretado no sentido de que a správa é obrigada, quando um nacional checo preencha os requisitos legais para ter direito à pensão cujo montante, de acordo com o direito checo, é superior ao previsto pela Convenção, a garantir que o montante da pensão de reforma que recebe atinge o montante correspondente ao direito superior fixado pela legislação nacional e, por conseguinte, a eventualmente completar o montante da pensão de reforma pago pela outra parte contratante. A správa também é obrigada considerar a pensão de reforma paga pela outra parte contratante em conformidade com a Convenção, a fim de evitar a obtenção em duplicado de duas pensões de reforma da mesma natureza, concedidas pelas mesmas razões por duas instituições de segurança social diferentes.

35      Resulta claramente da jurisprudência do Ústavní soud que a regra da repartição de competências entre as instituições de segurança social checa e eslovaca no que respeita à tomada em consideração dos períodos de seguro cumpridos antes da data da divisão da República Federativa Checa e Eslovaca, regra introduzida pelo artigo 20.° da Convenção, não é posta em causa nem alterada, pois essa jurisprudência apenas visa aumentar o montante da prestação de velhice checa atribuída ao abrigo da Convenção para que atinja o valor que teria caso a sua atribuição se tivesse processado ao abrigo exclusivo do direito interno.

36      Como sublinhou o advogado‑geral no n.° 37 das suas conclusões, o complemento de prestação em causa no processo principal não põe em causa o regime aplicável nem a competência das autoridades designadas na Convenção, mas permite simplesmente, ao abrigo desta Convenção, requerer a outro organismo de segurança social uma prestação acessória que acresce à prestação geral.

37      Como sustenta a Comissão Europeia, o Ústavní soud limita‑se a declarar que é necessário ajustar o montante da prestação de velhice checa atribuída ao abrigo do artigo 20.° da Convenção pelo montante que um beneficiário receberia caso esse montante tivesse sido exclusivamente calculado com base nas disposições de direito interno, quando o montante desta seja superior ao que resulta das disposições da Convenção.

38      Por conseguinte, não se trata da atribuição de uma prestação de velhice checa paralela nem de uma dupla contabilização de um mesmo período de seguro, mas apenas de colmatar uma diferença, objectivamente verificada, entre prestações de origem diferente.

39      Impõe‑se observar que esta perspectiva permite evitar «a cumulação de legislações nacionais aplicáveis», de acordo com o objectivo constante do oitavo considerando do Regulamento n.° 1408/71, e não contraria o critério de repartição de competências definido no artigo 20.° da Convenção, critério mantido ao abrigo do artigo 7.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 1408/71, conjugado com o ponto 6 da parte A do Anexo III do mesmo diploma.

40      Em face do exposto, há que responder à primeira questão submetida que as disposições do ponto 6 da parte A do Anexo III do Regulamento n.° 1408/71, conjugadas com o artigo 7.°, n.° 2, alínea c), do mesmo diploma, não se opõem a uma norma nacional, como a em causa no processo principal, que prevê o pagamento de um complemento de prestação de velhice quando o valor desta, definido ao abrigo do artigo 20.° da Convenção, é inferior ao que receberia se a pensão de reforma tivesse sido calculada de acordo com as normas do direito da República Checa.

 Quanto à segunda questão

 Quanto à existência de discriminação

41      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se a decisão do Ústavní soud, que só permite o pagamento do complemento de prestação de velhice a pessoas de nacionalidade checa que residam no território da República Checa, conduz a uma discriminação incompatível com o artigo 12.° CE e com as disposições conjugadas dos artigos 3.°, n.° 1, e 10.° do Regulamento n.° 1408/71.

42      A este propósito, recorde‑se que o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71 tem por objectivo assegurar, em conformidade com o artigo 39.° CE, em benefício das pessoas a quem se aplica o regulamento, a igualdade em matéria de segurança social, sem distinção de nacionalidade, suprimindo qualquer discriminação nessa matéria que possa resultar das legislações nacionais dos Estados‑Membros (acórdão de 18 de Janeiro de 2007, Celozzi, C‑332/05, Colect., p. I‑563, n.° 22).

43      Ora, resulta incontestavelmente dos elementos dos autos que a decisão do Ústavní soud opera uma discriminação, em razão da nacionalidade, entre os nacionais checos e os nacionais dos outros Estados‑Membros.

44      Quanto ao requisito de residência no território da República Checa, recorde‑se que o princípio da igualdade de tratamento, tal como enunciado no referido artigo 3.°, n.° 1, proíbe não só as discriminações ostensivas, baseadas na nacionalidade dos beneficiários dos regimes de segurança social, mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que, por aplicação doutros critérios de distinção, conduzam de facto ao mesmo resultado (acórdão Celozzi, já referido, n.° 23).

45      Assim, devem ser consideradas indirectamente discriminatórias as condições do direito nacional que, ainda que aplicáveis independentemente da nacionalidade, afectem essencialmente ou na sua grande maioria os trabalhadores migrantes, bem como as condições indistintamente aplicáveis que possam ser mais facilmente preenchidas pelos trabalhadores nacionais do que pelos trabalhadores migrantes ou ainda que possam actuar particularmente em detrimento destes últimos (acórdão Celozzi, já referido, n.° 24).

46      É o que se verifica relativamente a um requisito de residência, como o em causa no processo principal, que afecta essencialmente os trabalhadores migrantes que residem no território de outros Estados‑Membros que não aquele de onde são originários.

47      No Tribunal de Justiça, não foi apresentado nenhum elemento susceptível de justificar esse tratamento discriminatório.

48      Além disso, deve recordar‑se que o artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71 estabelece o princípio da supressão das cláusulas de residência protegendo os interessados contra os prejuízos que poderão resultar da mudança da sua residência de um Estado‑Membro para outro.

49      Resulta do que precede que a decisão do Ústavní soud implica uma discriminação directa em razão da nacionalidade e uma discriminação indirecta em razão da nacionalidade, decorrente do critério da residência, daqueles que fizeram uso do seu direito de livre circulação.

 Quanto às consequências da existência de discriminação

50      Tendo‑se chegado à conclusão de que a regra resultante da decisão do Ústavní soud é discriminatória, há que determinar as consequências práticas que daí advêm tanto para as pessoas que foram prejudicadas na sequência da aplicação dessa regra como para as pessoas que, como M. Landtová, dela beneficiaram.

51      Quanto às consequências da violação do princípio da igualdade de tratamento numa situação como a em causa no processo principal, recorde‑se que, quando seja detectada uma discriminação contrária ao direito da União e enquanto não forem adoptadas medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento, o respeito do princípio da igualdade só pode ser assegurado pela concessão, às pessoas da categoria desfavorecida, das mesmas vantagens de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada, regime este que, na falta da aplicação correcta do direito da União, é o único sistema de referência válido (v. acórdão de 26 de Janeiro de 1999, Terhoeve, C‑18/95, Colect., p. I‑345, n.° 57 e jurisprudência aí referida).

52      No que respeita às implicações da constatação do carácter discriminatório da decisão do Ústavní soud para as pessoas que, como M. Landtová, pertencem à categoria favorecida pela regra resultante dessa decisão, sublinhe‑se que, no estado actual do direito nacional, embora a autoridade competente para atribuir a pensão não possa legalmente recusar o benefício do complemento às pessoas prejudicadas, nada obsta a que mantenha esse direito relativamente à categoria de pessoas que já dele beneficiam ao abrigo da regra nacional.

53      O direito da União, sem prejuízo do respeito pelos seus princípios gerais, não se opõe a medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento através da redução das regalias das pessoas anteriormente privilegiadas (v. acórdão de 28 de Setembro de 1994, Coloroll Pension Trustees, C‑200/91, Colect., p. I‑4389, n.° 33). Contudo, anteriormente à adopção de tais medidas, nada no direito da União obriga a que se prive do complemento de protecção social, como o em causa no processo principal, a categoria de pessoas que dele já beneficia.

54      Em face do exposto, há que responder à segunda questão submetida que as disposições conjugadas dos artigos 3.°, n.° 1, e 10.° do Regulamento n.° 1408/71 se opõem a uma norma nacional, como a em causa no processo principal, que permite o pagamento de um complemento de prestação de velhice apenas aos nacionais checos que residam no território da República Checa, sem que isso implique necessariamente, na perspectiva do direito da União, que devam ser privadas desse complemento as pessoas que satisfaçam esses dois requisitos.

 Quanto às despesas

55      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      As disposições do ponto 6 da parte A do Anexo III do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 629/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril de 2006, conjugadas com o artigo 7.°, n.° 2, alínea c), do mesmo diploma, não se opõem a uma norma nacional, como a em causa no processo principal, que prevê o pagamento de um complemento de prestação de velhice quando o valor desta, definido ao abrigo do artigo 20.° da Convenção bilateral entre a República Checa e a República Eslovaca, celebrada em 29 de Outubro de 1992, a título das medidas destinadas a regular a situação após a divisão, em 31 de Dezembro de 1992, da República Federativa Checa e Eslovaca, é inferior ao que receberia se a pensão de reforma tivesse sido calculada de acordo com as normas do direito da República Checa.

2)      As disposições conjugadas dos artigos 3.°, n.° 1, e 10.° do Regulamento n.° 1408/71, na sua versão alterada e actualizada pelo Regulamento n.° 118/97, conforme alterado pelo Regulamento n.° 629/2006, opõem‑se a uma norma nacional, como a em causa no processo principal, que permite o pagamento de um complemento de prestação de velhice apenas aos nacionais checos que residam no território da República Checa, sem que isso implique necessariamente, na perspectiva do direito da União, que devam ser privadas desse complemento as pessoas que satisfaçam esses dois requisitos.

Assinaturas


* Língua do processo: checo.

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