Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex
Documento 62008CC0400
Opinion of Advocate General Sharpston delivered on 7 October 2010. # European Commission v Kingdom of Spain. # Failure of a Member State to fulfil obligations - Freedom of establishment - Article 43 EC - National legislation concerning the establishment of shopping centres in Catalonia - Restrictions - Justifications - Proportionality. # Case C-400/08.
Conclusões da advogada-geral Sharpston apresentadas em 7 de Outubro de 2010.
Comissão Europeia contra Reino de Espanha.
Incumprimento de Estado - Liberdade de estabelecimento - Artigo 43.º CE - Legislação nacional relativa ao estabelecimento de superfícies comerciais na Catalunha - Restrições - Justificações - Proporcionalidade.
Processo C-400/08.
Conclusões da advogada-geral Sharpston apresentadas em 7 de Outubro de 2010.
Comissão Europeia contra Reino de Espanha.
Incumprimento de Estado - Liberdade de estabelecimento - Artigo 43.º CE - Legislação nacional relativa ao estabelecimento de superfícies comerciais na Catalunha - Restrições - Justificações - Proporcionalidade.
Processo C-400/08.
Colectânea de Jurisprudência 2011 I-01915
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2010:588
CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL
ELEANOR SHARPSTON
apresentadas em 7 de Outubro de 2010 (1)
Processo C‑400/08
Comissão Europeia
contra
Reino de Espanha
«Liberdade de estabelecimento – Restrições ao estabelecimento de grandes superfícies comerciais»
1. Nos presentes autos, a Comissão Europeia requer que o Tribunal de Justiça declare que, tendo imposto determinadas restrições ao estabelecimento de superfícies comerciais na Comunidade Autónoma da Catalunha, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 43.° CE (actualmente, artigo 49.° TFUE). A Comissão sustenta que estas restrições favorecem as estruturas mais pequenas, tradicionais na Catalunha – e, logo, o comércio local – em detrimento dos grandes estabelecimentos, preferidos pelos operadores provenientes de outros Estados‑Membros.
2. A Espanha nega que as restrições introduzam qualquer tipo de discriminação entre os operadores, sustenta que as mesmas são, em todo o caso, justificadas por razões imperiosas de interesse geral e pede que o Tribunal de Justiça julgue improcedente o pedido da Comissão.
Quadro jurídico
Disposições do Tratado
3. Dispõe o artigo 43.° CE que:
«No âmbito das disposições seguintes, são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado‑Membro no território de outro Estado‑Membro. Esta proibição abrangerá igualmente as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado‑Membro estabelecidos no território de outro Estado‑Membro.
A liberdade de estabelecimento compreende tanto o acesso às actividades não assalariadas e o seu exercício, como a constituição e a gestão de empresas e designadamente de sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 48.° [actualmente, artigo 54.° TFUE], nas condições definidas na legislação do país de estabelecimento para os seus próprios nacionais, sem prejuízo do disposto no capítulo relativo aos capitais.»
4. O artigo 46.°, n.° 1, CE (actualmente, artigo 52.°, n.° 1, TFUE), estabelece que:
«As disposições do presente capítulo e as medidas tomadas em sua execução não prejudicam a aplicabilidade das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, que prevejam um regime especial para os estrangeiros e sejam justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública.»
Direito nacional
5. Na sua petição, a Comissão cita uma série de disposições da legislação nacional espanhola e da legislação regional catalã: ao nível nacional, a Lei n.° 7/1996 (2) e, na Catalunha, a Lei n.° 18/2005 (3) e os Decretos 378/2006 (4) e 379/2006 (5).
A Lei n.° 7/1996
6. O artigo 2.° define os estabelecimentos comerciais essencialmente como locais ou instalações com carácter fixo e permanente, destinados ao exercício regular de actividades comerciais. A definição de «grandes estabelecimentos comerciais» é deixada a cargo de cada comunidade autónoma de Espanha, mas inclui, em todo o caso, todos os estabelecimentos com uma área de vendas superior a 2 500 m².
7. Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, a abertura de um grande estabelecimento comercial está sujeita à obtenção de uma licença emitida pela comunidade autónoma em causa, sem prejuízo de outras autorizações administrativas relacionadas com a actividade comercial. Nos termos do artigo 6.°, n.° 2, a decisão de concessão ou recusa da concessão da licença é tomada tendo em consideração os seguintes aspectos: a) a adequação dos equipamentos comerciais existentes na zona em questão e b) o efeito que o novo estabelecimento produzirá sobre a estrutura de tais equipamentos; é exigido um relatório do Tribunal de Defensa de la Competencia (Tribunal da Concorrência), embora não tenha carácter vinculativo.
8. No que toca à alínea a), considera‑se que uma zona está dotada de equipamentos comerciais adequados quando a população existente (ou prevista a médio prazo) goza de um nível de oferta que, em termos de qualidade, variedade, serviço, preço e horários, satisfaz tanto as necessidades da situação actual como das tendências de evolução do comércio moderno (artigo 6.°, n.° 3). No que toca à alínea b), são obrigatoriamente tidos em consideração os efeitos positivos sobre a concorrência e os efeitos negativos sobre o pequeno comércio (artigo 6.°, n.° 4).
9. Nos termos do artigo 6.°, n.° 5, as comunidades autónomas estão autorizadas a criar comissões para se pronunciarem sobre a abertura de grandes estabelecimentos, em conformidade com as regras que sejam eventualmente estabelecidas por aquelas comunidades.
10. A disposição final da Lei n.° 7/1996 especifica o estatuto constitucional dos vários artigos. São mencionados, inter alia, o artigo 6.°, n.° 1 e n.° 2, como sendo aprovados ao abrigo da competência exclusiva do Estado nos termos do artigo 149.°, n.os 1 e 13, da Constituição, mas os restantes artigos caem na categoria residual de disposições «aplicáveis na falta de legislação específica aprovada pelas comunidades autónomas».
A Lei n.° 18/2005
11. O artigo 3.°, n.os 1 e 2, define «grandes estabelecimentos comerciais» e «estabelecimentos comerciais de dimensão média» com base na população do município em que estão localizados. As definições podem ser resumidas num quadro:
População do município |
Grandes estabelecimentos (área de vendas de X m² ou superior) |
Estabelecimentos de dimensão média (área de vendas de X m² ou superior) |
Superior a 240 000 habitantes |
2 500 |
1 000 |
De 25 001 a 240 000 habitantes |
2 000 |
800 |
De 10 001 a 25 000 habitantes |
1 300 |
600 |
Até 10 000 habitantes |
800 |
500 |
12. O artigo 3.°, n.° 3, dispõe que as restrições às áreas de vendas constantes do PTSEC (6) são aplicáveis aos estabelecimentos do sector alimentar de dimensão média e a todos os estabelecimentos com área superior a 1 000 m² dedicados à venda de artigos eléctricos ou electrónicos para uso doméstico, equipamento desportivo ou pessoal, artigos de lazer ou cultural, independentemente da sua classificação de acordo com os critérios estabelecidos nos n.os 1 e 2 do mesmo artigo.
13. Nos termos do artigo 4.°, só podem ser abertos grandes estabelecimentos comerciais em zonas urbanas consolidadas dos municípios que sejam capitais de distrito (comarca) ou que tenham uma população superior a 25 000 habitantes (incluindo turistas sazonais) (artigo 4.°, n.° 1). Sob reserva da possibilidade de derrogação, a mesma restrição é aplicável aos estabelecimentos com uma área de vendas superior a 1 000 m² que se dediquem essencialmente à venda de artigos eléctricos ou electrónicos para uso doméstico, artigos e acessórios de desporto, equipamento pessoal, artigos de cultura ou de lazer (artigo 4.°, n.° 2). Para determinar o que se entende por zona urbana consolidada, devem ter‑se em consideração os centros populacionais, as zonas de edifícios residenciais contínuos e as zonas de comércio integradas nas zonas residenciais (artigo 4.°, n.° 3). Algumas categorias de estabelecimentos estão isentas da restrição, nomeadamente, os estabelecimentos dedicados essencialmente à venda de embarcações ou veículos, maquinaria, materiais de construção e saneamento, mobiliário e materiais de bricolage, centros de jardinagem, factory outlets (estabelecimentos de venda directa das fábricas) e áreas de vendas em estações de comboio de alta velocidade e alguns portos e aeroportos, bem como lojas em alguns municípios fronteiriços (artigo 4.°, n.° 8).
14. Nos termos do artigo 6.°, é obrigatória a obtenção de uma licença comercial municipal para abrir, ampliar, ceder ou transmitir um estabelecimento de dimensão média, ou para proceder à alteração da sua actividade. Nos termos do artigo 7.°, no que toca aos grandes estabelecimentos comerciais, as mesmas operações estão sujeitas à obtenção de uma licença comercial emitida pela Generalidad (Governo da Catalunha), concedida ou recusada com base num relatório das autoridades municipais. Se o relatório for desfavorável, ou não for emitido no prazo de três meses a contar do seu pedido, a licença comercial não pode ser concedida. Nos termos do disposto em ambos os artigos, se a licença não for concedida num certo prazo (seis meses para as licenças emitidas pela Generalidad), considera‑se que a mesma foi recusada (regra do «indeferimento tácito»).
15. O artigo 8.° exige ainda, para os grandes estabelecimentos comerciais e para os estabelecimentos comerciais de dimensão média, um relatório sobre a quota da empresa ou grupo em questão no mercado relevante (artigo 8.°, n.os 1 e 3). Mais uma vez, se o relatório for desfavorável, a licença não poderá ser concedida (artigo 8.°, n.° 4). No entanto, as pequenas e médias empresas (7) estão isentas deste requisito (artigo 8.°, n.° 2).
16. O artigo 10.° contém uma lista dos aspectos a apreciar pela Generalidad ou pela autoridade municipal no processo de decisão de um pedido de licença: a conformidade com o PTSEC; o cumprimento das normas urbanísticas em vigor; as «condições que determinam a segurança do projecto e a integração do estabelecimento na área urbana envolvente»; a «mobilidade gerada pelo projecto», em particular, os seus efeitos sobre a rede viária e a utilização de transportes públicos e particulares; o número de lugares de estacionamento disponíveis, medido através de rácios estabelecidos por regulamento para cada caso; a localização do estabelecimento na «zona urbana consolidada» e o cumprimento das normas urbanísticas municipais para os serviços de comércio; o «direito dos consumidores a dispor de uma oferta ampla e variada em termos de qualidade, quantidade, preço e características dos produtos»; a quota da empresa requerente no mercado relevante.
17. O artigo 11.° cria uma comissão consultiva (do tipo referido no artigo 6.°, n.° 5, da Lei n.° 7/1996), a «Comisión de Equipamientos Comerciales» (Comissão dos Equipamentos Comerciais), cuja função consiste em se pronunciar, em particular, sobre assuntos relacionados com a concessão de licenças pela Generalidad e matérias urbanísticas relacionadas com a designação das áreas onde podem ser abertos estabelecimentos comerciais, incluindo a elaboração de propostas de alteração ao PTSEC.
18. O artigo 12.° estabelece que o tratamento dos pedidos de licença à Generalidad e os relatórios sobre a quota de mercado estão sujeitos ao pagamento de taxas (8). Este artigo permite igualmente aos municípios cobrar taxas pelo tratamento dos pedidos de licenças municipais e pelos relatórios municipais destinados à Generalidad emitidos no âmbito dos pedidos de licenças.
O Decreto 378/2006
19. Os hipermercados são definidos, no artigo 3.°, como estabelecimentos em regime de auto‑serviço com uma área de vendas igual ou superior a 2 500 m² (9), que vendem um leque alargado de produtos, quer sejam ou não produtos de consumo corrente, e com uma grande área de estacionamento.
20. O artigo 14.° estabelece o procedimento para requerer uma licença comercial à Generalidad. Este artigo enumera os documentos que devem ser apresentados, incluindo [artigo 14.°, n.° 1, alínea b), quarto documento exigido], um estudo de mercado que analise a viabilidade do projecto face à oferta existente e a procura potencial na área de influência, a quota de mercado atraída e o impacto sobre a oferta existente.
21. Os artigos 26.° e 27.° dizem respeito à comissão consultiva criada pelo artigo 11.° da Lei n.° 18/2005. O artigo 26, n.° 1, regula a sua composição: sete membros (incluindo o presidente e o vice‑presidente) representam departamentos da Generalidad; seis representam os municípios; sete representam o sector do comércio (dois das câmaras de comércio e indústria, cinco das organizações de comerciantes mais representativas); dois são especialistas escolhidos pelo departamento de comércio da Generalidad; e um secretário, que é designado pelo presidente. O artigo 27.° estabelece a obrigatoriedade de consulta da comissão relativamente aos assuntos mencionados no artigo 11.° da Lei n.° 18/2005 e também à delimitação das «zonas urbanas consolidadas dos municípios».
22. Os artigos 28.° a 34.° dizem respeito ao relatório sobre a quota de mercado previsto no artigo 8.° da Lei n.° 18/2005. O artigo 28.°, n.° 2, estabelece que, no caso das grandes empresas retalhistas, o relatório deve abranger todos os estabelecimentos que operem sob a sua denominação, quer o controlo sobre os mesmos seja directo ou indirecto. Nos termos do artigo 31.°, n.° 4, é determinado anualmente um limite máximo de quota de mercado para cada sector comercial, tanto para a Catalunha como para as áreas subordinadas (a Comissão afirma, sem que tal tenha sido contestado pelo Governo espanhol, que tal determinação anual ainda não se verificou, pelo que o limite máximo da quota de mercado – do grupo ao qual o comerciante pertence – é aquele que se encontra estabelecido na legislação anterior: 25% da área de vendas na Catalunha; ou 35% na área de influência do estabelecimento proposto). Nos termos do artigo 33.°, n.° 2, o relatório sobre a quota de mercado deve ser desfavorável se o referido limite máximo for excedido. O artigo 33.°, n.° 5, estabelece um prazo máximo de seis meses para emissão do relatório (sob pena de se considerar que o relatório é favorável) e o artigo 33.°, n.° 7, estabelece que o relatório tem um prazo de validade de seis meses.
O Decreto 379/2006
23. O artigo 7.° estabelece que os grandes estabelecimentos e os estabelecimentos de dimensão média no sector da alimentação, bem como todos os estabelecimentos com uma área de vendas superior a 1 000 m² dedicados essencialmente à venda de artigos eléctricos ou electrónicos domésticos, artigos e acessórios de desporto, equipamento pessoal, artigos culturais ou de lazer, estão sujeitos às restrições sobre a área de vendas estabelecidas (para cada distrito e município) no PTSEC.
24. O artigo 10.°, n.° 2, estabelece que são aplicáveis, em cada distrito, limites dimensionais aos novos hipermercados e à ampliação de hipermercados existentes. Nos locais em que esteja previsto um excesso de oferta para 2009, não poderá ser construído qualquer hipermercado; noutros distritos, a construção de hipermercados não poderá exceder 9% ou 7% da oferta estimada para 2009, consoante se trate, ou não, de bens de consumo corrente.
25. O próprio PTSEC constitui o anexo 1 do decreto. Estabelece, em particular, as áreas máximas para as quais podiam ser concedidas licenças no triénio 2006/2009 para 1) supermercados, 2) hipermercados, 3) estabelecimentos especializados e 4) centros comerciais e grandes superfícies em cada unidade territorial.
Tramitação processual
26. Na sequência de uma denúncia por parte de várias grandes empresas retalhistas, a Comissão manifestou dúvidas quanto à compatibilidade da legislação que regula a abertura de grandes estabelecimentos comerciais na Catalunha com o artigo 43.° CE. A Comissão enviou à Espanha, em 9 de Julho de 2004, uma notificação para cumprir. Na sua resposta, datada de 13 de Outubro de 2004, o Governo espanhol sustentou que os comentários da Comissão eram injustificados.
27. Em 27 de Dezembro de 2005, foi adoptada na Catalunha a Lei n.° 18/2005. Na opinião da Comissão, esta lei não eliminou a incompatibilidade anterior com o artigo 43.° CE, tendo, na verdade, introduzido novas restrições à liberdade de estabelecimento. Consequentemente, a Comissão enviou à Espanha, em 4 Julho 2006, uma notificação para cumprir adicional. Na sua resposta, datada de 6 Outubro 2006, o Governo espanhol negou que a legislação fosse restritiva, discriminatória ou desproporcionada.
28. Não satisfeita, a Comissão emitiu, em 23 de Dezembro de 2007, um parecer fundamentado, convidando a Espanha a alterar a sua legislação no prazo de dois meses, por forma a pôr termo ao alegado incumprimento. Na sua resposta, datada de 3 de Janeiro de 2008, a Espanha reiterou a intenção de alterar a legislação controvertida, tendo contudo afirmado que as referidas alterações seriam efectuadas durante o processo de transposição da Directiva «Serviços» (10). Uma vez que não foram adoptadas quaisquer medidas no prazo de dois meses fixado no parecer fundamentado, a Comissão intentou a presente acção.
29. A Comissão pede que o Tribunal declare que, «tendo imposto restrições ao estabelecimento de superfícies comerciais, resultantes da Lei n.° 7/1996 sobre o comércio a retalho e da legislação da Comunidade Autónoma da Catalunha aplicável na matéria (Lei n.° 18/2005 sobre os equipamentos comerciais, Decreto 378/2006, de execução da Lei n.° 18/2005, e Decreto 379/2006, que aprova o novo plano territorial sectorial dos equipamentos comerciais), o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 43.° CE»; e a condenação do Reino de Espanha nas despesas.
30. O Reino de Espanha alega que o Tribunal de Justiça deverá julgar o pedido improcedente e condenar a Comissão no pagamento das despesas.
31. O Reino da Dinamarca, interveniente em apoio do Reino de Espanha, considera que o tipo de legislação em questão não é contrário ao artigo 43.° CE.
32. Na audiência que teve lugar no dia 6 de Maio de 2010, a Comissão e o Reino de Espanha apresentaram alegações orais.
Apreciação
Observação preliminar
33. Na audiência, a Comissão informou ao Tribunal de Justiça que tanto a legislação regional como a legislação nacional foram alteradas após o termo da fase escrita do processo (em Dezembro de 2009 e Janeiro de 2010, respectivamente). Não obstante, a Comissão não tinha conseguido formar uma opinião firme quanto à compatibilidade da legislação alterada com o direito da União Europeia. Para tal, a Comissão esperava que o Tribunal de Justiça tomasse uma decisão clara quanto à compatibilidade da legislação controvertida anteriormente em vigor.
34. Creio que tal expectativa apenas se justificaria se a Comissão, ela própria, tivesse apresentado o caso de forma clara ao Tribunal de Justiça. No presente caso, entendo que a Comissão não foi particularmente clara. Gostaria de relembrar à Comissão o seu dever de indicar o objecto do litígio e de proceder a uma exposição sumária dos fundamentos do pedido, de forma suficientemente clara e precisa para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização, indicando as questões essenciais de direito e de facto de forma coerente, compreensível e inequívoca (11). Pode acrescentar‑se que a tarefa do Tribunal também poderia ter sido facilitada por uma abordagem mais focalizada por parte do Governo espanhol.
As grandes linhas da análise
35. Constitui jurisprudência assente que qualquer medida nacional que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, seja susceptível de afectar ou de tornar menos atractivo o exercício, pelos nacionais da UE, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado, constitui uma restrição na acepção do artigo 43.° CE (12).
36. Contudo, quando a restrição resulte de uma medida que discrimine em razão da nacionalidade, o artigo 46.°, n.° 1, CE permite que a mesma seja justificada por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública. Caso não se verifique tal discriminação, a restrição pode igualmente ser justificada por razões imperiosas de interesse geral, desde que seja adequada para garantir a realização do objectivo por ela prosseguido e não ultrapasse o necessário para alcançar esse objectivo (13). As razões invocadas por um Estado‑Membro para justificar uma derrogação ao princípio da liberdade de estabelecimento devem ser acompanhadas de uma análise da oportunidade e da proporcionalidade da medida restritiva adoptada por esse Estado‑Membro, bem como de elementos precisos que permitam sustentar a sua argumentação (14).
37. Assim sendo, recai sobre a Comissão o ónus da prova da existência e, sendo caso disso, da natureza discriminatória da alegada restrição, cabendo posteriormente ao Estado‑Membro a prova da existência de uma qualquer justificação para a restrição.
38. A Comissão alega essencialmente que as medidas por si identificadas são geradoras de restrições de natureza indirectamente discriminatória e não podem ser justificadas com base nas razões enunciadas no artigo 46.°, n.° 1, CE. A Espanha reconhece que as medidas restringem, em certa medida, a liberdade de estabelecimento, mas defende que não introduzem qualquer tipo de discriminação, ainda que indirecta, em razão da nacionalidade; que, porém, são justificadas por várias razões de interesse geral – protecção dos consumidores, protecção do ambiente e ordenamento do território – e que são tanto adequadas como proporcionadas face às razões invocadas. A Comissão não concorda com as justificações apresentadas, mesmo na hipótese de as medidas não serem discriminatórias.
39. Por seu turno, a Dinamarca defende que as medidas em questão, caso não sejam discriminatórias, não devem ser vistas como restrições à liberdade de estabelecimento, salvo se afectarem directamente o acesso dos operadores estrangeiros ao mercado. A Espanha subscreve este argumento.
40. Assim, analisarei, em primeiro lugar, se as medidas controvertidas são (indirectamente) discriminatórias. No caso de serem discriminatórias, analisarei seguidamente se pode ser invocada alguma justificação ao abrigo do artigo 46.°, n.° 1, CE; no caso de não serem discriminatórias, se as mesmas estão fora do âmbito de aplicação do artigo 43.° CE por não terem impacto suficiente em termos de acesso ao mercado. No caso de as medidas não serem discriminatórias mas, não obstante, caírem no âmbito do artigo 43.° CE, analisarei se é possível invocar alguma das justificações enunciadas na jurisprudência do Tribunal de Justiça.
41. No entanto, em primeiro lugar, é necessário identificar as restrições relativamente às quais a Comissão requer a declaração de que a Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.
Âmbito do pedido
42. A Comissão pede que o Tribunal de Justiça declare que a Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem, «tendo imposto restrições ao estabelecimento de superfícies comerciais, resultantes» de quatro medidas legislativas, cujo texto, tal como apresentado ao Tribunal de Justiça, ultrapassa as 200 páginas. Claramente, são necessários elementos mais precisos para que o Tribunal de Justiça possa tomar uma decisão sobre se, e em que medida, tal declaração deve ser emitida. Uma declaração redigida nos termos utilizados pela Comissão dificilmente satisfaria o requisito da segurança jurídica – e contribuiria muito pouco para assegurar a clareza que a própria Comissão espera obter do Tribunal de Justiça.
43. Não é fácil extrair um conteúdo mais preciso da petição da Comissão. No entanto, esta forneceu uma lista de restrições específicas na sua resposta. Da leitura desta lista, conjuntamente com as remissões para a petição, é possível identificar as seguintes restrições que, de acordo com a Comissão, emergem da legislação catalã:
1) a proibição do estabelecimento de grandes superfícies comerciais fora das zonas urbanas consolidadas de um reduzido número de municípios (artigo 4.°, n.° 1, da Lei n.° 18/2005);
2) as restrições à área de vendas para cada distrito e município (artigo 7.° do Decreto 379/2006, conjuntamente com o PTSEC, que constitui o anexo 1 do mesmo diploma); a Comissão sustenta, em concreto, que:
a) a restrição é particularmente severa relativamente aos hipermercados – não podem ser autorizados novos hipermercados em 37 dos 41 distritos (PTSEC, anexo 1.2 do Decreto 379/2006);
b) nos outros quatro distritos, apenas podem ser autorizados hipermercados que não excedam 9% da oferta estimada de bens de consumo corrente ou 7% da oferta estimada de bens que não sejam de consumo corrente (artigo 10.°, n.° 2, do Decreto 379/2006);
c) nos quatro distritos referidos, apenas estão disponíveis 23.667 m² em seis municípios (PTSEC, anexo 1.2 do Decreto 379/2006);
3) obrigatoriedade de um relatório sobre a quota de mercado, que é vinculativo se for desfavorável, e que será obrigatoriamente desfavorável se a quota de mercado exceder um determinado valor (artigo 8.° da Lei n.° 18/2005 e artigos 31.°, n.° 4, e 33.°, n.° 2, do Decreto 378/2006);
4) a falta de uma definição clara dos critérios aplicados (artigo 10.° da Lei n.° 18/2005 (15));
5) alguns aspectos processuais:
a) a regra do «indeferimento tácito» (artigos 6.° e 7.° da Lei n.° 18/2005);
b) a obrigatoriedade de obtenção do parecer de uma comissão consultiva constituída, designadamente, por concorrentes dos requerentes (artigo 11.° da Lei n.° 18/2005 e artigo 26.° do Decreto 378/2006);
c) a cobrança de taxas não relacionadas com o custo do procedimento (artigo 12.° da Lei n.° 18/2005);
d) a duração excessiva do procedimento (artigo 33.° do Decreto 378/2006, relativo aos prazos de emissão e validade do relatório sobre a quota de mercado).
44. Na audiência, quando questionado pelo Tribunal de Justiça, o agente da Comissão confirmou que aquela lista continha a totalidade dos aspectos da legislação catalã dos quais a Comissão discorda e que as alegadas restrições eram criticadas quer por afectarem os grandes estabelecimentos comerciais mas não os estabelecimentos comerciais de dimensão média – uma restrição que parece necessária para sustentar a alegação de discriminação da Comissão, baseada na premissa de que os operadores espanhóis preferem os estabelecimentos pequenos e médios ao passo que os operadores de outros Estados‑Membros preferem os grandes estabelecimentos – quer por não serem justificadas.
45. Relativamente à legislação nacional (Lei n.° 7/1996), verifica‑se que é incontroverso que a Comissão discorda das disposições do artigo 6.° daquele diploma, as quais a) fixam os critérios aplicáveis para a decisão de concessão da licença, na medida em que aqueles critérios protegem os equipamentos comerciais existentes [artigo 6.°, n.os 1 a 4), b)] exigem a consulta do Tribunal da Concorrência [artigo 6.°, n.° 2) e c)] estabelecem comissões que elaboram relatórios sobre a abertura de grandes estabelecimentos comerciais (artigo 6.°, n.° 5).
46. Importa salientar, no entanto, que o Governo espanhol contesta a aplicabilidade, na Catalunha, das disposições do artigo 6.°, n.os 3 a 5.
Existe discriminação indirecta em razão da nacionalidade?
47. A Comissão não defende, nem claramente o poderia fazer, que as disposições controvertidas introduzam uma discriminação indirecta por contemplarem um tratamento diferente para os operadores espanhóis e os operadores provenientes de outros Estados‑Membros. A tese defendida pela Comissão é a de que, embora as disposições sejam aparentemente neutras, na verdade colocam os operadores de outros Estados‑Membros numa situação de desvantagem significativa quando comparados com os operadores espanhóis.
48. Este argumento assenta em duas premissas: a primeira é de que existe uma diferença de tratamento entre os grandes estabelecimentos comerciais e os outros (estabelecimentos pequenos e médios); a segunda é que a diferença de tratamento favorece os operadores espanhóis (em particular, os catalães), que preferem estabelecimentos mais pequenos, em detrimento dos operadores de outros Estados‑Membros, que preferem os grandes estabelecimentos.
49. Verifica‑se que a primeira premissa é válida unicamente em relação a algumas das medidas criticadas pela Comissão; a segunda não se revela apoiada por provas idóneas.
Diferença de tratamento entre os grandes estabelecimentos e os outros
50. Em primeiro lugar, relativamente à alegada falta de rigor na definição dos critérios e à regra do «indeferimento tácito» identificadas nos pontos 4 e 5, alínea a), do n.° 40 supra, resulta claramente do texto das disposições referidas (por um lado, o artigo 10.° e, por outro, os artigos 6.° e 7.° da Lei n.° 18/2005) que estas se aplicam tanto às licenças emitidas pela Generalidad como às licenças municipais e, consequentemente, tanto aos grandes estabelecimentos comerciais como aos de dimensão média.
51. Em segundo lugar, relativamente à alegação identificada no ponto 5, alínea c), do n.° 43 supra, de que as taxas não têm qualquer relação com o custo do procedimento, o artigo 12.° da Lei n.° 18/2005 impõe a cobrança de taxas pelas licenças emitidas pela Generalidad e autoriza a cobrança de taxas pelos municípios (para os estabelecimentos comerciais de dimensão média). As alegações da Comissão dizem unicamente respeito às taxas cobradas pela Generalidad, não prestando quaisquer informações relativamente à cobrança de taxas a nível municipal que permitissem efectuar uma comparação.
52. Em terceiro lugar, a obrigatoriedade de um relatório sobre a quota de mercado e os atrasos na tramitação do procedimento que este alegadamente implica, identificados, respectivamente, nos pontos 3 e 5, alínea d), do n.° 43 supra, aplicam‑se tanto aos grandes estabelecimentos como aos estabelecimentos de dimensão média. Não obstante, as pequenas e médias empresas estão isentas deste requisito. Assim, este requisito e os potenciais atrasos a ele associados é aplicável a grandes empresas que pretendam abrir grandes estabelecimentos comerciais ou estabelecimentos comerciais de dimensão média, mas não a outras empresas, seja qual for a dimensão do estabelecimento que pretendam abrir (recorde‑se que a definição de «grande estabelecimento» e «estabelecimento de dimensão média» depende da população do município em questão).
53. Assim, nenhuma das medidas antes mencionadas pode ser relevante para a alegação da Comissão de que as restrições são discriminatórias.
54. Em contrapartida, as alegações específicas identificadas no ponto 2, alíneas a), b) e c), do n.° 43 supra, dizem unicamente respeito aos hipermercados (que são um tipo de grande estabelecimento comercial) e não a qualquer uma das outras categorias (16). As restantes restrições alegadamente emergentes da legislação catalã – a proibição do estabelecimento de grandes superfícies comerciais fora das zonas urbanas consolidadas de um número reduzido de municípios e a obrigatoriedade da obtenção do parecer de uma comissão consultiva constituída, designadamente, por concorrentes dos requerentes, identificadas, respectivamente, nos pontos 1 e 5, alínea b), do n.° 43 supra – são aplicáveis a todos os tipos de grandes estabelecimentos comerciais e apenas a tais estabelecimentos, tal como as restrições alegadamente emergentes do artigo 6.° da Lei n.° 7/1996 (a legislação nacional).
55. Assim, só estes aspectos podem ser relevantes para a argumentação da Comissão.
Diferença nas preferências dos operadores espanhóis e dos operadores provenientes de outros Estados‑Membros
56. Salvo se for verdade que os operadores espanhóis (em particular, os catalães), preferem estabelecimentos comerciais mais pequenos, ao passo que os operadores de outros Estados‑Membros preferem os grandes estabelecimentos, as medidas em questão não podem ser consideradas discriminatórias em relação a estes últimos, seja qual for a medida em que restrinjam a abertura de grandes estabelecimentos comerciais relativamente a outros estabelecimentos.
57. A única prova apresentada ao Tribunal de Justiça a partir da qual se poderia verificar se a referida premissa é verdadeira consiste em dois conjuntos de dados (um da Comissão, o outro do Governo espanhol) que procedem à repartição do controlo das áreas de venda a retalho na Catalunha entre os operadores espanhóis e os operadores estrangeiros relativamente a estabelecimentos com área a) superior e b) inferior a 2 500 m². Os dois conjuntos de dados dizem respeito a anos diferentes e, aparentemente, provêm de fontes diferentes. Assim, não é de surpreender que revelem imagens algo diferentes, embora ambos mostrem que os operadores estrangeiros controlam a maioria (entre 53% e 68%) da área de vendas nos grandes estabelecimentos e os operadores espanhóis a maioria (entre 72% e 92%) da área de vendas nos estabelecimentos mais pequenos (17). Mostram igualmente que a área total de vendas no tocante aos estabelecimentos com menos de 2 500 m² excede largamente, num factor de entre 4,5 e 10 (18), a área relativa aos grandes estabelecimentos.
58. Tais dados são inquestionavelmente consistentes com a afirmação, por parte da Comissão, de que os operadores de outros Estados‑Membros preferem os grandes estabelecimentos comerciais e que os operadores espanhóis preferem os estabelecimentos comerciais mais pequenos. Porém, creio que estes dados não fornecem qualquer prova da veracidade de tal afirmação. Demonstram, no máximo, uma correlação estatística pouco afinada – a qual, para além do mais, perde grande parte da sua relevância no contexto da acção intentada pela Comissão se considerarmos que, dos municípios que constam da lista do PTSEC, apenas um (nos arredores de Barcelona) tem uma população superior a 240 000 habitantes e que mais de metade tem uma população inferior a 10 000 habitantes, de forma que a categoria de «grandes estabelecimentos comerciais» afectada pelas disposições criticadas pela Comissão inclui um número indeterminado de estabelecimentos com uma área de vendas entre 800 m² e 2 500 m² (19), sendo que, relativamente a estes, o Tribunal de Justiça não recebeu qualquer informação nem quanto ao número de estabelecimentos em causa nem quanto à repartição entre o controlo espanhol e estrangeiro (20). Qualquer conclusão provisória que se pudesse retirar dos dados fornecidos teria, pois, que ser sustentada por provas consistentes de outro tipo que fundamentassem a posição da Comissão e, provavelmente, aplicar‑se‑ia sobretudo a hipermercados e não a todos os grandes estabelecimentos comerciais de venda a retalho afectados pelas disposições controvertidas.
59. Não foram apresentadas tais provas no Tribunal de Justiça. O máximo que a Comissão pôde explicar para a suposta relação causal subjacente à correlação estatística consistiu em sugerir – na audiência e em resposta a uma pergunta do Tribunal – que os operadores estrangeiros preferem naturalmente abrir grandes estabelecimentos por forma a alcançar as economias de escala necessárias à optimização das suas hipóteses de sucesso de penetração num novo território. Porém, tal argumentação – embora possa ser plausível – diz respeito à entrada num novo mercado distante da sede do operador e não à nacionalidade do operador e (21), como tal, apenas sustenta parcialmente a premissa de base da Comissão.
60. É verdade que o Governo espanhol não atacou de forma veemente aquela premissa, embora alegue, fornecendo alguma prova, que vários operadores estrangeiros preferiram sempre, ou começam agora a preferir, estabelecimentos mais pequenos. Em todo o caso, incumbe à Comissão provar as suas alegações e considero que, logo nesta matéria bem basilar, ficou muito aquém de produzir essa prova.
61. Assim, o pedido da Comissão deve ser julgado improcedente no que toca à alegação de que as medidas controvertidas são discriminatórias em razão da nacionalidade.
62. Não obstante, o artigo 43.° CE proíbe também medidas não discriminatórias, pelo que seguidamente analisarei se as medidas caem na alçada daquele artigo.
As disposições controvertidas caem na alçada do artigo 43.° CE?
63. O artigo 43.° CE proíbe qualquer medida nacional que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, seja susceptível de afectar ou de tornar menos atractivo o exercício, pelos nacionais da UE, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado (22). O Tribunal de Justiça nunca introduziu reservas a tal proibição através da fixação de um critério de minimis – um limite abaixo do qual a medida não cairia no âmbito do artigo.
64. No entanto, o Governo dinamarquês (cuja legislação, afirma, tem pontos de semelhança com a legislação espanhola em questão) defende que a legislação nacional (designadamente, a legislação urbanística) que regula as condições de mercado para todas as empresas e é aplicável a todos os operadores sem distinção, independentemente da nacionalidade, só seria abrangida pelo artigo 43.° CE se afectasse directamente o acesso dos operadores estrangeiros ao mercado. A obrigatoriedade de autorização prévia para grandes estabelecimentos comerciais não deve ser considerada automaticamente como produzindo esse efeito. O Governo dinamarquês apresenta quatro argumentos, com os quais o Governo espanhol concorda.
65. Em primeiro lugar, a jurisprudência sublinha que as restrições ao acesso ao mercado, para que caiam na alçada do artigo 43.° CE, devem ser significativas. No acórdão CaixaBank France (23), o Tribunal refere‑se a um obstáculo «sério» a uma «concorrência mais eficaz» ou à adopção de «um dos métodos mais eficazes» para fazer concorrência. No acórdão Comissão/Itália (24), é feita referência à «ingerência significativa» na liberdade de contratar, a «avultados encargos suplementares» e a uma necessidade de «repensar» a política e a estratégia comerciais, «alargando consideravelmente» o espectro da oferta de serviços, implicando «adaptações e custos de envergadura» por forma a afectar o acesso ao mercado. É verdade que outros acórdãos parecem não ser tão rigorosos (25), mas isso pode ser explicado em razão das circunstâncias do caso concreto. Além disso, o Tribunal de Justiça considerou, em acórdãos anteriores, que as medidas de regulação geral do mercado não estavam abrangidas pelo artigo 43.° CE (na altura, artigo 52.° do Tratado CEE) (26).
66. Em segundo lugar, as medidas nacionais que produzem efeitos demasiado aleatórios e indirectos sobre uma liberdade fundamental não estão geralmente abrangidas pelas proibições do Tratado (27).
67. Em terceiro lugar, de um ponto de vista lógico e teleológico, deve existir um limite mínimo abaixo do qual uma medida nacional não deve ser considerada uma restrição à liberdade de estabelecimento (28). De outra forma, até a regulamentação mais insignificante estaria abrangida pelo artigo 43.° CE.
68. Em quarto lugar, tal interpretação do artigo 43.° CE corresponderia à abordagem do Tribunal de Justiça a respeito da livre circulação de mercadorias, em particular relativamente a «determinadas modalidades de vendas» (29). Uma abordagem semelhante foi adoptada relativamente à utilização de produtos (30). Se as condições gerais de regulação de mercado de um Estado‑Membro caem na alçada do artigo 28.° CE (actualmente, artigo 34.° TFUE) unicamente quando produzam um efeito directo no acesso ao mercado, não deve ser adoptada uma abordagem mais ampla no caso do artigo 43.° CE.
69. Embora não seja insensível ao valor de, pelo menos, alguns dos argumentos expostos, não estou convencida de que possam conduzir, no caso vertente, à exclusão da apreciação das medidas em questão ao abrigo do artigo 43.° CE.
70. Como realça a Comissão, qualquer sistema de autorização prévia para a abertura de estabelecimentos comerciais produz, por definição, um efeito directo na liberdade de estabelecimento dos operadores e isto aplica‑se a todo e qualquer entrave que integre o processo de autorização. Donde decorre que, a ser aplicada ao artigo 43.° CE uma regra de minimis de modo a excluir medidas como as que estão em causa no presente processo, a mesma não poderia ser formulada nos termos propostos pelo Governo dinamarquês.
71. No que toca à questão de saber se as condições e restrições objecto do presente processo são reais e sérias, e se o seu efeito sobre os operadores pode ser descrito como aleatório ou negligenciável, a verdade é que estas condições e restrições não podem ser todas colocadas ao mesmo nível.
72. Aquelas que se encontram descritas nos pontos 1 a 3 do n.° 43 supra – que restringem as localidades disponíveis para novos estabelecimentos e impõem limites às áreas de vendas que podem ser licenciadas e a uma quota máxima de mercado detida pelos requerentes – são claramente reais, sérias e de forma alguma aleatórias.
73. As que constam dos pontos 4 e 5 são, porventura, mais difíceis de classificar. No entanto, creio que são susceptíveis de produzir um significativo efeito negativo sobre o número de licenças requeridas e/ou concedidas:
– A utilização de critérios que não estão definidos de forma suficientemente clara para permitir a verificação objectiva da sua satisfação (31) é susceptível de desencorajar pedidos de licença, conduzir a resultados imprevisíveis e dificultar a interposição de um recurso de uma decisão de indeferimento, sendo que estes factores são, todos eles, obstáculos reais à criação de novos estabelecimentos;
– Uma regra de «indeferimento tácito» (32) conduz necessariamente ao indeferimento de um maior número de pedidos de licença do que uma regra de «deferimento tácito» (nos termos da qual a falta de resposta a um pedido dentro de determinado prazo equivale a uma aprovação tácita);
– A intervenção de uma comissão consultiva que é constituída, designadamente, por comerciantes já estabelecidos na zona e que é consultada não apenas sobre os pedidos de licença, mas também sobre a designação das localidades disponíveis (33) é, por natureza, susceptível de reduzir a instalação de novos estabelecimentos;
– A cobrança de taxas não relacionadas com o custo do procedimento de licenciamento e a duração excessiva do mesmo (34) são, ambos, factores susceptíveis de dissuadir a abertura de novos estabelecimentos pelos operadores.
74. Na legislação nacional, a obrigatoriedade de uma licença e a criação de uma comissão consultiva duplicam as exigências da legislação catalã, tal como duplicam, em grande parte, os critérios aplicáveis (35). Estes critérios, para além de carecerem de rigor objectivo, destinam‑se a permitir novos estabelecimentos unicamente onde a oferta não satisfaça a procura existente e o pequeno comércio não seja afectado, o que é, em ambos os casos, susceptível de restringir de forma apreciável a abertura de novos grandes estabelecimentos comerciais ou de outros estabelecimentos comerciais de dimensão média.
75. Assim, embora possa simpatizar com a opinião segundo a qual o artigo 43.° CE não deve abranger aspectos regulamentares insignificantes (de minimis non curat lex) e de que pode ser desejável que o Tribunal de Justiça adopte uma abordagem explícita e coerente, na linha da jurisprudência iniciada no acórdão Keck e Mithouard, a respeito de todas as liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado, penso que tais considerações não afectam a relevância do artigo 43.° no caso vertente.
76. No que toca ao argumento segundo o qual o Tribunal de Justiça, em alguns acórdãos, realçou a gravidade de uma específica interferência na liberdade de estabelecimento, tal facto não significa que a existência de uma séria interferência se tenha tornado uma condição da aplicabilidade do artigo 43.° CE, especialmente não tendo o Tribunal de Justiça realçado esse aspecto sistematicamente; nem tal conclusão pode ser extraída do texto dos acórdãos referidos. Acresce que creio resultar dos articulados da Comissão que a alegada interferência na referida liberdade é, prima facie, susceptível de ser séria.
77. Assim, considero necessário analisar se as medidas em questão (tal como descritas nos n.os 43 e 45 supra) podem ser justificadas, como defende a Espanha, ao abrigo da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às restrições não discriminatórias à liberdade de estabelecimento.
Podem as disposições controvertidas ser justificadas?
78. De acordo com jurisprudência assente, uma medida restritiva de uma das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado pode ser aceite, mas unicamente se for justificada por razões imperiosas de interesse geral, desde que a restrição seja adequada para garantir a realização do objectivo por ela prosseguido e não ultrapasse o necessário para alcançar esse objectivo (36). Irei analisar, em primeiro lugar, se os objectivos invocados pela Espanha são legítimos e, em segundo lugar, se as medidas controvertidas são adequadas e proporcionais.
Os objectivos que as medidas em questão prosseguem correspondem a «razões imperiosas de interesse geral»?
79. O Governo espanhol sustenta que as medidas prosseguem os objectivos de a) protecção do ambiente e ordenamento coerente do território e b) protecção dos consumidores, ambos reconhecidamente relacionados com o interesse geral. A Comissão, por outro lado, invocando o artigo 6.° da Lei n.° 7/1996, insiste que o verdadeiro objectivo é a protecção do pequeno comércio, objectivo económico que não pode justificar uma restrição à liberdade de estabelecimento.
80. É certo que os objectivos invocados pelo Governo espanhol já foram reconhecidos pelo Tribunal de Justiça como passíveis de justificar restrições às liberdades fundamentais (37); já o mesmo não se passa com objectivos puramente económicos (38). Assim, qualquer restrição que prossiga objectivos exclusivamente económicos será automaticamente proibida pelo artigo 43.° CE.
81. Das restrições denunciadas pela Comissão, creio que apenas a quota máxima de mercado e os critérios aplicáveis na apreciação dos pedidos de licença, na medida em que estes critérios dizem respeito ao impacto sobre o comércio local existente, podem ser classificados como prosseguindo um objectivo puramente económico.
82. Embora a restrição relativa à quota de mercado resulte apenas da legislação catalã, os outros critérios em questão constam de forma explícita do artigo 6.°, n.° 4, da Lei n.° 7/1996 (39), no qual está expressamente previsto que deve ser apreciado qualquer impacto negativo no pequeno comércio existente. Contudo, a Espanha contrapõe que, por motivos de ordem constitucional e legislativa, o artigo 6.°, n.os 3 a 5, do mencionado diploma não é aplicável na Catalunha e que o procedimento por infracção se confina à legislação aplicável naquela comunidade autónoma. A referida objecção deu azo a um debate bastante aceso entre as partes relativamente à inclusão das disposições em questão no âmbito do processo.
83. Não creio que seja possível resolver este diferendo, uma vez que envolve questões de direito constitucional espanhol sobre as quais o Tribunal de Justiça não tem competência para decidir. Contudo, a obrigatoriedade de ter em consideração o impacto nos equipamentos comerciais existentes encontra‑se estabelecida, em termos mais gerais, mas ainda assim inequívocos, tanto no artigo 6.°, n.° 2, da Lei n.° 7/1996 (cuja aplicabilidade à Catalunha não é contestada) como no artigo 14.°, n.° 1, alínea b), do Decreto 378/2006 catalão (40).
84. Essencialmente, a Espanha argumenta que o limite máximo da quota de mercado e as condições relacionadas com o impacto no pequeno comércio existente têm como objectivo a protecção dos consumidores, através da garantia de uma concorrência mais eficaz em termos de preço, qualidade e escolha.
85. No entanto, as condições relacionadas com a quota de mercado e o impacto no comércio existente – ao contrário de outras condições relacionadas expressamente com a escolha dos consumidores – dizem respeito à estrutura do mercado e não à protecção dos consumidores. Acresce que, tal como a Comissão realçou, a política da concorrência é uma matéria regulada ao nível da União Europeia e o Tribunal de Justiça declarou expressamente que objectivos tais como «o reforço da estrutura concorrencial do mercado em causa, bem como a modernização e o reforço da eficácia dos meios de produção … não podem constituir uma justificação válida das restrições à liberdade fundamental em causa» (41).
86. Assim, sou de opinião que o artigo 6.°, n.° 2, da Lei n.° 7/1996, o artigo 8.° da Lei n.° 18/2005 e o artigo 14.°, n.° 1, a1ínea b), do Decreto 378/2006 violam o artigo 43.° CE, na medida em que tais disposições impõem a aplicação de um limite máximo da quota de mercado e um limite ao impacto no comércio existente que, uma vez excedido, impede a criação de novos grandes estabelecimentos comerciais e/ou de novos estabelecimentos comerciais de dimensão média. Prosseguindo um objectivo puramente económico, estas disposições não podem ser justificadas ao abrigo da jurisprudência do Tribunal de Justiça.
87. Creio, porém, que todas as restantes medidas são passíveis de prosseguir – pelo menos parcialmente – um dos objectivos legítimos adiantados pelo Governo espanhol e devem, como tal, ser analisadas no que toca à sua adequação e proporcionalidade.
Podem as medidas atingir o objectivo prosseguido sem ultrapassar o necessário para alcançar esse objectivo?
88. As restantes disposições controvertidas podem ser divididas em: as restrições relativas à localização e à dimensão de novos estabelecimentos; a consulta de a) o Tribunal da Concorrência e b) a comissão consultiva; os critérios aplicados, na medida em que lhes falta rigor; a regra do «indeferimento tácito»; a cobrança de taxas sem qualquer relação com os custos; a duração do procedimento.
89. Embora seja verdade que um Estado‑Membro que pretenda justificar uma restrição a uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado deve provar tanto a sua adequação como a sua proporcionalidade, isto não pode significar, no que concerne à adequação, que o Estado‑Membro tenha que provar que a restrição é a mais adequada de entre todas as medidas possíveis para atingir o objectivo prosseguido, mas simplesmente que não deixa de ser adequada para aquele efeito. Porém, no que toca à proporcionalidade, é necessário provar que não existe nenhuma outra medida que, sendo igualmente eficaz, seja menos restritiva da liberdade em questão.
– Restrições relativas à localização e à dimensão dos novos estabelecimentos
90. A Espanha argumenta que, ao limitar a localização dos grandes estabelecimentos comerciais aos centros populacionais (urbanos), onde a procura é maior, e ao limitar a dimensão dos estabelecimentos nas áreas menos populosas, a legislação catalã procura evitar a poluição decorrente das deslocações em automóvel, contrariar a degradação urbana, preservar um modelo urbano ambientalmente integrado, evitar a construção de novas estradas e assegurar o acesso através de transportes públicos. A Espanha alega que os modelos mostram que as emissões de CO2 descem drasticamente quando os estabelecimentos comerciais abrem no centro das cidades e não fora delas. Acresce que, a única forma de ter estes aspectos em consideração é a de os apreciar no contexto de um procedimento de autorização prévia e não através de posteriores inspecções e controlos.
91. Creio que tal raciocínio em termos gerais – e em particular a ênfase dada à necessidade de medidas preventivas, e consequentemente prévias, no contexto da protecção ambiental – é convincente e não foi de modo algum refutado pela Comissão nos seus articulados. Na audiência, limitou‑se a afirmar que as medidas não eram adequadas para atingir o objectivo de protecção ambiental invocado. Assim, aceito na íntegra o argumento de que as restrições relativas à localização e à dimensão dos estabelecimentos são meios adequados para se atingir os objectivos de protecção ambiental invocados pela Espanha.
92. No entanto, é evidente que as restrições específicas impostas pelas medidas controvertidas são, de facto, severas e têm um efeito significativo nas oportunidades de abertura de novos grandes estabelecimentos comerciais, em particular hipermercados, na Catalunha. Não basta que a Espanha prove que tais restrições são adequadas para atingir os objectivos de protecção ambiental. É também necessário que prove que as restrições efectivamente impostas não ultrapassam o que é necessário – por exemplo, descrevendo medidas alternativas (menos restritivas) e explicando por que razão não lograriam atingir o objectivo de forma satisfatória. Não encontro nenhuma prova ou argumento (por contraposição a simples afirmações) a esse respeito nos articulados do Governo espanhol, nem tão pouco este apresentou qualquer argumento ou prova nesse sentido na audiência.
93. Creio, pois, que o Tribunal de Justiça está impossibilitado de se pronunciar sobre a proporcionalidade ou não das restrições relativas à dimensão e à localização que constam das disposições referidas pela Comissão. Provada a existência da restrição, e uma vez que de acordo com a jurisprudência (42), recai sobre o Estado‑Membro que invoca uma derrogação a uma liberdade garantida pelo Tratado a prova de que tal restrição é não só adequada, mas ainda proporcional face ao objectivo legítimo prosseguido, sou forçada a concluir que o pedido da Comissão deve ser julgado procedente no que toca a esta matéria.
– Consulta do Tribunal da Concorrência e da comissão consultiva
94. Relativamente ao Tribunal da Concorrência, a Comissão critica a obrigatoriedade da sua consulta, imposta pelo artigo 6.°, n.° 2, segundo parágrafo, da Lei n.° 7/1996.
95. Para além da alegação genérica de que qualquer processo de autorização prévia constitui uma restrição, a Comissão não adiantou qualquer argumento para suportar a sua alegação de que a referida obrigatoriedade constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento. Por seu turno, a Espanha não adiantou qualquer argumento específico para justificar aquela possível restrição.
96. Nestas circunstâncias, e uma vez que considero que um relatório não vinculativo não é uma medida particularmente restritiva e que, sendo proveniente de um órgão que lida com questões da concorrência e que proporciona um meio de controlo prévio em vez de medidas coercivas posteriores, é, prima facie, susceptível de proteger de um modo adequado e proporcional os direitos dos consumidores, entendo que o pedido da Comissão deve ser julgado improcedente no que toca a este aspecto.
97. Relativamente à comissão consultiva, a Comissão levanta objecções: ao artigo 6.°, n.° 5, da Lei n.° 7/1996, que autoriza as comunidades autónomas a criarem comissões para se pronunciarem sobre a abertura de grandes estabelecimentos comerciais; o artigo 11.° da Lei n.° 18/2005, que cria uma comissão na Catalunha para, designadamente, se pronunciar sobre a emissão de licenças para grandes estabelecimentos comerciais; e o artigo 26.° do Decreto 378/2006, que regula a constituição da comissão. A Comissão censura, em especial, o facto de a comissão incluir representantes do comércio existente, o que constitui um factor susceptível de influenciar a comissão contra novos operadores que desejem abrir novos estabelecimentos.
98. A Espanha defende que o artigo 6.°, n.° 5, da Lei n.° 7/1996 não se aplica à Catalunha (43). No entanto, creio que é evidente que, quando uma comunidade autónoma cria efectivamente uma comissão, a existência da disposição que a autoriza a fazê‑lo não pode deixar de ser relevante. Qualquer outra interpretação levaria à conclusão que a disposição habilitadora era, desde o início, completamente destituída de efeito útil (44).
99. A existência da comissão consultiva e a obrigatoriedade da sua consulta sobre os pedidos de licença constituem meios adequados para assegurar os objectivos de protecção ambiental, de ordenamento do território e/ou de protecção dos consumidores adiantados pela Espanha?
100. A comissão consultiva pronuncia‑se não apenas sobre assuntos relacionados com a concessão de licenças pela Generalidad, mas também sobre matérias urbanísticas relacionadas com a designação das zonas onde podem ser abertos estabelecimentos comerciais, incluindo a elaboração de propostas de alteração ao PTSEC e a delimitação das «zonas urbanas consolidadas dos municípios».
101. Algumas das matérias sobre as quais é consultada, caem, assim, no âmbito do ordenamento do território, cujos objectivos podem, por vezes, ser ambientais. Por outro lado, não resulta claramente da legislação que a consulta envolva matérias relativas à protecção dos consumidores. As questões ambientais e de ordenamento do território também podem ser relevantes para a decisão de concessão de uma licença. Assim, não creio que deixe de ser adequada a existência de uma comissão consultiva constituída, designadamente, por representantes de interesses e de órgãos locais e regionais, cuja função consiste em se pronunciar sobre estas várias questões antes de ser tomada uma decisão.
102. Como também não creio que a existência e as funções da comissão, de alguma forma, não sejam proporcionais. Como o Governo espanhol realçou, o seu papel é puramente consultivo e é difícil de conceber uma forma menos restritiva que permita a apreciação das várias questões relevantes.
103. Contudo, a composição da comissão é adequada para atingir tal objectivo?
104. O principal argumento da Comissão consiste no facto de a comissão incluir representantes do comércio local existente, cujo interesse é provavelmente o de manter o status quo e de limitar o leque das novas oportunidades ao dispor de novos operadores. Trata‑se de um argumento plausível e que foi já aceite pelo Tribunal de Justiça em circunstâncias análogas no passado (45).
105. A Espanha insiste em que apenas uma minoria (menos de um terço) dos membros da comissão representam o comércio local. Contudo, não creio que seja esta a questão relevante. Mesmo que a maioria dos membros represente as autoridades locais e regionais, e se deva assumir que desempenham as suas funções de forma imparcial, o único interesse sectorial representado (de forma significativa) é o comércio local existente.
106. Não creio que um órgão com tal composição, sem representação dos interesses ambientais ou dos consumidores, seja um instrumento adequado para prosseguir objectivos ambientais, de ordenamento do território ou de protecção dos consumidores. É provável que os pareceres emitidos pela comissão favoreçam sistematicamente os interesses do comércio existente, quanto mais não seja pela ausência da representação dos outros interesses que a comissão alegadamente promove.
107. Entendo, pois, que a existência da comissão consultiva criada (ao abrigo do artigo 6.°, n.° 5, da Lei n.° 7/1996) pelo artigo 11.° da Lei n.° 18/2005 e as suas funções, como estabelecidas neste artigo e no artigo 27.° do Decreto 378/2006, podem ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral. Contudo, a sua composição, como estabelecida pelo artigo 26.° do Decreto 378/2006, não é adequada para se atingir os objectivos em causa e, consequentemente, constitui uma violação do artigo 43.° CE.
– Falta de rigor dos critérios
108. A Comissão alega que os critérios estabelecidos no artigo 10.° da Lei n.° 18/2005 são imprecisos, referindo expressamente (e exaustivamente) as «condições que determinam a segurança do projecto e a integração do estabelecimento na área urbana envolvente», a «mobilidade gerada pelo projecto» e o «direito dos consumidores a dispor de uma oferta ampla e variada em termos de qualidade, quantidade, preço e características dos produtos».
109. A este respeito, é de salientar que a Comissão não critica a natureza dos critérios, mas sim a sua falta de rigor, a qual, segundo defende, impede que os requerentes avaliem com rigor as probabilidades de obtenção da licença e confere às autoridades licenciadoras um amplo poder discricionário.
110. Embora a Espanha reconheça que o «direito dos consumidores a dispor de uma oferta ampla e variada em termos de qualidade, quantidade, preço e características dos produtos» constitui um critério que carece de rigor, defende que os outros dois critérios controvertidos são suficientemente precisos.
111. No que toca ao primeiro critério, não posso concordar. A Espanha limitou‑se a afirmar que a integração do estabelecimento no ambiente urbano tem impacto na localização do projecto na «zona urbana consolidada» (um critério ao qual a Comissão aparentemente não se opõe). Todavia, penso que tal não torna o critério mais preciso ou melhor definido.
112. No que toca ao segundo, a Espanha salienta que a «mobilidade gerada pelo projecto» deve ser apreciada expressamente em conformidade com as disposições da Lei n.° 9/2003 catalã (46). Tendo consultado este diploma, verifiquei que, embora estabeleça, com alguma minúcia, os princípios e objectivos que devem guiar os projectos com repercussão na mobilidade das pessoas e no transporte das mercadorias, bem como os factores a ter sempre em consideração para a respectiva apreciação, não contém qualquer indicação a respeito dos critérios ou dos limites que determinarão, em concreto, se uma licença comercial será ou não concedida. Assim, creio que subsiste a falta de rigor que a Comissão censura.
113. No entanto, a Espanha argumenta que os critérios não deixam de ser adequados para se atingir os objectivos de protecção ambiental e dos direitos dos consumidores unicamente por não estarem claramente definidos. Sustenta que a legislação da União Europeia também recorre à mesma técnica, ou seja, a da indicação dos critérios aplicáveis, sem a especificação de limites máximos que permitam determinar antecipadamente, de uma forma rigorosa, se um pedido será ou não deferido.
114. Embora a Espanha não tenha citado nenhum exemplo específico da legislação da União, a sua afirmação é correcta. Uma pesquisa superficial revela uma série de casos nos quais a referida técnica é utilizada, a Directiva 98/8/CE sendo, porventura, um bom exemplo (47).
115. Relativamente à proporcionalidade, a Comissão remete para o acórdão Analir (48): «… para que um regime de autorização administrativa prévia seja justificado mesmo que derrogue uma liberdade fundamental, deve, de qualquer forma, ser fundamentado em critérios objectivos, não discriminatórios, e conhecidos antecipadamente pelas empresas em causa, de modo a enquadrar o exercício do poder de apreciação das autoridades nacionais a fim de este não ser utilizado de modo arbitrário. Assim, a natureza e o âmbito das obrigações de serviço público a impor por meio de um regime de autorização administrativa prévia devem ser especificados antecipadamente pelas empresas em causa».
116. Creio que constitui um requisito razoável o facto de se exigir a especificação da natureza e do âmbito das obrigações de serviço público no fornecimento de serviços de cabotagem insular. Porém, creio que no caso vertente (tal como no da legislação da União antes referida), os tipos de critérios em questão não se prestam a tal especificação. Se a integração no ambiente urbano, o efeito sobre a utilização das estradas e dos transportes e o leque de escolhas ao dispor dos consumidores constituem critérios legítimos no momento de decidir da autorização de um estabelecimento comercial – e a Comissão não critica a sua natureza, apenas a sua falta de rigor – não parece possível especificar antecipadamente limites mais precisos sem com tal introduzir um nível de rigidez previsivelmente ainda mais restritivo para a liberdade de estabelecimento.
117. Entendo, pois, que os critérios do artigo 10.° da Lei n.° 18/2005 identificados pela Comissão não são imprecisos ao ponto de deixarem de ser adequados para se atingir os objectivos de protecção ambiental, ordenamento do território e protecção dos consumidores invocados pela Espanha e que são proporcionais para tal efeito.
– Regra do «indeferimento tácito»
118. A regra do «indeferimento tácito» mostra‑se neutra em termos de adequação. Se uma autoridade licenciadora não toma uma decisão expressa no prazo estabelecido, uma decisão tácita fornecerá a segurança jurídica. Não creio que o facto de a decisão tácita ser ou não favorável tenha qualquer influência na sua adequação para a prossecução dos objectivos invocados pela Espanha.
119. No tocante à proporcionalidade, a Comissão defende que uma regra de «deferimento tácito» (nos termos da qual se considera que o pedido é deferido se não for tomada uma decisão desfavorável num prazo determinado) seria igualmente eficaz, mas, porém, menos restritiva da liberdade de estabelecimento. Sustenta igualmente que uma decisão de indeferimento tácito não permite aos requerentes conhecer os fundamentos do indeferimento e, consequentemente, impede‑os de recorrer dessa mesma decisão.
120. A respeito do primeiro ponto, creio que a Comissão tem necessariamente razão, não tendo o Governo espanhol apresentado qualquer argumento para o refutar. Com efeito, o artigo 33.°, n.° 5, do Decreto 378/2006 (a que a Comissão se opõe com outros fundamentos (49)) contém uma regra de «deferimento tácito» no que toca à emissão do relatório sobre a quota de mercado, demonstrando, assim, que se trata de uma abordagem perfeitamente factível.
121. Quanto, porém ao segundo ponto, a Espanha invocou, sem ser contradita, que a regra do «indeferimento tácito» não isenta as autoridades do dever de fundamentação da decisão e, na verdade, está prevista uma determinada data a partir da qual se pode recorrer da mesma. Devo, além disso, realçar que, na própria ordem jurídica interna da União Europeia, os artigos 90.° e 91.° do Estatuto do Pessoal aplicam o mesmo princípio de «indeferimento tácito» aos pedidos e denúncias apresentados pelos funcionários, sem privar estes funcionários do direito de recurso para o tribunal da União.
122. Assim, reconheço que a Comissão tem razão no tocante a esta matéria, mas unicamente na medida em que uma regra de «deferimento tácito» seria igualmente eficaz, mas menos restritiva do que uma regra de «indeferimento tácito».
– Taxas
123. A cobrança de taxas para o tratamento dos pedidos de licença mostra‑se um meio perfeitamente adequado para evitar que os pedidos sejam apresentados de forma displicente e para garantir a realização das necessárias verificações a respeito da conformidade com os objectivos relevantes de protecção do ambiente, de ordenamento do território e de protecção dos consumidores, sem com tal impor um encargo excessivo aos contribuintes.
124. Porém, a Comissão defende que as taxas cobradas não têm qualquer relação com o custo do procedimento e não são, consequentemente, proporcionais. A Comissão remete para jurisprudência segundo a qual tal processo de autorização prévia, para estar em conformidade com uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado, não deve ser susceptível de dissuadir os operadores em questão de prosseguirem o seu projecto (50); as exigências relativas à inscrição num registo não devem ocasionar encargos administrativos desproporcionados (51); e uma retribuição cujo montante não tenha qualquer relação com o custo desse serviço específico, ou cujo montante seja calculado, não em função do custo da operação de que é a contrapartida, mas em função do conjunto dos custos de funcionamento e investimento do serviço encarregado dessa operação, deve ser considerada um imposto (52).
125. A Espanha, por seu turno, sustenta que as taxas em questão correspondem a um determinado montante por metro quadrado da área de vendas planeada (53). O seu montante era originalmente calculado através da divisão dos custos do procedimento registados em 1994 e 1995 pelo número de metros quadrados em causa naqueles anos e tem, desde então, vindo a ser actualizado de acordo com a inflação. Isto permite aos operadores calcular o montante das taxas previamente e com precisão. O Governo espanhol acrescenta que as taxas são pagas em prestações, pelo que um requerente que retire o projecto não terá que pagar a totalidade das taxas e que estas normalmente ascendem, em média, a cerca de 0,1% do custo total do projecto.
126. Os argumentos avançados pela Espanha a este respeito convencem‑se plenamente. A Comissão não refutou a explicação da Espanha sobre o método de cálculo e creio que este método, embora possa não conduzir a um resultado que reflicta rigorosamente os custos reais em todos os casos, reflectirá os custos gerais de um modo razoavelmente rigoroso, sendo pouco provável que gere desvios significativos relativamente aos custos reais em casos individuais. Concordo que uma taxa cobrada por metro quadrado é um critério objectivo, que tem a vantagem de permitir a previsão dos custos do procedimento com total transparência. Também não creio ser provável que os operadores sejam dissuadidos de prosseguir os seus projectos em virtude de uma taxa que, em média, ascende a cerca de 0,1% do custo total do projecto, mesmo podendo 0,1% corresponder a um montante considerável em termos absolutos.
127. Entendo, pois, que a Espanha fez prova suficiente de que as taxas criticadas pela Comissão são justificadas.
– Duração do procedimento
128. A Comissão sustenta que os dois períodos de seis meses previstos nos artigos 33.°, n.° 5, e 33.°, n.° 7, do Decreto 378/2006 conferem às autoridades o prazo de um ano para a emissão de uma licença a respeito dos grandes estabelecimentos comerciais, o que constitui um prazo excessivo no tocante a qualquer dos objectivos prosseguidos e é susceptível de desencorajar os requerentes, mesmo sendo tal prazo unicamente um prazo máximo. A Espanha afirma que, na verdade, os pedidos são tratados, em média, em 1,9 meses, excluindo as formalidades adicionais e as suspensões para permitir a junção de documentos em falta. No entanto, se o prazo máximo permitido fosse demasiado curto, a regra do «indeferimento tácito» seria aplicada mais frequentemente e mais pedidos seriam indeferidos.
129. Os períodos de seis meses em questão dizem, de facto, respeito à emissão e à validade do relatório sobre a quota de mercado e não ao procedimento de licenciamento enquanto tal.
130. No que respeita ao primeiro prazo, é aplicável a regra do «deferimento tácito»: se não for emitido um relatório desfavorável sobre a quota de mercado no prazo de seis meses, considera‑se que o relatório é favorável. Creio que é contraditória a alegação da Comissão de que uma regra de «deferimento tácito» constitui uma restrição não proporcional à liberdade de estabelecimento, tendo esta argumentado, de forma ainda mais veemente, que a regra de «indeferimento tácito» constitui uma restrição daquele tipo quando aplicada à licença comercial municipal ou ao relatório municipal. Não deixa de ser adequada a fixação de um prazo para a emissão de um relatório (que deve, necessariamente, demorar algum tempo, mas não pode estender‑se indefinidamente) nem existe qualquer prova de que um prazo de seis meses não possa facilmente ser incorporado na programação de um grande projecto.
131. O segundo prazo coloca um limite à validade do relatório sobre a quota de mercado. Se este limite pode dissuadir potenciais requerentes, creio ser mais provável que o faça sendo o prazo demasiado curto do que quando é demasiado longo.
132. Entendo, pois, que o prazo de seis meses previsto no artigo 33.°, n.° 5, do Decreto 378/2006 é adequado e proporcional para assegurar o tratamento dos pedidos e que o prazo de seis meses previsto no artigo 33.°, n.° 7, do mesmo diploma não é susceptível de restringir a liberdade de estabelecimento em virtude da sua duração. No entanto, e uma vez que concluí que a exigência de um relatório sobre a quota de mercado, ao qual dizem respeito estes dois prazos , é uma restrição que não pode ser justificada, pois prossegue exclusivamente um objectivo económico, esta conclusão não afecta o resultado final dos presentes autos.
Quanto às despesas
133. Em conformidade com o disposto no artigo 69.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal de Justiça pode determinar que cada uma das partes suportará as suas próprias despesas. Face às conclusões antes expostas, entendo que é adequada a aplicação desta disposição no presente caso. Nos termos do artigo 69.°, n.° 4, do mesmo regulamento, os Estados‑Membros que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas.
Conclusão
134. Atendendo às precedentes considerações, proponho que o Tribunal de Justiça:
– declare que o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 43.° CE, tendo adoptado e/ou mantido em vigor as seguintes disposições:
– Artigo 4.°, n.° 1, da Lei n.° 18/2005 catalã, na medida em que proíbe o estabelecimento de grandes superfícies comerciais fora das zonas urbanas consolidadas de um número reduzido de municípios;
– Artigos 7.° e 10.°, n.° 2, do Decreto 379/2006 catalão, conjuntamente com o anexo 1 do mesmo diploma, na medida em que estabelecem que apenas podem ser autorizados novos hipermercados que não excedam 9% da oferta estimada de bens de consumo corrente ou 7% da oferta estimada de bens que não sejam de consumo corrente;
– Artigo 6.°, n.° 2, da Lei n.° 7/1996 nacional, artigo 8.° da Lei n.° 18/2005 catalã e artigo 14.°, n.° 1, alínea b), do Decreto 378/2006 catalão, na medida em que tais disposições impõem a aplicação de um limite máximo à quota de mercado e um limite máximo ao impacto no comércio existente, excedido o qual não podem ser criados novos grandes estabelecimentos comerciais e/ou novos estabelecimentos comerciais de dimensão média;
– Artigos 6.° e 7.° da Lei n.° 18/2005, na medida em que estabelecem que um pedido de licença se considera tacitamente indeferido se não for expressamente deferido dentro de um determinado prazo e, como tal, restringem mais a liberdade de estabelecimento do que uma regra nos termos da qual o pedido se considera tacitamente deferido se não for indeferido dentro desse prazo;
– Artigo 26.° do Decreto 378/2006, na medida em que regula a composição da Comisión de Equipamientos Comerciales por forma a dar uma voz significativa aos representantes dos interesses do comércio existente e a excluir os grupos de defesa dos interesses ambientais e de protecção dos consumidores;
– julgue o pedido improcedente quanto ao mais;
– condene a Comissão Europeia, o Reino de Espanha e o Reino da Dinamarca no pagamento das suas próprias despesas.
1 – Língua original: inglês.
2 – Ley 7/1996, de 15 de enero, de ordenación de comercio minorista (Lei de 15 de Janeiro de 1996 sobre o comércio a retalho).
3 – Ley 18/2005, de 27 de diciembre, de equipamientos comerciales (Lei de 27 de Dezembro de 2005 sobre os equipamentos comerciais).
4 – Decreto 378/2006, de 10 de octubre, por el que se desarrolla la Ley 18/2005 (Decreto, de 10 de Outubro de 2006, de execução da Lei n.° 18/2005).
5 – Decreto 379/2006, de 10 de octubre, por el que se aprueba el Plan territorial sectorial de equipamientos comerciales (Decreto, de 10 de Outubro de 2006, que aprova o plano territorial sectorial dos equipamentos comerciais, a seguir, «PTSEC»).
6 – V. nota 5 supra e n.° 19 infra.
7 – Definidas na primeira disposição adicional, artigo 1.°, n.° 2, da lei, como aquelas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros e/ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros.
8 – As taxas são reguladas pelo artigo 7.° da Ley de Tasas y Precios Públicos (Lei sobre impostos e taxas públicas), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto Legislativo 3/2008. As taxas são calculadas com base na área de vendas do projecto para o qual é pedida a licença, sendo aplicado um valor de 3,60 euros por m² relativamente aos pedidos de licença e de 0,90 euros por m² relativamente ao relatório sobre a quota de mercado.
9 – Existem categorias adicionais para hipermercados de dimensão média (área superior a 5 000 m²) e grandes hipermercados (área superior a 10 000 m²).
10 – Directiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 Dezembro 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO L 376, p. 36).
11 – V., neste sentido, acórdão de 15 de Junho de 2010, Comissão/Espanha (C‑211/08, Colect., p. I‑0000, n.° 32).
12 – V., para um exemplo recente, acórdão de 1 de Junho de 2010, Blanco Pérez e Chao Gómez (C‑570/07 e C‑571/07, Colect., p. I‑0000, n.° 53).
13 – V., também, acórdão Blanco Pérez e Chao Gómez (já referido na nota 12 supra, n.° 61).
14 – V., para um exemplo recente, acórdão de 22 de Dezembro de 2008, Comissão/Áustria (C‑161/07, Colect., p. I‑10671, n.° 36, e jurisprudência referida).
15 – A Comissão critica concretamente as «condições que determinam a segurança do projecto e a integração do estabelecimento na área urbana envolvente», a «mobilidade gerada pelo projecto» e o «direito dos consumidores a dispor de uma oferta ampla e variada em termos de qualidade, quantidade, preço e características dos produtos».
16 – As limitações são aplicáveis aos estabelecimentos do sector da alimentação de dimensão média e a todos os estabelecimentos com uma área superior a 1 000 m² dedicados à venda de bens eléctricos ou electrónicos para uso doméstico, equipamento desportivo ou pessoal, artigos de lazer ou de cultura. Assim, apenas as alegações que constam das nas alíneas a), b) e c) podem ser relevantes para a alegação de discriminação.
17 – Os valores apresentados pela Comissão (e que são contestados pelo Governo espanhol) mostram que, em 2002, os operadores estrangeiros controlavam cerca de 54% da área de vendas nos grandes estabelecimentos e cerca de 14% nos mais pequenos e que, em 2007, ao passo que a percentagem relativa aos estabelecimentos de maior dimensão permanecia estável, a relativa aos estabelecimentos mais pequenos tinha caído para 8%. Os valores apresentados pelo Governo espanhol para o ano de 2008 mostram que os operadores estrangeiros controlavam 68% da área de vendas nos grandes estabelecimentos e cerca de 28% nos mais pequenos.
18 – A grande divergência entre os dois factores é devida, em grande medida, ao facto de os valores apresentados pelo Governo espanhol relativamente aos estabelecimentos comerciais com uma área inferior a 2 500 m² serem significativamente inferiores aos valores apresentados pela Comissão.
19 – V., o quadro do n.° 11, supra. A relevância da linha divisória correspondente aos 2 500 m² é ainda mais reduzida pelas várias excepções referidas nos n.os 12, 13 e 23 supra.
20 – Nem foram fornecidos ao Tribunal de Justiça dados, para qualquer categoria de estabelecimento, ventilados de acordo com a participação no capital dos operadores de venda a retalho em questão.
21 – Poderia muito bem aplicar‑se de forma mais premente, por exemplo, a um operador de Huelva, no sudoeste de Espanha (a mais de 1 000 km de distância de Barcelona), do que a um de Perpignan, no sul de França (a menos de 200 km de distância de Barcelona), se ambos pretendessem entrar no mercado catalão.
22 – Acórdão Blanco Pérez e Chao Gómez (já referido, n.° 53).
23 – Acórdão de 5 de Outubro de 2004 (C‑442/02, Colect., p. I‑8961, n.os 12 a 14).
24 – Acórdão de 28 de Abril de 2009 (C‑518/06, Colect., p. I‑3491, n.os 66 a 70).
25 – Acórdãos de 15 de Janeiro de 2002, Comissão/Itália (C‑439/99, Colect., p. I‑305); de 19 de Maio de 2009, Comissão/Itália (C‑531/06, Colect., p. I‑4103); e de 10 de Março de 2009, Hartlauer (C‑169/07, Colect., p. I‑1721).
26 – Acórdão de 12 de Fevereiro de 1987, Comissão/Reino da Bélgica (221/85, Recueil, p. 719).
27 – Acórdãos de 20 de Junho de 1996, Semeraro Casa Uno e o. (C‑418/93 a C‑421/93, C‑460/93 a C‑462/93, C‑464/93, C‑9/94 a C‑11/94, C‑14/94, C‑15/94, C‑23/94, C‑24/94 e C‑332/94, Colect., p. I‑2975, n.° 32), e de 27 de Janeiro de 2000, Graf (C‑190/98, Colect., p. I‑493, n.° 25).
28 – Conclusões do advogado‑geral A. Tizzano no processo na origem do acórdão CaixaBank France, já referido, n.° 58.
29 – Acórdãos de 24 de Novembro de 1993, Keck e Mithouard (C‑267/91 e C‑268/91, Colect., p. I‑6097, n.os 16 e 17); de 29 de Junho de 1995, Comissão/Grécia (C‑391/92, Colect., p. I‑1621, n.° 13), e de 2 de Junho de 1994, Punto Casa e PPV (C‑69/93 e C‑258/93, Colect., p. I‑2355, n.° 12).
30 – Acórdãos de 10 de Fevereiro de 2009, Comissão/Itália (C‑110/05, Colect., p. I‑519, n.os 56 e 57); de 10 de Abril de 2008, Comissão/Portugal (C‑265/06, Colect., p. I‑2245); e de 4 de Junho de 2009, Mickelsson e Roos (C‑142/05, Colect., p. I‑4273).
31 – V., n.° 16, supra. A Comissão critica concretamente as «condições que determinam a segurança do projecto e a integração do estabelecimento na área urbana envolvente», a «mobilidade gerada pelo projecto» e o «direito dos consumidores a dispor de uma oferta ampla e variada em termos de qualidade, quantidade, preço e características dos produtos», critérios aos quais falta rigor e que são susceptíveis de conduzir a uma grande variabilidade na sua aplicação. A Espanha, no entanto, nega a falta de rigor no que toca às duas primeiras condições, assunto sobre o qual me debruçarei mais adiante.
32 – V., n.° 14, supra.
33 – V., n.° 17, supra.
34 – Admitindo que tais alegações são fundamentadas; debruçar‑me‑ei mais adiante sobre a questão de saber se as taxas cobradas e a duração do procedimento são adequadas e proporcionadas.
35 – V., n.os 7 a 9 e 45, supra.
36 – V., por exemplo, acórdão Blanco Pérez e Chao Gómez (já referido, n.° 61).
37 – V., para exemplos recentes: relativamente à protecção do ambiente, acórdão de 11 de Março de 2010, Attanasio Group srl (C‑348/08, Colect., p. I‑0000, n.° 50); relativamente ao ordenamento do território, acórdão de 1 de Outubro de 2009, Woningstichting Sint Servatius (C‑567/07, Colect., p. I‑9021, n.° 29); e, relativamente à protecção dos consumidores, acórdão de 13 de Setembro de 2007, Comissão/Itália (C‑260‑04, Colect., p. I‑7083, n.° 27).
38 – V., para um exemplo recente, acórdão de 15 de Abril de 2010, CIBA (C‑96/08, Colect., p. I‑0000, n.° 48).
39 – V., n.° 8, supra.
40 – V., respectivamente, n.os 7 e 20, supra.
41 – Acórdão de 4 de Junho de 2002, Comissão/Portugal (C‑367/98, Colect., p. I‑ 4731, n.° 52).
42 – V. n.° 36 e nota 14,supra.
43 – V., n.° 82, supra.
44 – Chamo a atenção para o facto de, em todo o caso, a Comissão considerar esta questão irrelevante, uma vez que, na sua opinião, a legislação catalã se inspira na legislação nacional.
45 – V., acórdão Comissão/Itália (já referido, n.os 40 e 41); v., também, para uma análise mais completa, as conclusões apresentadas pelo advogado‑geral S. Alber no processo na origem desse acórdão, n.os 163 e segs.
46 – Ley 9/2003, de 13 de junio, de la movilidad (Lei de 13 Dezembro de 2003 sobre a mobilidade), em especial o seu artigo 18.°
47 – Directiva 98/8/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 1998, relativa à colocação de produtos biocidas no mercado (JO L 123, p. 1); v., em especial, o anexo VI. Outros exemplos incluem: Decisão 97/794/CE da Comissão, de 12 de Novembro de 1997, que estabelece certas normas de execução da Directiva 91/496/CE do Conselho no que diz respeito aos controlos veterinários de animais vivos a importar de países terceiros (JO L 323, p. 31); Orientações da Comissão relativas às restrições verticais (JO 2000, C 291, p. 1); e Regulamento (CE) n.° 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Directivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho (JO L 309, p. 1).
48 – Acórdão de 20 de Fevereiro de 2001 (C‑205/99, Colect., p. I‑1271, n.° 38).
49 – V. n.° 128 e segs. infra.
50 – Acórdão de 22 de Janeiro de 2002, Canal Satélite Digital (C‑390/99, Colect., p. I‑607, n.° 41).
51 – Ibid., n.° 42.
52 – Acórdão de 20 de Abril de 1993, Ponente Carni e Cispadana Costruzioni (C‑71/91 e C‑178/91, Colect., p. I‑1915, n.° 42).
53 – V., nota 8, supra.