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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62008CC0147

    Conclusões do advogado-geral Jääskinen apresentadas em 15 de Julho de 2010.
    Jürgen Römer contra Freie und Hansestadt Hamburg.
    Pedido de decisão prejudicial: Arbeitsgericht Hamburg - Alemanha.
    Igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional - Princípios gerais do direito da União - Artigo 157.º TFUE - Directiva 2000/78/CE - Âmbito de aplicação - Conceito de ‘remuneração’ - Exclusões - Regime profissional de previdência sob a forma de pensão complementar de reforma para os antigos empregados e trabalhadores de uma autarquia local e seus sobrevivos - Método de cálculo desta pensão que favorece os beneficiários casados em relação aos beneficiários que vivem em união de facto registada - Discriminação baseada na orientação sexual.
    Processo C-147/08.

    Colectânea de Jurisprudência 2011 I-03591

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2010:425

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    NIILO JÄÄSKINEN

    apresentadas em 15 de Julho de 2010 1(1)

    Processo C‑147/08

    Jürgen Römer

    contra

    Freie und Hansestadt Hamburg

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Arbeitsgericht Hamburg (Alemanha)]

    «Igualdade de tratamento em matéria de emprego e de trabalho – Artigo 141.° CE – Âmbito de aplicação – Noção de ‘remuneração’ – Exclusões – Método de cálculo de uma pensão complementar de reforma menos favorável para os beneficiários não casados – União de facto registada – Discriminação em razão da orientação sexual»






    Índice


    I –   Introdução

    II – II ‑ Quadro jurídico

    A –   Direito da União 

    1.     Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

    2.     Tratado CE

    3.     Directiva 2000/78

    B –   Direito nacional

    1.     Lei fundamental

    2.     Lei da união de facto registada

    3.     Disposições aplicáveis no Land de Hamburgo em matéria de previdência

    4.     HmbZVG

    5.     Primeira RGG

    III – Litígio no processo principal

    IV – Reenvio prejudicial

    V –   Análise

    A –   Introdução

    B –   Quanto ao âmbito de aplicação material da Directiva 2000/78

    1.     Quanto ao artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 2000/78

    2.     Quanto ao vigésimo segundo considerando da Directiva 2000/78

    C –   Quanto à existência de uma discriminação em razão da orientação sexual na acepção da Directiva 2000/78

    1.     Quanto à discriminação directa

    2.     Quanto à discriminação indirecta

    3.     Conclusão intermédia

    D –   Quanto à violação do artigo 141.° CE ou de um princípio geral do direito da União

    E –   Quanto aos aspectos temporais do processo

    1.     Quanto aos efeitos no tempo do direito à igualdade de tratamento

    2.     Quanto à limitação no tempo dos efeitos do acórdão do Tribunal de Justiça

    F –   Quanto à conciliação entre o princípio da igualdade de tratamento e um objectivo decorrente do direito nacional, tal como a protecção especial do casamento e da família

    1.     Quanto ao princípio do primado do direito da União relativo à igualdade de tratamento

    2.     Quanto à eventual justificação de uma discriminação por um objectivo fundado no direito nacional

    VI – Conclusão

    I –    Introdução

    1.        O pedido de decisão prejudicial é relativo à interpretação dos princípios gerais e das disposições do direito da União, tanto primário como derivado, no que respeita à discriminação em razão da orientação sexual em matéria de emprego e de trabalho.

    2.        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre J. Römer e a Freie und Hansestadt Hamburg (2) a respeito da recusa de esta última lhe atribuir uma pensão complementar de reforma de um montante tão elevado como o pedido, sabendo‑se que o modo de cálculo seguido pelo seu antigo empregador era mais favorável para os contribuintes casados do que para os que, como ele, vivem nos laços de uma união de facto registada nos termos do direito alemão.

    3.        O reenvio prejudicial dá ao Tribunal de Justiça a oportunidade de esclarecer ou mesmo de completar a posição que adoptou no acórdão Maruko (3), proferido em Grande Secção em 1 de Abril de 2008, que incidiu sobre a recusa em conceder a um homem que constituiu uma união de facto registada e cujo parceiro tinha falecido uma pensão de viuvez a título das prestações de sobrevivência previstas pelo regime obrigatório de previdência profissional em que o seu parceiro estava inscrito. Além disso, o Tribunal de Justiça tem a possibilidade de se manifestar sobre o alcance da sua jurisprudência relativa ao direito à igualdade de tratamento que desenvolveu designadamente através dos acórdãos Mangold (4) e Kücükdeveci (5) num domínio paralelo ao da discriminação em razão da orientação sexual, ou seja, o da discriminação em razão da idade.

    4.        No presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado, designadamente, a delimitar o âmbito de aplicação material da Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional (6), a especificar os elementos constitutivos de uma discriminação directa ou indirecta em razão da orientação sexual, na acepção deste texto ou de outras disposições do direito da União, bem como a definir os efeitos no tempo das respostas que vier a dar. Infelizmente, está dificultado o cumprimento desta missão pelo Tribunal de Justiça, especialmente no tocante à apreensão do direito nacional, pelo facto de a República Federal da Alemanha não ter apresentado observações sobre as questões prejudiciais, ao passo que o Land de Hamburgo se limitou a apresentar observações muito sintéticas no quadro dos autos instaurados no Tribunal de Justiça.

    II – II ‑ Quadro jurídico

    A –    Direito da União (7)

    1.      Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

    5.        O artigo 21.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (8) tem a seguinte redacção: «É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual».

    2.      Tratado CE

    6.        O Tratado de Amesterdão (9) introduziu uma nova redacção no artigo 13.°, n.° 1, do Tratado CE, em cujos termos, «[s]em prejuízo das demais disposições do presente Tratado e dentro dos limites das competências que este confere à Comunidade, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão e após consulta ao Parlamento Europeu, pode tomar as medidas necessárias para combater a discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual».

    7.        O artigo 141.° CE prevê:

    «1.      Os Estados‑Membros assegurarão a aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos, por trabalho igual ou de valor igual.

    2.      Para efeitos do presente artigo, entende‑se por ‘remuneração’ o salário ou vencimento ordinário, de base ou mínimo, e quaisquer outras regalias pagas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, pela entidade patronal ao trabalhador em razão do emprego deste último.

    A igualdade de remuneração sem discriminação em razão do sexo implica que:

    a)      A remuneração do mesmo trabalho pago à tarefa seja estabelecida na base de uma mesma unidade de medida;

    b)      A remuneração do trabalho pago por unidade de tempo seja a mesma para um mesmo posto de trabalho.

    […]».

    3.      Directiva 2000/78

    8.        O décimo terceiro e o vigésimo segundo considerandos da Directiva 2000/78, que foi adoptada nos termos do artigo 13.° CE, enunciam:

    «(13) A presente directiva não é aplicável aos regimes de segurança social e de protecção social cujas regalias não sejam equiparadas a remuneração, na acepção dada a este termo para efeitos de aplicação do artigo 141.° do Tratado CE, nem aos pagamentos de qualquer espécie, efectuados pelo Estado, que tenham por objectivo o acesso ao emprego ou a manutenção no emprego.

    […]

    (22)      A presente directiva não prejudica as legislações nacionais em matéria de estado civil nem as prestações delas decorrentes».

    9.        O artigo 1.° da mesma directiva dispõe:

    «A presente directiva tem por objecto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à actividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento».

    10.      O artigo 2.° da referida directiva estabelece:

    «1.      Para efeitos da presente directiva, entende‑se por ‘princípio da igualdade de tratamento’ a ausência de qualquer discriminação, directa ou indirecta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°

    2.      Para efeitos do n.° 1:

    a)      Considera‑se que existe discriminação directa sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°, uma pessoa seja objecto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

    b)      Considera‑se que existe discriminação indirecta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja susceptível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual, comparativamente com outras pessoas, a não ser que:

    i)      essa disposição, critério ou prática sejam objectivamente justificados por um objectivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários […]»

    11.      O artigo 3.° da Directiva 2000/78 tem a seguinte redacção:

    «1.      Dentro dos limites das competências atribuídas à Comunidade, a presente directiva é aplicável a todas as pessoas, tanto no sector público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito: […]

    c)      Às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração;[…]

    3.      A presente directiva não é aplicável aos pagamentos de qualquer espécie efectuados pelos regimes públicos ou equiparados, incluindo os regimes públicos de segurança social ou protecção social.[…]».

    12.      Nos termos do disposto no artigo 18.°, primeiro parágrafo, da Directiva 2000/78, os Estados‑Membros deviam, em princípio, adoptar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para lhe dar cumprimento o mais tardar em 2 de Dezembro de 2003 ou confiar aos parceiros sociais a sua execução no que respeita às disposições que sejam do âmbito das convenções colectivas.

    B –    Direito nacional

    1.      Lei fundamental

    13.      O § 6, n.° 1, da Lei fundamental da República Federal da Alemanha (Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland, a seguir «Lei fundamental») (10), dispõe que «[o] casamento e a família ficam sob a especial protecção do Estado».

    2.      Lei da união de facto registada

    14.      O § 1 da Lei da união de facto registada (Gesetz über die Eingetragene Lebenspartnerschaft), de 16 de Fevereiro de 2001 (11), conforme alterada pela Lei de 15 de Dezembro de 2004 (12) (a seguir «LPartG»), dispõe o seguinte a respeito da forma e condições de estabelecimento da referida união:

    «(1)      Duas pessoas do mesmo sexo estabelecem uma união de facto quando declaram mutuamente, pessoalmente e na presença uma da outra, que desejam constituir uma união de facto (parceiros). As declarações não podem ser efectuadas sob condição ou a termo. As declarações produzem efeitos quando são prestadas perante a autoridade competente. […]»

    15.      O § 2 da LPartG estabelece:

    «Os parceiros devem‑se mutuamente auxílio e assistência e obrigam‑se mutuamente a uma comunhão de vida. Assumem responsabilidades um em relação ao outro.»

    16.      O § 5 da referida lei dispõe:

    «Os parceiros obrigam‑se mutuamente a contribuir de maneira adequada para as necessidades da união de facto com o seu trabalho e o seu património. Os §§ 1360, segundo período, 1360 a e 1360 b do Código Civil [Bürgerliches Gesetzbuch, a seguir ‘BGB’] e o § 16, segundo parágrafo, aplicam‑se por analogia.»

    17.      O § 11, n.° 1, da mesma lei, relativo aos outros efeitos da união de facto registada, prevê:

    «Salvo disposição em contrário, cada parceiro é considerado membro da família do outro.»

    3.      Disposições aplicáveis no Land de Hamburgo em matéria de previdência

    18.      O direito interno pertinente no que respeita ao litígio no processo principal é composto por dois actos legislativos que foram adoptados pelo Land de Hamburgo (13), a saber, a Lei de 7 de Março de 1995 relativa ao seguro complementar (Hamburgisches Zusatzversorgungsgesetz, a seguir «HmbZVG») (14) e a Lei relativa às pensões complementares de reforma e de sobrevivência dos outros agentes e empregados da Freie und Hansestadt Hamburg (Erstes Ruhegeldgesetz der Freien und Hansestadt Hamburg, a seguir «Primeira RGG») (15), na sua versão de 30 de Maio de 1995, alterada pela última vez em 2 de Julho de 2003.

    4.      HmbZVG

    19.      O § 1 da HmbZVG indica que esta lei é aplicável às pessoas empregues pela Freie und Hansestadt Hamburg, bem como a qualquer pessoa à qual esta última deva pagar uma pensão na acepção do § 2 (beneficiários da pensão). De acordo com este § 2, a pensão é atribuída sob a forma de uma pensão de reforma (§§ 3 a 10) ou de sobrevivência (§§ 11 a 19). O § 2 a dispõe que os outros agentes e empregados participam nas despesas da pensão mediante o pagamento de uma contribuição cuja taxa inicial ascende a 1,25%. Segundo o § 2 b, a obrigação de contribuição tem início na data da celebração da relação laboral e termina na data de cessação da mesma. O § 2 c dispõe que a contribuição é calculada com base na remuneração tributável do outro agente ou empregado e paga por retenção na fonte.

    20.      O § 6 da HmbZVG prevê que o montante mensal da pensão de reforma corresponde, por cada ano completo do período de emprego que confere direito à pensão, a 0,5% das remunerações tomadas em conta para o seu cálculo (16).

    21.      As remunerações que entram no cálculo da pensão de reforma são especificadas no § 7 da HmbZVG, ao passo que os períodos de emprego que conferem direito a esta, bem como os excluídos, são definidos pelo § 8.

    22.      O § 29 da HmbZVG versa sobre as disposições transitórias a respeito dos beneficiários de pensões abrangidos pela Primeira RGG na acepção do § 1, n.° 1, segundo período. O n.° 1 do § 29, em conjugação com o seu n.° 5, prevê que a referida categoria de beneficiários de pensões, em derrogação designadamente do disposto no § 6, n.os 1 e 2, continuará a receber uma pensão igual ao montante de que beneficiava em Julho de 2003 ou àquele a que, nos termos dos n.os 2 e 4 do mesmo §, teria direito em Dezembro de 2003.

    5.      Primeira RGG

    23.      O § 10, n.° 6, da Primeira RGG dispõe:

    «(6)      O rendimento líquido a tomar em consideração para efeitos do cálculo da pensão é determinado deduzindo das remunerações que entram para o cálculo da reforma (§ 8):

    1.      o montante que deveria ser pago a título do imposto a cobrar sobre os vencimentos [excepto a parte a entregar à Igreja (Kirchenlohnsteuer)], segundo o escalão III/0 no caso dos beneficiários casados que não vivam duradouramente separados na data em que tem início o pagamento da pensão de reforma (§ 12, n.° 1) ou dos beneficiários que, na mesma data, tenham direito a beneficiar do abono de família ou de prestações equivalentes,

    2.      o montante que, na data em que tem início o pagamento da pensão de reforma, deveria ser pago a título do imposto a cobrar sobre os vencimentos (excepto a parte a entregar à Igreja), segundo o escalão I no caso dos outros beneficiários. […]»

    24.      Nos termos do § 8, n.° 10, último período, da Primeira RGG, se as condições previstas pelo § 10, n.° 6, ponto 1, da Primeira RGG só vierem a estar reunidas após o início do pagamento da pensão de reforma, deve, a pedido do interessado, ser aplicado a partir da data do seu pedido o escalão III/0 do imposto.

    25.      Cabe acrescentar que o montante a deduzir nos termos do escalão III/0 do imposto é nitidamente inferior ao montante a deduzir nos termos do seu escalão I.

    III – Litígio no processo principal

    26.      As partes não estão de acordo a respeito do montante da pensão a que tem direito o recorrente no processo principal, J. Römer, a partir de Novembro de 2001.

    27.      De 1950 até ter ficado incapacitado para o trabalho em 31 de Maio de 1990, J. Römer trabalhou para a recorrida no processo principal, a Freie und Hansestadt Hamburg, como empregado administrativo. A partir de 1969, tem vivido de forma ininterrupta com U. Em 15 de Outubro de 2001, o recorrente no processo principal e o seu companheiro celebraram uma união de facto registada ao abrigo da LPartG. J. Römer comunicou o facto ao seu antigo empregador por carta de 16 de Outubro de 2001. Através de uma nova carta, datada de 28 de Novembro de 2001, requereu que fosse recalculado o montante da sua pensão de reforma por aplicação da retenção mais vantajosa que decorre do recurso ao escalão III do imposto, com efeitos a partir de 1 de Agosto de 2001 segundo o órgão jurisdicional de reenvio, sendo que o recorrente afirma que apenas requereu este aumento da sua pensão de reforma com efeitos a partir de 1 de Novembro de 2001.

    28.      Por ofício de 10 de Dezembro de 2001, a Freie und Hansestadt Hamburg informou a J. Römer que não podia beneficiar da aplicação do escalão III do imposto em vez do escalão I devido a, nos termos do § 10, n.° 6, ponto 1, da Primeira RGG, o escalão III do imposto ser unicamente aplicável aos beneficiários casados que não vivam duradouramente separados e aos beneficiários que tenham direito a beneficiar do abono de família ou de prestações equivalentes.

    29.      De acordo com o «cálculo dos direitos à pensão de reforma» preparado pela Freie und Hansestadt Hamburg em 2 de Setembro de 2001, a pensão de reforma paga mensalmente a J. Römer a partir desta data ascendia, com aplicação do escalão I do imposto, a 1 204,55 DEM (615,88 euros). Segundo os cálculos do interessado, não contestados pelo seu antigo empregador, esta pensão mensal de reforma teria sido em Setembro de 2001 superior em 590,87 DEM (302,11 euros) a esse montante se tivesse sido aplicado o escalão III do imposto.

    30.      O litígio foi submetido ao Arbeitsgericht Hamburg (Alemanha). J. Römer considera que tem direito a ser tratado como um beneficiário casado que não vive duradouramente separado para efeitos do cálculo da sua pensão com base no disposto no § 10, n.° 6, ponto 1, da Primeira RGG. Alega que o critério do «beneficiário casado que não vive duradouramente separado» previsto pela referida disposição deve ser interpretado no sentido de que inclui os beneficiários que tenham celebrado uma união de facto registada ao abrigo da LPartG.

    31.      J. Römer considera que o seu direito à igualdade de tratamento com os beneficiários casados que não vivem duradouramente separados resulta, em qualquer caso, da Directiva 2000/78. Em sua opinião, a justificação para a diferença de tratamento entre os beneficiários casados e os que celebraram uma união de facto, relativa à capacidade de procriação dos cônjuges, não é convincente, dado que, mesmo no quadro das uniões de facto celebradas entre pessoas do mesmo sexo, as crianças concebidas por um dos parceiros da união são educadas e podem ser adoptadas por um par formado por pessoas que vivem em união de facto. Refere igualmente que, uma vez que não foi transposta para o direito interno no prazo estipulado no artigo 18.°, n.° 2, ou seja, o mais tardar até 2 de Dezembro de 2003, a referida directiva é directamente aplicável à recorrida no processo principal.

    32.      A Freie und Hansestadt Hamburg concluiu pela negação de provimento ao recurso. Argumenta que o termo «casado», na acepção do § 10, n.° 6, ponto 1, da Primeira RGG, não pode ser interpretado no sentido pretendido por J. Römer. Essencialmente, invoca que o § 6, n.° 1, da Lei fundamental coloca o casamento e a família sob a protecção especial da ordem pública, por constituírem desde há muito tempo a unidade de base da comunidade nacional e que, por essa razão, o casamento sem filhos – deliberado ou não – também é protegido, pois permite o equilíbrio dos sexos no primeiro nível da comunidade nacional. Além disso, em seu entender, o casamento constitui, em, geral, o passo prévio à fundação de uma família, na medida em que, sendo a forma mais corrente de comunidade entre um homem e uma mulher reconhecida pelo direito, constitui o quadro para o nascimento dos filhos e, consequentemente, a transformação do par unido pelo casamento em família.

    33.      Ainda segundo a Freie und Hansestadt Hamburg, existe um paralelo entre a questão da tributação conjunta e a da possibilidade de aplicar ficticiamente o escalão III do imposto ao cálculo das pensões pagas nos termos da Primeira RGG. Alega que os recursos financeiros de que os beneficiários virão a dispor mensalmente para assegurar as necessidades da vida corrente são determinados tanto pela tributação conjunta durante o período da actividade profissional como pela aplicação fictícia do escalão III do imposto para o cálculo do montante das pensões. A vantagem conferida às pessoas que fundaram uma família, ou que teriam podido fazê‑lo, tem por objectivo compensar a carga financeira adicional que tal implica.

    IV – Reenvio prejudicial

    34.      Por decisão que deu entrada em 10 de Abril de 2008 (17), o Arbeitsgericht Hamburg decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais (18):

    «1.      As pensões complementares para o antigo pessoal contratado da Freie und Hansestadt Hamburg e os seus sobreviventes, reguladas na [Primeira RGG], constituem «pagamentos […] efectuados pelos regimes públicos ou equiparados, incluindo os regimes públicos de segurança social ou protecção social», na acepção do artigo 3.°, n.° 3, da [Directiva 2000/78], com a consequência de que a referida directiva não é aplicável no domínio de aplicação da Primeira RGG?

    2.      Em caso de resposta negativa à questão anterior:

    a)      As disposições da Primeira RGG que, para o cálculo do valor das pensões, distinguem entre os beneficiários casados, por um lado, e todos os outros beneficiários, por outro, sendo mais vantajosas para os beneficiários casados – inclusivamente em relação a pessoas que constituíram com uma pessoa do mesmo sexo uma união de facto ao abrigo da Lebenspartnerschaftsgesetz da República Federal da Alemanha –, constituem ‘legislações nacionais em matéria de estado civil [e de] prestações [dele dependentes]’, na acepção do vigésimo segundo considerando da Directiva 2000/78?

    b)      Em caso de resposta afirmativa à questão anterior: Isso tem como consequência que a Directiva 2000/78 não é aplicável às referidas disposições da Primeira RGG, não obstante a própria directiva não conter uma limitação do seu âmbito de aplicação correspondente ao seu vigésimo segundo considerando?

    3.      Em caso de resposta negativa à primeira parte ou à segunda parte da questão 2: O § 10, n.° 6, da Primeira RGG, segundo o qual as pensões dos beneficiários casados que não vivam duradouramente separados do seu cônjuge são calculadas tomando ficticiamente por base o escalão III/0 (que é mais favorável para o sujeito passivo), enquanto as pensões de todos os outros beneficiários são calculadas tomando ficticiamente por base o escalão I (que é menos favorável para o sujeito passivo), viola as disposições conjugadas dos artigos 1.°, 2.° e 3.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 2000/78 em relação a um beneficiário que constituiu uma união de facto com uma pessoa do mesmo sexo e que não vive duradouramente separado desta pessoa?

    4.      Em caso de resposta afirmativa à questão 1 ou à segunda parte da questão 2 ou em caso de resposta negativa à questão 3: Por força do regime ou da consequência jurídica descritos na questão 3, o § 10, n.° 6, ponto 1, da Primeira RGG viola o artigo 141.° CE ou um princípio geral do direito comunitário?

    5.      Em caso de resposta afirmativa à questão 3 ou à questão 4: Isso tem como consequência que, enquanto o § 10, n.° 6, ponto 1, da Primeira RGG não for alterado de modo a que a desigualdade de tratamento contestada seja suprimida, o beneficiário que constituiu a união de facto e que não vive duradouramente separado do seu parceiro pode exigir ser tratado, no cálculo da sua pensão, como um beneficiário casado que não vive duradouramente separado do seu cônjuge? Em caso afirmativo, isto é igualmente válido – caso a directiva seja aplicável e em caso de resposta afirmativa à questão 3 – antes do decurso do prazo de transposição previsto no artigo 18.°, n.° 1, da Directiva 2000/78?

    6.      Em caso de resposta afirmativa à questão 5: Em conformidade com a fundamentação do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo C‑262/88 (Barber), isso é válido com a limitação de que a igualdade de tratamento no cálculo das pensões só deve ser estabelecida relativamente à parte da pensão cujo direito foi adquirido pelo beneficiário a partir de 17 de Maio de 1990?»

    35.      Por decisão datada de 23 de Janeiro de 2009, o Arbeitsgericht Hamburg decidiu completar o pedido inicial de decisão prejudicial, acrescentando as seguintes questões:

    «7)      Caso o Tribunal de Justiça considere que existe uma discriminação directa:

    a)      Que importância deve ser atribuída ao facto de tanto a Lei fundamental […] como o direito comunitário exigirem, por um lado, que seja respeitado o princípio da igualdade de tratamento mas que, por outro, o direito da República Federal da Alemanha disponha que o casamento e a família são colocados sob a protecção especial do Estado, por força do valor jurídico constitucional que lhes é expressamente atribuído pelo § 6, n.° 1, da Lei fundamental?

    b)      Uma disposição normativa directamente discriminatória pode ser justificada, apesar dos termos da Directiva [2000/78], com o fundamento de que cumpre um objectivo do direito interno mas não do direito comunitário? Nesse caso, o outro objectivo prosseguido pelo direito do Estado‑Membro pode prevalecer simplesmente sobre o princípio da igualdade de tratamento?

    Em caso de resposta negativa à questão anterior:

    c)      Com base em que critério jurídico se pode decidir como, nesse caso, deve ser assegurado o equilíbrio entre o princípio comunitário da igualdade de tratamento e o outro objectivo jurídico do direito interno do Estado‑Membro? São igualmente válidas a este respeito as condições enunciadas no artigo 2.°, n.° 2, alínea b) [(19)], i), da Directiva [2000/78], em matéria de admissão das discriminações indirectas, isto é, que a regulamentação discriminatória seja objectivamente justificada por um objectivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários?

    d)      Uma regulamentação como a do § 10, n.° 6, ponto 1, da Primeira RGG, cumpre as condições de legalidade estabelecidas pelo direito comunitário, definidas na resposta à questão anterior? Preenche estas condições apenas devido à disposição específica de direito interno que não tem equivalente em direito comunitário, ou seja, o § 6, n.° 1, da Lei fundamental?»

    V –    Análise

    A –    Introdução

    36.      Apesar da sua aparente complexidade, decorrente de uma redacção pormenorizada e de uma articulação em cascata, creio que as diversas questões prejudiciais submetidas à apreciação do Tribunal de Justiça se podem essencialmente agrupar em cinco problemáticas de ordem geral.

    37.      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o regime das pensões complementares atribuídas pela Freie und Hansestadt Hamburg está abrangido, ratione materiae, pelo âmbito da Directiva 2000/78, e isto sob dois ângulos diferentes. Começa num primeiro momento por se interrogar sobre o alcance da exclusão dos pagamentos efectuados pelos regimes públicos ou equiparados estabelecida neste diploma para, depois, suscitar a questão da delimitação a traçar entre a competência dos Estados‑Membros em matéria da definição do estado civil e a execução das normas do direito da União relativas à não discriminação em razão da orientação sexual.

    38.      Em segundo lugar, caso a Directiva 2000/78 seja efectivamente aplicável relativamente ao disposto no § 10, n.° 6, da Primeira RGG, o órgão jurisdicional de reenvio pede uma orientação para a apreciação da existência de uma discriminação directa ou indirecta à luz das disposições da referida directiva.

    39.      Em terceiro lugar, para a hipótese contrária, solicita a título subsidiário esclarecimentos no que respeita ao impacto, no processo principal, do disposto no artigo 141.° CE e dos princípios gerais do direito da União.

    40.      Em quarto lugar, o órgão jurisdicional a quo interroga‑se sobre os efeitos ratione temporis, por um lado, das normas do direito da União por si visadas e, por outro, do acórdão a proferir pelo Tribunal de Justiça.

    41.      Em quinto lugar, pede que este Tribunal defina as regras que permitam dirimir um conflito entre as orientações dadas por uma norma constitucional presente na ordem jurídica nacional e as exigências decorrentes do princípio da igualdade de tratamento a respeito da orientação sexual que é aplicável por força do direito da União.

    42.      A meu ver, a terceira questão é, sem dúvida, a que suscita maiores dificuldades de interpretação, na ausência de jurisprudência assente a respeito da questão de saber se existe um princípio geral do direito da União no domínio em causa.

    43.      No quadro das conclusões apresentadas no processo que conduziu ao acórdão Maruko, já referido, o advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer explicou de modo aprofundado as evoluções jurídicas que presidiram ao reconhecimento do direito à igualdade de tratamento para as pessoas de orientação homossexual na perspectiva do direito da União (20).

    44.      O acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no referido processo declarou que as disposições conjugadas dos artigos 1.° e 2.° da Directiva 2000/78 se opõem a uma legislação como a que estava em causa no processo principal, por força da qual, após a morte do seu parceiro registado, o parceiro sobrevivo não recebia uma prestação de sobrevivência equivalente à concedida a um cônjuge sobrevivo, apesar de, segundo o direito nacional, a união de facto registada colocar as pessoas do mesmo sexo numa situação comparável à dos cônjuges no que respeita à referida prestação de sobrevivência. Especificou que incumbia ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se um parceiro sobrevivo estava numa situação comparável à de um cônjuge beneficiário da prestação em causa (21).

    45.      Os autos do presente processo mostram que os tribunais alemães seguiram interpretações divergentes no tocante à aplicação dos critérios relativos ao carácter comparável previstos pelo Tribunal de Justiça. Em particular, colocou‑se a questão de saber se haverá que procurar uma identidade abstracta entre as instituições jurídicas ou antes uma similitude suficiente entre as situações jurídicas e factuais nas quais se encontram as pessoas em causa.

    46.      A jurisprudência desenvolvida pelo Tribunal de Justiça a respeito da não discriminação em razão da idade conduz também a que se suscite a questão de saber se a não discriminação em razão da orientação sexual assume ou não o estatuto de um princípio geral do direito da União. Uma resposta afirmativa a esta questão terá influência nos aspectos temporais deste processo. Uma resposta negativa exigirá uma explicação a respeito da razão pela qual a proibição da discriminação em razão do referido critério terá um estatuto normativo mais frágil do que a relativa às discriminações por outros motivos proibidos pelo artigo 13.° CE e pela Carta dos Direitos Fundamentais.

    B –    Quanto ao âmbito de aplicação material da Directiva 2000/78

    47.      Como as duas primeiras questões prejudiciais são relativas ao âmbito de aplicação ratione materiae da Directiva 2000/78, importa analisá‑las conjuntamente. O órgão jurisdicional de reenvio recorda que, para que haja violação da referida directiva, é previamente necessário que a mesma seja aplicável ao caso em apreço, o que, em seu entender, poderá ser contestado por dois motivos: com base, por um lado, no artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 2000/78 e, por outro, com fundamento no seu vigésimo segundo considerando.

    1.      Quanto ao artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 2000/78

    48.      Resulta do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 2000/78 que esta é aplicável a todas as pessoas, tanto no sector público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito designadamente às condições de remuneração.

    49.      A primeira questão visa determinar se a referida directiva é aplicável ao domínio abrangido pela Primeira RGG, que rege as pensões complementares pagas aos antigos empregados da Freie und Hansestadt Hamburg e aos seus sobreviventes, apesar de o artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 2000/78 excluir os «pagamentos de qualquer espécie efectuados pelos regimes públicos ou equiparados, incluindo os regimes públicos de segurança social ou protecção social» (22).

    50.      Esta exclusão é anunciada em termos similares no décimo terceiro considerando da referida directiva, que refere que esta «não é aplicável aos regimes de segurança social e de protecção social cujas regalias não sejam equiparadas a remuneração, na acepção dada a este termo para efeitos de aplicação do artigo 141.° do Tratado CE» (23).

    51.      A apreciação do alcance do artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 2000/78 colocou problemas ao nível da sua aplicação uniforme nos sistemas jurídicos nacionais, cabendo observar que os termos utilizados variam de uma versão linguística para outra. Na Alemanha, os órgãos jurisdicionais nacionais adoptaram posições divergentes no tocante à interpretação, mais ou menos restritiva, desta disposição. A eventual exclusão das pensões de sobrevivência do âmbito de aplicação da Directiva 2000/78 dividiu especialmente os órgãos jurisdicionais alemães (24).

    52.      Desde já, realço que vários acórdãos do Tribunal de Justiça, em especial o acórdão Maruko (25), facultam elementos úteis para a interpretação do artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 2000/78, e isto no sentido da aplicabilidade da referida directiva no presente caso. Tal como o recorrente no processo principal e a Comissão, não tenho qualquer dúvida de que este texto é aplicável às pensões de reforma atribuídas aos antigos empregados da Freie und Hansestadt Hamburg e aos sucessores nos seus direitos com base na Primeira RGG.

    53.      O Tribunal de Justiça afirmou que se deve considerar que o âmbito de aplicação da Directiva 2000/78, à luz dos n.os 1, alínea c), e 3 do artigo 3.°, em conjugação com o décimo terceiro considerando desta mesma directiva, não abrange os regimes de segurança social e de protecção social cujos benefícios não sejam equiparados a uma remuneração, na acepção dada a este termo para efeitos da aplicação do artigo 141.° CE, nem os pagamentos de qualquer natureza efectuados pelo Estado que tenham por objectivo o acesso ao emprego ou a manutenção do emprego. A contrario, podendo ser equiparada a uma «remuneração» na acepção do artigo 141.° CE, uma prestação como a em causa no processo principal insere‑se no âmbito das disposições da Directiva 2000/78.

    54.      Ora, a noção de «remuneração» que consta do artigo 141.°, n.° 2, CE é concebida de uma forma muito ampla pelo Tribunal de Justiça (26). Esta noção abrange, especificamente, as pensões de qualquer tipo que sejam pagas a título profissional, por oposição às que resultam de um regime de origem legal e que têm carácter geral (27). Segundo jurisprudência assente (28), a circunstância de determinadas prestações, como as pensões de reforma, serem pagas após a cessação da relação de trabalho não exclui a possibilidade de as mesmas terem a natureza de «remuneração» na acepção do artigo 141.° CE (29).

    55.      Para apurar se uma pensão pode ser qualificada de remuneração, o Tribunal de Justiça esclareceu que só pode ser determinante o critério do emprego, baseado no próprio teor do artigo 119.° do Tratado CE (que passou a artigo 141.° CE), o que implica a verificação de que a pensão de reforma é paga ao trabalhador em razão da relação de trabalho entre este e o seu antigo empregador (30).

    56.      Está, porém, assente que o critério da relação de trabalho não pode ter carácter exclusivo, uma vez que as pensões pagas por regimes legais de segurança social podem, no todo ou em parte, ter em conta a remuneração da actividade (31). O Tribunal de Justiça acrescentou, pois, outros elementos a ter em conta para qualificar como «remuneração» uma pensão instituída por um regime profissional de reforma. Cumpre analisar, por um lado, se a pensão respeita apenas a uma categoria específica de trabalhadores, se é directamente função do tempo de serviço cumprido e, finalmente, se o seu montante é calculado com base no último (32) vencimento.

    57.      No presente caso (33), resulta do § 1 da HmbZVG que as prestações em causa no processo principal cumprem o primeiro destes três critérios, uma vez que as pensões de reforma complementares da Freie und Hansestadt Hamburg respeitam apenas a uma categoria específica de trabalhadores.

    58.      Com efeito, as referidas pensões são pagas em complemento das prestações do regime jurídico geral da segurança social, que é qualificado pelo órgão jurisdicional de reenvio como o «primeiro pilar» do sistema das pensões de reforma na Alemanha, e distinguem‑se das prestações resultantes do seguro privado, que representa o «terceiro pilar».

    59.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o «segundo pilar» é constituído pelo seguro profissional de velhice, atribuído, directa ou indirectamente, pelo antigo empregador privado ou público. O regime legal do seguro profissional de velhice dos antigos empregados da Freie und Hansestadt Hamburg insere‑se nesta categoria. Está reservado aos empregados que, durante a sua vida activa, pertenceram ao sector público, sem, no entanto, gozarem do estatuto de funcionário, trabalhando para a Freie und Hansestadt Hamburg no quadro de um contrato de trabalho de direito privado.

    60.      Segundo as indicações prestadas pela Comissão, o referido regime é financiado pelos empregados e pelo empregador, o qual, na verdade, é um órgão público, mas intervém neste caso apenas na qualidade de empregador de direito privado.

    61.      Quanto ao segundo critério pertinente, segundo o qual a pensão deve ser directamente função do tempo de serviço cumprido, o § 6 da HmbZVG prevê que o modo de cálculo depende do período do emprego. Os períodos de emprego que conferem direito à pensão complementar («Ruhegeldfähige Beschäftigungszeit») são definidos no § 8 da referida lei.

    62.      No que respeita ao terceiro critério, que consiste em determinar se o montante da pensão é calculado com base no último vencimento do trabalhador, resulta do mesmo § 6 da HmbZVG que o montante mensal da pensão de reforma não é fixado pela lei, mas corresponde, por cada ano completo do período de emprego que confere direito à reforma, a 0,5% das remunerações que entram no cálculo da pensão de reforma, conforme o disposto no § 7, o qual determina estas remunerações («Ruhegäldfähige Bezüge») de forma muito pormenorizada.

    63.      Donde resulta que os três critérios que caracterizam a relação de emprego, dado este que o Tribunal de Justiça considerou decisivo para a atribuição da qualificação de remuneração na acepção do artigo 141.° CE, estão reunidos no que respeita às prestações em causa no processo principal.

    64.      O órgão jurisdicional de reenvio parece perturbado sobretudo pela interpretação da noção de «regimes públicos ou equiparados» que consta do artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 2000/78. Tem dúvidas quanto à questão de saber se, não obstante a qualificação de «remuneração» em sentido amplo que mereçam as pensões pagas ao recorrente no processo principal nos termos da Primeira RGG, a referida directiva não é todavia aplicável, uma vez que estas prestações constituiriam pagamentos efectuados por um regime público ou equiparado na acepção deste artigo. Realça que, caso o Tribunal de Justiça venha a responder pela afirmativa a esta interrogação, a primeira parte do décimo terceiro considerando da Directiva 2000/78 será claramente enganosa e estará, substancialmente, desprovida de qualquer alcance.

    65.      Em meu entender, os «regimes públicos ou equiparados» distintos dos que se inserem na segurança social ou na protecção social e que permanecem fora do âmbito de aplicação da Directiva 2000/78 podem ser os regimes públicos especiais que não estão associados a uma relação de trabalho como, por exemplo, as prestações fornecidas pelo Estado a pessoas que ficaram incapacitadas durante um serviço militar ou civil obrigatório, aos antigos combatentes ou inválidos de guerra, às vítimas de guerras ou de perseguições, aos artistas eminentes, etc. Como existem nos Estados‑Membros regimes deste tipo, de carácter público ou equiparado, o termo «incluindo» que consta do artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 2000/78 não é desprovido de objecto.

    66.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça permite concluir que a qualificação deste regime de pensão profissional não pode ser colocada em causa nem pelo facto de a Freie und Hansestadt Hamburg ter a qualidade de pessoa colectiva de direito público nem pelo carácter obrigatório da inscrição no regime que confere o direito à prestação de sobrevivência em causa no processo principal (34). Uma vez que, no presente caso, está preenchido o triplo critério antes examinado, a pensão paga pelo empregador público não se distingue da que pagaria um empregador privado aos seus antigos assalariados.

    67.      O Tribunal de Justiça enunciou já que a constatação de que um regime de pensões foi instituído directamente pela lei, não basta, por si só, para o incluir nas categorias «segurança social» ou «protecção social» e, portanto, para excluir este regime do âmbito de aplicação do artigo 119.° do Tratado CE (que passou a artigo 141.° CE) (35). Além disso, não se considera que os elementos estruturais de um sistema de prestações desempenhem um papel determinante, contrariamente à existência de um nexo entre a relação laboral e a prestação em causa (36).

    68.      Uma vez que é essencialmente função da relação de trabalho que existiu entre J. Römer e a Freie und Hansestadt Hamburg, a sua pensão de reforma complementar constitui uma «remuneração» na acepção do artigo 141.° CE e não se insere no âmbito da derrogação prevista no artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 2000/78.

    2.      Quanto ao vigésimo segundo considerando da Directiva 2000/78

    69.      A título subsidiário, para a hipótese de uma resposta pela negativa à questão anterior, o que entendo deverá ser o caso, o Arbeitsgericht Hamburg pergunta, por um lado, se as disposições da Primeira RGG, as quais, para efeitos da determinação do montante das pensões de reforma, distinguem entre os beneficiários casados e os outros, favorecendo os primeiros, se inserem na reserva mencionada pelo vigésimo segundo considerando da Directiva 2000/78 e, por outro, se, nesse caso, é necessário deixar esta última sem aplicação, apesar de não haver qualquer disposição da sua parte normativa que comporte uma qualquer limitação ao âmbito de aplicação da directiva que corresponda explicitamente ao referido considerando.

    70.      Cabe recordar que o vigésimo segundo considerando da Directiva 2000/78 indica que esta «não prejudica as legislações nacionais em matéria de estado civil nem as prestações delas decorrentes».

    71.      A Comissão aprova o ponto de vista do órgão jurisdicional de reenvio segundo o qual o § 10, n.° 6, ponto 1, da Primeira RGG não constitui uma lei nacional relativa ao estado civil. Com efeito, como ambos realçam, este artigo não contém qualquer disposição relativa ao casamento enquanto tal, mas exige que o estado civil do beneficiário da prestação seja o de pessoa casada, fazendo assim deste estado uma condição prévia para o benefício do cálculo mais vantajoso da pensão que prevê. Assim sendo, o referido artigo pode, quando muito, constituir uma disposição relativa a uma prestação que decorre do estado civil na acepção do vigésimo segundo considerando da Directiva 2000/78.

    72.      O Arbeitsgericht Hamburg esclarece que coloca esta questão porque dois órgãos jurisdicionais superiores da República Federal da Alemanha (37) concluíram ser evidente uma concepção extensiva do alcance do vigésimo segundo considerando da Directiva 2000/78, tendo considerado excluído do seu âmbito de aplicação disposições que fixam o cálculo de uma remuneração, em sentido amplo, em função do estado civil, como é o caso do § 10, n.° 6, ponto 1, da Primeira RGG.

    73.      Partilho da opinião da Comissão, quando entende que o vigésimo segundo considerando da Directiva 2000/78 retoma unicamente a limitação do seu âmbito de aplicação, que é óbvia, prevista no artigo 3.°, n.° 1, in limine, nos termos do qual a referida directiva só é aplicável «[d]entro dos limites das competências atribuídas à Comunidade». Com efeito, a União Europeia não goza de qualquer competência para legislar em matéria de «estado civil [e das] prestações [dele] decorrentes».

    74.      No acórdão Maruko (38), o Tribunal de Justiça tomou posição sobre uma questão semelhante, tendo indicado que é verdade que o estado civil e as prestações que dele decorrem, na acepção do vigésimo segundo considerando da Directiva 2000/78, são matérias da competência dos Estados‑Membros e que o direito comunitário não prejudica essa competência. Recordou que, todavia, os Estados‑Membros devem, no exercício dessa competência, respeitar o direito comunitário, nomeadamente as disposições relativas ao princípio da não discriminação.

    75.      Creio que seria útil precisar melhor esta constatação, indicando que a competência deixada aos Estados‑Membros no domínio do estado civil significa que a regulamentação do casamento ou de qualquer outra forma de união juridicamente reconhecida entre pessoas tanto do mesmo sexo como de sexos opostos, bem como o estatuto jurídico dos filhos e dos outros membros da família em sentido amplo, está reservada aos Estados‑Membros.

    76.      São apenas estes últimos que devem decidir se a sua ordem jurídica nacional admite ou não alguma forma de vínculo jurídico que seja acessível aos pares homossexuais, ou ainda se a instituição do casamento está ou não reservada unicamente a pares de sexos opostos. Entendo que o caso de, por hipótese, um Estado‑Membro não admitir qualquer forma de união legalmente reconhecida que esteja aberta às pessoas do mesmo sexo poderá ser visto como constituindo uma discriminação em razão da orientação sexual, porque é possível fazer derivar do princípio da igualdade, conjugado com o dever de respeito da dignidade humana das pessoas homossexuais (39), a obrigação de reconhecer a estas a faculdade de viverem uma relação afectiva duradoura no quadro de um compromisso juridicamente consagrado (40). Porém, esta problemática, que diz respeito à regulamentação do estado civil, continua, em minha opinião, fora da esfera de intervenção do direito da União.

    77.      Inversamente, nas matérias abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União, tais como o exercício das liberdades fundamentais ou as condições de tratamento dos trabalhadores na sua vida profissional, um Estado‑Membro não pode justificar a violação deste direito invocando o conteúdo das disposições nacionais relativas ao estado civil.

    78.      Cumpre referir, como fez o Tribunal de Justiça no quadro do acórdão Maruko, já referido, que, sendo uma prestação como a que está em causa no processo principal qualificada de «remuneração», na acepção do artigo 141.° CE, e enquadrando‑se no âmbito de aplicação da Directiva 2000/78, pelas razões expostas na resposta à primeira questão, o vigésimo segundo considerando da referida directiva não pode ser susceptível de pôr em causa a sua aplicação.

    79.      Creio que esta interpretação dada pelo Tribunal de Justiça ao vigésimo segundo considerando da Directiva 2000/78 é de natureza a evitar as divergências na jurisprudência nacional assinaladas pelo órgão jurisdicional de reenvio e adequada a garantir uma aplicação uniforme deste texto. Em qualquer caso, o referido considerando, que é desprovido de qualquer força vinculativa autónoma pelas razões aduzidas pelo advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer (41), deverá deixar de ser utilizado como permitindo, por si só, excluir o controlo da conformidade com a Directiva 2000/78 de disposições de direito interno que prevejam para os cônjuges vantagens mais amplas do que as atribuídas aos parceiros registados. Efectivamente, o vigésimo segundo considerando da Directiva 2000/78 mais não faz do que recordar a limitação da sua aplicação, decorrente do artigo 13.°, n.° 1, CE, aliás óbvia, às «competências atribuídas à Comunidade», em conformidade com os termos do artigo 3.°, n.° 1, in limine, da referida directiva.

    80.      Em todo o caso, lembro que, quando actuam na esfera das competências que lhes estão reservadas, os Estados‑Membros não se podem eximir da obrigação geral que lhes incumbe de respeitarem o direito da União, o que inclui o respeito das normas relativas ao princípio da não discriminação.

    81.      Donde resulta que, contrariamente ao que pode ter sido entendido pela jurisprudência nacional, o vigésimo segundo considerando da Directiva 2000/78 não pode levar a que se ponha em causa a aplicação desta última a disposições, como as da Primeira RGG, que são relativas ao cálculo de uma remuneração, em sentido amplo, e que fixam como factor determinante um estado civil preciso, isto é, o de pessoa casada.

    82.      Para concluir, considero que se deve responder à primeira e à segunda questões que as pensões complementares pagas aos antigos empregados da Freie und Hansestadt Hamburg e aos seus sobreviventes, que são reguladas pela Primeira RGG em conjugação com a HmbZVG, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Directiva 2000/78 e que, consequentemente, estas disposições internas devem ser analisadas por referência às exigências impostas por esta última.

    C –    Quanto à existência de uma discriminação em razão da orientação sexual na acepção da Directiva 2000/78

    83.      A terceira questão é colocada na hipótese de resultar das respostas dadas às questões anteriores que, tal como creio, a Directiva 2000/78 é aplicável ao § 10, n.° 6, da Primeira RGG, nos termos do qual, em suma, as pensões pagas aos beneficiários casados são mais vantajosas do que as pagas no caso de um beneficiário que tenha constituído uma união de facto registada com uma pessoa do mesmo sexo. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se este texto é incompatível com as disposições conjugadas dos artigos 1.°, 2.° e 3.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 2000/78, na medida em que discrimina o recorrente no processo principal em razão da sua orientação sexual, de forma directa ou apenas de forma indirecta (42).

    1.      Quanto à discriminação directa

    84.      O órgão jurisdicional a quo esclarece que se inclina para considerar o § 10, n.° 6, ponto 1, da Primeira RGG directamente discriminatório. Salienta que o casamento, para as pessoas de orientação heterossexual, e a união de facto registada, para as pessoas de orientação homossexual, representam respectivamente a forma de comunidade de vida prevista no direito ou o estado civil mais corrente, mesmo não se podendo excluir que, apesar da sua orientação homossexual, uma pessoa se decida casar com alguém pertencente ao sexo oposto. Cabe sublinhar que, segundo as indicações fornecidas pela decisão de reenvio, o facto de serem apenas duas pessoas de sexo diferente a se poderem unir por casamento não é expressamente precisado pelo BGB, mas na prática tal é considerado uma premissa necessária. Em contrapartida, resulta do § 1, n.° 1, da LPartG que são apenas duas pessoas do mesmo sexo a poderem constituir uma união de facto registada na acepção da referida lei.

    85.      A Freie und Hansestadt Hamburg afirma que a regulamentação controvertida, que prevê o direito ao regime complementar para qualquer parceiro em função da aplicação do escalão I do imposto e não do III/0, não gera qualquer diferença de tratamento fundada no sexo ou na orientação sexual.

    86.      J. Römer realça que, sendo certo que no acórdão Maruko, já referido, o Tribunal de Justiça atribuiu ao órgão jurisdicional de reenvio a incumbência de verificar a existência de uma «situação comparável», porém, fixou claros critérios materiais para esse efeito. Recorda, em primeiro lugar, que, em conformidade com a Directiva 2000/78, o Tribunal de Justiça não exigiu uma identidade de natureza, na acepção de uma equiparação levada ao seu máximo, mas unicamente um carácter comparável. Acrescenta que este deve ser verificado através da comparação, não dos institutos jurídicos, de forma abstracta, mas das duas categorias de pessoas em questão, na perspectiva da prestação social que está concretamente em causa. Contrariamente à jurisprudência de certos órgãos jurisdicionais superiores alemães, os quais, em seu entender, compreenderam mal a Directiva 2000/78 e os elementos de interpretação fornecidos no acórdão Maruko, há, pois, no caso em apreço, que comparar, por um lado, um antigo empregado da Freie und Hansestadt Hamburg que vive com o seu parceiro sob o regime da união de facto registada, e, por outro, um antigo empregado da Freie und Hansestadt Hamburg que vive com o seu cônjuge sob o regime do casamento. J. Römer sustenta principalmente que, a fim de assegurar o recurso efectivo contra a discriminação que a directiva pretende garantir, o Tribunal de Justiça deve enunciar mais explicitamente os critérios materiais que os órgãos jurisdicionais nacionais devem aplicar quando procedem à comparação.

    87.      A Comissão, tal como o Arbeitsgericht Hamburg, entende que, no presente caso, os parceiros registados são tratados menos favoravelmente do que os cônjuges no que respeita às suas reformas, sem que exista uma razão válida para explicar concretamente esta desigualdade de tratamento. Alega que, em especial, a circunstância de os cônjuges terem eventualmente o encargo de educar filhos não pode justificar esta diferenciação, pois o § 10, n.° 6, ponto 1, da Primeira RGG confere uma vantagem todos os beneficiários casados que não vivam duradouramente separados, independentemente da existência de descendência. A Comissão também partilha da opinião do órgão jurisdicional de reenvio segundo a qual não há nenhuma prova empírica que confirme que os beneficiários casados têm uma necessidade acrescida de apoio relativamente aos beneficiários que celebraram uma união de facto, tendo em vista a situação da pensão do seu parceiro respectivo. Acrescenta que, em qualquer caso, o texto em questão não é apropriado para alcançar o objectivo assim pretendido, visto que não toma em conta a existência de uma criança nascida do beneficiário e do seu cônjuge e nem sequer impõe este elemento como condição. A Comissão considera que, contrariamente à via seguida no acórdão Maruko, já referido, será no caso em apreço supérfluo deixar ao órgão jurisdicional a quo o cuidado de apreciar se um cônjuge e um parceiro registado se encontram em situações comparáveis no tocante à prestação em causa, uma vez que, na sua decisão de reenvio, o órgão jurisdicional já efectuou as análises necessárias quanto ao estatuto jurídico deste último e retirou as conclusões úteis a este respeito. Propõe que o Tribunal de Justiça declare que uma regulamentação como a em causa no processo principal constitui uma discriminação directa fundada na orientação sexual.

    88.      Resulta da redacção do artigo 2.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 2000/78 que a existência de uma discriminação directa, na acepção deste texto, depende do carácter comparável das situações a sopesar. Os critérios com base nos quais a procura dessa possibilidade de comparação deve ser efectuada são, pois, determinantes. O Tribunal de Justiça deve dar uma resposta que concilie diversos imperativos, a saber, não apenas facultar ao órgão jurisdicional de reenvio todos os elementos que lhe permitam dirimir o litígio no processo principal, diligenciando de modo a não invadir a esfera das atribuições dos órgãos jurisdicionais nacionais, mas também assegurar a plena eficácia do direito da União, no respeito das esferas de competência exclusiva dos Estados‑Membros, designadamente em matéria de estado civil.

    89.      A título liminar, saliento que, na grande maioria dos Estados‑Membros, o casamento é uma união entre um homem e uma mulher. O acesso a uma união de facto registada ou a uma forma de vínculo jurídico equivalente pode ser limitada aos pares do mesmo sexo ou também aberta aos pares de sexos diferentes, como acontece com o pacto civil de solidariedade em direito francês. O nexo entre a homossexualidade e a forma da união entre duas pessoas não é automático. Com efeito, não se pode excluir que uma pessoa de orientação homossexual opte por se casar com uma pessoa de sexo oposto e, reciprocamente, nada impede que uma pessoa de orientação heterossexual opte por uma vida sob o regime de união de facto registada com uma pessoa do mesmo sexo. No entanto, creio que não nos devemos ater a este sofisma no quadro da presente análise jurídica. Seria contrário à realidade dominante recusar admitir que, num país, como a Alemanha, em que está excluído o casamento para as pessoas do mesmo sexo e em que a união de facto registada é a forma de união jurídica que lhes está reservada, uma diferença de tratamento exercida em prejuízo das pessoas nesta última situação constitui uma fonte de discriminação em razão da orientação sexual (43).

    90.      No acórdão Maruko (44), embora o Tribunal de Justiça tenha indicado que deixava a questão para apreciação pelo órgão jurisdicional nacional, optou implicitamente por considerar as situações comparáveis, definindo critérios bastante límpidos. Em conformidade com os termos empregues no artigo 2.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 2000/78, o Tribunal de Justiça não declarou tratar‑se de situações idênticas, mas referiu‑se à existência de situações suficientemente comparáveis, baseando‑se na análise do direito alemão efectuada pelo órgão jurisdicional de reenvio. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem adopta a mesma abordagem (45).

    91.      Há que recordar que, independentemente da sua relevância no plano moral, religioso ou sociológico, o casamento, no plano jurídico, é uma instituição complexa cujo conteúdo é definido pelos direitos e obrigações de cada cônjuge perante o outro, bem como perante terceiros e a sociedade no seu conjunto. Além disso, a existência de um casamento pode ser um facto que constitui uma condição prévia à produção de diversos efeitos jurídicos, em direito social, fiscal ou administrativo. Do mesmo modo, uma união de facto registada, ou qualquer outra forma de união legalmente reconhecida, caracteriza‑se tanto pelos direitos e obrigações das partes, como pelas consequências jurídicas que a ordem jurídica em causa associa à existência dessa parceria.

    92.      O Tribunal de Justiça teve o cuidado de especificar que o carácter comparável deve ser verificado tendo em vista a prestação que está concretamente em causa, isto é, concentrando‑se no elemento de direito pertinente e não seguindo apenas uma abordagem global da situação jurídica. Assim, tendo lembrado que a questão prejudicial submetida no processo Maruko incidia sobre a atribuição de uma pensão de sobrevivência ao parceiro sobrevivo de um beneficiário, o Tribunal de Justiça, após ter verificado que existia no direito alemão uma «aproximação progressiva do regime da união de facto em relação ao regime do casamento», salientou que «a união de facto é equiparada ao casamento no que diz respeito à pensão de viúva ou de viúvo» (46).

    93.      A comparação das situações deve, pois, basear‑se numa análise focalizada, visando identificar especialmente os direitos e obrigações das pessoas casadas enunciados por disposições de direito privado e os das pessoas vinculadas por uma união de facto registada que sejam pertinentes tendo em vista a prestação em causa. Entendo que o efeito útil da proibição da discriminação em razão da orientação sexual não seria garantido se fosse exigida uma identidade completa das situações jurídicas ou se devessem ser tomados em consideração direitos ou obrigações inoperantes tendo em vista a situação concreta.

    94.      Em particular, as regulamentações aplicáveis em caso de eventual dissolução do vínculo que une os parceiros, por morte ou qualquer outro motivo, não devem ter influência na comparação das situações existentes durante o casamento e durante a união de facto registada, no que respeita a pagamentos que dependam do facto de o beneficiário casado não viver duradouramente separado. Pelo contrário, estas regulamentações podem ter influência na apreciação da possibilidade de comparação das situações de cônjuges e de parceiros registados que vivam separados.

    95.      Os efeitos associados ao casamento, por disposições de direito fiscal, social ou administrativo, enquanto condição para a atribuição de um benefício ou de um direito, também não devem ter qualquer impacto na operação de comparação das situações de pessoas vinculadas por um casamento ou por uma união de facto registada, pois uma diferença de tratamento estabelecida pelas referidas disposições vale mais como uma indicação da existência de uma discriminação do que como um factor definidor do carácter comparável das situações.

    96.      Visto que o Tribunal de Justiça já as descreveu no acórdão Maruko (47), creio ser inútil voltar a referir aqui as etapas seguidas pelo direito civil alemão no sentido de um alinhamento do regime aplicável à união de facto registada com o regime vigente para o casamento.

    97.      Mais concretamente quanto à prestação em causa no processo principal, ou seja, a pensão complementar de reforma paga pela Freie und Hansestadt Hamburg a um dos seus antigos empregados, integra‑se no domínio jurídico das obrigações patrimoniais entre cônjuges. Observe‑se que, segundo as informações constantes da decisão de reenvio, os parceiros assumem mutuamente deveres recíprocos, por um lado, de auxílio e assistência e, por outro, de contribuição adequada para as necessidades da comunidade em parceria através do seu trabalho e património (48), como acontece também entre os cônjuges durante a sua vida comum (49). Embora a LPartG não tenha consagrado uma unificação total dos direitos dos cônjuges e dos parceiros registados, estabeleceu obrigações inteiramente semelhantes para estas duas uniões, especialmente no plano pecuniário.

    98.      Segundo o órgão jurisdicional nacional, na sequência das reformas sucessivas da LPartG (50), «consequentemente, já não existem diferenças jurídicas significativas entre estes dois estados das pessoas propostos pela ordem jurídica alemã, ou seja, o casamento e a união de facto registada […]. No essencial, a diferença já só assume natureza factual: o casamento implica que os esposos sejam de sexos diferentes, enquanto a união de facto registada supõe que os parceiros sejam do mesmo sexo». Não existe, portanto, uma diferença de situações que seja bastante para justificar uma desigualdade de tratamento como a em causa no processo principal.

    99.      Resulta dos autos que a pensão de J. Römer teria sido aumentada por aplicação do § 8, n.° 10, último período, da Primeira RGG se, em Outubro de 2001, tivesse celebrado um casamento com uma mulher e não uma união de facto registada com um homem. Este tratamento mais favorável não estaria associado aos rendimentos das partes na união, nem à existência de filhos ou a outros factores como os relativos às necessidades económicas da outra parte. Além disso, durante a sua vida profissional, as contribuições devidas pelo interessado em nada foram afectadas pelo seu estado civil, dado que tinha o dever de contribuir para as despesas da pensão pagando uma contribuição igual à dos seus colegas casados. A diferença de tratamento verificada assenta, pois, exclusivamente num critério proibido pela Directiva 2000/78, a saber, a orientação sexual.

    100. Tendo em conta os elementos expostos pelo órgão jurisdicional de reenvio, verifica‑se que, no que respeita à prestação em causa no processo principal, a situação das pessoas unidas pelo casamento e a das pessoas que celebraram uma união de facto registada nos termos da legislação nacional aplicável são comparáveis na acepção do artigo 2.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 2000/78. Nestas condições, conclui‑se que o aumento de uma pensão de reforma baseado unicamente no critério do casamento, como previsto pelo § 10, n.° 6, da Primeira RGG, constitui uma discriminação directa em razão da orientação sexual.

    2.      Quanto à discriminação indirecta

    101. A questão da interpretação do artigo 2.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2000/78, relativo à noção de discriminação indirecta, só se coloca na hipótese de a existência de uma discriminação directa não ter sido apurada, seja no termo do exame do carácter comparável das situações que tenha efectuado o próprio Tribunal de Justiça, caso entenda poder fazê‑lo, como sugere a Comissão, ou no termo da análise desta natureza que será deixada à apreciação do órgão jurisdicional nacional. Portanto e procurando ser completo, é apenas a título subsidiário que pretendo apresentar as seguintes observações.

    102. O recorrente no processo principal convida o Tribunal de Justiça a ampliar a jurisprudência Maruko, já referida, respondendo igualmente à questão relativa à discriminação indirecta. Para sustentar ser vítima de uma discriminação indirecta fundada na sua orientação sexual, J. Römer invoca que o facto de se associar as prestações a um casamento válido exclusivamente entre pessoas de sexos diferentes conduz a tal resultado, sem que isto seja objectivamente justificado em conformidade com o direito da União. Alega que a Freie und Hansestadt Hamburg não explicou porque razão a protecção dos cônjuges implicava receber ele uma pensão menos elevada do que a dos seus colegas heterossexuais, mesmo tendo pago as mesmas contribuições que estes pagaram para a caixa de previdência profissional durante 45 anos.

    103. A Comissão, apoiando‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao princípio de não discriminação em razão da idade (51), sublinha que os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação na escolha dos meios susceptíveis de realizar os objectivos da sua política social, mas que este poder não pode ter por efeito esvaziar de substância a aplicação do princípio da não discriminação.

    104. Caso não se tenha apurado que os parceiros registados e os cônjuges se encontram em situações comparáveis no tocante à prestação em causa, o que excluiria a existência de uma discriminação directa no presente caso, o disposto no artigo 2.°, n.° 2, alínea b), i), da Directiva 2000/78, deve ser interpretado a fim de auxiliar o órgão jurisdicional de reenvio a determinar se uma regulamentação como a em causa no processo principal é susceptível de criar uma discriminação indirecta em razão da orientação sexual.

    105. Tanto quanto sei, a jurisprudência não contém elementos relativos à interpretação da noção de discriminação indirecta especificamente fundada na orientação sexual na acepção da Directiva 2000/78.

    106. Nos termos da referida directiva, há que indagar, em primeiro lugar, se existe, no presente caso, «uma disposição [ou] critério […] aparentemente neutr[o] […] susceptível de colocar numa situação de desvantagem pessoas […] com uma determinada orientação sexual, comparativamente com outras pessoas». O critério relativo ao vínculo matrimonial, inscrito no § 10, n.° 6, da Primeira RGG, é a priori susceptível de constituir um factor de diferenciação neutro. Todavia, estando o casamento e os benefícios daí decorrentes exclusivamente reservados a pessoas de sexos diferentes, como acontece designadamente na Alemanha, o efeito distintivo de tal critério já não é anódino. Revela‑se particularmente desvantajoso para as pessoas homossexuais, dado que não dispõem de outros meios jurídicos para além da união de facto registada para formalizar a sua união e, portanto, não podem aceder ao grupo favorecido, excepto se renegarem a sua orientação sexual.

    107. Aqui, a abordagem não deve ser subjectiva, mas sim objectiva. Pouco importa saber se a exigência de um casamento efectivo tem ou não por vocação excluir especificamente os pares do mesmo sexo, a partir do momento em que, por si só, os desfavorece claramente em relação aos pares de sexos diferentes. É verdade que a disposição em causa no processo principal exclui todos os beneficiários não casados (52), mas, de facto, as pessoas homossexuais são mais fortemente lesadas do que, por exemplo, as pessoas heterossexuais que vivam em concubinato, pois estas últimas não são definitivamente excluídas da possibilidade de obter esse benefício, uma vez que lhes é facultado o acesso ao casamento se um dia o pretenderem.

    108. A constatação de que do § 10, n.° 6, da Primeira RGG pode resultar uma «desvantagem específica» não basta, por si só, para caracterizar uma discriminação indirecta, dado que um «objectivo legítimo» a pode justificar «objectivamente», na acepção do artigo 2.°, n.° 2, alínea b), i), da Directiva 2000/78. A explicação avançada pela Freie und Hansestadt Hamburg prende‑se com considerações de ordem fiscal, cuja realidade ou legitimidade não são, porém, apoiadas por elementos de prova, sendo que o ónus desta incumbia à recorrida no processo principal. Por seu turno, o órgão jurisdicional de reenvio refere a possível intenção do legislador de proteger o casamento e a família (53).

    109. Indico, desde já, que o nexo de causalidade entre a desigualdade de tratamento em causa e a protecção do casamento e da família, que poderia constituir por si só um «objectivo legítimo», é a meu ver duvidoso.

    110. Mesmo supondo que o carácter legítimo deste objectivo pudesse ser aceite, não creio, de qualquer modo, que o disposto no § 10, n.° 6, da Primeira RGG possa passar com êxito o exame da justeza e da proporcionalidade que a Directiva 2000/78 seguidamente prevê, quando exige que «os meios utilizados para […] alcançar [este objectivo] sejam adequados e necessários». Considero que, para promover a instituição do casamento, há outros meios para além de lesar, ainda que indirectamente, os interesses financeiros dos pares homossexuais, os quais, de qualquer modo, não têm acesso ao casamento na Alemanha e relativamente aos quais, portanto, não há o risco de o evitarem para optar por uma união de facto registada. Em todo o caso, a instituição do casamento pode ser protegida sem que seja adequado ou indispensável favorecer um modo de vida em comum juridicamente reconhecido relativamente a outro (54).

    111. Vistas estas observações, incumbirá unicamente ao órgão jurisdicional nacional, que é o único competente para apreciar os factos do litígio que foi chamado a decidir e para interpretar a legislação nacional aplicável, determinar, concretamente, se existe uma discriminação indirecta. Deverá apreciar em que medida o facto de J. Römer receber uma pensão de montante inferior à recebida por uma pessoa casada por força do disposto no § 10, n.° 6, da Primeira RGG é ou não objectivamente justificado por um objectivo legítimo e em que medida a existência de um casamento efectivo como condição prévia para a obtenção desta vantagem constitui ou não um meio proporcional para atingir tal objectivo.

    3.      Conclusão intermédia

    112. Para concluir quanto ao conjunto das problemáticas constantes da terceira questão, proponho que o Tribunal de Justiça responda a este respeito que as disposições conjugadas dos artigos 1.°, 2.° e 3.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 2000/78 se opõem a uma regulamentação como a em causa no processo principal, nos termos da qual um beneficiário que é parceiro numa união de facto registada não recebe uma pensão complementar de reforma equivalente à atribuída a um beneficiário casado que não viva duradouramente separado, sendo que, no direito nacional, a referida união coloca as pessoas do mesmo sexo numa situação comparável à dos cônjuges no que respeita à referida pensão. A análise do carácter comparável deve ser concentrada nos direitos e obrigações dos cônjuges e dos parceiros registados, tal como decorrem respectivamente das disposições aplicáveis ao casamento e à união de facto registada, que sejam pertinentes tendo em conta as condições de atribuição da prestação em questão. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se um parceiro registado se encontra numa situação jurídica e factual comparável à de um cônjuge beneficiário da pensão complementar de reforma prevista pelo regime de previdência profissional gerido pela Freie und Hansestadt Hamburg.

    113. A título subsidiário, se a análise do carácter comparável excluir a existência de uma discriminação directa em razão da orientação sexual, haverá pelo menos uma discriminação indirecta na acepção do artigo 2.°, n.° 2, alínea b), i), da Directiva 2000/78, uma vez que o disposto no § 10, n.° 6, da Primeira RGG, que prevê um modo de cálculo da pensão complementar de reforma mais favorável para um beneficiário casado que não viva duradouramente separado, por um lado, cria uma desvantagem específica em detrimento de um beneficiário que viva em união de facto registada e, por outro, não responde objectivamente a um fim legítimo ou não constitui um meio tão apropriado quanto é necessário para atingir este objectivo, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.

    D –    Quanto à violação do artigo 141.° CE ou de um princípio geral do direito da União

    114. Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se, caso não se venha a constatar que o § 10, n.° 6, da Primeira RGG viola a Directiva 2000/78, se deve concluir que a referida disposição do direito interno viola, contudo, o artigo 141.° CE ou um princípio geral do direito da União.

    115. Mais precisamente, esta questão subdivide‑se em três alternativas. O Arbeitsgericht Hamburg prestou esclarecimentos sobre o assunto no pedido de decisão prejudicial complementar.

    116. Observo que as primeira e segunda hipóteses visadas pela quarta questão são aquelas de acordo com as quais se venha a responder pela afirmativa às interrogações a respeito de uma eventual exclusão da aplicação da Directiva 2000/78. A terceira parte da quarta questão visa a hipótese de se vir a entender que o § 10, n.° 6, da Primeira RGG não viola o princípio da não discriminação, tanto directa como indirecta, enunciado pela Directiva 2000/78. Pelas razões que antes expus, as três hipóteses desta questão prejudicial são, em meu entender, desprovidas de objecto. No entanto, para ser exaustivo e para o caso de o Tribunal de Justiça não acolher as minhas propostas, forneço, a título subsidiário, os seguintes elementos de resposta.

    117. No que respeita à possível violação do artigo 141.° CE, não creio que tal possa ser possível no processo principal. Recordo que o referido artigo consagra o «princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos, por trabalho igual ou de valor igual».

    118. O conteúdo normativo do § 10, n.° 6, da Primeira RGG não pode violar o princípio assim enunciado, uma vez que a diferença de tratamento no cálculo das pensões em detrimento do recorrente no processo principal assenta na distinção, não entre homens e mulheres, mas entre os empregados casados e os outros. De facto, o próprio órgão jurisdicional de reenvio chegou à mesma constatação, mas sugere que o referido artigo pode, contudo, constituir uma disposição discriminatória com base no facto de o recorrente no processo principal ser de sexo masculino, na medida em que J. Römer apenas pode criar como vínculo jurídico com outro homem uma união de facto registada e não um casamento.

    119. Porém, tal como a Comissão, observo que a disposição de direito interno em causa lesa os beneficiários de pensões que vivam com pessoas do mesmo sexo, independentemente do facto de a união de facto registada ter sido celebrada entre dois homens ou duas mulheres. Além disso, a desvantagem sofrida por J. Römer não está associada ao seu sexo ou ao do seu parceiro, mas apenas à inexistência de um casamento. Creio que é evidente que esta disposição não pode ser contrária ao artigo 141.° CE, que visa as diferenças de tratamento em razão do sexo e não em razão da orientação sexual.

    120. É verdade que a argumentação apresentada pelo órgão jurisdicional nacional se assemelha ao raciocínio seguido pelo Tribunal de Justiça no acórdão K.B. (55), segundo o qual o artigo 141.° CE se opõe, em princípio, a uma legislação que, em violação da CEDH, impede que um par no qual um dos parceiros é transsexual, em resultado de uma operação médica de mudança de sexo, mas que continua registado no estado civil como sendo do mesmo sexo que o outro, preencha a condição de casamento necessária para que um deles possa beneficiar de um elemento da remuneração do outro, na acepção do artigo 141.° CE, a saber, uma pensão de viuvez.

    121. Mesmo que J. Römer e o seu parceiro se encontrem numa situação análoga à dos interessados no processo K.B. por o casamento estar reservado às pessoas de sexos diferentes, não creio, porém, que no presente caso este impedimento possa ser qualificado de discriminação em razão do sexo. No referido processo, o Tribunal de Justiça não pôs em dúvida a conformidade com o direito comunitário da legislação do Reino Unido por esta não permitir o casamento de pares do mesmo sexo, mas unicamente por esta gerar uma desigualdade de tratamento no referente a uma condição prévia indispensável à atribuição de uma pensão de viuvez, a saber, a capacidade para se casar (56). De igual modo, a impossibilidade que lesa J. Römer é uma consequência da escolha feita pela República Federal da Alemanha, exercendo os seus poderes em matéria de estado civil, de reservar a instituição do casamento aos pares de sexos opostos. Uma vez que as pessoas homossexuais sofrem as consequências desta opção legislativa de maneira semelhante, independentemente do facto de se tratar de indivíduos de sexo feminino ou de sexo masculino, esta exigência não pode ser vista, por si só, como discriminatória em função do sexo.

    122. No que respeita à eventual violação de um princípio geral do direito da União pelo § 10, n.° 6, da Primeira RGG, na medida em que coloca em desvantagem o recorrente no processo principal devido à sua orientação sexual, o órgão jurisdicional de reenvio assenta o seu pedido de decisão prejudicial no acórdão Mangold (57). Recorda que, segundo o referido acórdão, a Directiva 2000/78 não consagra por ela própria o princípio da igualdade de tratamento em matéria de emprego e de trabalho, devendo, assim, ser este considerado um princípio geral do direito comunitário. No seu pedido complementar de decisão prejudicial, este órgão jurisdicional evoca a possível violação de «(outro) princípio geral do direito comunitário», aparentemente por oposição ao princípio da igualdade de remunerações entre homens e mulheres consagrado no artigo 141.° CE, mas não especifica qual poderá ser esse princípio no presente caso.

    123. Se o Tribunal de Justiça vier a considerar que esta questão não está desprovida de objecto atenta a conjugação das hipóteses aí enunciadas a título de premissas, realço que os acórdãos Mangold e Kücükdeveci (58) confirmam de modo inequívoco que a Directiva 2000/78 não consagra o princípio da igualdade de tratamento em matéria de emprego e de trabalho, o qual encontra a sua origem em diversos instrumentos internacionais e nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, como resulta do artigo 1.° e do primeiro e quarto considerandos da referida directiva.

    124. Neste contexto, o Tribunal de Justiça reconheceu a existência de um princípio de não discriminação em razão da idade que deve, assim, ser considerado um princípio geral do direito da União, princípio que a referida directiva apenas concretizou, quando estabeleceu um quadro geral na matéria por ela abrangida (59). Além disso, salientou que «[é] proibida a discriminação em razão, designadamente […] da idade», segundo o artigo 21.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que, de acordo com o artigo 6.°, n.° 1, TUE, tem o mesmo valor jurídico que os Tratados (60).

    125. Resta determinar se esta jurisprudência pode ser transposta de modo a que a proibição das discriminações em razão da orientação sexual goze do mesmo estatuto de princípio geral do direito da União de que beneficia a proibição das discriminações em razão da idade.

    126. Como já referi, o Tratado de Amesterdão, assinado em 2 de Outubro de 1997 e entrado em vigor em 1 de Maio de 1999, alterou o artigo 13.°, n.° 1, CE, com o objectivo de atribuir à Comunidade, nos limites das suas competências materiais, poderes específicos para combater todas as formas de discriminação em razão de qualquer uma das seis categorias de razões que enumerou, entre as quais a orientação sexual (61).

    127. À época, nem todos os Estados‑Membros condenavam as discriminações em razão do referido critério e a CEDH também não o mencionava. No acórdão Grant, proferido em 17 de Fevereiro de 1998 (62), o Tribunal de Justiça indicou que, no estado do direito no seio da Comunidade, as relações homossexuais estáveis não eram equiparadas a relações entre pessoas casadas nem a relações heterossexuais estáveis fora do casamento. Donde deduziu que uma diferença fundada na orientação sexual não era proibida, uma vez que nenhuma norma comunitária a proibia expressamente, e acrescentou que só ao legislador podia competir adoptar, eventualmente, medidas susceptíveis de alterar esta situação.

    128. Como observou o advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer, a abordagem restritiva assim escolhida pelo Tribunal de Justiça contrastava, por exemplo, com a sua jurisprudência em matéria da discriminação relacionada com a maternidade (63). A jurisprudência posterior revela igualmente uma certa reticência na aplicação da proibição da discriminação em razão da orientação sexual (64).

    129. A meu ver, num plano estritamente jurídico, não há qualquer justificação para uma aplicação menos vigorosa do princípio da igualdade de tratamento no que respeita às discriminações em razão da orientação sexual relativamente às fundadas nas outras razões mencionadas no artigo 13.° CE. O facto de se admitir a existência neste domínio de sensibilidades especiais que assumissem relevância jurídica significaria que o Tribunal de Justiça atribuiria importância a preconceitos injustificados, qualquer que seja a sua origem, e negaria uma protecção jurídica igualitária às pessoas de orientação sexual minoritária.

    130. Com efeito, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem enunciou já, em 1999, que uma diferença de tratamento assente na orientação sexual está abrangida pelo âmbito do artigo 14.° da CEDH, cujo conteúdo não é limitativo, e que tal discriminação não podia ser tolerada nos termos da Convenção (65). Ora, os direitos fundamentais garantidos pela CEDH fazem parte integrante das normas cujo respeito a União Europeia assegura, como princípios gerais, nos termos do artigo 6.°, n.° 3, TUE. A proibição da «discriminação em razão, designadamente, [da] orientação sexual» foi, assim, inscrita no artigo 21.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, cuja vocação não era a de criar novos direitos, mas sim de confirmar os direitos fundamentais reconhecidos pelo direito da União (66).

    131. Atentas estas considerações, creio que, tal como o Tribunal de Justiça já decidiu no que respeita à discriminação em razão da idade, a proibição da discriminação em razão da orientação sexual deve ser considerada um princípio geral do direito da União (67).

    132. Para a hipótese, a meu ver pouco provável, de a regulamentação em causa no processo principal não vir a ser considerada abrangida pelo âmbito de aplicação da Directiva 2000/78, não é possível excluir que esta regulamentação – concretamente o termo «casado» que restringe o seu âmbito de aplicação – viole o princípio geral do direito da União relativo à proibição da discriminação em razão da orientação sexual.

    133. Cabe, no entanto, sublinhar que, se o Tribunal de Justiça vier a fundar o referido controlo neste princípio geral e não na Directiva 2000/78, tal terá incidência na resposta a dar à quinta questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, a saber, no que respeita às consequências ratione temporis da violação do direito da União.

    134. Em resumo, considero a título principal que, no presente caso, não há que responder à quarta questão prejudicial. Contudo, e caso contrário, proponho, a título subsidiário, que o Tribunal de Justiça declare que o § 10, n.° 6, da Primeira RGG não pode constituir uma violação do artigo 141.° CE, mas pode – o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio decidir à luz dos dados do litígio que lhe foi submetido – violar o princípio geral do direito da União que constitui a proibição das discriminações em razão da orientação sexual.

    E –    Quanto aos aspectos temporais do processo

    135. A quinta e a sexta questões devem ser analisadas conjuntamente, uma vez que incidem ambas sobre problemas de aplicação temporal, sob ângulos diferentes.

    1.      Quanto aos efeitos no tempo do direito à igualdade de tratamento

    136. O órgão jurisdicional de reenvio refere que a quinta questão visa clarificar as consequências jurídicas que ela própria deve retirar das respostas dadas pelo Tribunal de Justiça às quatro primeiras questões prejudiciais, para se poder pronunciar no caso em apreço.

    137. Expõe que se interroga, em primeiro lugar, sobre a questão de saber se, no caso de o Tribunal de Justiça admitir que a desvantagem sofrida pelo recorrente no processo principal constitui uma violação do direito da União, o interessado pode exigir que a recorrida no processo principal o trate do mesmo modo que aos beneficiários casados que não vivam duradouramente separados, e isto mesmo sem aguardar pela alteração do § 10, n.° 6, da Primeira RGG nesse sentido.

    138. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio refere que, no caso em apreço, apesar de estar em causa um contrato de trabalho de direito privado, a Freie und Hansestadt Hamburg não é um empregador de direito privado, mas uma colectividade territorial estatal que actua simultaneamente na qualidade de empregador e de legislador no que respeita à disposição em causa no processo principal.

    139. Entendo que, caso se venha a considerar que existe uma discriminação, directa ou indirecta, o direito à igualdade de tratamento poderá ser reivindicado pelo recorrente no processo principal sem que seja necessário esperar pela alteração pelo legislador alemão da disposição de direito interno controvertida.

    140. Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber a partir de que data deve deixar de ser aplicado o § 10, n.° 6, da Primeira RGG. Especifica que, em sua opinião, se o Tribunal de Justiça vier a considerar que a referida disposição viola unicamente o disposto na Directiva 2000/78, será lógico reconhecer ao recorrente no processo principal, face à recorrida no mesmo processo, o direito ao pagamento de pensões de montante idêntico às pagas aos beneficiários casados, mas nunca antes do termo do prazo de transposição fixado pelo artigo 18.°, n.° 1, da Directiva 2000/78, ou seja, só a partir de 3 de Dezembro de 2003.

    141. Acrescenta que crê que o ponto de partida pode ser fixado numa data posterior, se o Tribunal de Justiça vier a atribuir importância determinante ao facto de, no direito nacional, a união de facto registada celebrada por pessoas do mesmo sexo ter sido aproximada à instituição do casamento unicamente ao longo de diversas etapas. Sugere que, nesse caso, os efeitos jurídicos da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça poderão ser aplicáveis ao recorrente no processo principal, por exemplo, só a partir da data da entrada em vigor da Lei de 15 de Dezembro de 2004, que reforma o regime da união de facto registada, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2005.

    142. Ao passo que a Comissão partilha da posição assim assumida pelo órgão jurisdicional de reenvio, o ponto de vista do recorrente no processo principal só é similar no tocante à primeira data proposta por esse tribunal (68). J. Römer admite que o Tribunal de Justiça pode vir a declarar que os efeitos do seu acórdão ficarão limitados aos pagamentos de pensão de reforma posteriores a 2 de Dezembro de 2003. Todavia, entende que, em todo o caso, os pagamentos da sua pensão devem ser calculados a partir desta data com base em todas as contribuições que pagou, independentemente da data das mesmas.

    143. Em contrapartida, opõe‑se à ideia segundo a qual o ponto de partida poderá ser ainda mais reportado, a fim de tomar em consideração a evolução do regime aplicável à união de facto registada em direito alemão. No que respeita à discriminação directa, sustenta que as obrigações de assistência existentes entre os parceiros registados são coincidentes com as que impendem sobre os cônjuges, desde a criação da união de facto registada ocorrida em 2001 (69). Donde deduz que os antigos empregados da Freie und Hansestadt Hamburg que tenham celebrado uma união de facto registada se encontraram sempre na mesma situação que os antigos empregados casados no tocante ao acesso às prestações complementares de reforma controvertidas. A título subsidiário, no que respeita à discriminação indirecta, afirma que foi, desde o início, vítima de uma discriminação fundada na sua orientação sexual.

    144. Para responder a esta questão, poder‑se‑ia distinguir entre diferentes hipóteses. Por um lado, para o caso de o Tribunal de Justiça vir a considerar que existe, no presente caso, uma discriminação associada à violação do disposto na Directiva 2000/78, poder‑se‑ia considerar que o recorrente no processo principal não pode beneficiar dos mesmos direitos à pensão complementar que os beneficiários casados em data anterior ao termo do prazo atribuído aos Estados‑Membros para a transpor, ou seja, 2 de Dezembro de 2003. Um argumento neste sentido seria que não é possível atribuir efeito retroactivo à directiva, impondo a sua aplicação antes do termo do prazo de transposição. Por outro lado, para o caso de, pelo contrário, o Tribunal de Justiça vir a responder pela negativa à terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, a título subsidiário, se o § 10, n.° 6, da Primeira RGG viola o disposto no artigo 141.° CE ou um princípio geral do direito da União. Nesse caso, a expiração do prazo de transposição da Directiva 2000/78 não assumiria relevância para o tratamento do litígio no processo principal.

    145. Porém, proceder a esta distinção seria esquecer que, como já recordei, o Tribunal de Justiça realçou que a Directiva 2000/78 não consagra ela própria o princípio da igualdade de tratamento em matéria de emprego e de trabalho (70). Donde deduziu que o princípio da não discriminação em razão da idade deve ser considerado um princípio geral do direito comunitário e que o respeito do princípio geral da igualdade de tratamento não pode, enquanto tal, depender do termo do prazo atribuído aos Estados‑Membros para transporem uma directiva destinada a estabelecer um quadro geral para lutar contra as discriminações baseadas nesse critério. Acrescentou que incumbia ao órgão jurisdicional nacional assegurar a plena eficácia deste princípio geral, deixando sem aplicação quaisquer disposições contrárias da legislação nacional, e isto mesmo não estando ainda expirado o prazo de transposição da referida directiva, como foi fixado no seu artigo 18.°

    146. Creio que se deve seguir um raciocínio em todos os aspectos idêntico no tocante princípio da não discriminação em razão da orientação sexual. Dado que se destina essencialmente a facilitar a aplicação concreta deste princípio geral do direito da União, a Directiva 2000/78 não afecta nem o seu conteúdo nem o seu alcance. Como este não é consagrado, mas unicamente desenvolvido, pela Directiva 2000/78, é possível considerar que a violação do referido princípio, bem como os efeitos jurídicos daí decorrentes, podem remontar a uma data anterior a 2 de Dezembro de 2003. Assim sendo, as consequências que o órgão jurisdicional de reenvio daí deve retirar para o processo que lhe foi submetido não estão associadas à data da entrada em vigor da Directiva 2000/78 ou ao termo do prazo de transposição da mesma, uma vez que o princípio geral da não discriminação assim reconhecido transcende tal diploma de direito derivado.

    147. Vista a evolução que já expus, verifica‑se que o princípio da não discriminação em razão da orientação sexual não foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência dos anos 90. Contudo, recordo que o Tribunal de Estrasburgo se pronunciou, em Dezembro de 1999 (71), no sentido de que tal discriminação não era conforme com a CEDH. Tendo em conta o facto de que a União Europeia garante, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais que são protegidos por esta convenção (72) e sabendo que a Carta dos Direitos Fundamentais apenas codificou direitos já garantidos na União (73), creio ser evidente que o direito à igualdade de tratamento em razão da orientação sexual constituía já um princípio geral do direito reconhecido pelo direito da União no momento em que J. Römer registou a sua união de facto com o seu parceiro, ou seja, em 15 de Outubro de 2001.

    148. Se o Tribunal de Justiça não vier a partilhar do meu raciocínio sobre este ponto e pretender ater‑se à aplicação das disposições da Directiva 2000/78, haverá que distinguir, no tocante à data do início da sua produção de efeitos, em função da qualificação da discriminação que venha a ser dada pelo Tribunal de Justiça.

    149. Efectivamente, em caso de discriminação directa, esta estará constituída unicamente a partir do momento em que a situação dos beneficiários que integram uma união de facto registada se tornou comparável à dos beneficiários casados no que respeita à pensão complementar em causa no processo principal.

    150. É possível que se conclua que, em conformidade com o que sugere o órgão jurisdicional nacional e contrariamente ao que sustenta o recorrente, a concordância bastante entre os direitos e deveres que resultam do casamento e os resultantes da união de facto registada, nos limites dos elementos pertinentes no tocante à vantagem em questão, tenha ocorrido unicamente de forma progressiva, e não logo a partir da adopção da primeira lei que a regula. Ora, como deve ser efectuada através da análise e interpretação do direito interno, a determinação deste limite de convergência incumbirá ao órgão jurisdicional de reenvio.

    151. A este propósito, cabe sublinhar que a decisão de reenvio indica que, na sua versão inicial, resultante da Lei de 16 de Fevereiro de 2001, o estatuto jurídico da união de facto registada no sentido da LPartG se inspirava parcialmente no do casamento, mas se afastava dele quanto ao resto (74), e que este estatuto foi objecto de três reformas, uma das quais, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2005, reforçou as semelhanças entre a união de facto registada e a instituição do casamento (75), a tal ponto que deixaram de existir diferenças jurídicas notórias entre estes dois estados das pessoas propostos pela ordem jurídica alemã. Embora esta análise de uma aproximação por etapas seja contestada pelo recorrente no processo principal, parece evidente que o órgão jurisdicional a quo terá em conta a evolução progressiva do direito nacional que assim descreveu e que, aliás, corresponde à posição adoptada por dois tribunais federais alemães de última instância no quadro de decisões (76) que proferiram no prolongamento directo do acórdão Maruko (77). No entanto, a possibilidade de J. Römer se prevalecer da igualdade de tratamento num dado momento, e não noutro, dependerá essencialmente dos critérios que o Tribunal de Justiça vier a considerar como aqueles que o órgão jurisdicional de reenvio deverá utilizar para efectuar a comparação entre as duas categorias de situações.

    152. Pelo contrário, em caso de discriminação indirecta, não é necessário caracterizar a existência de situações juridicamente comparáveis, mas apenas a existência de uma determinada desvantagem que não esteja justificada por um objectivo legítimo. A obrigação que recai sobre o órgão jurisdicional de reenvio, de retirar consequências conformes com o direito da União, pode então produzir efeitos a partir da criação da união de facto registada pelo legislador alemão, isto é, 1 de Agosto de 2001, data da entrada em vigor da LPartG. No que lhe diz respeito, o recorrente no processo principal, para efeitos do cálculo da sua pensão complementar, poderá exigir ser tratado como um beneficiário casado que não viva duradouramente separado, a partir do mês seguinte ao da celebração da sua união de facto registada.

    153. Por conseguinte, proponho que se responda à quinta questão que incumbe ao órgão jurisdicional nacional assegurar a plena eficácia do princípio geral da não discriminação em razão da orientação sexual, deixando sem aplicação quaisquer disposições de direito interno, como o § 10, n.° 6, da Primeira RGG, contrárias a este princípio, e isto mesmo a partir de uma data anterior à da expiração do prazo de transposição da Directiva 2000/78.

    2.      Quanto à limitação no tempo dos efeitos do acórdão do Tribunal de Justiça

    154. Com a sua sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, para o caso de o Tribunal de Justiça vir a considerar que a Directiva 2000/78, o artigo 141.° CE ou um princípio geral do direito da União se opõem a uma regulamentação como a em causa no processo principal, se há que limitar no tempo a atribuição do benefício do direito a uma pensão de montante idêntico à que é paga aos beneficiários casados, e particularmente se há que considerar que a igualdade de tratamento para efeitos do cálculo das pensões só é aplicável aos direitos adquiridos pelo beneficiário a título dos períodos de contribuição posteriores a 17 de Maio de 1990, nos termos do enunciado no acórdão Barber, proferido nessa data (78).

    155. O recorrente no processo principal e a Comissão estão de acordo em considerar que não existe qualquer razão para limitar no tempo os efeitos do acórdão a proferir, remetendo esta última para o acórdão Maruko, no quadro do qual foi examinada uma questão semelhante (79).

    156. Segundo jurisprudência assente, a interpretação que o Tribunal de Justiça faz de uma norma de direito da União, no exercício da competência que lhe é conferida pelo artigo 267.° TFUE, esclarece e precisa, sempre que seja necessário, o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ser ou deveria ter sido entendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Daqui se conclui que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz mesmo a relações jurídicas nascidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que se pronuncie sobre o pedido de interpretação, se, por outro lado, se encontrarem reunidas as condições que permitam submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida norma (80).

    157. A título excepcional, tendo em conta as graves perturbações que o seu acórdão pode causar quanto ao passado, o Tribunal de Justiça pode ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar a interpretação que, submetida enquanto questão prejudicial, este dá de uma disposição. Uma tal limitação temporal, em aplicação de um princípio geral de segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, só pode ser admitida pelo Tribunal de Justiça no próprio acórdão que se pronuncia sobre a interpretação solicitada (81).

    158. Cabe recordar que o Tribunal de Justiça só recorreu a esta solução em circunstâncias bem precisas, quando, por um lado, existia um risco de repercussões económicas graves devidas, em especial, ao grande número de relações jurídicas constituídas de boa fé com base na regulamentação que se considerava estar validamente em vigor e quando, por outro, se verificou que os particulares e as autoridades nacionais tinham sido levados a um comportamento não conforme com a regulamentação comunitária em virtude de uma incerteza objectiva e importante quanto ao alcance das disposições comunitárias, incerteza para a qual tinham eventualmente contribuído os próprios comportamentos adoptados por outros Estados‑Membros ou pela Comissão (82).

    159. Caso o Tribunal de Justiça venha a entender que se deve pronunciar a respeito da limitação temporal dos efeitos do acórdão que é chamado a proferir, apesar de nem a República Federal da Alemanha nem a Freie und Hansestadt Hamburg o terem requerido, realço que, no quadro do presente processo prejudicial, não resulta minimamente dos autos que o equilíbrio financeiro do regime complementar de pensão gerido pela recorrida no processo principal corra o risco de ser perturbado retroactivamente pela ausência de tal limitação.

    160. Recordo que, por força do § 8, n.° 10, último período, da Primeira RGG, se as condições previstas no § 10, n.° 6, ponto 1, da mesma, isto é, a existência de um vínculo matrimonial sem separação duradoura, só vierem a estar reunidas após o início do pagamento da pensão de reforma, há que aplicar, a partir dessa data e a pedido do interessado, o escalão III/0 do imposto, que é mais favorável aos beneficiários. No caso hipotético de J. Römer ter podido celebrar em Outubro de 2001 um casamento em vez de uma união de facto registada, a Freie und Hansestadt Hamburg deveria ter aumentado a pensão complementar que lhe é paga em conformidade com as disposições mencionadas supra. Ora, o financiamento do sistema de reformas em causa deve ter sido planificado tendo em conta a possível ocorrência de alterações no estado civil dos beneficiários. Não há qualquer indicação de que esta possibilidade tenha conhecido um incremento significativo devido à introdução da união de facto registada no direito alemão.

    161. De resto, a recorrida no processo principal, que se abstém de tomar posição sobre esta questão, nem sequer alega a existência de um risco financeiro. O órgão jurisdicional de reenvio observa que, longe de evocar o receio de graves dificuldades, a Freie und Hansestadt Hamburg realça, pelo contrário, a existência de apenas alguns casos de beneficiários que tinham celebrado uniões de facto registadas e deviam ser objecto de decisões de aplicação de novos modos de cálculo dos direitos a pensão. O recorrente no processo principal especifica que existem menos de 15 000 uniões de facto registadas e que o número de empregados reformados da Freie und Hansestadt Hamburg com um parceiro do mesmo sexo não é susceptível de provocar consequências financeiras graves. Caso o Tribunal de Justiça venha a responder pela afirmativa às questões anteriormente colocadas, as repercussões económicas desta decisão serão, portanto, mínimas.

    162. Por conseguinte, entendo que, se for considerado conveniente responder à sexta questão, não deverão ser limitados no tempo os efeitos do acórdão a proferir.

    F –    Quanto à conciliação entre o princípio da igualdade de tratamento e um objectivo decorrente do direito nacional, tal como a protecção especial do casamento e da família

    163. Por decisão complementar, o Arbeitsgericht Hamburg colocou uma sétima série de questões com as quais pretende essencialmente se uma norma do direito constitucional interno, como o princípio da protecção especial do casamento e da família pelo Estado, inscrita no § 6, n.° 1, da Lei fundamental, é susceptível de colocar limites ao princípio comunitário da não discriminação, directa ou indirecta, tal como concretamente resulta da Directiva 2000/78.

    1.      Quanto ao princípio do primado do direito da União relativo à igualdade de tratamento

    164. A primeira parte da sétima questão incide sobre a posição hierárquica a atribuir a uma norma constitucional alemã, ou seja, o § 6, n.° 1, da Lei fundamental, na hipótese de o Tribunal de Justiça vir a concluir no sentido da existência de uma discriminação directa.

    165. Impõe‑se a sua resposta pela negativa à luz do princípio do direito da União segundo o qual as disposições do referido direito devem primar sobre todas as normas do direito nacional, independentemente do nível destas últimas, e inclusive quando assumam valor constitucional (83). O princípio do primado do direito comunitário assume, pois, carácter absoluto. Se assim não fosse, tal teria por efeito prejudicar a unidade e mesmo a eficácia do direito da União.

    166. Donde resulta que as disposições como as da Lei fundamental, que visam a protecção do casamento e da família, ainda que sejam de nível constitucional, não podem afectar a validade ou a aplicação do princípio da não discriminação consagrado no direito da União. Se o direito da União se opuser a disposições do direito nacional, o seu primado impõe ao juiz nacional a aplicação do direito da União e a não aplicação das disposições nacionais contrárias (84).

    167. A Comissão salienta que a existência de uma violação da Directiva 2000/78 ou de um princípio geral do direito da União que proíbe a discriminação não pode depender de apreciações ou de compromissos do legislador nacional.

    168. Contudo, todas estas considerações pressupõem que haja um conflito de normas, um caso que não creio se possa verificar aqui. Com efeito, o risco de contradição entre o § 6, n.° 1, da Lei fundamental e o direito da União está fortemente atenuado a partir do momento em que o Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional federal) decidiu que, no que respeita ao estatuto relativo ao regime de previdência profissional, não se justificava uma distinção entre o casamento e a união de facto registada e que, consequentemente, uma pessoa que tinha vivido em união de facto registada tinha, tal como uma pessoa que se tenha casado, direito a uma pensão de sobrevivência em caso de morte do seu parceiro (85). Para decidir assim, fundamentou o seu raciocínio nas disposições do direito alemão, designadamente no § 3, n.° 1, da Lei fundamental, que consagra o princípio da igualdade de todos os seres humanos perante a lei, mas remeteu também para o acórdão Maruko (86) a respeito da existência de uma discriminação em razão da orientação sexual. O Bundesverfassungsgericht pronunciou‑se claramente sobre os efeitos que o disposto no § 6, n.° 1, da Lei fundamental podem ter na matéria, considerando que o facto de se referir ao casamento e à sua protecção ao abrigo das disposições da Constituição, e particularmente nos termos do referido §, não era neste caso bastante para justificar um tratamento desigual.

    169. Resulta de todos estes elementos que o único objectivo fundado no direito constitucional nacional que o órgão jurisdicional de reenvio menciona expressamente, isto é, a protecção do casamento e da família pelo Estado, não pode constituir um obstáculo ao princípio geral da igualdade, tal como está consagrado no direito da União.

    2.      Quanto à eventual justificação de uma discriminação por um objectivo fundado no direito nacional

    170. Será necessário responder à segunda parte da sétima questão na medida em que a primeira parte desta questão tenha merecido resposta negativa, no sentido de o princípio da igualdade de tratamento consagrado no direito da União dever prevalecer sobre qualquer objectivo nacional que possa não ser compatível com este princípio.

    171. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se nesse caso sobre a questão de saber se, e em que condições, um objectivo presente na ordem jurídica interna de um Estado‑Membro, como a protecção do casamento, pode, não obstante, ser conciliado com o referido princípio do direito da União e proporcionar uma justificação aceitável relativamente a uma discriminação caracterizada em razão da orientação sexual.

    172. A título liminar, esclareço que, no quadro da Directiva 2000/78, uma disposição de direito interno reconhecida como constitutiva de uma discriminação directa, na acepção deste texto, não pode, a meu ver, ser validada a posteriori por responder a um objectivo fundado no direito interno, mesmo sendo legítimo esse objectivo. Com efeito, o artigo 2.°, n.° 2, alínea a), da referida directiva (87) não faz referência a uma qualquer justificação objectiva equivalente à prevista pelo artigo 2.°, n.° 2, alínea b), i), da mesma directiva a respeito da discriminação indirecta.

    173. Uma leitura a contrario destas últimas disposições indica que não se verifica uma discriminação indirecta se uma medida aparentemente neutra for, na realidade, susceptível de implicar uma especial desvantagem para pessoas com uma determinada orientação sexual relativamente a outras pessoas, mas, contudo, por um lado, for objectivamente justificada por um objectivo legítimo e, por outro, os meios para atingir este objectivo forem apropriados e necessários. A reunião destes critérios jurídicos permite rejeitar a qualificação de medida com carácter indirectamente discriminatório.

    174. É verdade que a protecção do casamento e da família prevista no direito alemão no § 6, n.° 1, da Lei fundamental pode, em si mesma, constituir um objectivo legítimo. Aliás, este objectivo não é alheio ao direito da União. Com efeito, nos termos do artigo 9.° da Carta dos Direitos Fundamentais, «[o] direito de contrair casamento e o direito de constituir família são garantidos pelas legislações nacionais que regem o respectivo exercício». Como é evidente, esta disposição inspirou‑se no artigo 12.° da CEDH (88). Além disso, o artigo 33.°, n.° 1, da Carta dispõe que «[é] assegurada a protecção da família nos planos jurídico, económico e social».

    175. Porém, creio que é manifesto que o objectivo relativo à protecção do casamento ou da família não pode legitimar uma discriminação em razão da orientação sexual. É difícil conceber uma relação causal que possa ligar este tipo de discriminação, enquanto meio, à protecção do casamento, enquanto efeito positivo que dela possa resultar.

    176. Para que não haja discriminação indirecta apesar da existência de uma «especial desvantagem» sofrida pelos parceiros registados reformados, é também necessário, nos termos do artigo 2.°, n.° 2, alínea b), i), da Directiva 2000/78, que os meios utilizados, no presente caso com o objectivo de proteger o casamento e a família, sejam simultaneamente adequados e necessários. Como já referi nas presentes conclusões, não creio que seja este caso, uma vez que a medida em causa não é indispensável, e ainda menos proporcional, para se atingir o objectivo pretendido.

    177. Na sua decisão de 7 de Julho de 2009, já referida, o Bundesverfassungsgericht também tomou posição neste sentido, uma vez que considerou que a distinção entre a união de facto registada e o casamento não pode ser justificada pela especial protecção do segundo e que salientou que a instituição do casamento pode ser protegida sem que seja necessário colocar em desvantagem outros modos de vida.

    178. Segundo jurisprudência assente, incumbe ao juiz nacional, que é o único competente para apreciar os factos do processo que lhe é submetido e para interpretar a legislação nacional aplicável, determinar se e em que medida a regulamentação em causa no processo principal é adequada a garantir a realização de um «objectivo legítimo» e se não excede o que é necessário para o alcançar, na acepção do artigo 2.°, n.° 2, alínea b), i), da Directiva 2000/78 (89).

    179. Resulta do conjunto destes elementos que não deve ser atribuída importância determinante ao objectivo enunciado pelo § 6, n.° 1, da Lei fundamental alemã e, designadamente, não deve constituir um motivo de justificação válido para efeitos da apreciação da questão de saber se o § 10, n.° 6, da Primeira RGG cria uma discriminação, directa ou indirecta, na acepção do direito comunitário, mas que, em definitivo, é o órgão jurisdicional nacional que se deve pronunciar sobre tal.

    VI – Conclusão

    180. Visto o conjunto das precedentes considerações, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo Arbeitsgericht Hamburg:

    «1)      As pensões complementares de reforma previstas por uma regulamentação como a que é objecto do processo principal estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional.

    2)      As disposições conjugadas dos artigos 1.°, 2.° e 3.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 2000/78 opõem‑se a uma regulamentação como a em causa no processo principal, nos termos da qual um beneficiário que é parceiro numa união de facto registada não recebe uma pensão complementar de reforma equivalente à atribuída a um beneficiário casado que não viva duradouramente separado, sendo que, no direito nacional, a referida união coloca as pessoas do mesmo sexo numa situação comparável à dos cônjuges no que respeita à referida pensão. A análise do carácter comparável deve ser concentrada nos direitos e obrigações dos cônjuges e dos parceiros registados, tal como decorrem respectivamente das disposições aplicáveis ao casamento e à união de facto registada, que sejam pertinentes tendo em conta as condições de atribuição da prestação em questão. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se um parceiro registado se encontra numa situação jurídica e factual comparável à de um cônjuge beneficiário da pensão complementar de reforma prevista pelo regime de previdência profissional gerido pela Freie und Hansestadt Hamburg.

    A título subsidiário, se a análise do carácter comparável excluir a existência de uma discriminação directa em razão da orientação sexual, haverá pelo menos uma discriminação indirecta na acepção do artigo 2.°, n.° 2, alínea b), i), da Directiva 2000/78, uma vez que disposições como as da regulamentação em causa no processo principal, que prevêem um modo de cálculo da pensão complementar de reforma mais favorável para um beneficiário casado que não viva duradouramente separado, por um lado, cria uma desvantagem específica em detrimento de um beneficiário que viva em união de facto registada e, por outro, não responde objectivamente a um fim legítimo ou não constitui um meio tão apropriado quanto é necessário para atingir este objectivo, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.

    3)      Não há que responder à quarta questão prejudicial. A título subsidiário, deve responder‑se que uma regulamentação como a em causa no processo principal não pode constituir uma violação do artigo 141.° CE, mas pode – o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio decidir à luz dos dados do litígio que lhe foi submetido – violar o princípio geral do direito da União que constitui a proibição das discriminações em razão da orientação sexual.

    4)      Incumbe ao órgão jurisdicional nacional assegurar a plena eficácia do princípio geral da não discriminação em razão da orientação sexual, deixando sem aplicação quaisquer disposições de direito interno, como o § 10, n.° 6, da Primeira RGG, contrárias a este princípio, e isto mesmo a partir de uma data anterior à da expiração do prazo de transposição da Directiva 2000/78.

    5)      Uma disposição de direito interno, mesmo de nível constitucional, não pode, por si só, justificar uma regulamentação, tal como a em causa no processo principal, que entre em conflito com o direito da União e, em especial, com o princípio da igualdade de tratamento.»


    1 – Língua original: francês.


    2 – A «Cidade Livre e Hanseática de Hamburgo» é simultaneamente uma cidade e um dos dezasseis Estados federados (Länder) que compõem a República Federal da Alemanha. Segundo o § 4, n.° 1, da Constituição de Hamburgo (Verfassung der Freien und Hansestadt Hamburg), de 6 de Junho de 1952, as suas actividades estatais e municipais não estão separadas.


    3 – Acórdão de 1 de Abril de 2008 (C‑267/06, Colect., p. I‑1757).


    4 – Acórdão de 22 de Novembro de 2005 (C‑144/04, Colect., p. I‑9981).


    5–      Acórdão de 19 de Janeiro de 2010 (C‑555/07, Colect., p. I‑0000).


    6 – JO L 303, p. 16.


    7 – Uma vez que o processo principal tem por objecto a aplicação de disposições de direito alemão na versão anterior à entrada em vigor do Tratado FUE, ou seja, 1 de Dezembro de 2009, as disposições do Tratado CE serão referidas de acordo com a numeração aplicável antes desta data.


    8 – A Carta, proclamada em Nice em 7 de Dezembro de 2000 (JO C 364, p. 1), foi alterada e dotada de valor jurídico vinculativo por ocasião da adopção do Tratado de Lisboa (JO 2007, C 303, p. 1), a seguir «Carta dos Direitos Fundamentais».


    9 – JO 1997, C 340, p. 1.


    10 – Lei fundamental para a República Federal da Alemanha, de 23 de Maio de 1949, BGBl. III 100‑1.


    11 – BGBl. 2001 I, p. 266.


    12 – BGBl. 2004 I, p. 3396. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, são estas as disposições pertinentes no caso em apreço.


    13 – As informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, bem como pela Comissão, não são completas no tocante à exacta redacção das disposições aplicáveis. No entanto, creio que são suficientes para efeitos de determinar, na perspectiva do direito da União, quais são as prestações pagas ao seu abrigo.


    14–      HmbGVBl. p. 53.


    15–      Gesetz über die zusätzliche Alters und Hinterbliebenenversorgung für Angestellte und Arbeiter der Freien und Hansestadt Hamburg (Erstes Ruhegeldgesetz – 1. RGG) in der Fassung der Bekanntmachung vom 30. Mai 1995 (GVBl. p. 108).


    16 – A Comissão indica que «também está prevista uma regra semelhante nos §§ 1, 1 a, 1 b, 1 c, 6, 7 e 8 da Primeira RGG».


    17 – Ou seja, apenas alguns dias após ter sido proferido o acórdão Maruko, já referido.


    18 – Resulta do pedido de decisão prejudicial que o Arbeitsgericht Hamburg também submeteu, para efeitos da fiscalização da constitucionalidade do § 10, n.° 6, da Primeira RGG, por um lado, ao Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal) e, por outro, ao Hamburgisches Verfassungsgericht (Tribunal Constitucional do Land de Hamburgo), uma questão formulada em termos equivalentes à terceira questão submetida ao Tribunal de Justiça.


    19 –      Esta questão foi objecto de um corrigendum apresentado em 11 de Março de 2009, nos termos do qual a indicação correcta é «Art. 2 Abs. 2 lit. b, Ziff. I», em lugar de «Art. 2 Abs. 1 lit. a, Ziff. I».


    20 – N.os 83 a 95 das referidas conclusões.


    21 – Acórdão Maruko, já referido (n.° 73).


    22 – Para atalhar a uma análise efectuada pelo órgão jurisdicional de reenvio com base apenas na versão alemã do texto, observe‑se que, na redacção alemã do artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 2000/78 a expressão «der staatlichen Systeme» é utilizada como equivalente dos termos «les régimes publics» utilizados na versão francesa, ao passo que, no n.° 1 do referido artigo, o qualificativo «öffentlichen» é utilizado em vez do adjectivo «public» no francês.


    23 – Recorde‑se que, segundo o artigo 141.°, n.° 2, CE, entende‑se por «remuneração» o salário ou vencimento ordinário, de base ou mínimo, e quaisquer outras regalias pagas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, pela entidade patronal ao trabalhador em razão do emprego deste último.


    24 – Sobre a jurisprudência alemã relativa a este assunto e as repercussões do acórdão Maruko, já referido, v. Mahlmann, M., Report on measures to combat discrimination – Directives 2000/43/EC and 2000/78/EC – Country report 2008 – Germany (especialmente, nota 211de pé de página), relatório acessível no sítio Internet da Rede europeia dos juristas especialistas em matéria de não discriminação: http://www.non‑discrimination.net.


    25 – Já referido, v., designadamente, n.os 41 e segs., cabendo recordar que este trata de uma questão semelhante, mas relativa a uma pensão de sobrevivência atribuída no âmbito de um regime de previdência profissional.


    26 – Esta noção foi interpretada como incluindo «todos os benefícios em dinheiro ou em espécie, actuais ou futuros, desde que sejam atribuídos, ainda que indirectamente, pela entidade patronal ao trabalhador em razão do trabalho deste último, seja nos termos de um contrato de trabalho, de disposições legislativas ou a título voluntário». V., designadamente, acórdãos de 17 de Maio de 1990, Barber, (C‑262/88, Colect., p. I‑1889, n.° 12), e de 19 de Novembro de 1998, Høj Pedersen e o. (C‑66/96, Colect., p. I‑7327, n.° 32).


    27 – No acórdão de 17 de Abril de 1997, Evrenopoulos (C‑147/95, Colect., p. I‑2057), o Tribunal de Justiça declarou que um regime de pensões de um organismo público caía na alçada do âmbito de aplicação do artigo 119.° do Tratado CE (que passou a artigo 141.° CE) devido a ser pouco relevante que esse regime tivesse sido instituído pelo legislador, uma vez que, vistos os critérios enumerados, era possível considerar que a pensão era paga em razão da relação de trabalho com o organismo em causa.


    28 – V., designadamente, acórdão Maruko, já referido (n.° 44 e a jurisprudência referida).


    29 – No que respeita, por exemplo, às pensões de reforma pagas pelo Estado finlandês aos funcionários contratados pelas Forças Armadas desse país, v. acórdão de 12 de Setembro de 2002, Niemi (C‑351/00, Colect., p. I‑7007).


    30 – V., designadamente, acórdãos de 28 de Setembro de 1994, Beune (C‑7/93, Colect., p. I‑4471, n.° 43); Evrenopoulos, já referido (n.° 19), e Maruko, já referido (n.° 46).


    31 – Acórdão Maruko, já referido (n.° 47 e jurisprudência referida).


    32 – Acórdão Maruko, já referido (n.° 48 e jurisprudência referida). Creio que o Tribunal poderá utilmente suprimir o qualificativo «último» da terceira condição, pois tal será mais conforme com o estado actual dos sistemas de pensões que, para efeitos do referido cálculo, tomam geralmente em conta vários dos vencimentos, ou mesmo a sua totalidade, em vez de se aterem ao último. Vista a jurisprudência, este critério, que creio, pois, perdeu já pertinência, não surge interpretado como assumindo carácter absoluto, posto que determinadas prestações cujos montantes eram calculados com base em diversos vencimentos não foram excluídas do âmbito da noção de «remuneração».


    33 – Comparar com a aplicação dos critérios anteriormente recordados que foi efectuada pelo Tribunal de Justiça nos n.os 49 a 57 do acórdão Maruko, já referido.


    34 – Acórdão Maruko, já referido (n.° 57 e jurisprudência referida). V., também, acórdão Niemi, já referido (n.° 42).


    35 – Acórdãos já referidos, Evrenopoulos (n.° 16), e Niemi (n.° 41).


    36 – Acórdão Niemi, já referido (n.° 45). O Tribunal entendeu que o facto de o regime de pensões dos funcionários do Estado finlandês fazer parte de um sistema harmonizado, de modo que a pensão global de que beneficia um segurado reflecte o trabalho efectuado ao longo da sua carreira independentemente do trabalho e do sector de actividade em causa, e a circunstância de esse regime ter sido notificado como regime abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 1; EE 05 F1 p. 98), não podem excluir, por si só, a aplicação do artigo 119.° do Tratado CE, uma vez que a prestação de pensão está ligada à relação laboral e que, consequentemente, é paga pelo Estado na qualidade de empregador.


    37 – O órgão jurisdicional a quo expõe (no n.° 55 da primeira decisão de reenvio) que o Bundesverwaltungsgericht teceu este raciocínio baseado no vigésimo segundo considerando da Directiva 2000/78 a respeito das «prestações familiares de primeiro nível» reservadas às pessoas casadas e que o Bundesgerichtshof adoptou a mesma posição no tocante às pensões de sobrevivência atribuídas em função do mesmo critério distintivo no quadro de um regime complementar da pensão profissional de reforma (o das caixas de aposentação do Bund e dos Länder) e no tocante a um modo de cálculo mais vantajoso das pensões complementares que correspondem integralmente ao previsto no § 10, n.° 6, da Primeira RGG.


    38 – Acórdão já referido (n.° 59 e segs., e jurisprudência referida por analogia).


    39 – Observo que o Tribunal Constitucional húngaro (Alkotmánybíróság), após ter anulado, com a sua decisão n.° 154/2008, de 17 de Dezembro de 2008, a Lei n.° CLXXXIV de 2007 sobre a união de facto registada, por violação do artigo 15.° da Constituição que protege o instituto do casamento, devido ao legislador pretender instituir esta outra forma de vida em comum não apenas para os homossexuais mas também para os heterossexuais, constatou recentemente, com a sua decisão n.° 32/2010, de 25 de Março de 2010, que a Lei n.° XXIX de 2009 é conforme com a Constituição pois reserva a união de facto registada aos pares homossexuais. Nesta última decisão, o Alkotmánybíróság realçou que o reconhecimento da possibilidade de celebrar uma união de facto registada entre pessoas do mesmo sexo se justificava pelo direito ao respeito da dignidade humana (Magyar Közlöny 2010/43).


    40 – A este propósito, assinalo que, por acórdão de 24 de Junho de 2010 (ainda não publicado no Recueil des arrêts et décisions), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH») conheceu do processo Schalk e Kopf c. Áustria, no qual nacionais austríacos do mesmo sexo vivendo em concubinato oficial invocavam o artigo 12.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH») para denunciar a recusa das autoridades em autorizar o seu casamento, pedido inédito no Tribunal de Estrasburgo, que foi recusado por unanimidade. Também denunciavam uma discriminação em razão da sua orientação sexual, na medida em que lhes foi recusado o direito a se casarem e não têm outra possibilidade de ver a sua relação legalmente reconhecida, mas, porém, o TEDH concluiu que tal não constituía violação do artigo 14.° em conjugação com o artigo 8.° da mesma Convenção. Finalmente, os requerentes invocavam o artigo 1.° do Protocolo adicional n.° 1 da CEDH para alegar que eram colocados numa situação financeira desvantajosa relativamente aos pares unidos pelo casamento, mas este pedido foi julgado manifestamente improcedente. Acrescento que a legislação austríaca reconhece o concubinato oficial como uma forma de união acessível às pessoas homossexuais e amplamente equiparada ao casamento.


    41 – Conclusões apresentadas no processo na origem do acórdão Maruko, já referido (n.° 76). O valor de um considerando, como o que está aqui em causa, é unicamente o de servir de critério de interpretação, na medida em que contém a fundamentação das disposições essenciais da directiva, e não o de ser portador de uma disposição com efeito imperativo.


    42 – O artigo 2.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 2000/78 dispõe que existe discriminação directa fundada na orientação sexual «sempre que, [pela sua orientação sexual], uma pessoa seja objecto de um tratamento menos favorável do que […] outra pessoa em situação comparável». Em contrapartida, o artigo 2.°, n.° 2, alínea b), da mesma directiva refere que existe discriminação indirecta fundada na orientação sexual «sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja [no entanto] susceptível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada […] orientação sexual, comparativamente com outras pessoas, a não ser que essa disposição, critério ou prática sejam objectivamente justificados por um objectivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários».


    43 – Subscrevo, assim, a posição que a Primeira Secção do Bundesverfassungsgericht adoptou na decisão que proferiu em 7 de Julho de 2009 (BVerfG, 1 BvR 1164/07). Para reconhecer a existência desta discriminação, este realçou que existe uma conexão estreita entre a orientação sexual e a escolha entre o casamento ou a união de facto registada (n.° 89) e que o legislador alemão estabeleceu esta última forma de vínculo jurídico para permitir a união das pessoas homossexuais (n.° 90).


    44 – Acórdão já referido (n.° 69).


    45 – V. TEDH, acórdão Burdem c. Reino Unido de 29 de Abril de 2008 (ainda não publicado no Recueil des arrêts et décisions), a Grande Secção deste Tribunal decidiu que duas irmãs que viviam juntas há mais de trinta anos numa casa indivisa não podiam contestar uma diferença no seu tratamento fiscal, com base no artigo 14.° da CEDH, pois não estavam numa situação comparável à dos cônjuges ou dos parceiros registados.


    46 – Já referido (n.os 67 a 69).


    47 – Já referido (n.os 67 e segs.).


    48 – §§ 2 e 5 da LPartG, conforme alterada pela Lei que reforma o regime da união de facto registada (Gesetz zur Überarbeitung des Lebenspartnerschaftsrechts), de 15 de Dezembro de 2004, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2005.


    49 – Assim, o § 5 da LPartG remete expressamente para as disposições paralelas do BGB, prevendo que «os §§ 1360, segundo período, 1360 a e 1360 b do Código Civil e o § 16, segundo parágrafo, aplicam‑se por analogia».


    50 – O Arbeitsgericht Hamburg especifica, em particular, que a referida Lei de 15 de Dezembro de 2004 que reforma o regime da união de facto registada «aproximou mais ainda o estatuto da união de facto do estatuto do casamento».


    51 – V., designadamente, acórdão de 5 de Março de 2009, Age Concern England (C‑388/07, Colect., p. I‑1569, n.os 47 e segs.). Cabe realçar que a Directiva 2000/78 estabelece regras específicas relativas aos motivos susceptíveis de legitimar as desigualdades de tratamento fundadas, directa ou indirectamente, na idade (v. n.° 32 das conclusões apresentadas em 6 de Maio de 2010 pela advogada‑geral J. Kokott no processo Andersen C‑449/08, pendente no Tribunal de Justiça).


    52 – No entanto, recordo que o § 10, n.° 6, da Primeira RGG dispõe que modo de cálculo mais vantajoso decorrente da aplicação do escalão III/0 do imposto, é aplicável não só aos beneficiários casados, mas também aos beneficiários não casados que, na mesma data, tenham direito a beneficiar do abono de família ou de prestações equivalentes.


    53 – Voltarei a este assunto no âmbito das respostas a dar à última série de questões relativas à relevância do § 6, n.° 1, da Lei fundamental, que enuncia um objectivo deste tipo.


    54 – A cotejar com a decisão de 7 de Julho de 2009 do Bundesverfassungsgericht, já referido. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem também realçou que: «[q]uando a margem de apreciação deixada aos Estados é estreita, [como no caso] de uma diferença de tratamento fundada na […] orientação sexual, […] o princípio de proporcionalidade exige que a medida adoptada seja normalmente de natureza a permitir a realização do objectivo pretendido, mas obriga também a demonstrar que era necessário, para alcançar esse objectivo, excluir certas pessoas – no caso, os indivíduos que vivem uma relação homossexual – do âmbito de aplicação da medida em causa» (TEDH, acórdão Karner c. Áustria de 24 de Julho de 2003, Recueil des arrêts et décisions 2003‑IX, n.° 41).


    55 – Acórdão de 7 de Janeiro de 2004, K. B. (C‑117/01, Colect., p. I‑541).


    56 – N.os 28, 30 e 33 deste acórdão.


    57 – Já referido (n.os 74 e 75).


    58 – Acórdãos já referidos, Mangold (n.° 74) e Kücükdeveci (n.° 20).


    59 – Acórdãos já referidos, Mangold (n.° 75) e Kücükdeveci (n.° 21).


    60 – Acórdão Kücükdeveci, já referido (n.° 22).


    61 – Foi com base nesta disposição que foi adoptada a Directiva 2000/78, bem como a Directiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica (JO L 180, p. 22), e a Directiva 2004/113/CE do Conselho, de 13 de Dezembro de 2004, que aplica o princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso a bens e serviços e seu fornecimento (JO L 373, p. 37). Para completar este quadro jurídico, a Comissão apresentou, em 2 de Julho de 2008, uma Proposta de Directiva do Conselho que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, independentemente da sua religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual [COM(2008) 426 final].


    62 – Acórdão de 17 de Fevereiro de 1998, Grant (C‑249/96, Colect., p. I‑621, n.os 35 e segs.).


    63 – V. n.° 92 das conclusões apresentadas no processo na origem do acórdão Maruko, já referido, e os numerosos acórdãos aí referidos (nota 90).


    64 – V., designadamente, acórdão de 31 de Maio de 2001, D e Suécia/Conselho (C‑122/99 P e C‑125/99 P, Colect., p. I‑4319), cujo teor é recordado no n.° 94 das conclusões do advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer apresentadas no processo na origem do acórdão Maruko, já referido.


    65 – TEDH, acórdão Salgueiro Da Silva Mouta c. Portugal de 21 de Dezembro de 1999, Recueil des arrêts et décisions 1999‑IX, n.os 28 e 36. V., também, TEDH, acórdão S.L. c. Áustria de 9 de Janeiro de 2003, Recueil des arrêts et décisions 2003‑I (n.° 37: «as diferenças fundadas na orientação sexual devem ser justificadas por razões especialmente sérias», bem como a jurisprudência referida nesse sentido), e TEDH, acórdão Kozak c. Polónia de 2 de Março de 2010, ainda não publicado no Recueil des arrêts et décisions (nos n.os 98 e 99, o TEDH admitiu que a protecção da família, fundada na união entre um homem e uma mulher como prevista pela Constituição polaca, constitui em princípio um motivo legítimo que permite justificar uma diferença de tratamento. Porém, acrescentou que, quando procura atingir o equilíbrio pretendido entre a protecção da família e os direitos que a Convenção reconhece às minorias sexuais, o Estado deve ter em conta a evolução da sociedade, nomeadamente o facto de que não existe apenas uma única maneira de um indivíduo conduzir a sua vida privada. Não podendo admitir que seja necessário, para efeitos da protecção da família, recusar de um modo geral a possibilidade de transmissão de um arrendamento em proveito de pessoas que vivem uma relação homossexual, concluiu, por unanimidade, que havia violação do artigo 14.° em conjugação com o artigo 8.° da CEDH).


    66 – O preâmbulo refere que a Carta «reafirma, no respeito pelas atribuições e competências da Comunidade e da União e na observância do princípio da subsidiariedade, os direitos que decorrem, nomeadamente, das tradições constitucionais e das obrigações internacionais comuns aos Estados‑Membros, do Tratado da União Europeia e dos Tratados comunitários, da [CEDH], das Cartas Sociais aprovadas pela Comunidade e pelo Conselho da Europa, bem como da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem».


    67 – O n.° 76 do acórdão Mangold, já referido, começa do seguinte modo: «o respeito do princípio geral da igualdade de tratamento, especialmente em razão da idade […]» (o sublinhado é meu), o que permite considerar que o Tribunal de Justiça não pretendeu limitar a sua abordagem a esta única razão, cabendo recordar que a Directiva 2000/78 tem por objecto lutar contra as discriminações «em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual» (artigo 1.°) em matéria de emprego e de trabalho. Também o advogado‑geral A. Tizzano tinha observado nas suas conclusões referentes a esse processo: «mesmo antes da adopção da Directiva 2000/78 e das suas disposições específicas, o Tribunal de Justiça reconheceu a existência de um princípio geral de igualdade» (o sublinhado é meu) (v. n.° 83 e a jurisprudência aí referida).


    68 – No entanto, observo que a formulação que utiliza a este propósito me parece ambígua, ou mesmo inexacta, visto que refere que «a decisão [do Tribunal de Justiça] clarifica[rá] o conteúdo da directiva, como deveria ter sido compreendida desde 2 de Dezembro de 2003, data da sua entrada em vigor» (o sublinhado é meu). Ora, o artigo 20.° da Directiva 2000/78 enuncia que entrou em vigor no dia da sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, ou seja, em 2 de Dezembro de 2000, ao passo que o artigo 18.° prevê que os Estados‑Membros tinham o prazo até 2 de Dezembro de 2003 para a transpor para o direito interno.


    69 – O recorrente no processo principal invoca que só a posição hierárquica ocupada pelos créditos de alimentos entre cônjuges relativamente aos outros credores de alimentos foi inicialmente concebida de modo diferente, mas que tal não tem qualquer incidência sobre o carácter comparável das obrigações de assistência dos cônjuges e dos parceiros registados relativamente aos respectivos pares.


    70 – Acórdãos já referidos, Mangold (n.° 74) e Kücükdeveci (n.° 20).


    71 – TEDH, acórdão Salgueiro Da Silva Mouta c. Portugal, já referido.


    72 – Artigo 6.°, n.° 3, TUE.


    73 – Preâmbulo da Carta.


    74 – Sobre as pensões de reforma, o órgão jurisdicional de reenvio refere que a LPartDisBG (Gesetz zur Beendigung der Diskriminierung gleichgeschlechtlicher Gemeinschaften: Lebenspartnerschaften) não previa, entre os parceiros registados, qualquer repartição compensatória dos direitos à pensão em caso de dissolução da sua união, nem incluía qualquer disposição sobre os direitos relativos à reforma em caso de morte. Creio, porém, que o efeito útil do princípio da não discriminação no direito da União não poderia ser garantido se, no âmbito da comparação das situações, se tivessem em conta factores que são puramente hipotéticos no tocante à situação específica das partes. Tendo em conta as circunstâncias do presente caso, recordando que a união de facto registada celebrada em 2001 por J. Römer apenas legalizou uma relação estável existente desde 1969, e tendo em conta o facto de que está em causa uma prestação que fixa como condição ser o beneficiário casado e não viver duradouramente separado, entendo que é injustificado, para efectuar a referida comparação, tomar em consideração as regras relativas à dissolução da união.


    75 – A este respeito, v. acórdão Maruko, já referido (designadamente n.os 12 e segs.).


    76 – V. acórdão proferido em 14 de Janeiro de 2009 pelo Tribunal Federal do Trabalho alemão (Bundesarbeitsgericht), especialmente n.° 34; decisão de 7 de Julho de 2009 do Tribunal Constitucional Federal (Bundesverfassungsgericht), já referido, especialmente n.os 36 e segs.


    77 – As duas decisões antes referidas reportam‑se expressamente ao acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça em 1 de Abril de 2008 no processo Maruko, já referido.


    78 – Acórdão já referido, relativo à igualdade das remunerações entre trabalhadores masculinos e femininos, no qual o Tribunal decidiu que «o efeito directo do artigo 119.° do Tratado [artigo 141.° CE] só pode ser invocado, a fim de exigir o direito a pensões profissionais, com efeitos a partir da data do presente acórdão, sem prejuízo da excepção prevista em favor dos trabalhadores ou dos seus sucessores que tenham, antes dessa data, intentado uma acção judicial ou apresentado, nos termos do direito nacional aplicável, uma reclamação equivalente» (n.° 45).


    79 – Já referido (n.os 77 e segs.).


    80 – V., em particular, um acórdão recentemente proferido pela Grande Secção: acórdão de 13 de Abril de 2010, Bressol e o. e Chaverot e o. (C‑73/08, Colect., p. I‑0000, n.os 90 e segs. e jurisprudência referida).


    81 – V., designadamente, acórdãos de 8 de Abril de 1976, Defrenne (43/75, Colect., p. 193); de 27 de Março de 1980, Denkavit italiana (61/79, Recueil, p. 1205, n.° 17); de 6 de Março de 2007, Meilicke e o. (C‑292/04, Colect., p. I‑1835, n.os 36 e 37), e Barber, já referido (n.os 41 e 44).


    82 – V., designadamente, acórdãos de 27 de Abril de 2006, Richards (C‑423/04, Colect., p. I‑3585, n.° 42), e Bressol e o. e Chaverot e o., já referido (n.° 93 e jurisprudência referida).


    83 – Para uma aplicação deste princípio em relação a uma disposição discriminatória da Lei fundamental, a saber, o § 12 a, que, de um modo geral, excluía as mulheres dos empregos militares que implicassem a utilização de armas, v. acórdão de 11 de Janeiro de 2000, Kreil (C‑285/98, Colect., p. I‑69).


    84 – V., de data recente, acórdão de 19 de Novembro de 2009, Filipiak (C‑314/08, Colect., p. I‑11049).


    85 – Decisão proferida em 7 de Julho de 2009 pelo Bundesverfassungsgericht (já referida), portanto, posteriormente à decisão com a qual o Arbeitsgericht Hamburg submeteu as suas questões prejudiciais complementares ao Tribunal de Justiça.


    86 – Já referido, visado pelo n.° 92 da referida decisão do Bundesverfassungsgericht.


    87 – Recordemos: «a) Considera‑se que existe discriminação directa sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°, uma pessoa seja objecto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável».


    88 – O artigo 12.° da CEDH, intitulado «Direito ao casamento», dispõe: «A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de se casar e de constituir família, segundo as leis nacionais que regem o exercício deste direito».


    89 – Para aplicações de datas mais recentes, relativas a discriminações em razão da idade, v. acórdãos de 12 de Janeiro de 2010, Wolf (C‑229/08, Colect., p. I‑0000), Petersen, já referido, e Kücükdeveci, já referido e jurisprudência aí referida.

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