Escolha as funcionalidades experimentais que pretende experimentar

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62008CC0484

    Conclusões da advogada-geral Trstenjak apresentadas em 29 de Outubro de 2009.
    Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid contra Asociación de Usuarios de Servicios Bancarios (Ausbanc).
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunal Supremo - Espanha.
    Directiva 93/13/CEE - Contratos celebrados com os consumidores - Cláusulas que definem o objecto principal do contrato - Controlo jurisdicional do seu carácter abusivo - Exclusão - Disposições nacionais mais rigorosas para garantir um nível de protecção mais elevado ao consumidor.
    Processo C-484/08.

    Colectânea de Jurisprudência 2010 I-04785

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2009:682

    CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

    VERICA TRSTENJAK

    apresentadas em 29 de Outubro de 2009 1(1)

    Processo C‑484/08

    Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid

    contra

    Asociación de Usuarios de Servicios Bancarios (Ausbanc)

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo (Espanha)]

    «Protecção dos consumidores – Directiva 93/13/CEE – Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores – Artigo 4.°, n.° 2 – Apreciação do carácter abusivo de cláusulas que incidem sobre o objecto principal do contrato – Artigo 8.° – Harmonização mínima – Disposições mais rigorosas adoptadas pelos Estados‑Membros para garantir um nível de protecção mais elevado para o consumidor – Diferenças quanto ao objectivo de uma harmonização total»






    Índice


    I –   Introdução

    II – Quadro jurídico

    A –   Direito comunitário

    B –   Direito nacional

    III – Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

    IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

    V –   Principais argumentos das partes

    VI – Apreciação jurídica

    A –   Observações introdutórias

    B –   Admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

    C –   Análise das questões prejudiciais

    1.     Quanto à primeira e segunda questões

    a)     Aplicabilidade do artigo 8.° da Directiva 93/13

    i)     Existência de uma disposição nacional mais rigorosa

    ii)   Aplicabilidade da Directiva 93/13

    –       Âmbito de aplicação pessoal e material

    –       Interpretação do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13

    b)     Alcance da autorização do artigo 8.° da Directiva 93/13

    i)     Falta de carácter imperativo do artigo 4.°, n.° 2

    ii)   Harmonização mínima

    c)     Conclusão

    2.     Quanto à terceira questão

    a)     Apreciação jurídica à luz dos objectivos comunitários

    b)     Apreciação jurídica à luz das normas de concretização

    i)     Regras de concorrência

    ii)   Liberdades fundamentais

    c)     Conclusão

    VII – Conclusão

    I –    Introdução

    1.        No presente processo de reenvio prejudicial, o Tribunal Supremo (a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») submete ao Tribunal de Justiça três questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 8.° da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, em conjugação com o artigo 4.°, n.° 2, da mesma directiva e com os artigos 2.° CE, 3.°, n.° 1, alínea g), CE e 4.°, n.° 1, CE (2).

    2.        Do ponto de vista jurídico trata‑se, essencialmente, da questão de saber se os Estados‑Membros da Comunidade podem invocar o artigo 8.° da directiva para, em derrogação do seu artigo 4.°, n.° 2, alargar a apreciação do carácter abusivo do conteúdo também a cláusulas contratuais que incidem sobre o «objecto principal do contrato» ou a «adequação entre o preço [ou] a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro».

    3.        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Asociación de Usuarios de Servicios Bancarios (a seguir «recorrida no processo principal») – uma pessoa colectiva, cujo objecto estatutário consiste na «defesa dos interesses legítimos dos destinatários dos serviços prestados pelos estabelecimentos de crédito e pelos estabelecimentos financeiros de crédito» – e o estabelecimento de crédito Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid (a seguir «recorrente no processo principal»). No litígio no processo principal solicita‑se a declaração de nulidade da chamada «cláusula de arredondamento», que a recorrente no processo principal, como condição preestabelecida, em cada contrato de crédito para a compra de habitação celebrado com os seus clientes, e que esta cláusula deixe de ser utilizada.

    II – Quadro jurídico

    A –    Direito comunitário

    4.        O décimo segundo, décimo sétimo e décimo nono considerandos da Directiva 93/13 têm o seguinte teor:

    «Considerando no entanto que, na actual situação das legislações nacionais, apenas se poderá prever uma harmonização parcial; que, nomeadamente, apenas as cláusulas contratuais que não tenham sido sujeitas a negociações individuais são visadas pela presente directiva; que há que deixar aos Estados‑Membros a possibilidade de, no respeito pelo Tratado CEE, assegurarem um nível de protecção mais elevado do consumidor através de disposições nacionais mais rigorosas do que as da presente directiva;

    […]

    Considerando que, par[a] efeitos da presente directiva, a lista das cláusulas constante do anexo terá um carácter meramente indicativo e que, devido a esse carácter mínimo, poderá ser alargada ou limitada, nomeadamente quanto ao alcance de tais cláusulas, pelos Estados‑Membros no âmbito das respectivas legislações;

    […]

    Considerando que, para efeitos da presente directiva, a apreciação do carácter abusivo de uma cláusula não deve incidir sobre cláusulas que descrevam o objecto principal do contrato ou a relação qualidade/preço do fornecimento ou de prestação; que o objecto principal do contrato e a relação qualidade/preço podem todavia ser considerados na apreciação do carácter abusivo de outras cláusulas; que desse facto decorre, inter alia, que, no caso de contratos de seguros, as cláusulas que definem ou delimitam claramente o risco segurado e o compromisso do segurador não são objecto de tal apreciação desde que essas limitações sejam tidas em conta no cálculo do prémio a pagar pelo consumidor».

    5.        O artigo 3.° da Directiva 93/13 prevê o seguinte:

    «1. Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

    2. Considera‑se que uma cláusula não foi objecto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão.

    O facto de alguns elementos de uma cláusula ou uma cláusula isolada terem sido objecto de negociação individual não exclui a aplicação do presente artigo ao resto de um contrato se a apreciação global revelar que, apesar disso, se trata de um contrato de adesão.

    Se o profissional sust[entar] que uma cláusula normalizada foi objecto de negociação individual, caber‑lhe‑á o ónus da prova.

    3. O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas.»

    6.        O artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 prevê o seguinte:

    «A avaliação do carácter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objecto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.»

    7.        O artigo 8.° da Directiva 93/13 enuncia o seguinte:

    «Os Estados‑Membros podem adoptar ou manter, no domínio regido pela presente directiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de protecção mais elevado para o consumidor.»

    B –    Direito nacional

    8.        O artigo 10.° bis, n.° 1, da Lei geral 26/1984, de 19 de Julho de 1984, relativa à defesa do consumidor e do utente (Ley 26/1984 general para la defensa de consumidores y usuarios), introduzido pela Lei 7/1998, de 13 de Abril de 1998, relativa às cláusulas contratuais gerais, dispõe o seguinte relativamente ao conceito de cláusulas abusivas:

    «Consideram‑se cláusulas abusivas todas as estipulações não negociadas individualmente que, contra os ditames da boa fé, criem em detrimento do consumidor um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações que decorram do contrato para as partes. Consideram‑se, de qualquer forma, cláusulas abusivas as previstas no aditamento à presente lei.»

    9.        O artigo 8.°, n.° 2, da Lei 7/1998, de 13 de Abril de 1998, relativa às cláusulas contratuais gerais, estabelece a nulidade de cláusulas abusivas:

    «Em particular, são nulas as cláusulas contratuais gerais abusivas quando o contrato for celebrado com um consumidor, entendendo‑se como tais, em qualquer caso, as cláusulas previstas no artigo 10.° bis e no primeiro aditamento à Lei geral 26/1984, de 19 de Julho de 1984, relativa à defesa do consumidor e do utente.»

    10.      O artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 não foi transposto para a ordem jurídica espanhola.

    III – Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

    11.      A recorrente no processo principal celebrou com os seus clientes contratos de crédito para a compra de habitação, com garantia hipotecária. Estes contratos de crédito previam individualmente uma taxa de juro nominal, que devia ser adaptada periodicamente em função da taxa de juro de referência. Além disso, os contratos continham uma cláusula preestabelecida, nos termos da qual, logo desde a primeira revisão por causa de variações, a taxa de juro devida pelo mutuário, sempre que a variação da taxa excedesse 0,25%, seria arredondada para a fracção superior seguinte.

    12.      Segundo a recorrida no processo principal, essa cláusula, conhecida na prática bancária como «cláusula de arredondamento», não foi negociada individualmente com os mutuários e, por conseguinte, é nula por força do artigo 8.°, n.° 2, em conjugação com os artigos 1.°, 2.°, e 10.° bis, n.° 1, da Lei geral 26/1984, de 19 de Julho de 1984, relativa à defesa do consumidor e do utente. Por isso, instaurou uma acção pedindo que a cláusula fosse declarada nula e que deixasse de ser incluída nos contratos de empréstimo.

    13.      A recorrente no processo principal pede que a acção seja julgada improcedente. Alega que o arredondamento da taxa de juro constitui uma regra para a determinação de um elemento essencial do contrato de crédito. A taxa nominal é a contraprestação que o mutuário deve realizar por o capital ser colocado à sua disposição. Logo, o controlo do carácter abusivo, previsto no direito espanhol, viola o artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13, dado que a apreciação do carácter abusivo não pode ter lugar quando as cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.

    14.      Por acórdão de 11 de Setembro de 2001, o Juzgado de Primera Instancia declarou que a «cláusula de arredondamento» era incompatível com a Lei espanhola relativa às cláusulas contratuais gerais. Este acórdão foi confirmado pelo acórdão da Audiencia Provincial de Madrid, de 10 de Outubro de 2002. A recorrente no processo principal interpôs recurso deste último acórdão para o órgão jurisdicional de reenvio.

    15.      O Tribunal Supremo entende que é necessário precisar o sentido dos artigos 4.°, n.° 2, e 8.° da Directiva 93/13, em conjugação com os artigos 2.° CE, 3.°, n.° 1, alínea g), CE e 4.°, n.° 1, CE, para poder apreciar o seu significado juridicamente relevante e as consequências da não transposição da primeira das disposições referidas para a ordem jurídica espanhola, na sua versão pertinente para o recurso. Por conseguinte, suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)      O artigo 8.° da Directiva 93/13[…] deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro pode prever na sua legislação e em benefício dos consumidores um controlo do carácter abusivo das cláusulas que o artigo 4.°, n.° 2, da mesma directiva exclui do referido controlo?

    2)      Consequentemente, o artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13[…], [em conjugação] com o artigo 8.° da mesma directiva, opõe‑se a que um Estado‑Membro institua no seu ordenamento jurídico, e em benefício dos consumidores, um controlo do carácter abusivo das cláusulas relativas à ‘definição do objecto principal do contrato’ ou à ‘[…] adequação entre o preço [ou] a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida[, por outro]’, ainda que estejam redigidas de maneira clara e compreensível?

    3)      Ser[á] compatível com os artigos 2.° [CE], 3.°, n.° 1, alínea g), [CE] e 4.°, n.° 1, [CE] uma interpretação dos artigos 8.° e 4.°, n.° 2, da referida directiva no sentido de que um Estado‑Membro pode fiscalizar judicialmente o carácter abusivo das cláusulas contidas nos contratos celebrados com os consumidores e redigidas de maneira clara e compreensível que definam o objecto principal do contrato ou a adequação entre o preço [ou] a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida[, por outro]?»

    IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

    16.      A decisão de reenvio prejudicial, datada de 20 de Outubro de 2008, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 11 de Novembro de 2008.

    17.      As partes na causa principal, os Governos da República Portuguesa, da República da Áustria, da República Federal da Alemanha e do Reino de Espanha, bem como a Comissão, apresentaram observações escritas dentro do prazo previsto no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

    18.      Na audiência de 10 de Setembro de 2009, compareceram, para apresentarem as suas alegações, os mandatários das partes na causa principal, do Governo do Reino de Espanha e da Comissão.

    V –    Principais argumentos das partes

    19.      A recorrida no processo principal, os Governos alemão e espanhol, bem como a Comissão, referem que a directiva visa uma harmonização mínima.

    20.      A recorrida no processo principal e a Comissão alegam que a não transposição do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 reflecte a vontade do legislador nacional de reforçar a protecção do consumidor, nos termos do artigo 8.° da Directiva 93/13, alargando o controlo do conteúdo a cláusulas que incidem sobre o objecto principal do contrato.

    21.      Indicam que esta interpretação é confirmada pelo Relatório da Comissão, de 27 de Abril de 2000, sobre a aplicação da Directiva 93/13 [COM(2000) 248], do qual não se pode deduzir qualquer objecção contra a não transposição do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13, tanto mais que foi aí considerada a possibilidade de suprimir esta disposição da directiva.

    22.      Por seu turno, o Governo alemão deduz do carácter mínimo da harmonização visada que, na medida em que as cláusulas contratuais relativas a elementos essenciais do contrato se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível, estas cláusulas não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da directiva, pelo que os Estados‑Membros podem decidir livremente estender a elas a apreciação do carácter abusivo.

    23.      Segundo o Governo alemão, esta análise jurídica é confirmada por uma interpretação sistemática e teleológica da directiva. Dado que o princípio geral enunciado no artigo 8.° da Directiva 93/13 é aplicável a todas as disposições anteriores, o artigo 4.° da Directiva 93/13 não pode constituir uma excepção a tal princípio.

    24.      O Governo austríaco defende que uma interpretação diferente da directiva constituiria uma interferência desproporcionada no direito dos contratos dos Estados‑Membros. Teria como consequência que os institutos jurídicos do direito civil não poderiam ser aplicados a cláusulas abusivas que incidissem sobre o objecto principal do contrato. Entretanto, deve ser deixado ao critério dos Estados‑Membros se e, eventualmente, com que meios devem ser combatidas tais cláusulas.

    25.      O Governo português deduz da própria existência do artigo 8.° da Directiva 93/13 que os Estados‑Membros podem adoptar disposições mais rigorosas do que as previstas na directiva e compatíveis com o Tratado CE, para garantir um nível de protecção mais elevado para o consumidor. A este respeito, o Governo espanhol nota que as disposições mais rigorosas previstas na ordem jurídica espanhola não visam, de modo algum, isolar o mercado espanhol através de barreiras jurídicas susceptíveis de dificultar o acesso de profissionais provenientes de outros Estados‑Membros. Pelo contrário, visam assegurar a protecção do consumidor, em conformidade com os objectivos da directiva.

    26.      A recorrida no processo principal entende que a chamada cláusula de arredondamento não incide sobre o objecto principal do contrato. Embora esta cláusula contratual se refira, em rigor, ao cálculo do preço, é igualmente necessário ter em conta que o artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13, enquanto disposição derrogatória, exige uma interpretação estrita. Além disso, a cláusula de arredondamento apresenta um carácter condicional, uma vez que a sua aplicação depende de um acontecimento futuro e incerto, mais concretamente da necessidade de um arredondamento da taxa de juro em 0,25%. Explica ainda que, tendo em conta a circunstância de que a cláusula de arredondamento não se refere a qualquer aspecto essencial do contrato, não é relevante a questão de saber se um Estado‑Membro se pode afastar do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 com base nos artigos 2.° CE, 3.°, n.° 1, alínea g), CE e 4.°, n.° 1, CE.

    27.      A recorrida no processo principal assim como os Governos alemão e austríaco referem, a título subsidiário, que o modelo económico da liberdade de empresa e da livre determinação dos preços, em conformidade com os objectivos do artigo 2.° CE e os princípios da livre concorrência enunciados no artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE e no artigo 4.°, n.° 1, CE, é limitado, num Estado social de Direito, pela protecção de determinados interesses gerais, entre os quais se contam a protecção dos direitos e dos interesses económicos dos consumidores.

    28.      A Comissão partilha as dúvidas da recorrida no processo principal quanto à questão de saber se a cláusula de arredondamento incide sobre o objecto principal do contrato, e interroga‑se, por isso, se as questões prejudiciais são pertinentes e, logo, admissíveis. Relativamente ao artigo 4.° CE, indica que esta disposição tem apenas carácter programático e que, como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Échirolles Distribution (3), não impõe aos Estados‑Membros obrigações claras e incondicionais, que possam ser invocadas pelos particulares perante os órgãos jurisdicionais nacionais.

    29.      A recorrente no processo principal defende uma opinião diferente de todas as outras partes no processo. Entende que o artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 é uma norma imperativa e que, por conseguinte, os Estados‑Membros não se podem afastar dela.

    30.      Em apoio da sua tese, invoca, antes de mais, o acórdão Comissão/Países Baixos (4), no qual o Tribunal de Justiça condenou os Países Baixos por terem transposto de modo incompleto o artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13, no que se refere ao requisito da redacção clara e compreensível das cláusulas controvertidas. A recorrente no processo principal deduz deste acórdão que a referida disposição da directiva tem, no seu conjunto, carácter imperativo.

    31.      A recorrente no processo principal afirma ainda que esta disposição é obrigatória, atendendo a que a Directiva 93/13 pretende garantir um nível mínimo de protecção para o consumidor, estando, por isso, redigida em termos imperativos. Além disso, resulta do décimo segundo e décimo nono considerandos da directiva que o legislador comunitário tentou definir o âmbito de aplicação da protecção garantida ao consumidor, excluindo as cláusulas que incidem sobre o objecto principal do contrato ou a adequação da relação entre o preço e a prestação e que são objecto de negociação individual. Segundo a recorrente no processo principal, uma harmonização mínima não exclui que determinadas disposições da directiva tenham carácter imperativo. Isto foi declarado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Comissão/Espanha (5), relativamente ao artigo 5.°, terceiro período, da Directiva 93/13, que prevê uma excepção ao princípio da interpretação mais favorável ao consumidor.

    32.      Entende que a génese da Directiva 93/13 confirma igualmente que o artigo 4.°, n.° 2, é uma norma imperativa. Com efeito, a proposta original da Comissão não continha uma disposição desse tipo. Ela só foi acrescentada mais tarde, o que demonstra que o controlo jurisdicional dos elementos essenciais de um contrato foi considerado incompatível com o direito dos contratos, baseado no princípio da autonomia privada, e com os princípios da economia de mercado e da livre concorrência.

    33.      A recorrente no processo principal refere‑se ainda às últimas iniciativas da Comissão quanto à revisão do acervo relativo à defesa do consumidor, as quais confirmam, no seu entender, que é importante excluir o controlo jurisdicional das cláusulas essenciais dos contratos. Remete, em particular, para o «Livro Verde» sobre a revisão do acervo relativo à defesa do consumidor (6), bem como para a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos direitos dos consumidores (7), entendendo que apontam também no sentido de uma exclusão do controlo do conteúdo, como o artigo 4.°, n.° 2, e que confirmam a tendência no sentido de uma harmonização total.

    34.      A título subsidiário, a recorrente no processo principal indica que, mesmo na hipótese de o artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 não ter carácter imperativo, os Estados‑Membros não podem prever um controlo jurisdicional das cláusulas essenciais dos contratos sem violarem os princípios da livre concorrência e da economia de mercado, consagrados no Tratado CE. Com efeito, isto teria como resultado permitir um controlo jurisdicional do equilíbrio entre a oferta e a procura, para determinar o seu carácter abusivo. Acresce que, sendo reconhecida ao juiz competência para apreciar o objecto principal de um contrato, seriam criadas condições comerciais diferentes no mercado interno europeu.

    35.      Por último, a recorrente no processo principal duvida que uma extensão do controlo jurisdicional do conteúdo dos contratos possa, efectivamente, garantir um nível de protecção mais elevado para o consumidor, no sentido do artigo 8.° da Directiva 93/13, em especial porque é imposta como sanção a nulidade das cláusulas abusivas e existe o risco real de que a nulidade se estenda à totalidade do contrato, na medida em que a cláusula considerada abusiva incida sobre o objecto principal do contrato, sem o qual não é possível executar o contrato. O sistema de protecção introduzido pela Directiva 93/13 assenta na ideia fundamental de que o consumidor se encontra numa situação de desigualdade, que é necessário corrigir, sem contudo pôr em causa a estabilidade do contrato.

    36.      Na audiência, o Governo espanhol formulou, em primeira linha, argumentos contra a tese defendida pela recorrente no processo principal quanto ao carácter supostamente imperativo do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 e a qualificação da cláusula de arredondamento controvertida como parte do objecto principal de um contrato. Modificando a sua proposta de decisão apresentada inicialmente na fase escrita do processo, solicitou ainda a constatação, pelo Tribunal de Justiça, de que o controlo do carácter abusivo que abrange o objecto principal do contrato, excluído em princípio pelo artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13, é compatível com a directiva e com os princípios consagrados no Tratado CE.

    37.      A título subsidiário, propõe que, pelo contrário, se responda às questões prejudiciais que uma cláusula contratual como a cláusula de arredondamento ora controvertida não se conta entre as cláusulas que, por força do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13, devem ser excluídas do âmbito de aplicação desta.

    VI – Apreciação jurídica

    A –    Observações introdutórias

    38.      A Directiva 93/13 tem por objectivo proteger o consumidor das desvantagens resultantes da sua típica inferioridade contratual relativamente ao empresário. No passado, os empresários aproveitaram o seu poder económico para prejudicar o consumidor, impondo‑lhe contratos de adesão e transferindo os riscos para ele, invocando a liberdade contratual. A directiva visava pôr termo a este abuso de poder (8).

    39.      A Directiva 93/13 refere‑se a um problema central do direito privado. Trata‑se do conflito entre a autonomia privada (9), por um lado, e a protecção da parte contratante mais fraca, que é o consumidor, por outro. A Directiva 93/13 limita consideravelmente o princípio da liberdade contratual a favor do consumidor, ao permitir o controlo jurisdicional das cláusulas abusivas (10). Esta interferência das autoridades na autonomia privada é justificada pela suposição de que, nos contratos de adesão, se verifica uma assimetria de poder económico. Os contratos são formulados de antemão pelas empresas e impostos de modo unilateral ao consumidor, sem que este tenha a possibilidade de negociar individualmente as suas condições. O princípio da autonomia privada deixa de ser garantido na prática, dado que o consumidor não tem qualquer influência sobre o conteúdo do contrato (11). Isto justifica a interferência do Estado na liberdade contratual das partes, para garantir uma justiça contratual tão ampla quanto possível (12).

    40.      Contudo, a Directiva 93/13 não vai ao ponto de suprimir completamente a autonomia privada, dado que o artigo 4.°, n.° 2, da directiva exclui uma apreciação do carácter abusivo de cláusulas que incidem sobre o «objecto principal do contrato» ou a «adequação entre o preço [ou] a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro». Não se trata de assegurar uma protecção geral do consumidor, que o impeça de celebrar um negócio desvantajoso. Pelo contrário, no que se refere às prestações principais, considera‑se que está suficientemente protegido pela concorrência.

    41.      Como acima se referiu (13), no presente pedido de decisão prejudicial, trata‑se, em primeira linha, da questão de saber se a Directiva 93/13 confere aos Estados‑Membros a competência para, através da adopção de correspondentes disposições nacionais ou – como no caso do Reino de Espanha – através da não transposição do artigo 4.°, n.° 2, da directiva para direito nacional, ampliar o alcance da apreciação jurídica do carácter abusivo das cláusulas contratuais, prevista no artigo 4.°, n.° 1, da directiva, também aos tipos de cláusulas mencionadas no artigo 4.°, n.° 2. Isto depende, em primeira linha, da resposta à questão de saber qual a função exacta do artigo 4.°, n.° 2, no âmbito da Directiva 93/13 e qual a relação entre esta norma e o artigo 8.° da directiva. Dado que as duas primeiras questões prejudiciais apresentam vários aspectos comuns quanto ao conteúdo, devem ser analisadas em conjunto por exigências de clareza.

    42.      A seguir, importa analisar a terceira questão prejudicial, que se refere, no essencial, à compatibilidade de um controlo amplo do conteúdo de cláusulas contratuais no sentido acima indicado com os princípios de uma economia de mercado aberta e da livre concorrência, consagrados no direito primário.

    B –    Admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

    43.      Importa, no entanto, analisar primeiro a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, dado que quer a Comissão quer a recorrida no processo principal manifestam dúvidas quanto à pertinência das questões prejudiciais para a resolução do litígio no processo principal.

    44.      Com efeito, ambas as partes consideram duvidoso que a cláusula de arredondamento controvertida incida realmente sobre o objecto principal do contrato ou sobre a adequação entre o preço e a prestação. Remetem para a jurisprudência dos órgãos jurisdicionais espanhóis, bem como para o entendimento expresso pela Comissão no seu relatório sobre a aplicação da Directiva 93/13, de 5 de Abril de 1993 (14), segundo o qual as cláusulas que estipulam as modalidades de cálculo ou de modificação dos preços estão totalmente sujeitas ao controlo previsto pela Directiva 93/13.

    45.      Neste contexto, importa lembrar que, no quadro da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, prevista no artigo 234.° CE, compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais, que são chamados a conhecer do litígio e devem assumir a responsabilidade da decisão jurisdicional a proferir, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo a examinar, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para estarem em condições de resolver o litígio como a pertinência das questões que submetem ao Tribunal de Justiça (15).

    46.      Desde que as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais incidam sobre a interpretação de uma disposição de direito comunitário, o Tribunal de Justiça é, portanto, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (16), salvo se for manifesto que o pedido de decisão prejudicial visa, na realidade, levá‑lo a pronunciar‑se sobre um litígio artificial ou a emitir opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, que a interpretação do direito comunitário solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou o objecto do litígio, ou ainda que o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto ou de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (17).

    47.      O órgão jurisdicional de reenvio indicou expressamente que as disposições dos artigos 4.° e 8.° da Directiva 93/13 são determinantes para a decisão do litígio pendente (18). Além disso, faltam elementos em apoio da tese de que as questões prejudiciais não têm manifestamente qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio.

    48.      Acresce que, na sua decisão de reenvio, o órgão jurisdicional nacional indica que as dúvidas quanto à interpretação da Directiva 93/13 decorrem de que o Reino de Espanha, como também outros Estados‑Membros, invocando a autorização do artigo 8.° da directiva, não transpôs para direito nacional o artigo 4.°, n.° 2, que prevê a exclusão do controlo do conteúdo das cláusulas contratuais (19). Resulta de um exame criterioso do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio pretende que o Tribunal de Justiça precise onde se situam os limites do controlo do conteúdo de cláusulas contratuais impostos pelo direito comunitário e se os Estados‑Membros podem, eventualmente, ampliar este controlo do conteúdo, sem violarem o direito comunitário (20).

    49.      Relativamente aos argumentos da Comissão e da recorrida no processo principal quanto à inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial, cabe objectar que a questão de saber se a cláusula de arredondamento se enquadra, em concreto, no conceito de «objecto principal do contrato», na acepção do artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 93/13, não é uma questão de admissibilidade, mas de qualificação, e, por conseguinte, de aplicação jurisdicional do direito comunitário ao processo principal.

    50.      Tendo em consideração o exposto, não se pode negar a pertinência das questões prejudiciais para a decisão. Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

    C –    Análise das questões prejudiciais

    1.      Quanto à primeira e segunda questões

    a)      Aplicabilidade do artigo 8.° da Directiva 93/13

    i)      Existência de uma disposição nacional mais rigorosa

    51.      A faculdade de derrogação prevista no artigo 8.° da Directiva 93/13 confere aos Estados‑Membros a possibilidade de adoptarem disposições mais rigorosas do que as previstas na directiva. O teor do artigo 8.° nas suas diferentes versões linguísticas é pouco claro, na medida em que não permite reconhecer, sem mais, até que ponto o direito nacional pode prever disposições «mais rigorosas». De qualquer modo, é possível entender que se deve tratar de disposições que garantam um «nível de protecção mais elevado» para o consumidor.

    52.      Esta disposição corresponde ao décimo segundo considerando da directiva, do qual decorre que os Estados‑Membros devem ter a possibilidade de garantir ao consumidor um «nível de protecção mais elevado» através de disposições nacionais mais rigorosas do que as constantes da directiva. Assim, «mais rigorosas», na acepção do artigo 8.° da directiva, são apenas as disposições com um resultado «mais favorável» para o consumidor do que o que decorreria de uma aplicação directa da directiva ou do nível mínimo nela estabelecido (21).

    53.      Por conseguinte, a aplicabilidade desta disposição no processo principal pressupõe, em primeiro lugar, que o alargamento do controlo do carácter abusivo do conteúdo de cláusulas contratuais, como o adoptado pelo legislador espanhol ao renunciar a incluir na sua legislação o limite do controlo previsto no artigo 4.°, n.° 2, da directiva, garanta efectivamente um nível de protecção mais elevado para o consumidor. Deve partir‑se do princípio de que a aplicação do sistema de protecção estabelecido pela directiva de maneira a estender o alcance do controlo do conteúdo a outros elementos do contrato, como o seu objecto principal ou a adequação da relação entre o preço e a prestação, pode ter vantagens para o consumidor, em especial permite evitar que o consumidor fique vinculado a cláusulas contratuais abusivas (22). Note‑se, a este respeito, que o Tribunal de Justiça tem declarado, em jurisprudência assente, que a faculdade de o juiz apreciar oficiosamente o carácter abusivo de uma cláusula constitui um meio adequado para, simultaneamente, atingir o resultado fixado no artigo 6.° da directiva, isto é, impedir que um consumidor individual fique vinculado a uma cláusula abusiva, e promover a realização do objectivo visado no seu artigo 7.°, uma vez que tal apreciação pode ter um efeito dissuasor, que contribua para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional (23).

    54.      Tal medida nacional oferece igualmente um nível de protecção mais elevado do que a Directiva 93/13, que exclui, à partida, determinados tipos de cláusulas do controlo do conteúdo. No entanto, constitui apenas uma das diferentes medidas possíveis que os Estados‑Membros podem adoptar no âmbito da sua margem de discricionariedade, para garantir uma protecção mais ampla do consumidor.

    55.      Deste modo, as disposições nacionais que o legislador espanhol adoptou, até aqui, para transpor a Directiva 93/13 e que não excluem, como o artigo 4.°, n.° 2, o controlo do conteúdo de cláusulas contratuais, devem ser consideradas «disposições mais rigorosas» na acepção do artigo 8.° da directiva.

    ii)    Aplicabilidade da Directiva 93/13

    56.      Decorre do artigo 8.° da Directiva 93/13 que os Estados‑Membros podem adoptar, «no domínio regido [por esta] directiva», disposições mais rigorosas, o que significa que esta disposição da directiva só pode ser invocada quando se trata de regimes nacionais no âmbito de aplicação da directiva. Para poder apreciar se a cláusula de arredondamento controvertida está abrangida pelo âmbito de aplicação da directiva, é necessário examinar, antes de mais, como a directiva define em abstracto o seu âmbito de aplicação pessoal e material.

    –       Âmbito de aplicação pessoal e material

    57.      O âmbito de aplicação da Directiva 93/13 é definido no artigo 1.° O artigo 1.°, n.° 1, limita o âmbito de aplicação pessoal da directiva às cláusulas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores. Daqui resulta que são excluídos do seu âmbito de aplicação os contratos quer entre consumidores quer entre profissionais. Por sua vez, o âmbito de aplicação material é definido nos termos do artigo 1.°, n.° 1, em conjugação com o artigo 2.°, alínea a), e o artigo 3.°, n.° 1, sujeitando ao controlo previsto na directiva apenas as «cláusulas nos contratos celebrados com os consumidores que não tenham sido objecto de negociação individual».

    58.      No processo principal não é contestado que os contratos de crédito para a compra de habitação, que a recorrente no processo principal celebra com os seus clientes e que contêm a cláusula de arredondamento controvertida, constituem contratos entre um profissional e consumidores. Resulta igualmente da decisão de reenvio que se parte do princípio de que a cláusula, que é objecto do processo principal, não foi negociada individualmente com o consumidor (24). Daqui decorre que estes contratos são abrangidos pelo âmbito de aplicação pessoal e material da directiva.

    –       Interpretação do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13

    59.      Coloca‑se, no entanto, a questão de saber se o artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 deve igualmente ser entendido como uma norma que define o âmbito de aplicação material. Em caso afirmativo, as disposições nacionais mais rigorosas, que alargam o alcance do controlo do conteúdo a cláusulas que incidem sobre o objecto principal ou a adequação da relação entre o preço e a prestação, já não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da directiva.

    60.      Para responder a esta questão, é necessário interpretar a norma referida utilizando todos os métodos de interpretação à disposição do Tribunal de Justiça, sobretudo a interpretação histórica e a interpretação teleológica.

    Artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 como núcleo da autonomia privada

    61.      A análise da génese da Directiva 93/13 mostra que a proposta inicial da Comissão (25) não previa qualquer disposição comparável. Ela foi introduzida na sequência de alterações efectuadas pelo Conselho (26) no âmbito do processo legislativo.

    62.      A sua posterior inserção na proposta de directiva é entendida pela doutrina como uma decisão de codificar os valores do legislador comunitário, tendo em vista proteger a autonomia privada (27). Na opinião unânime da doutrina, esta disposição tem por objectivo legislativo limitar o controlo jurisdicional de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, no interesse da liberdade contratual das partes e de um mercado eficiente, baseado na concorrência dos preços e das prestações (28).

    63.      Segundo a doutrina, a limitação do alcance do controlo prevista no artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 baseia‑se em considerações ligadas à economia de mercado. Em conformidade com os princípios fundamentais de uma ordem económica liberal, as partes de um contrato estipulam autonomamente a prestação e a contraprestação, cuja troca leva à celebração do contrato. Isto corresponde às leis do mercado e da concorrência, que seriam parcialmente suspensas em caso de controlo da adequação ou da equivalência, levando a excluir um comportamento de mercado dos prestadores de serviços planeado em função delas (29).

    64.      Pode deduzir‑se desta disposição que as obrigações principais assim como a adequação da relação entre o preço e a prestação devem, em princípio, segundo a vontade do legislador comunitário, ser deixadas ao acordo das partes e à correspondente oferta no mercado (30). De certo modo, ela reflecte a tensão entre a autonomia privada e a necessidade de intervenção jurídica em defesa do consumidor. A doutrina baseia a sua interpretação do artigo 4.°, n.° 2, na circunstância de que o conteúdo normativo desta disposição corresponde, no essencial, a normas que já estavam em vigor nas ordens jurídicas de alguns Estados‑Membros antes da adopção da Directiva 93/13 e que podem ter servido de referência (31).

    65.      Do ponto de vista da técnica jurídica, o objectivo de conservar um núcleo da autonomia privada é realizado ao fixar limites ao controlo do carácter abusivo das obrigações relativas às prestações principais, sendo de notar que é limitado apenas o controlo do conteúdo, tanto mais que a interpretação do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 à luz do décimo nono considerando demonstra que o legislador comunitário partiu manifestamente do princípio de que também as cláusulas contratuais que incidem sobre o objecto principal ou a relação entre o preço e a prestação podem perfeitamente ser abusivas (32).

    66.      Como regra fundamental, pode deduzir‑se desta disposição que as cláusulas que se encontram redigidas de maneira clara e compreensível, e que estabelecem o preço ou o alcance das obrigações relativas às prestações principais, não estão sujeitas ao controlo do carácter abusivo previsto no artigo 3.° da Directiva 93/13. Assim, estão, em princípio, excluídas do controlo do carácter abusivo, em especial, a descrição da prestação e a relação de equivalência contratualmente fixada pelas partes (33). A seguir, importa examinar se estes requisitos estão preenchidos no caso da cláusula de arredondamento controvertida, à qual o direito espanhol alarga este controlo do carácter abusivo.

    Preenchimento das condições do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13

    67.      Para que seja aplicável o artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13, é necessário, em primeiro lugar, que as cláusulas contratuais em causa se encontrem «redigidas de maneira clara e compreensível». Importa constatar que, segundo as indicações do órgão jurisdicional nacional na decisão de reenvio, a recorrida no processo principal não alegou a violação do imperativo de transparência, pelo que a cláusula controvertida na causa principal deve ser tratada como se fosse clara e compreensível para o consumidor (34). Para efeitos do presente reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça está vinculado a estas constatações de facto do órgão jurisdicional de reenvio (35).

    68.      Por sua vez, a outra questão, de saber se a cláusula de arredondamento controvertida deve ser excluída do controlo do carácter abusivo pelos órgãos jurisdicionais espanhóis, por exemplo, porque se deve incluir no núcleo da autonomia privada definido pelo artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13, refere‑se, como já foi indicado (36), à aplicação concreta desta disposição da directiva ao processo principal, por outras palavras, ao enquadramento da cláusula contratual em causa nos conceitos de «objecto principal» ou de «adequação entre o preço e a prestação», que são conceitos de direito comunitário, devendo, por isso, receber uma interpretação autónoma.

    69.      Todavia, segundo jurisprudência assente (37), no quadro de um processo instaurado de acordo com o artigo 234.° CE, existe uma repartição de competências entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, nos termos da qual incumbe ao primeiro interpretar e aos últimos aplicar o direito comunitário. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não tem competência para aplicar as normas do direito comunitário ao caso concreto e, por consequência, também não é competente para qualificar as disposições de direito nacional à luz de tais normas. Pode, todavia, fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação do direito comunitário e que possam ser‑lhe úteis na apreciação dos efeitos destas disposições. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não se pode pronunciar directamente sobre a controlabilidade (38) e, muito menos, sobre a compatibilidade (39) de uma cláusula com a Directiva 93/13, cabendo‑lhe apenas decidir sobre a interpretação da Directiva 93/13 relativamente a uma determinada cláusula.

    70.      Consequentemente, incumbe ao juiz nacional examinar, quando for necessário, se, atendendo à estrutura global do contrato e ao seu regime no direito nacional, a cláusula de arredondamento controvertida preenche um dos dois pressupostos de facto enunciados no artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 (40). Decorre da formulação das questões prejudiciais que o órgão jurisdicional de reenvio entende manifestamente que está preenchida uma destas condições e, assim, que esta disposição da directiva é aplicável no processo principal. Penso que não é necessário responder à questão de saber se esta premissa está realmente correcta (41). A jurisprudência reconhece, é certo, que cabe ao Tribunal de Justiça fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio todos os elementos de interpretação do direito comunitário que podem ser úteis para a decisão do processo que lhe está submetido, tenha‑lhes este feito ou não referência no enunciado das suas questões (42). Entre esses elementos contam‑se, em princípio, também os critérios de distinção entre os vários pressupostos de facto. Contudo, não vejo que seja necessário proceder deste modo no caso vertente (43).

    Carácter jurídico do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13

    –        Limitação do controlo do conteúdo

    71.      Coloca‑se a questão de saber quais as consequências que decorrem do direito comunitário em caso de serem excedidos os limites de controlo aí fixados, através da adopção de disposições nacionais mais rigorosas. Isto depende do carácter jurídico desta disposição.

    72.      Como os Governos alemão e austríaco indicam, a justo título, o artigo 4.°, n.° 2, deixa uma margem de interpretação. Esta disposição pode ser entendida no sentido de que as cláusulas às quais esta limitação se aplica não se encontram abrangidas pelo âmbito de aplicação da Directiva 93/13, ou também no sentido de que, embora as cláusulas sujeitas a esta limitação estejam abrangidas pelo âmbito de aplicação da directiva, não lhes é aplicável a consequência jurídica prevista no artigo 6.° da directiva para tais cláusulas abusivas, a saber, a sua inoponibilidade ao consumidor.

    73.      À primeira vista, não é possível dar preferência a nenhuma das duas interpretações. Em especial, na falta de uma fundamentação expressa do Conselho relativamente às alterações da proposta inicial de directiva, a génese da Directiva 93/13 não oferece indícios a favor de uma determinada interpretação. Em contrapartida, é útil recorrer aos métodos de interpretação gramatical e sistemática.

    74.      Opõe‑se à qualificação do artigo 4.°, n.° 2, como uma disposição que define o âmbito de aplicação material da directiva, antes de mais, o teor desta disposição, que se refere à «avaliação do carácter abusivo», mas não à aplicabilidade da própria directiva, o que sugere exclusivamente uma limitação material do alcance do controlo do conteúdo. Opõe‑se também à referida qualificação o facto de que nem todas as cláusulas que incidem sobre o objecto principal do contrato ou a relação entre o preço e a prestação estão, em princípio, excluídas deste controlo, mas só na medida em que se encontrem redigidas «de maneira clara e compreensível». Nos termos do décimo nono considerando da directiva, para efeitos desta, «a apreciação do carácter abusivo […] não deve incidir» sobre tais cláusulas. Contudo, quando o imperativo de transparência não é respeitado no caso concreto, o controlo do carácter abusivo abrange também, sem restrições, as referidas cláusulas contratuais (44). Parece‑me, todavia, duvidoso entender que o legislador comunitário teria tido a intenção de sujeitar a aplicabilidade da Directiva 93/13 a uma condição tão imprecisa que, em última análise, depende da apreciação do caso concreto pelo juiz nacional.

    75.      Uma interpretação desta norma atendendo à sua posição na sistemática da directiva conduz ao mesmo resultado. Com efeito, o âmbito de aplicação da directiva é determinado nos artigos 1.° e 2.°, ao passo que o artigo 4.° regula as modalidades e o alcance do controlo do conteúdo. Estes elementos conferem ao operador jurídico os critérios e as indicações de que precisa para controlar o carácter abusivo. Nesta medida, é necessário distinguir rigorosamente entre ambos os aspectos.

    76.      Daqui resulta que também as cláusulas que, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13, incidem sobre o objecto principal do contrato, bem como sobre a relação entre o preço e a prestação, se encontram, em princípio, abrangidas pelo âmbito de aplicação da directiva. Assim, incluem‑se no «domínio regido [por esta] directiva», na acepção do artigo 8.° Contudo, estão excluídas do controlo do carácter abusivo (45).

    b)      Alcance da autorização do artigo 8.° da Directiva 93/13

    77.      Na medida em que o artigo 8.° da Directiva 93/13 autoriza os Estados‑Membros a adoptar disposições mais rigorosas, resta analisar se esta consequência jurídica inclui um alargamento do âmbito do controlo também aos elementos do contrato enunciados no artigo 4.°, n.° 2.

    i)      Falta de carácter imperativo do artigo 4.°, n.° 2

    78.      Isto pode ser contrariado pelo carácter imperativo do artigo 4.°, n.° 2, que é defendido pela recorrente no processo principal. Mas, como ela própria reconhece nas suas observações escritas, tal não resulta directamente da jurisprudência do Tribunal de Justiça (46).

    79.      O acórdão Comissão/Países Baixos (47), invocado pela recorrente no processo principal, também não fornece qualquer elemento em apoio desta tese. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o Reino dos Países Baixos, não tendo adoptado as normas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para a transposição completa do artigo 4.°, n.° 2, e do artigo 5.° da Directiva 93/13 para o direito neerlandês, não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força dessa directiva (48). Em concreto, o Tribunal de Justiça declarou que as correspondentes disposições do Código Civil neerlandês não apresentavam a clareza necessária para alcançar os objectivos da directiva (49). O Tribunal de Justiça seguiu a opinião do advogado‑geral A. Tizzano, o qual criticou, nas suas conclusões, nomeadamente, que o direito civil neerlandês continuava a permitir que o profissional impedisse o consumidor de impugnar cláusulas contratuais imprecisas ou ambíguas, que tinham por objecto prestações essenciais (50). O advogado‑geral referiu que a exclusão das cláusulas que incidem sobre as prestações essenciais do regime neerlandês das condições gerais constituía uma limitação substancial do campo de aplicação da directiva (51).

    80.      Penso que este acórdão é irrelevante para apreciar a questão de saber se o artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 é uma norma imperativa, dado que se refere exclusivamente à transposição para o direito nacional do imperativo de transparência, consagrado no artigo 4.°, n.° 2, e no artigo 5.° da directiva e, deste modo, apenas a um aspecto do regime do artigo 4.°, n.° 2. A própria recorrente no processo principal reconhece que o Tribunal de Justiça se absteve de se pronunciar quanto a outros aspectos deste regime (52). Assim, não é possível tirar deste acórdão quaisquer ilações quanto ao carácter jurídico da referida disposição. Note‑se ainda que o processo que deu origem ao acórdão, como o advogado‑geral A. Tizzano indicou, com razão, se referia ao caso de uma restrição do âmbito de aplicação da Directiva 93/13, em prejuízo do consumidor, e que era contrária à directiva, ao passo que no presente processo está em causa a extensão do alcance do controlo do conteúdo, a favor do consumidor. Isto está claramente em conformidade com o objectivo da Directiva 93/13, bem como com a ideia da harmonização mínima, de assegurar um nível de protecção do consumidor o mais elevado possível (53). Pelo contrário, uma restrição do âmbito de aplicação da directiva através da sua transposição incorrecta significa ficar aquém do padrão mínimo de protecção fixado pelo direito comunitário. Dado que quer a situação inicial quer a problemática são totalmente diferentes, está excluída uma comparação entre ambos os processos.

    81.      Também não tem êxito a tentativa da recorrente no processo principal de extrair conclusões do acórdão Comissão/Espanha (54) em apoio da sua tese. O processo que deu origem a este acórdão tinha por objecto um incumprimento do Reino de Espanha, decorrente da transposição incorrecta para o seu direito nacional dos artigos 5.° e 6.°, n.° 2, da Directiva 93/13. Sendo certo que o Tribunal de Justiça qualificou a regra de interpretação enunciada no artigo 5.°, n.° 3, da directiva como uma regra normativa e obrigatória, que confere direitos aos consumidores e contribui para definir o resultado procurado pela directiva (55), não é, contudo, possível tirar ilações, a partir desta constatação, quanto ao carácter jurídico da disposição do artigo 4.°, n.° 2, que tem um conteúdo normativo diferente.

    82.      A recorrente no processo principal invoca ainda a génese da Directiva 93/13, a qual demonstra, segundo ela, que o legislador comunitário pretendia fixar limites, à escala comunitária, ao controlo jurisdicional de cláusulas contratuais abusivas. Embora isto esteja correcto, como foi já explicado no âmbito de uma interpretação histórica do artigo 4.°, n.° 2 (56), não demonstra, por si só, a tese de que o legislador comunitário pretendia forçosamente impedir que os Estados‑Membros adoptassem disposições mais rigorosas, com base no artigo 8.°, para alargar o alcance do controlo jurisdicional do conteúdo. A interpretação histórica não permite dar uma resposta clara à pergunta relativa à relação entre os artigos 4.°, n.° 2, e 8.° da directiva.

    83.      Quanto à referência às iniciativas até aqui tomadas pela Comissão (57) tendo em vista a revisão do acervo relativo à defesa do consumidor, importa notar que estas não são adequadas, logo de uma perspectiva da metodologia jurídica, para fornecer elementos para a interpretação da Directiva 93/13, dado que têm exclusivamente por objecto uma proposta de outra norma comunitária que, em última análise, ainda não entrou em vigor. Além de que os documentos referidos não constituem trabalhos preparatórios da Directiva 93/13, cabe recordar que a Comissão tem apenas um direito de iniciativa e, por consequência, a possibilidade de retirar as suas propostas. Acresce que estas propostas podem, no âmbito do processo legislativo, ser objecto de várias alterações pelo Conselho e pelo Parlamento, donde resulta que só de modo limitado podem ser utilizadas como elemento de interpretação (58). No caso em apreço, não devem, por isso, ser consideradas nem para uma interpretação histórica nem para uma interpretação sistemática do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13. Isto aplica‑se, como a própria Comissão esclareceu no âmbito da audiência – em resposta às questões do Tribunal de Justiça relativas à interpretação de correspondentes disposições posteriores e no contexto de uma nova abordagem de harmonização total (59) –, em especial também à sua Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos direitos dos consumidores que, actualmente, se encontra em fase de exame pelos órgãos legislativos da Comunidade.

    84.      Resulta do exposto que o artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 não deve ser qualificado de norma imperativa, que possa impedir um Estado‑Membro de invocar o artigo 8.° da directiva para adoptar disposições que alargam o alcance do controlo do conteúdo a outros elementos do contrato, como o objecto principal deste ou a adequação da relação entre o preço e a prestação.

    ii)    Harmonização mínima

    85.      Neste contexto, deve ter‑se em conta que um alargamento ilimitado do âmbito do controlo com base no artigo 8.° da Directiva 93/13 poderia esvaziar de conteúdo a autonomia privada protegida no artigo 4.°, n.° 2. Por outro lado, a observância desta norma não deve ser considerada um fim em si. Pelo contrário, esta disposição deve ser apreciada no contexto dos objectivos da directiva, atendendo ao estado actual da harmonização no domínio da defesa dos consumidores.

    86.      A Directiva 93/13 visa garantir uma protecção mínima uniformizada contra cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores nos Estados‑Membros da Comunidade. Nos termos do décimo segundo considerando, este objectivo deve ser alcançado através de uma harmonização parcial das legislações nacionais no domínio da defesa dos consumidores (60). Um reflexo normativo essencial do princípio de uma mera harmonização mínima, subjacente à Directiva 93/13, é a autorização do artigo 8.°, que permite os Estados‑Membros adoptar ou manter, nas suas ordens jurídicas nacionais, disposições que garantam uma protecção que vá para além do nível mínimo consagrado na directiva (61). Como decorre do décimo segundo considerando, há que deixar aos Estados‑Membros a possibilidade de assegurarem um nível de protecção mais elevado do consumidor através de disposições nacionais mais rigorosas do que as desta directiva. Este objectivo de harmonização mínima confere aos Estados‑Membros uma considerável margem de apreciação. Ao mesmo tempo, é possível deduzir a contrario desta disposição que uma diferença para menos, isto é, um nível de protecção do consumidor aquém dos objectivos da directiva, não seria compatível com as exigências deste diploma.

    c)      Conclusão

    87.      Atendendo a que a Directiva 93/13 prevê apenas uma harmonização mínima, ela não se opõe, em princípio, a um alargamento, pretendido pelos Estados‑Membros, do controlo do conteúdo a outros elementos do contrato, como o seu objecto principal ou a adequação da relação entre o preço e a prestação, tanto mais que esta medida implica um nível de protecção mais elevado do consumidor (62).

    2.      Quanto à terceira questão

    88.      O direito comunitário estabelece, contudo, limites à abertura para um nível de protecção nacional mais elevado. Independentemente da questão de saber se as normas nacionais se referem a situações abrangidas pelo âmbito de aplicação da directiva, os Estados‑Membros têm de respeitar os limites gerais do direito comunitário. Os seus regimes nacionais não devem violar o Tratado CE, as liberdades fundamentais ou o direito comunitário derivado (63). Isto é expressamente referido no artigo 8.° da Directiva 93/13, quando este estabelece a condição de que as disposições adoptadas pelos Estados‑Membros devem ser «compatíveis com o Tratado». Este é o objecto da terceira questão.

    a)      Apreciação jurídica à luz dos objectivos comunitários

    89.      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se um controlo jurisdicional, permitido nos termos da directiva, das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, que se encontram redigidas de maneira clara e compreensível, e que regulam o objecto principal do contrato e a adequação entre o preço ou a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, é compatível com os artigos 2.° CE, 3.°, n.° 1, alínea g), CE e 4.°, n.° 1, CE. Deste modo, com a questão prejudicial, pergunta‑se ao Tribunal de Justiça se resultam do direito primário limites adicionais para um nível de protecção nacional mais elevado, como estão previstos na ordem jurídica espanhola. As disposições indicadas pelo órgão jurisdicional de reenvio referem‑se aos princípios do mercado comum, da livre concorrência e de uma economia de mercado aberta.

    90.      Elementos úteis quanto à aplicabilidade dessas disposições como critério de apreciação da compatibilidade da acção dos Estados‑Membros com o direito comunitário podem ser deduzidos do acórdão Échirolles Distribution (64).

    91.      Como o Tribunal de Justiça esclareceu aí, os artigos 4.° CE, 98.° CE e 99.° CE – na medida em que se referem à política económica, a qual deve ser conduzida no respeito do princípio de uma economia de mercado aberta em que a concorrência é livre – definem tão‑só objectivos gerais, pelo que devem ser interpretados apenas em conjugação com as disposições do Tratado destinadas a pôr em prática estes objectivos (65). Daqui decorre que, no essencial, revestem o carácter de declarações políticas de carácter programático (66). O Tribunal de Justiça entende que constituem, por isso, disposições que não estabelecem obrigações claras e incondicionais para os Estados‑Membros, que possam ser invocadas pelos particulares perante os órgãos jurisdicionais nacionais. Afirma que o princípio acima referido constitui, pelo contrário, um princípio geral cuja aplicação exige apreciações económicas complexas, que cabem na competência do legislador ou da Administração nacional (67).

    92.      Esta última conclusão baseia‑se, designadamente, no facto de que, na falta de uma política económica comum segundo o modelo, por exemplo, da política comercial comum ou da política agrícola no âmbito da união económica e monetária, os Estados‑Membros continuam a ser competentes e responsáveis pela sua política económica geral, devendo, porém configurá‑la através da coordenação de modo a contribuírem para a realização dos objectivos da Comunidade no sentido do artigo 2.° CE (68).

    93.      Face à falta de clareza jurídica destas declarações programáticas e à manutenção da competência autónoma dos Estados‑Membros no domínio da política económica, está excluído, em princípio, o exame da compatibilidade com o direito comunitário de actos de transposição dos Estados‑Membros utilizando como critério as referidas disposições de direito primário. Segundo a jurisprudência acima indicada, seria teoricamente possível, pelo contrário, uma análise jurídica à luz das disposições do Tratado que concretizam os artigos 2.° CE, 3.°, n.° 1, alínea g), CE e o artigo 4.°, n.° 1, CE. É certo que não resulta explicitamente da questão prejudicial um correspondente pedido de interpretação destas disposições do Tratado, mas o órgão jurisdicional nacional refere‑se em geral, na sua decisão de reenvio, aos princípios de uma economia de mercado aberta e da livre concorrência. A este respeito, importa recordar que cabe ao Tribunal de Justiça fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação do direito comunitário que podem ser úteis para a decisão do processo que lhe está submetido, tenha‑lhes este feito ou não referência no enunciado das suas questões (69).

    b)      Apreciação jurídica à luz das normas de concretização

    i)      Regras de concorrência

    94.      Como o Tribunal de Justiça reconhece, as regras comunitárias de concorrência destinam‑se a assegurar o respeito dos princípios dos artigos 2.° CE e 3.° CE e o alcance dos objectivos aí enunciados (70). O objectivo enunciado no artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE, de criar um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno, é prosseguido através da aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE. Estas disposições do Tratado concretizam os objectivos enunciados nos artigos 2.° CE e 3.° CE (71) e podem, por conseguinte, ser utilizadas como critério para apreciar os actos de transposição dos Estados‑Membros.

    95.      Deve excluir‑se, à partida, a aplicação no processo principal das normas de concorrência vigentes para os Estados‑Membros em matéria de auxílios estatais, nos termos dos artigos 87.° CE e seguintes, dado que estes últimos não são objecto do pedido de decisão prejudicial. Os artigos 81.° CE e 82.° CE também não são aplicáveis, porque não se dirigem aos Estados‑Membros, mas às empresas. Ambas as disposições referem‑se, em rigor, apenas ao comportamento de empresas e não a medidas de natureza legislativa ou regulamentar tomadas pelos Estados‑Membros. No entanto, o Tribunal de Justiça declarou em jurisprudência assente que, por força dos artigos 81.° CE e 82.° CE, em conjugação com o artigo 10.° CE, os Estados‑Membros não podem adoptar ou manter medidas, mesmo de natureza legislativa ou regulamentar, susceptíveis de eliminar o efeito útil das regras de concorrência aplicáveis às empresas (72). É o que sucede, segundo a jurisprudência, quando um Estado‑Membro impõe ou favorece a celebração de acordos contrários ao artigo 81.° CE, reforça os seus efeitos, ou retira natureza estatal à sua própria regulamentação, delegando em operadores privados a responsabilidade de tomar decisões de intervenção em matéria económica (73).

    96.      Contudo, nada indica que estes requisitos estejam preenchidos no caso vertente. Assim, as disposições nacionais controvertidas não parecem contradizer o artigo 81.° CE, em conjugação com o artigo 10.° CE.

    97.      O mesmo é válido relativamente a uma eventual aplicação do artigo 82.° CE, em conjugação com o artigo 10.° CE. Por um lado, o artigo 82.°, alínea a), CE proíbe a exploração abusiva de uma posição dominante através da imposição de preços de compra ou de venda ou outras condições de transacção não equitativas. Por outro lado, o artigo 3.°, n.° 2, último período, do Regulamento n.° 1/2003 (74) estabelece que, nos termos deste regulamento, os Estados‑Membros não estão impedidos de aprovar e aplicar no seu território uma legislação nacional mais restritiva que proíba actos unilaterais de empresas ou que imponha sanções por esses actos. Assim, as regras do direito da concorrência não permitem deduzir que estejam categoricamente proibidas interferências do poder público na autonomia privada para proteger os consumidores e para garantir o equilíbrio económico entre a prestação e a contraprestação.

    98.      Nestas condições, não é possível descortinar quaisquer indícios de que as disposições nacionais controvertidas sejam incompatíveis com as regras de concorrência.

    ii)    Liberdades fundamentais

    99.      Além disso, uma concorrência não falseada no mercado interno, como objectivo do Tratado, enunciado no artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE, pressupõe conceptualmente a realização tão ampla quanto possível das liberdades fundamentais (75). Por conseguinte, importa examinar a seguir a compatibilidade das disposições nacionais controvertidas com as liberdades fundamentais. Estas últimas são aplicáveis, no caso de uma harmonização mínima, quando as normas nacionais restringem a livre circulação no mercado interno para além do nível mínimo de protecção (76).

    100. No caso vertente, podem ser aplicadas as disposições de direito primário relativas à livre prestação de serviços. Segundo jurisprudência assente, o conceito de «restrição» na acepção do artigo 49.° CE refere‑se a medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atractivo o exercício da livre prestação de serviços (77).

    101. Ao apreciar a questão de saber se uma medida indistintamente aplicável como um alargamento do controlo do conteúdo ao objecto principal de um contrato ou à relação entre o preço e a prestação se enquadra neste conceito, é necessário atender à perspectiva quer de um prestador estabelecido em Espanha quer de um prestador estabelecido noutro Estado‑Membro, no qual se aplicam regras menos rigorosas, dado que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, podem resultar consequências jurídicas diferentes da respectiva situação.

    102. Com efeito, segundo a jurisprudência, a legislação de um Estado‑Membro não constitui uma restrição na acepção do Tratado CE pelo simples facto de outros Estados‑Membros aplicarem regras menos rigorosas ou economicamente mais interessantes aos prestadores de serviços semelhantes estabelecidos no seu território (78). Logo, os prestadores espanhóis não podem invocar uma violação da liberdade fundamental consagrada no artigo 49.° CE apenas com base em que são eventualmente sujeitos a uma legislação mais rigorosa do que os prestadores estabelecidos noutros Estados‑Membros.

    103. Por outro lado, esta circunstância é, como a Comissão indica, a justo título, a consequência lógica de uma harmonização mínima. Além disso, de acordo com o décimo segundo considerando da Directiva 93/13, no qual é referido o grau de harmonização possível nesse momento e, ao mesmo tempo, reafirmado o direito dos Estados‑Membros de adoptarem disposições nacionais mais rigorosas, o legislador comunitário parte manifestamente do princípio de que continuarão a existir regimes nacionais diferentes.

    104. O conceito de restrição abrange, em contrapartida, as medidas adoptadas por um Estado‑Membro que, embora indistintamente aplicáveis, afectam o acesso ao mercado das empresas de outros Estados‑Membros e entravam, dessa forma, o comércio intracomunitário (79). Segundo esta jurisprudência, é decisivo o modo como o regime nacional em causa afecta os prestadores de outros Estados‑Membros.

    105. Não se pode excluir, à partida, que um amplo controlo jurisdicional do conteúdo de cláusulas contratuais, que exceda os limites definidos no artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13, possa ter efeitos dissuasivos sobre os prestadores de outros Estados‑Membros, nos quais este controlo do conteúdo não tem lugar. Na medida em que isto torne menos atractivo o exercício da livre prestação de serviços, pode entender‑se que existe uma restrição à liberdade de prestação de serviços no sentido da definição referida. Esta restrição pode, contudo, ser justificada por razões imperiosas de interesse geral, entre as quais se conta a defesa dos consumidores (80), desde que seja também conforme com o princípio da proporcionalidade.

    106. Contudo, na medida em que os prestadores de outros Estados‑Membros celebrem contratos com consumidores residentes em Espanha e, por força das regras de conflito pertinentes (81), possam estar sujeitos a uma legislação mais rigorosa do que a do seu Estado de estabelecimento, não pode, de modo algum, considerar‑se que se verifica uma violação do direito comunitário. Como o Tribunal de Justiça tem sublinhado, o facto de um Estado‑Membro impor regras menos rigorosas do que as estabelecidas por outro Estado‑Membro não significa que estas últimas sejam desproporcionadas e, por conseguinte, incompatíveis com o direito comunitário (82).

    107. Por último, nada aponta para que o regime espanhol controvertido seja mais rigoroso para os prestadores de outros Estados‑Membros do que para os prestadores nacionais e tenha, por isso, carácter discriminatório.

    108. Logo, não se verifica qualquer violação das liberdades fundamentais.

    c)      Conclusão

    109. Em face do exposto, concluo que não é possível deduzir quaisquer indícios de que as disposições nacionais controvertidas sejam incompatíveis com as regras de concorrência ou as liberdades fundamentais.

    110. Deste modo, é compatível com os artigos 2.° CE, 3.°, n.° 1, alínea g), CE e 4.°, n.° 1, CE uma interpretação dos artigos 8.° e 4.°, n.° 2, da directiva que permite a um Estado‑Membro um controlo jurisdicional de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, que se encontram redigidas de maneira clara e compreensível, e que regulam a adequação entre o preço ou a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro.

    VII – Conclusão

    111. Com base nas considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Tribunal Supremo do seguinte modo:

    «1)      O artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, em conjugação com o artigo 8.° da mesma directiva, não se opõe a um regime nacional que prevê um controlo do carácter abusivo das cláusulas que regulam o ‘objecto principal do contrato’ ou ‘a adequação entre o preço [ou] a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro’, mesmo quando estas cláusulas se encontram redigidas de maneira clara e compreensível.

    2)      Uma interpretação dos artigos 8.° e 4.°, n.° 2, da directiva que permita a um Estado‑Membro um controlo jurisdicional de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, que se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível, e que regulam a adequação entre o preço ou a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, é compatível com os artigos 2.° CE, 3.°, n.° 1, alínea g), CE e 4.°, n.° 1, CE.»


    1 – Língua original: alemão.


    2 – JO L 95, p. 29.


    3 – Acórdão de 3 de Outubro de 2000 (C‑9/99, Colect., p. I‑8207, n.os 22 a 26).


    4 – Acórdão de 10 de Maio de 2001 (C‑144/99, Colect., p. I‑3541).


    5 – Acórdão de 9 de Setembro de 2004 (C‑70/03, Colect., p. I‑7999, n.° 17).


    6 – COM(2006) 744 final.


    7 – COM(2008) 614 final.


    8 – V. nono considerando da directiva.


    9 – A doutrina considera que a liberdade contratual constitui a principal emanação da autonomia privada e, assim, uma garantia individual. Relativamente à autonomia privada na óptica do direito comparado, v., na doutrina alemã, Larenz, K., Wolf, M. – Allgemeiner Teil des bürgerlichen Rechts, 9.ª ed., Munique, 2004, n.° 2; no direito austríaco, Koziol, H., Welser, R. – «Grundriss des bürgerlichen Rechts», tomo I: Allgemeiner Teil – Sachenrecht – Familienrecht, 11.ª ed., Viena, 2000, p. 84; no direito francês, Aubert, J.‑L., Savaux, É. – Les obligations. 1. Acte juridique, 12.ª ed., Paris, 2006, p. 72, n.° 99; e, no direito espanhol, Díez‑Picazo, L./Gullón, A. – Sistema de derecho civil, tomo I, 10.ª ed., Madrid, 2002, pp. 369 e segs. Segundo Basedow, J. – «Die Europäische Union zwischen Marktfreiheit und Überregulierung – Das Schicksal der Vertragsfreiheit», Sonderdruck aus Bitburger Gesprächen Jahrbuch 2008/I, Munique, 2009, p. 103, a liberdade contratual está já reconhecida como princípio geral do direito comunitário. No acórdão de 9 de Março de 2006, Werhof (C‑499/04, Colect., p. I‑2397, n.° 23), o Tribunal de Justiça declarou que, «de um modo geral, […] um contrato se caracteriza pelo princípio da autonomia da vontade, segundo o qual, nomeadamente, as partes têm a liberdade de se obrigarem uma perante a outra».


    10 – V. as minhas conclusões de 14 de Maio de 2009, Asturcom (C‑40/08, n.° 47).


    11 – V. acórdãos de 27 de Junho de 2000, Océano Grupo Editorial e Salvat Editores (C‑240/98 a C‑244/98, Colect., p. I‑4941, n.° 25), e de 26 de Outubro de 2006, Mostaza Claro (C‑168/05, Colect., p. I‑10421, n.° 25). Ao interpretar os artigos 6.° e 7.° da Directiva 93/13, o Tribunal de Justiça declarou aí que «[o] sistema de protecção implementado pela directiva assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação, situação esta que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o conteúdo destas».


    12 – Neste sentido Tilmann, I. – Die Klauselrichtlinie 93/13/EWG auf der Schnittstelle zwischen Privatrecht und öffentlichem Recht – Eine rechtsvergleichende Untersuchung zum Europarecht, Munique, 2003, p. 8. Basedow, J., op. cit. (nota 9), p. 102, indica que a legislação comunitária relativa ao direito dos contratos se deve à finalidade de política jurídica de combater, por via legislativa, certos abusos no âmbito da vida económica. O autor deduz desta circunstância que o conceito comunitário de liberdade contratual não se refere a direitos individuais, mas à política de regulamentação: a autonomia privada e a liberdade contratual são de interesse geral, na condição de que a concorrência limite o exercício excessivo do poder económico. Na medida em que as imperfeições do mercado não permitam o estabelecimento de relações de concorrência, são legítimas as interferências do Estado na liberdade contratual.


    13 – V. n.° 2 das presentes conclusões.


    14 – Relatório da Comissão sobre a aplicação da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, COM(2000) 248 final, p. 17.


    15 – V., designadamente, acórdãos de 18 de Outubro de 1990, Dzodzi (C‑297/88 e C‑197/89, Colect., p. I‑3763, n.os 33 e 34); de 8 de Novembro de 1990, Gmurzynska‑Bscher (C‑231/89, Colect., p. I‑4003, n.os 18 e 19); de 17 de Julho de 1997, Leur‑Bloem (C‑28/95, Colect., p. I‑4161, n.° 24); de 29 de Janeiro de 2008, Promusicae (C‑275/06, Colect., p. I‑271, n.° 36); e de 12 de Fevereiro de 2008, Kempter (C‑2/06, Colect., p. I‑411, n.° 42).


    16 – V., designadamente, acórdãos de 13 de Março de 2001, PreussenElektra (C‑379/98, Colect., p. I‑2099, n.° 38); de 22 de Maio de 2003, Korhonen e o. (C‑18/01, Colect., p. I‑5321, n.° 19); de 5 de Fevereiro de 2004, Schneider (C‑380/01, Colect., p. I‑1389, n.° 21); de 19 de Abril de 2007, Asemfo (C‑295/05, Colect., p. I‑2999, n.° 30); e de 23 de Abril de 2009, VTB‑VAB (C‑261/07 e C‑299/07, Colect., p. I‑0000, n.° 32).


    17 – V., designadamente, acórdãos de 16 de Dezembro de 1981, Foglia/Novello (244/80, Recueil, p. 3045, n.° 18); de 15 de Junho de 1995, Zabala Erasun e o. (C‑422/93 a C‑424/93, Colect., p. I‑1567, n.° 29); de 15 de Dezembro de 1995, Bosman (C‑415/93, Colect., p. I‑4921, n.° 61); de 12 de Março de 1998, Djabali (C‑314/96, Colect., p. I‑1149, n.° 19); PreussenElektra (já referido na nota 16, n.° 39); Schneider (já referido na nota 16, n.° 22); de 1 de Abril de 2008, Gouvernement de la Communauté française e Gouvernement wallon (C‑212/06, Colect., p. I‑1683, n.° 29); e VTB‑VAB (já referido na nota 16, n.° 33).


    18 – V. p. 11 da decisão de reenvio.


    19 – V. p. 12 da decisão de reenvio.


    20 – V. Brandner, H. E. – «Maßstab und Schranken der Inhaltskontrolle bei Verbraucherverträgen», Monatsschrift für Deutsches Recht, 4/1997, p. 314; idem, «Auslegungszuständigkeit des EuGH bei der Inhaltskontrolle von Entgeltklauseln der Banken bei Verbraucherverträgen», Monatsschrift für Deutsches Recht, 1/1999, p. 8, onde se refere que o Tribunal de Justiça é competente para realizar a interpretação, na medida em que o artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 possa delimitar o controlo do conteúdo de modo diferente do das normas nacionais de transposição.


    21 – Neste sentido, Pfeiffer, T. – Das Recht der Europäischen Union (ed. de E. Grabitz/M. Hilf), tomo IV, A5, artigo 8.°, n.° 9, p. 3.


    22 – Pfeiffer, T., op. cit. (nota 21), n.° 13, p. 3, adopta uma posição manifestamente semelhante, considerando que existe também uma disposição mais rigorosa quando é aplicável um regime mais rigoroso no âmbito do controlo do conteúdo.


    23 – Acórdãos Océano Grupo Editorial e Salvat Editores (já referido na nota 11, n.° 28); de 21 de Novembro de 2002, Cofidis (C‑473/00, Colect., p. I‑10875, n.° 32); e Mostaza Claro (já referido na nota 11, n.° 27).


    24 – V. p. 9 da decisão de reenvio.


    25 – Proposta de directiva do Conselho relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados pelos consumidores, apresentada pela Comissão, em 3 de Setembro de 1990, COM(90) 322 final.


    26 – Posição Comum do Conselho, de 22 de Setembro de 1992, com vista à adopção de uma directiva relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados pelos consumidores, doc. 8406/1/92, JO C 283, p. 1, n.° 2.


    27 – V., também, Schmidt‑Salzer, J. – «Leistungsbeschreibungen insbesondere in Versicherungsverträgen und Schranken der Inhaltskontrolle (AGB‑Gesetz und EG‑Richtlinie über missbräuchliche Klauseln in Verbraucherverträgen)», Festschrift für Hans Erich Brandner zum 70. Geburtstag, Colónia, 1996, p. 268.


    28 – Neste sentido, Pfeiffer, T., op. cit. (nota 21), artigo 4.°, n.° 23, p. 7; Schmidt‑Salzer, J., op. cit. (nota 27), p. 265.


    29 – Neste sentido, Kohtes, S. – Das Recht der vorformulierten Vertragsbedingungen in Spanien, Frankfurt am Main, 2004, p. 52.


    30 – Neste sentido, também, Tilmann, I., op. cit. (nota 12), p. 12, nota 64.


    31 – Neste sentido, nomeadamente, Brandner, H. E. – «Neufassung des EG‑Richtlinienvorschlags über missbräuchliche Klauseln in Verbraucherverträgen», Zeitschrift für Wirtschaftsrecht, 21/92, p. 1591; idem, op. cit. (nota 20), p. 314; Damm, R. – «Europäisches Verbrauchervertragsrecht und AGB‑Recht», Juristenzeitung, 4/1994, p. 162. A doutrina presume que as reservas formuladas pelo Governo alemão no Conselho contribuíram para que, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13, também nos contratos celebrados com os consumidores fossem excluídas do controlo do conteúdo as cláusulas que descrevem as prestações e que fixam os preços, como é igualmente previsto no § 8 da Lei alemã relativa às cláusulas contratuais gerais (Gesetz über Allgemeine Geschäftsbedingungen, AGBG). Por conseguinte, o legislador alemão não alterou o § 8 da AGBG e negou a necessidade de adaptar esta norma ao artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13.


    32 – Segundo Kapnopoulou, E. – Das Recht der missbräuchlichen Klauseln in der Europäischen Union, Tübingen, 1997, p. 105, a redacção do décimo nono considerando da directiva indica claramente que as cláusulas contratuais que definem o objecto principal podem ser abusivas.


    33 – Coester, M. – J. von Staudingers Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, 13.ª ed., Berlim, 1998, § 8 AGBG, n.° 17, p. 179, indica que o artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 dispensa do controlo do carácter abusivo do conteúdo a prestação principal e a relação de equivalência nos contratos celebrados com os consumidores.


    34 – V. p. 9 da decisão de reenvio.


    35 – Num processo de reenvio prejudicial, o apuramento dos factos compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais. V. acórdão de 12 de Maio de 1998, Kefalas (C‑367/96, Colect., p. I‑2843, n.° 22).


    36 – V. n.° 49 das presentes conclusões.


    37 – V. acórdãos de 27 de Março de 1963, Da Costa (28/62 a 30/62, Colect. 1962‑1964, p. 233), e de 12 de Fevereiro de 1998, Cordelle (C‑366/96, Colect., p. I‑583, n.° 9). Neste sentido, também, Craig, P./De Búrca, G. – EU Law, 4.ª ed., Oxford, 2008, p. 492, os quais entendem que o artigo 234.° CE confere ao Tribunal de Justiça a faculdade de interpretar o Tratado, mas não lhe atribui expressamente a sua aplicação no caso concreto. A distinção entre interpretação e aplicação caracteriza a repartição de competências entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais. Nos termos dessa repartição, o Tribunal de Justiça interpreta o Tratado e os órgãos jurisdicionais nacionais aplicam esta interpretação ao caso concreto. Segundo Schima, B. – Kommentar zu EU‑ und EG‑Vertrag (ed. de H. Mayer), 12.° fascículo, Viena, 2003, artigo 234.° CE, n.° 40, p. 12, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais a aplicação de uma norma comunitária ao litígio concreto. Contudo, o autor reconhece que nem sempre é fácil distinguir entre a aplicação e a interpretação de uma norma.


    38 – V., igualmente, Nassall, W. – «Die Anwendung der EU‑Richtlinie über missbräuchliche Klauseln in Verbraucherverträgen», Juristenzeitung, 14/1995, p. 690.


    39 – Neste sentido, Schlosser, P. – J. von Staudingers Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, 13.ª ed., Berlim, 1998, Einleitung zum AGBG, n.° 33, p. 18, que entende estar excluída a possibilidade de interrogar o Tribunal de Justiça quanto à questão de saber se são abusivas determinadas cláusulas em tipos de contratos descritos com maior detalhe. No mesmo sentido, também, Whittaker, S. – «Clauses abusives et garanties des consommateurs: la proposition de directive relative aux droits des consommateurs et la portée de l’‘harmonisation complète’», Recueil Dalloz, 17/2009, p. 1153, que remete para a jurisprudência do Tribunal de Justiça.


    V., a este respeito, acórdãos de 1 de Abril de 2004, Freiburger Kommunalbauten (C‑237/02, Colect., p. I‑3403, n.° 22), e de 4 de Junho de 2009, Pannon (C‑243/08, Colect., p. I‑0000, n.° 43). O Tribunal de Justiça declarou aí que, ao exercer a competência de interpretação do direito comunitário, que lhe é atribuída pelo artigo 234.° CE, pode interpretar os critérios gerais utilizados pelo legislador comunitário para definir o conceito de cláusula abusiva. Ao invés, não se pode pronunciar sobre a aplicação desses critérios gerais a uma determinada cláusula, que deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto.


    Nos n.os 27 a 30 das suas conclusões de 25 de Setembro de 2003 no processo Freiburger Kommunalbauten, o advogado‑geral L. A. Geelhoed indicou, com razão, que seria contrário ao ponto de partida do legislador comunitário deixar a cargo das autoridades nacionais a questão de saber quais as cláusulas contratuais que devem ser consideradas abusivas se o juiz comunitário pudesse, apesar disso, pronunciar‑se sobre estas cláusulas. Como argumentos a favor da competência do órgão jurisdicional nacional, o advogado‑geral referiu a repartição de competências entre a Comunidade e os Estados‑Membros, a utilização eficiente dos meios legais, bem como a diversidade dos ordenamentos jurídicos nacionais.


    40 – Segundo Pfeiffer, T., op. cit. (nota 21), artigo 4.°, n.° 40, p. 11, a classificação de uma cláusula como relativa ao objecto principal do contrato só pode ser apreciada no âmbito da estrutura global do contrato e do seu regime no direito nacional, cuja interpretação incumbe, por seu turno, aos órgãos jurisdicionais nacionais. Por outro lado, o Tribunal de Justiça pode, no âmbito de um processo de reenvio prejudicial, fornecer esclarecimentos, pelo menos, sobre as características abstractas do objecto principal do contrato.


    41 – Penso que o artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 não dispensa do controlo do carácter abusivo todos os aspectos de uma cláusula relativa ao preço. Deste modo, a isenção não abrange o conjunto do conteúdo normativo de uma cláusula relativa ao preço, mas apenas a adequação da relação entre a prestação e a contraprestação. Ao invés, outros aspectos das cláusulas relativas ao preço não são dispensados do controlo. Assim, no anexo da directiva, o direito de determinar ou aumentar unilateralmente o preço a posteriori é considerado abusivo em certas condições, ficando, portanto, sujeito a fiscalização [v. alínea l)]. V., a este respeito, Pfeiffer, T., op. cit. (nota 21), artigo 4.°, n.° 31, p. 9; Kapnopoulou, E., op. cit. (nota 32), p. 109.


    42 – V. acórdãos de 12 de Dezembro de 1990, SARPP (C‑241/89, Colect., p. I‑4695, n.° 8); de 2 de Fevereiro de 1994, Verband Sozialer Wettbewerb, dito «Clinique» (C‑315/92, Colect., p. I‑317, n.° 7); de 4 de Março de 1999, Consorzio per la tutela del formaggio Gorgonzola (C‑87/97, Colect., p. I‑1301, n.° 16); de 7 de Setembro de 2004, Trojani (C‑456/02, Colect., p. I‑7573, n.° 38); e de 17 de Fevereiro de 2005, Oulane (C‑215/03, Colect., p. I‑1215, n.° 47).


    43 – No caso em apreço, não me parece ser necessário distinguir exactamente entre os vários pressupostos de facto, dado que deve concluir‑se pela aplicabilidade do artigo 8.° da directiva, com a consequência de que os Estados‑Membros podem, com base nesta autorização, alargar o alcance do controlo do conteúdo.


    44 – É igualmente a opinião de Kapnopoulou, E., op. cit. (nota 32), pp. 103 e 113; Baier, K. – Europäische Verbraucherverträge und missbräuchliche Klauseln, Hamburgo, 2004, p. 32; Kohtes, S., op. cit. (nota 29), p. 52; Nassall, W., op. cit. (nota 38), p. 690; Damm, R., op. cit. (nota 31), p. 170. No mesmo sentido, também, o advogado‑geral A. Tizzano, nas suas conclusões de 23 de Janeiro de 2001, no processo Comissão/Países Baixos (C‑144/99, Colect., p. I‑3541, n.° 27).


    45 – A doutrina não fornece uma resposta clara à questão de saber se o artigo 4.°, n.° 2, define também o âmbito de aplicação material da Directiva 93/13 ou limita apenas o alcance do controlo do conteúdo. Contudo, regista‑se uma tendência a favor da segunda interpretação. Kapnopoulou, E., op. cit. (nota 32), indica, por um lado, que, com a alteração da proposta de directiva, o Conselho tencionava retirar do âmbito de aplicação da directiva todas as cláusulas que incidem sobre o objecto principal do contrato e a relação entre o preço e a prestação (p. 79). Por outro lado, a autora trata esta norma como uma limitação do controlo do carácter abusivo (p. 103). Tilmann, I., op. cit. (nota 30), p. 12, parece distinguir entre as disposições que regulam o âmbito de aplicação da directiva e as que fixam o alcance do controlo do conteúdo. Coester, M., op. cit. (nota 33), n.° 16, p. 179, considera manifestamente que o artigo 4.°, n.° 2, dispensa apenas o controlo do carácter abusivo do conteúdo. No mesmo sentido, também, Kohtes, S., op. cit. (nota 29), p. 52; Schulte‑Nölke, H. – «Verbraucherrecht», Europarecht (ed. de Reiner Schulze/Manfred Zuleeg), Baden‑Baden, 2006, p. 965; e Huet, J. – «Propos amers sur la directive du 5 avril 1993 relative aux clauses abusives», La Semaine Juridique, 1/1994, études et chroniques, n.° 309, p. 2, que analisam esta norma em relação com o alcance do controlo do conteúdo.


    46 – V. n.° 91 da petição da recorrente no processo principal.


    47 – Já referido na nota 4.


    48 – Ibidem (n.° 22).


    49 – Acórdão Comissão/Países Baixos (já referido na nota 4, n.os 19 e 20).


    50 – Conclusões do advogado‑geral A. Tizzano no processo Comissão/Países Baixos (já referidas na nota 44, n.os 27 e 28).


    51 – Ibidem (n.° 29).


    52 – V. n.° 96 da petição da recorrente no processo principal.


    53 – V. n.° 86 das presentes conclusões.


    54 – Já referido na nota 5.


    55 – Ibidem (n.° 17).


    56 – V. n.os 61 a 63 das presentes conclusões.


    57 – Trata‑se, em primeira linha, do «Livro Verde» sobre a revisão do acervo relativo à defesa do consumidor [COM(2006) 744 final], bem como da Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos direitos dos consumidores [COM(2008) 614 final]. Além disso, a Comissão tinha ponderado a eliminação de limitações do controlo do conteúdo no artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 logo no seu Relatório, de 27 de Abril de 2000, sobre a aplicação da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, COM(2000) 248 final, p. 17.


    58 – Neste sentido, Riesenhuber, K. – «Die Auslegung», Europäische Methodenlehre, Berlim, 2006, p. 257, n.° 31. O autor explica que a interpretação histórica que atende ao historial e à génese desempenha um papel central no direito privado europeu. Se a interpretação visa determinar a vontade do legislador, é necessário apurar, antes de mais, de quem é a vontade determinante. O conceito de legislador democraticamente legitimado inclui apenas os órgãos legislativos, cuja aprovação serve de base ao acto jurídico de que se trata no caso concreto. Ao invés, vários órgãos devem apenas ser consultados e também a Comissão tem unicamente um direito de iniciativa e a possibilidade de retirar propostas, as quais podem ser livremente modificadas no âmbito do processo legislativo. Na medida em que os desejos ou as propostas da Comissão não sejam aceites, pode decorrer daí, quando muito (mas não necessariamente), um argumento a contrario.


    59 – A disposição destinada a substituir o artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13 seria o artigo 32.°, n.° 3 (princípios gerais), da proposta de directiva. A nova abordagem de harmonização total está enunciada no artigo 4.° da proposta de directiva.


    60 – A Directiva 93/13, tal como a Directiva 85/577/CEE relativa à protecção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais, a Directiva 97/7/CE relativa à protecção dos consumidores em matéria de contratos à distância e a Directiva 1999/44/CE relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, baseia‑se na ideia de harmonização mínima. Contudo, esta ideia é expressamente abandonada na Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos direitos dos consumidores, apresentada pela Comissão, em 8 de Outubro de 2008, COM(2008) 614 final, que reconduz as referidas quatro directivas a um único instrumento jurídico horizontal. A proposta de directiva assenta, agora, na ideia de harmonização plena, com a consequência de que os Estados‑Membros não podem manter ou introduzir disposições jurídicas que divirjam das que têm consagração na directiva. O objectivo da proposta consiste em, através da harmonização plena dos aspectos essenciais do regime aplicável aos contratos celebrados com os consumidores que relevam para o mercado interno, prestar um contributo para o bom funcionamento do mercado interno no tocante a negócios entre empresas e consumidores e assegurar um nível elevado e uniforme de protecção do consumidor.


    61 – No mesmo sentido, Pfeiffer, T., op. cit. (nota 21), artigo 8.°, n.° 1, p. 1; Kapnopoulou, E., op. cit. (nota 32), p. 162. Long, A. – «Unfair Contract Terms – New Directive, Implementation and Recent Developments», Community Law in Practice, Trier, 1997, p. 148, indica que, face às opiniões discordantes dos Estados‑Membros, a Directiva 93/13 prossegue um objectivo de harmonização mínima e confere aos Estados‑Membros uma considerável margem de apreciação neste contexto, o que, por seu turno, está em consonância com o princípio da subsidiariedade. No seu relatório de 27 de Abril de 2000 (já referido na nota 14, p. 5), a Comissão refere o carácter «minimalista» da Directiva 93/13, que se reflecte na autorização do artigo 8.°


    62 – V. n.os 53 e 54 das presentes conclusões.


    63 – Neste sentido, também, Kapnopoulou, E., op. cit. (nota 32), p. 163.


    64 – Já referido na nota 3.


    65 – Ibidem (n.° 24). V., também, acórdão de 14 de Julho de 1998, Bettati (C‑341/95, Colect., p. I‑4355, n.° 75).


    66 – Neste sentido, também, Bandilla, R. – Das Recht der Europäischen Union (ed. de E. Grabitz/M. Hilf), tomo I, artigo 4.° CE, n.° 7, p. 3. Segundo o autor, com o aditamento ao artigo 4.°, n.° 1, CE, nos termos do qual a política económica deve ser conduzida de acordo com o «princípio de uma economia de mercado aberta», foi incluída no Tratado uma formulação que pode ser entendida como uma declaração política de carácter programático.


    67 – Acórdão Échirolles Distribution (já referido na nota 3, n.° 25).


    68 – V., igualmente, Bandilla, R., op. cit. (nota 66), tomo II, artigo 98.° CE, n.° 2, p. 2. Quando o artigo 4.°, n.° 1, CE fala da adopção de uma política económica nos termos do disposto e segundo o calendário previsto no Tratado, remete para o título VII, capítulo 1, na parte III do Tratado, que contém disposições mais precisas sobre a política económica nos artigos 98.° a 104.° Como correctamente assinala Häde, U. – Kommentar zu EUV/EGV (ed. de C. Calliess/M. Ruffert), 3.ª ed., Munique, 2007, artigo 4.°, n.° 4, não é objecto destas normas uma política económica segundo o modelo, por exemplo, da política comercial comum ou da política agrícola. Ao invés, trata‑se apenas, no essencial da coordenação e controlo da política económica dos Estados‑Membros que continua, em princípio, a ser autónoma, em especial quanto à união monetária entretanto realizada por quinze Estados‑Membros.


    69 – V. acórdãos SARPP (já referido na nota 42, n.° 8); Clinique (já referido na nota 42, n.° 7); Consorzio per la tutela del formaggio Gorgonzola (já referido na nota 42, n.° 16); Trojani (já referido na nota 42, n.° 38); e Oulane (já referido na nota 42, n.° 47).


    70 – V., relativamente ao artigo 81.° CE, acórdãos de 21 de Fevereiro de 1973, Continental Can/Comissão (6/72, Colect., p. 109, n.° 25); de 1 de Junho de 1999, Eco Swiss (C‑126/97, Colect., p. I‑3055, n.° 36); e de 20 de Setembro de 2001, Courage e Crehan (C‑453/99, Colect., p. I‑6297, n.° 20).


    71 – V. acórdãos de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche (85/76, Colect., p. 217); de 9 de Novembro de 1983, Michelin (322/81, Recueil, p. 3461, n.° 29); e de 24 de Janeiro de 1991, Alsthom Atlantique (C‑339/89, Colect., p. I‑107, n.° 10).


    72 – Acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Marchandise (C‑332/89, Colect., p. I‑1027, n.° 22).


    73 – Acórdãos de 21 de Setembro de 1988, Van Eycke (267/86, Colect., p. 4769, n.° 16); Marchandise (já referido na nota 70, n.° 22); e de 17 de Novembro de 1993, Meng (C‑2/91, Colect., p. I‑5751, n.° 14).


    74 – Regulamento (CE) do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° e 82.° do Tratado (JO 2003, L 1, p. 1).


    75 – Segundo Tietje, C. – Das Recht der Europäischen Union (ed. de E. Grabitz/M. Hilf), tomo II, artigo 95.°, n.° 18, p. 6, o conceito de mercado interno pressupõe a livre circulação de mercadorias, de pessoas e de capitais.


    76 – Neste sentido, Tassikas, A. – Dispositives Recht und Rechtswahlfreiheit als Ausnahmebereiche der EG‑Grundfreiheiten: ein Beitrag zur Privatautonomie, Vertragsgestaltung und Rechtsfindung im Vertragsverkehr des Binnenmarkts, Frankfurt (Main), 2002, p. 189; Pfeiffer, T., op. cit. (nota 21), artigo 8.°, n.os 1, 20, 21; Kapnopoulou, E., op. cit. (nota 32), p. 163.


    77 – Acórdãos de 5 de Outubro de 2004, CaixaBank France (C‑442/02, Colect., p. I‑8961, n.° 11); de 3 de Outubro de 2006, Fidium Finanz (C‑452/04, Colect., p. I‑9521, n.° 46); de 29 de Novembro de 2007, Comissão/Áustria (C‑393/05, Colect., p. I‑10195, n.° 31); de 13 de Dezembro de 2007, Comissão/Itália (C‑465/05, Colect., p. I‑11091, n.° 17); de 17 de Julho de 2008, Comissão/França (C‑389/05, Colect., p. I‑5337, n.° 52); e de 28 de Abril de 2009, Comissão/Itália (C‑518/06, Colect., p. I‑0000, n.° 63).


    78 – V., neste sentido, acórdãos de 10 de Maio de 1995, Alpine Investments (C‑384/93, Colect., p. I‑1141, n.° 27); de 12 de Julho de 2005, Schempp (C‑403/03, Colect., p. I‑6421, n.° 45); e de 28 de Abril de 2009, Comissão/Itália (já referido na nota 77, n.° 63).


    79 – Acórdãos Alpine Investments (já referido na nota 78, n.os 35 e 38) e CaixaBank France (já referido na nota 77, n.° 12).


    80 – Segundo jurisprudência assente, a defesa dos consumidores pode justificar restrições à livre prestação de serviços (v., neste sentido, por exemplo, acórdãos de 9 de Julho de 1997, De Agostini e TV‑Shop, C‑34/95 a C‑36/95, Colect., p. I‑3843, n.° 53; de 6 de Novembro de 2003, Gambelli e o., C‑243/01, Colect., p. I‑13031, n.° 67; de 6 de Março de 2007, Placanica e o., C‑338/04, C‑359/04 e C‑360/04, Colect., p. I‑1891, n.° 46; de 29 de Novembro de 2007, Comissão/Alemanha, C‑404/05, Colect., p. I‑10239, n.° 50; e Comissão/Áustria, já referido na nota 77, n.° 52).


    81 – V. artigo 5.° da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta a assinatura em Roma, em 19 de Junho de 1980 (JO L 266, p. 1; EE 01 F3 p. 36). Para os contratos celebrados após 17 de Dezembro de 2009, v. artigo 6.° do Regulamento (CE) n.° 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO L 177, p. 6).


    82 – V. acórdãos Alpine Investments (já referido na nota 78, n.° 51) e de 13 de Julho de 2004, Comissão/França (C‑262/02, Colect., p. I‑6569, n.° 37).

    Início