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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62007CJ0393

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 30 de Abril de 2009.
    República Italiana (C-393/07) e Beniamino Donnici (C-9/08) contra Parlamento Europeu.
    Recurso de anulação - Decisão do Parlamento Europeu, de 24 de Maio de 2007, sobre a verificação dos poderes de Beniamino Donnici - Deputado ao Parlamento Europeu - Verificação dos poderes de um membro do Parlamento - Nomeação de um deputado resultante da desistência de candidatos - Artigos 6.º e 12.º do Acto de 1976.
    Processos apensos C-393/07 e C-9/08.

    Colectânea de Jurisprudência 2009 I-03679

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2009:275

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    30 de Abril de 2009 ( *1 )

    «Recurso de anulação — Decisão do Parlamento Europeu, de 24 de Maio de 2007, sobre a verificação dos poderes de Beniamino Donnici — Deputado ao Parlamento Europeu — Verificação dos poderes de um membro do Parlamento — Nomeação de um deputado resultante da desistência de candidatos — Artigos 6.o e 12.o do Acto de 1976»

    Nos processos apensos C-393/07 e C-9/08,

    que têm por objecto recursos de anulação ao abrigo do artigo 230.o CE, entrados respectivamente em 1 de Agosto e 22 de Junho de 2007,

    República Italiana, representada inicialmente por I. M. Braguglia e em seguida por R. Adam, na qualidade de agentes, assistidos por P. Gentili, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    recorrente no processo C-393/07,

    apoiada pela:

    República da Letónia,

    interveniente,

    Beniamino Donnici, residente em Castrolibero (Itália), representado por M. Sanino, G. M. Roberti, I. Perego e P. Salvatore, avvocati,

    recorrente no processo C-9/08,

    apoiado pela:

    República Italiana,

    contra

    Parlamento Europeu, representado por H. Krück, N. Lorenz e L. Visaggio, na qualidade de agentes, assistidos por E. Cannizzaro, professor, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    recorrido,

    apoiado por:

    Achille Occhetto, residente em Roma (Itália), representado por P. De Caterini e F. Paola, avvocati,

    interveniente,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, T. von Danwitz (relator), E. Juhász, G. Arestis e J. Malenovský, juízes,

    advogado-geral: M. Poiares Maduro,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 5 de Março de 2009,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Nos seus recursos, a República Italiana e B. Donnici pedem ao Tribunal de Justiça a anulação da Decisão 2007/2121 (REG) do Parlamento Europeu, de 24 de Maio de 2007, sobre a verificação dos poderes de Beniamino Donnici, que declara que não é válido o mandato de deputado do Parlamento Europeu deste último (a seguir «decisão impugnada»).

    Quadro jurídico

    Regulamentação comunitária

    Acto de 1976

    2

    Os artigos 1.o, 2.o, 6.o a 8.o, 12.o e 13.o do Acto relativo à eleição dos representantes ao Parlamento Europeu por sufrágio universal directo anexo à Decisão 76/787/CECA, CEE, Euratom do Conselho, de 20 de Setembro de 1976 (JO L 278, p. 1), conforme alterado e renumerado pela Decisão 2002/772/CE, Euratom do Conselho, de e de (JO L 283, p. 1, a seguir «Acto de 1976»), estabelecem:

    «Artigo 1.o

    […]

    3.   A eleição processa-se por sufrágio universal directo, livre e secreto.

    Artigo 2.o

    Cada Estado-Membro pode, em função das suas especificidades nacionais, constituir círculos eleitorais para as eleições para o Parlamento Europeu, ou definir outras formas de subdivisão do seu espaço eleitoral, sem prejuízo global do carácter proporcional do sistema de escrutínio.

    Artigo 6.o

    1.   Os deputados do Parlamento Europeu votam individualmente e pessoalmente. Não podem receber ordens nem estar vinculados a quaisquer instruções.

    […]

    Artigo 7.o

    1.   A qualidade de deputado do Parlamento Europeu é incompatível com a de:

    membro do Governo de um Estado-Membro,

    membro da Comissão das Comunidades Europeias,

    juiz, advogado-geral ou escrivão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias ou do Tribunal de Primeira Instância,

    membro da Comissão Executiva do Banco Central Europeu,

    membro do Tribunal de Contas das Comunidades Europeias,

    Provedor de Justiça das Comunidades Europeias,

    membro do Comité Económico e Social da Comunidade Económica Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica,

    membro de comités ou organismos criados por força ou em aplicação dos Tratados que instituem a Comunidade Económica Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica, tendo em vista a administração de fundos comunitários ou uma função permanente e directa de gestão administrativa,

    membro do Conselho de Administração, do Comité Executivo ou empregado do Banco Europeu de Investimento,

    funcionário ou agente, em efectividade de funções, das instituições das Comunidades Europeias, dos órgãos ou organismos que lhes estejam ligados ou do Banco Central Europeu.

    2.   A partir das eleições de 2004 para o Parlamento Europeu, o mandato de deputado do Parlamento Europeu é incompatível com o de membro de um Parlamento nacional.

    […]

    Artigo 8.o

    Sob reserva do disposto no presente acto, o processo eleitoral será regulado, em cada Estado-Membro, pelas disposições nacionais.

    Essas disposições nacionais, que podem eventualmente ter em conta as particularidades de cada Estado-Membro, não devem prejudicar globalmente o carácter proporcional do sistema de escrutínio.

    Artigo 12.o

    O Parlamento Europeu verificará os poderes dos deputados do Parlamento Europeu. Para o efeito, registará os resultados proclamados oficialmente pelos Estados-Membros e deliberará sobre as reclamações que possam eventualmente ser feitas com base nas disposições do presente acto, com excepção das disposições nacionais para que ele remete.

    Artigo 13.o

    1.   Um lugar fica vago quando o mandato de um deputado do Parlamento Europeu chega ao seu termo, por demissão ou morte deste ou pela perda do mandato.

    2.   Sob reserva das outras disposições do presente acto, cada Estado-Membro estabelece o processo adequado ao preenchimento das vagas, até ao termo do período quinquenal referido no artigo 5.o

    3.   Sempre que a legislação de um Estado-Membro determine expressamente a perda do mandato de um deputado do Parlamento Europeu, o seu mandato cessa por força das disposições dessa legislação. As autoridades nacionais competentes informam o Parlamento Europeu desse facto.

    4.   Sempre que um lugar fique vago por demissão ou morte, o presidente do Parlamento Europeu informará sem demora as autoridades competentes do Estado-Membro em causa.»

    Regimento do Parlamento Europeu

    3

    Os artigos 3.o e 4.o do Regimento do Parlamento Europeu (a seguir «Regimento») têm a seguinte redacção:

    «Artigo 3.o

    Verificação de poderes

    […]

    3.   Com base em relatório da comissão competente, o Parlamento verificará sem demora os poderes e deliberará sobre a validade do mandato de cada um dos deputados recém-eleitos, bem como sobre eventuais impugnações apresentadas nos termos do disposto no Acto de […] 1976, com excepção das que se baseiem em leis eleitorais nacionais.

    4.   O relatório da comissão competente basear-se-á na comunicação oficial de cada Estado-Membro relativa à totalidade dos resultados eleitorais, especificando os nomes dos candidatos eleitos e dos eventuais substitutos, pela ordem de classificação decorrente da votação.

    Os mandatos dos deputados só poderão ser validados após estes terem feito as declarações escritas previstas no presente artigo e no Anexo I ao presente Regimento.

    O Parlamento pode pronunciar-se em qualquer momento, com base em relatório da comissão competente, sobre qualquer impugnação da validade do mandato de um dos seus membros.

    5.   Caso a nomeação de um deputado resulte da desistência de candidatos inscritos numa mesma lista, a comissão incumbida da verificação de poderes assegurará a conformidade dessa desistência com o espírito e a letra do Acto de […] 1976 e do n.o 3 do artigo 4.o do presente Regimento.

    […]

    Artigo 4.o

    Duração do mandato parlamentar

    […]

    3.   Os deputados que renunciarem ao mandato notificarão o Presidente da sua renúncia, bem como da data em que a mesma produzirá efeitos, a qual não deverá ser posterior a três meses após a notificação. Esta notificação assumirá a forma de acta redigida na presença do Secretário-Geral ou de um seu representante e será assinada por este e pelo deputado em questão e imediatamente submetida à comissão competente, que a inscreverá na ordem do dia da primeira reunião que realizar após a recepção da notificação.

    Caso a comissão competente entenda que o pedido de renúncia não está conforme com o espírito ou a letra do Acto de […] 1976, informará desse facto o Parlamento, a fim de este decidir sobre a verificação ou não verificação da abertura da vaga.

    Caso contrário, a abertura da vaga ocorrerá na data indicada pelo deputado cessante na acta de renúncia ao mandato. O Parlamento não será chamado a votar sobre esta matéria.

    […]

    9.   No caso de a aceitação ou renúncia do mandato estarem feridas de erro material ou de vícios do consentimento, o Parlamento reserva-se o direito de declarar a invalidade do mandato examinado ou de recusar a verificação da abertura de vaga.»

    Estatuto dos Deputados ao Parlamento Europeu

    4

    Nos termos do quarto considerando da Decisão 2005/684/CE, Euratom, do Parlamento Europeu, de 28 de Setembro de 2005, que aprova o estatuto dos deputados ao Parlamento Europeu (JO L 262, p. 1, a seguir «Estatuto dos Deputados»), «[a] liberdade e a independência dos deputados, consagradas no artigo 2.o, deve[m] ser regulamentadas, visto que não são mencionadas em nenhum texto de direito primário. As declarações mediante as quais os deputados se comprometem a renunciar ao seu mandato num determinado momento, ou as declarações em branco sobre a renúncia ao mandato, que podem ser utilizadas por um partido de forma discricionária, são incompatíveis com a liberdade e a independência dos deputados e, por conseguinte, não podem ter força jurídica vinculativa».

    5

    Além disso, o quinto considerando do Estatuto dos Deputados precisa que o n.o 1 do artigo 3.o do referido estatuto retoma integralmente as disposições do n.o 1 do artigo 6.o do Acto de 1976.

    6

    Por último, os artigos 2.o e 30.o do Estatuto dos Deputados dispõem:

    «Artigo 2.o

    1.   Os deputados ao Parlamento Europeu gozam de liberdade e independência.

    2.   São nulos os acordos em matéria de renúncia ao mandato antes do termo ou no final da legislatura.

    Artigo 30.o

    O presente Estatuto entra em vigor no primeiro dia da legislatura do Parlamento Europeu que tem início em 2009.»

    Legislação nacional

    7

    A Lei n.o 18, de 24 de Janeiro de 1979, relativa às eleições dos representantes italianos ao Parlamento Europeu (GURI n.o 29, de , p. 947, a seguir «Lei de »), tem por objecto a eleição dos deputados italianos ao Parlamento. Prevê que os parlamentares são eleitos por sufrágio universal e por escrutínio de lista directo, livre e secreto. Os lugares são repartidos entre as listas de modo proporcional, em conformidade com as modalidades previstas nessa lei, e o número de lugares é atribuído aos diversos círculos eleitorais, cinco no total, com base nos resultados do último recenseamento geral da população.

    8

    O artigo 20.o da Lei de 24 de Janeiro de 1979 prevê que as comissões eleitorais dos diversos círculos eleitorais têm por missão, entre outras, determinar a classificação dos candidatos de cada lista com base nos resultados individuais. Os resultados são transmitidos ao Ufficio elettorale nazionale per il Parlamento europeo presso la Corte di cassazione (comissão eleitoral nacional para o Parlamento Europeu junto do Tribunal de Cassação, a seguir «comissão eleitoral italiana»). Em conformidade com o artigo 21.o dessa lei, a comissão eleitoral italiana tem por missão determinar o número de votos recolhidos a nível nacional por cada lista, proceder à repartição dos lugares entre as listas com base no número de votos de cada lista e distribuir pelos diversos círculos eleitorais os lugares assim atribuídos a cada lista. Essa comissão redige, em conformidade com o artigo 23.o da referida lei, uma acta que deve ser transmitida ao Secretariado do Parlamento.

    9

    Além disso, o artigo 41.o da Lei de 24 de Janeiro de 1979 contém uma regulamentação detalhada da sub-rogação, segundo o qual o candidato eleito em vários círculos eleitorais deve informar a comissão eleitoral italiana do círculo eleitoral que pretende escolher. Para o círculo eleitoral não escolhido, essa comissão proclama eleito o candidato imediatamente seguinte ao último eleito. Além disso, um lugar que fique vago durante o mandato é atribuído pela comissão eleitoral italiana ao candidato da mesma lista e círculo eleitoral seguinte ao último eleito.

    10

    Em conformidade com o artigo 46.o dessa lei, a comissão eleitoral italiana comunica ao Secretariado do Parlamento as sub-rogações ocorridas com base nas sentenças e nos acórdãos que decidiram definitivamente os litígios respectivos, corrige, se for caso disso, os resultado das eleições e substitui os candidatos ilegitimamente proclamados pelos candidatos legítimos, disso informando os interessados e o Secretariado do Parlamento.

    Factos na origem do litígio e decisão impugnada

    11

    Aquando da eleição dos deputados ao Parlamento Europeu que teve lugar nos dias 12 e 13 de Junho de 2004, B. Donnici apresentou-se como candidato pela lista comum Società Civile — Di Pietro Occhetto. Esta lista obteve dois lugares, o primeiro no círculo eleitoral da Itália Sul e o segundo no círculo eleitoral da Itália Noroeste. A. Di Pietro, que ficou em primeiro lugar nos dois círculos eleitorais, optou pelo círculo eleitoral da Itália Sul.

    12

    A. Occhetto figurava em segundo lugar nas listas eleitorais, atendendo ao número de votos obtidos nos dois círculos eleitorais, à frente de B. Donnici, no círculo eleitoral da Itália Sul, e de G. Chiesa, no da Itália Noroeste. Tendo A. Di Pietro optado pelo lugar do círculo eleitoral da Itália Sul, A. Occhetto deveria ter sido proclamado eleito pelo círculo eleitoral da Itália Noroeste. No entanto, através de declaração escrita de 6 de Julho de 2004, recebida no dia seguinte na comissão eleitoral italiana, A. Occhetto, que tinha na altura um mandato no Senado italiano, renunciou ao mandato no Parlamento Europeu nos dois círculos eleitorais.

    13

    Na sequência desta renúncia, a comissão eleitoral italiana proclamou eleitos, em 18 de Julho de 2004, G. Chiesa no círculo eleitoral da Itália Noroeste e A. Di Pietro no da Itália Sul e, em , comunicou o nome de B. Donnici na qualidade de primeiro na lista de substitutos de A. Di Pietro no círculo eleitoral da Itália Sul, enquanto que A. Occhetto, que tinha desistido, não figurava nessa lista.

    14

    Nas eleições legislativas de 9 e 10 de Abril de 2006, em Itália, A. Di Pietro foi eleito deputado ao Parlamento italiano e optou pelo seu mandato nacional, com efeitos a contar de . Sendo esta função, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, do Acto de 1976, incompatível com a qualidade de membro do Parlamento Europeu, este declarou a vacatura do lugar em causa.

    15

    Por declaração de 27 de Abril de 2006, dirigida à comissão eleitoral italiana, A. Occhetto, que se candidatara às mesmas eleições nacionais mas que não tinha sido reeleito, revogou a sua renúncia de e pediu para ocupar o lugar tornado vago na sequência da opção de A. Di Pietro pelo Parlamento nacional.

    16

    Na sequência desta declaração, a comissão eleitoral italiana proclamou, em 8 de Maio de 2006, a eleição de A. Occhetto como membro do Parlamento e comunicou na mesma data o seu nome ao Parlamento como substituto de A. Di Pietro.

    17

    Por decisão de 21 de Julho de 2006, o Tribunale amministrativo regionale del Lazio negou provimento, por falta de fundamento, ao recurso de anulação interposto por B. Donnici contra essa proclamação.

    18

    B. Donnici impugnou igualmente, agora no Parlamento Europeu, a proclamação de A. Occhetto como deputado europeu, no lugar de A. Di Pietro. Essa impugnação foi examinada pela Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento, na sua reunião de 21 de Junho de 2006. Depois de ter constatado que, nos termos do artigo 12.o do Acto de 1976, essa impugnação não era admissível pelo facto de se fundamentar na lei eleitoral italiana, a Comissão dos Assuntos Jurídicos propôs ao Parlamento Europeu, por unanimidade, a validação do mandato de A. Occhetto. No dia , o Parlamento ratificou o mandato de A. Occhetto.

    19

    Por decisão de 6 de Dezembro de 2006, o Consiglio di Stato admitiu o recurso interposto por B. Donnici da decisão do Tribunale amministrativo regionale del Lazio e anulou a proclamação de A. Occhetto como membro do Parlamento Europeu que tinha sido efectuada pela comissão eleitoral italiana em . O Consiglio di Stato declarou, designadamente, que «a vontade popular, […] nunca impediu um candidato de renunciar à eleição» e que «o carácter indisponível da lista [de eleitos] proíb[e] […] aquele que renunciou de voltar […] à lista quando lhe convier».

    20

    O acórdão do Consiglio di Stato adquiriu força de caso julgado na sequência do acórdão de 26 de Março de 2007 da Corte suprema di cassazione que declarou o recurso de A. Occhetto inadmissível por vício de forma. Por petição de , A. Occhetto apresentou uma queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que, segundo as indicações do representante de A. Occhetto na audiência de , ainda está pendente.

    21

    Em 29 de Março de 2007, a comissão eleitoral italiana tomou nota do acórdão do Consiglio di Stato e proclamou a eleição de B. Donnici como membro do Parlamento Europeu pelo círculo eleitoral da Itália Sul, revogando assim o mandato de A. Occhetto. Esta proclamação foi comunicada ao Parlamento Europeu, tendo este dela tomado nota na acta da sessão plenária de , segundo a qual B. Donnici ocuparia o lugar no Parlamento, mas apenas provisoriamente e sem prejuízo de decisão posterior do Parlamento sobre a verificação dos seus poderes.

    22

    Entretanto, por carta de 5 de Abril de 2007, A. Occhetto apresentou uma reclamação e pediu ao Parlamento Europeu para confirmar o seu mandato e não validar o mandato de B. Donnici. No seguimento desta contestação, o Parlamento submeteu o mandato de B. Donnici ao exame da Comissão Jurídica.

    23

    Em 24 de Maio de 2007, o Parlamento adoptou a decisão impugnada, que dispõe:

    «O Parlamento Europeu,

    Tendo em conta o Acto […] de 1976,

    Tendo em conta os artigos 3.o, 4.o e 9.o, bem como o Anexo I do seu Regimento,

    Tendo em conta a comunicação oficial das autoridades nacionais competentes italianas sobre a eleição de Beniamino Donnici para o Parlamento Europeu,

    Tendo em conta a reclamação de Achille Occhetto, recebida em 25 de Março de 2007, sobre a validade da eleição de Beniamino Donnici para o Parlamento Europeu,

    Tendo em conta o relatório da Comissão dos Assuntos Jurídicos (A6-0198/2007),

    […]

    D.

    Considerando que as disposições nacionais relativas ao processo eleitoral europeu devem ser conformes aos princípios fundamentais do ordenamento comunitário, ao seu direito primário, e ao espírito e à letra do Acto de 1976; que, por estas razões, as autoridades nacionais competentes — legislativas, administrativas e jurisdicionais –, ao aplicarem e/ou ao interpretarem as suas disposições nacionais relativas ao processo eleitoral europeu, não podem deixar de ter em conta os princípios do Direito comunitário em matéria eleitoral,

    E.

    Considerando que a conformidade da renúncia à eleição de Achille Occhetto com o espírito e a letra do Acto de 1976 deve ser avaliada à luz do artigo 6.o desse Acto […] [que define] a liberdade e a independência dos deputados como um princípio verdadeiramente fundamental,

    F.

    Considerando que o Estatuto dos Deputados ao Parlamento Europeu (que entrará em vigor a partir de 2009) refere no n.o 1 do artigo 2.o que ‘os deputados ao Parlamento Europeu gozam de liberdade e independência’, e que o n.o 2 do mesmo artigo, decorrendo claramente do n.o 1, estabelece que ‘são nulos os acordos em matéria de renúncia ao mandato antes do termo ou no final da legislatura’,

    G.

    Considerando que essas disposições do Estatuto apenas reflectem os princípios da liberdade e da independência já consignados no Acto de 1976 […],

    […]

    K.

    Considerando que o alcance jurídico do artigo 6.o do Acto de 1976 inclui, no seu âmbito de aplicação, os candidatos que, não sendo ainda formalmente deputados, figurem oficialmente na lista de eleitos — isto no interesse do Parlamento Europeu, uma vez que esses candidatos são potencialmente membros do Parlamento,

    L.

    Considerando que a renúncia à eleição apresentada por Achille Occhetto resulta de um acordo, […] pelo que deve ser considerada incompatível com o espírito e a letra do Acto de 1976 e, por conseguinte, nula,

    M.

    Considerando que, devendo ser entendida como nula a renúncia à eleição de Achille Occhetto, deixa de haver qualquer justificação de direito ou de facto para o mandato do seu sucessor, Beniamino Donnici,

    […]

    O.

    Considerando que o [Consiglio di Stato], através de decisão com força de caso julgado, anulou a proclamação de Achille Occhetto como deputado ao Parlamento Europeu,

    P.

    Considerando que, nos termos do artigo 12.o do Acto de 1976, cabe ao Parlamento Europeu — e só ao Parlamento Europeu — verificar os poderes dos seus membros eleitos por sufrágio universal; que esta prerrogativa fundamental do Parlamento Europeu não pode ser invalidada, e muito menos anulada, por um acto das autoridades nacionais emitido em flagrante violação das normas aplicáveis e dos princípios do Direito comunitário, inclusivamente no caso em que tal acto tenha sido adoptado com carácter definitivo por um órgão jurisdicional supremo do referido Estado, tal como aconteceu com a sentença do [Consiglio di Stato]; […]

    Q.

    Considerando que o Parlamento Europeu pode legitimamente negar a validade do mandato de Beniamino Donnici e, ao mesmo tempo, ignorar a decisão do [Consiglio di Stato] pelo facto de a mesma contrariar a letra e o espírito do Acto de 1976, mantendo assim o mandato de Achille Occhetto;

    1.

    Declara que não é válido o mandato de deputado ao Parlamento Europeu de Beniamino Donnici, cuja eleição foi comunicada pelas autoridades nacionais competentes;

    2.

    Confirma a validade do mandato de Achille Occhetto;

    […]»

    Tramitação processual nos tribunais comunitários e pedidos das partes

    24

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias em 22 de Junho de 2007, registada sob o número T-215/07, B. Donnici interpôs recurso de anulação contra a decisão impugnada, que lhe tinha sido notificada em . Por despacho de , Donnici/Parlamento (T-215/07, Colect., p. II-5239), o Tribunal de Primeira Instância declarou-se incompetente para julgar o processo T-215/07, para que o Tribunal de Justiça pudesse decidir sobre o recurso de anulação. O processo foi inscrito no registo do Tribunal de Justiça sob o número C-9/08. Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de , foi admitida a intervenção de A. Occhetto em apoio dos pedidos do Parlamento e a intervenção da República Italiana em apoio dos pedidos de B. Donnici.

    25

    Por acto separado, apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 14 de Agosto de 2007, o Parlamento tinha suscitado uma questão prévia ao abrigo do artigo 114.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância no sentido de que o parecer do seu Serviço Jurídico de , reproduzido no anexo A.11 da petição de B. Donnici, fosse retirado do processo. Por despacho de , o Tribunal de Justiça deferiu o pedido do Parlamento e reservou para o acórdão que decida do mérito a decisão sobre o pedido de B. Donnici de ordenar, mediante medida de instrução, a apresentação do referido parecer jurídico.

    26

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 1 de Agosto de 2007, registada sob o número C-393/07, a República Italiana interpôs igualmente um recurso de anulação da decisão impugnada, que lhe tinha sido notificada em . Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de , foi admitida a intervenção da República da Letónia nesse processo em apoio dos pedidos da República Italiana. A República da Letónia não participou na fase escrita nem na fase oral.

    27

    Por despacho do presidente da Quarta Secção de 30 de Janeiro de 2009, os dois recursos de anulação foram apensos para efeitos da fase oral e do acórdão.

    28

    Por acto separado, apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Junho de 2007, registado sob o número T-215/07 R, B. Donnici pediu a suspensão da execução da decisão impugnada. O juiz das medidas provisórias, em substituição do presidente do Tribunal de Primeira Instância, deferiu esse pedido e decidiu, mediante despacho de , Donnici/Parlamento (T-215/07 R, Colect., p. II-4673), a suspensão da execução da decisão impugnada.

    29

    Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 13 de Janeiro de 2009, Occhetto e Parlamento/Donnici e Itália [C-512/07 P(R) e C-15/08 P(R), Colect., p. I-1], foi negado provimento aos recursos interpostos por A. Occhetto e pelo Parlamento contra o referido despacho de medidas provisórias.

    30

    Através dos seus recursos, a República Italiana e B. Donnici pedem ao Tribunal de Justiça a anulação da decisão impugnada e a condenação do Parlamento nas despesas. B. Donnici pede, a título incidental e ao abrigo do artigo 241.o CE, que o artigo 3.o, n.o 5, do Regimento seja declarado ilegal e, a título subsidiário, a junção aos autos do presente processo do parecer jurídico de 2 de Maio de 2007 do Serviço Jurídico do Parlamento. O Parlamento pede que seja negado provimento aos recursos e que a República Italiana e B. Donnici sejam condenados nas despesas.

    Quanto aos recursos

    31

    No processo C-393/07, a República Italiana apresenta cinco fundamentos nos termos dos quais, respectivamente, a decisão impugnada violou os artigos 6.o, 8.o, 12.o e 13.o do Acto de 1976 e o artigo 6.o UE, o artigo 2.o do Estatuto dos Deputados, os artigos 199.o CE e os artigos 3.o e 4.o do Regimento, os artigos 6.o UE, 10.o CE e 230.o CE e, por último, o dever de fundamentação.

    32

    No processo C-9/08, B. Donnici apresenta dois fundamentos relativos, em primeiro lugar, à violação dos artigos 12.o do Acto de 1976 e 3.o, n.o 1, do Regimento, do princípio da independência, da proibição do mandato imperativo e da autoridade de caso julgado e, em segundo lugar, à falta de fundamentação da decisão impugnada.

    Quanto ao primeiro fundamento

    Argumentos das partes

    33

    A República Italiana e B. Donnici alegam, no essencial, que o Parlamento se deveria ter limitado, em conformidade com o artigo 12.o do Acto de 1976, a registar a proclamação da eleição de B. Donnici efectuada pela comissão eleitoral italiana. Segundo os recorrentes, o referido artigo 12.o não permite ao Parlamento não aceitar a mencionada proclamação devido à alegada incompatibilidade da mesma com o direito comunitário. Do mesmo modo, ao deliberar sobre as reclamações, o Parlamento apenas pode basear-se nas disposições do Acto de 1976 e não noutras disposições de direito comunitário, incluindo os seus princípios gerais.

    34

    Quanto ao artigo 6.o do Acto de 1976, sustentam que se aplica apenas aos deputados e não aos candidatos não eleitos, de modo que esse artigo não abrange a renúncia de A. Occhetto expressa em 6 de Julho de 2004, quando não era deputado ao Parlamento. Uma vez que esse artigo visa, nos termos da sua letra, apenas o exercício do mandato parlamentar, os acontecimentos do processo eleitoral e o comportamento dos candidatos não eleitos antes da sua nomeação como deputados não são abrangidos pelo mesmo.

    35

    Em contrapartida, o Parlamento, apoiado por A. Occhetto, considera que lhe compete, em conformidade com o artigo 12.o do Acto de 1976, garantir que a proclamação efectuada pelas autoridades nacionais respeita o direito comunitário em geral e, designadamente, os princípios estabelecidos pelo Acto de 1976. Segundo o Parlamento, este entendimento das suas competências é reflectido pelos artigos 3.o, n.os 4 e 5, e 4.o, n.os 3 e 9, do seu Regimento, bem como pela sua prática na matéria. Sempre que o processo eleitoral concorre para a sua formação, é evidente que existe um nível regulamentar comunitário que estabelece o mínimo adequado a evitar qualquer distorção resultante da disparidade dos processos nacionais que deve ser garantido pelo Parlamento. Pelo contrário, se o Parlamento se devesse limitar, no exercício das suas competências, ao exame das incompatibilidades na acepção do artigo 7.o do Acto de 1976, a sua competência seria desprovida de conteúdo efectivo.

    36

    O Parlamento, apoiado por A. Occhetto, alega que, em caso de violação flagrante de princípios fundamentais do Acto de 1976, como o princípio do mandato parlamentar livre consagrado no artigo 6.o desse acto e os princípios do sufrágio universal e proporcional nos termos dos artigos 1.o e 2.o do mesmo acto, tem o direito e mesmo o dever de não dar continuidade a essa violação mediante a aceitação do resultado do processo nacional, pois caso contrário a sua própria decisão de validação seria ilegal. O primado do direito comunitário impõe ao Parlamento que não dê aplicação à designação de um candidato efectuada pelas autoridades nacionais em violação flagrante do direito comunitário.

    37

    O artigo 6.o do Acto de 1976 protege igualmente o candidato eleito. De outro modo, a garantia conferida por esse artigo não se aplicaria a actos, como no caso vertente a renúncia expressa por A. Occhetto e motivada por um acordo eleitoral, que impedissem a realização do mandato querido pelos eleitores. Esta interpretação do referido artigo 6.o é, segundo o Parlamento, corroborada pelo artigo 2.o do Estatuto dos Deputados e pelo artigo 3.o do Protocolo Adicional n.o 1 à Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950.

    38

    Além disso, o Parlamento alega que a aplicabilidade do referido artigo 6.o ao caso vertente decorre desde logo do facto de que A. Occhetto ocupava um lugar no Parlamento quando as autoridades nacionais o notificaram da substituição do interessado por B. Donnici.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    39

    O primeiro fundamento levanta a questão da extensão dos poderes do Parlamento no que se refere à verificação dos mandatos dos seus membros nos termos do artigo 12.o do Acto de 1976. Assim, para examinar a validade da decisão impugnada há, no essencial, que analisar o alcance dos poderes que essa disposição atribui ao Parlamento. Ora, o artigo 12.o desse acto parte do princípio de que, em qualquer caso, a decisão do Parlamento se baseia numa disposição do referido acto relativamente à qual pode ser formulada uma reclamação. Uma vez que o Parlamento invoca a esse respeito principalmente o artigo 6.o do Acto de 1976, deve-se determinar, em primeiro lugar, se essa disposição é, por princípio, aplicável ao caso vertente.

    — Quanto à aplicabilidade do artigo 6.o do Acto de 1976

    40

    O artigo 6.o, n.o 1, do Acto de 1976 dispõe que os deputados do Parlamento Europeu votam individual e pessoalmente e não podem receber ordens nem estar vinculados a quaisquer instruções.

    41

    Como resulta da sua letra, esse artigo faz referência expressa aos «deputados do Parlamento» e respeita ao exercício do mandato de parlamentar. Além disso, esse mesmo artigo menciona a prerrogativa de voto desses membros, prerrogativa que, pela sua natureza, não pode ser associada à qualidade de candidato proclamado oficialmente na lista de eleitos (v. despacho Occhetto e Parlamento/Donnici, já referido, n.o 41).

    42

    Há que observar que, tendo em conta a sua redacção clara, o artigo 6.o do Acto de 1976 não se aplica a actos que tenham por objecto a renúncia de um candidato eleito, como no caso vertente a renúncia de A. Occhetto à sua posição de substituto de A. Di Pietro.

    43

    Os argumentos deduzidos a este respeito pelo Parlamento não permitem afastar-se desta interpretação.

    44

    Nomeadamente, não se pode reconhecer ao Parlamento uma competência geral para apreciar a legalidade dos processos eleitorais dos Estados-Membros face aos princípios alegadamente subjacentes ao artigo 6.o do Acto de 1976, como deduzidos pelo Parlamento em particular do artigo 3.o do Protocolo Adicional n.o 1 à Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, através de uma interpretação lata desse artigo 6.o à luz desses princípios (v., neste sentido, despacho Occhetto e Parlamento/Donnici, já referido, n.o 43).

    45

    Com efeito, tal interpretação do artigo 6.o violaria a decisão tomada pelos seus autores, transformando essa disposição relativa ao exercício do mandato, ao arrepio do seu âmbito de aplicação precisamente circunscrito, numa regra de competência reguladora do processo eleitoral, domínio que, em conformidade com o artigo 8.o do Acto de 1976, é em princípio regulado pelas disposições nacionais.

    46

    No que respeita ao artigo 2.o do Estatuto dos Deputados, a que o Parlamento faz referência para sustentar a sua interpretação do artigo 6.o do Acto de 1976, há que assinalar, em primeiro lugar, que esse estatuto não estava em vigor à época dos factos em causa. Além disso, o quarto considerando do Estatuto dos Deputados enuncia que «[a] liberdade e a independência dos deputados, consagradas no artigo 2.o, deve[m] ser regulamentadas, visto que não são mencionadas em nenhum texto de direito primário», e o quinto considerando do mesmo precisa que o n.o 1 do artigo 3.o, desse estatuto retoma integralmente as disposições do n.o 1 do artigo 6.o do Acto de 1976. Daqui decorre que o artigo 2.o do Estatuto dos Deputados não constitui uma codificação do referido artigo 6.o (v., neste sentido, despacho Occhetto e Parlamento/Donnici, já referido, n.o 44).

    47

    Além disso, em conformidade com o princípio da hierarquia das normas, o Parlamento não pode basear-se numa disposição do seu Regimento e na sua alegada prática nesta matéria para efectuar uma interpretação contra legem do artigo 6.o do Acto de 1976 (v., neste sentido, despacho Occhetto e Parlamento/Donnici, já referido, n.o 45).

    48

    Com efeito, cumpre observar que o Regimento é um acto de organização interna que não pode instituir, em benefício do Parlamento, competências que não sejam expressamente reconhecidas num acto normativo, no caso em apreço no Acto de 1976 (v. acórdão de 21 de Outubro de 2008, Marra, C-200/07 e C-201/07, Colect., p. I-7929, n.o 38). Daqui resulta a fortiori que a alegada prática institucional não pode derrogar o referido artigo 6.o

    49

    Resulta do que precede que a renúncia expressa por A. Occhetto à sua posição na lista de substitutos não é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 6.o do Acto de 1976, de modo que esse artigo não pode servir de base para uma reclamação no âmbito da verificação dos poderes dos membros do Parlamento nos termos do artigo 12.o desse acto e que, por conseguinte, o Parlamento não podia basear a decisão impugnada numa violação do referido artigo 6.o

    — Quanto à violação do artigo 12.o do Acto de 1976

    50

    Após se ter constatado que o artigo 6.o do Acto de 1976 não podia servir de base à decisão impugnada, coloca-se a questão de saber se essa decisão pode ser motivada por uma violação dos princípios do sufrágio universal e proporcional consagrados nos artigos 1.o e 2.o do Acto de 1976, como alega o Parlamento. Ao fazer referência à violação desses princípios, o Parlamento reconheceu a si próprio o poder de verificar se a proclamação oficial de B. Donnici como membro do Parlamento ocorreu em conformidade com as referidas exigências. Convém, pois, examinar se o artigo 12.o desse acto atribui ao Parlamento tal competência no âmbito da verificação do mandato dos seus membros.

    51

    O artigo 12.o do Acto de 1976 dispõe que o Parlamento, para efeitos da verificação dos poderes dos seus membros, registará os resultados proclamados oficialmente pelos Estados-Membros e deliberará sobre as reclamações que possam eventualmente ser feitas com base nas disposições desse acto, com excepção das disposições nacionais para que ele remete.

    52

    Os termos desse artigo 12.o revelam que o poder de verificação de que o Parlamento dispõe, ao abrigo da primeira frase desse artigo, está sujeito a duas restrições importantes que figuram na segunda frase do mesmo (v., neste sentido, despachos de 15 de Novembro de 2007, Donnici/Parlamento, já referido, n.o 71, e Occhetto e Parlamento/Donnici, já referido, n.os 31 e 32).

    53

    Nos termos da primeira parte da segunda frase do artigo 12.o do Acto de 1976, o Parlamento «registará os resultados proclamados oficialmente pelos Estados-Membros». Além disso, a competência particular do Parlamento para deliberar sobre as reclamações, enunciada na segunda parte da segunda frase do referido artigo, é igualmente limitada ratione materiæ apenas às reclamações «que possam eventualmente ser feitas com base nas disposições [do Acto de 1976], com excepção das disposições nacionais para que ele remete».

    54

    Por um lado, ao contrário do que defende o Parlamento, resulta do próprio texto do artigo 12.o do Acto de 1976 que este artigo não confere ao Parlamento competência para deliberar sobre as reclamações feitas com base no direito comunitário no seu todo. Nos termos da sua redacção clara, o referido artigo visa apenas as «reclamações […] feitas com base nas disposições do presente acto» (v., neste sentido, despacho Occhetto e Parlamento/Donnici, já referido, n.o 32).

    55

    Por outro lado, o exercício que consiste em «registar[…] os resultados proclamados oficialmente» significa que o Parlamento estava obrigado a basear-se, para efeitos da sua própria decisão aquando da verificação dos poderes dos seus membros, na proclamação efectuada em 29 de Março de 2007 pela comissão eleitoral italiana no seguimento do acórdão do Consiglio di Stato de . Com efeito, essa proclamação resulta de um processo decisório conforme aos procedimentos nacionais, mediante o qual as questões jurídicas ligadas à referida proclamação foram decididas definitivamente, constituindo, portanto, uma situação jurídica preexistente. Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que a utilização da palavra «registará» no contexto do Acto de 1976 deve ser interpretada no sentido de que indica a total falta de margem de apreciação do Parlamento nessa matéria (v., neste sentido, acórdão de , Le Pen/Parlamento, C-208/03 P, Colect., p. I-6051, n.o 50).

    56

    Esta interpretação da palavra «registará» que figura no artigo 12.o, n.o 2, do Acto de 1976, na sua versão original, segundo a qual os Estados-Membros informam o Parlamento, que regista essa informação, da vacatura de um lugar resultante da aplicação das disposições nacionais, é válida igualmente para a mesma palavra que figura no artigo 12.o do Acto de 1976 na sua versão actual. Se o artigo 12.o, n.o 2, do Acto de 1976, na sua versão original, exclui qualquer margem de apreciação do Parlamento mesmo no caso de perda do mandato de um dos seus membros em resultado da aplicação de disposições nacionais com incidência na composição existente dessa instituição, essa falta de poder de decisão é justificada por maioria de razão no que respeita à verificação, em conformidade com o artigo 12.o do Acto de 1976, dos poderes dos membros do Parlamento proclamados oficialmente pelos Estados-Membros. Com efeito, nesse contexto está em causa a designação, pelas autoridades nacionais, dos futuros membros do Parlamento em conformidade com o processo eleitoral que é regulado, como resulta expressamente do artigo 8.o do Acto de 1976, pelas disposições nacionais.

    57

    Daqui resulta que o Parlamento não pode pôr em causa a própria regularidade da proclamação efectuada pela comissão eleitoral nacional. O artigo 12.o do Acto de 1976 também não autoriza o Parlamento a recusar o registo de tal proclamação, se considerar que está em presença de uma irregularidade (v., neste sentido, despacho de 15 de Novembro de 2007, Donnici/Parlamento, já referido, n.o 75).

    58

    Esta interpretação do artigo 12.o do Acto de 1976 é confortada pela leitura do mesmo à luz das disposições pertinentes do Tratado CE, bem como pelo quadro regulamentar em que o referido artigo se insere.

    59

    A este respeito, há que salientar que, nos termos dos artigos 5.o, primeiro parágrafo, CE, 7.o, n.o 1, segundo parágrafo, CE e 189.o, primeiro parágrafo, CE, o Parlamento exerce os poderes e actua nos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados.

    60

    Além disso, nos termos do artigo 8.o do Acto de 1976, «o processo eleitoral será regulado, em cada Estado-Membro, pelas disposições nacionais», sem prejuízo das disposições do Acto de 1976. Consequentemente, apesar de os Estados-Membros deverem respeitar as disposições do Acto de 1976 na medida em que prevêem certas modalidades eleitorais, não é menos verdade que é a eles que compete, em última análise, a tarefa de organizar, nos termos do processo fixado pelas suas disposições nacionais, as eleições e, nesse âmbito, de proceder igualmente ao apuramento dos votos e à proclamação oficial dos resultados eleitorais (despacho de 15 de Novembro de 2007, Donnici/Parlamento, já referido, n.o 74).

    61

    Por último, o artigo 13.o, n.o 2, do Acto de 1976 dispõe que os Estados-Membros estabelecem os processos adequados a fim de prover os lugares deixados vagos.

    62

    Assim, em conformidade com este quadro regulamentar, o processo eleitoral para a eleição dos membros do Parlamento, que teve lugar nos dias 12 e 13 de Junho de 2004, e para a nomeação dos substitutos para os lugares deixados vagos continua a ser regulado em cada Estado-Membro pelas disposições nacionais pertinentes, neste caso a Lei de (v., neste sentido, despacho de , Donnici/Parlamento, já referido, n.o 66).

    63

    Além disso, na falta de regulamentação comunitária nesta matéria, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que decorrem para os cidadãos do direito comunitário, desde que, por um lado, essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as relativas a direitos com origem na ordem jurídica interna (princípio da equivalência) e, por outro, não tornem, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade) (v., neste sentido, acórdão de 12 de Setembro de 2006, Eman e Sevinger, C-300/04, Colect., p. I-8055, n.o 67).

    64

    Ora, o Parlamento não alegou que as disposições processuais italianas ofendessem os referidos princípios da equivalência e da efectividade. Além disso, mesmo admitindo tal hipótese, daí não resulta que o Parlamento tenha competência para substituir os actos das autoridades nacionais pelas suas próprias apreciações.

    65

    Em contrapartida, a tarefa de assegurar o respeito, pelos Estados-Membros, das disposições do Tratado, bem como das disposições adoptadas pelas instituições com base nele, incumbe, nomeadamente, à Comissão, que tem legitimidade, ao abrigo do artigo 226.o CE, para propor no Tribunal de Justiça uma acção por incumprimento se considerar que um Estado-Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem. Além disso, a fiscalização do respeito destas disposições é assegurada pelo processo previsto no artigo 234.o CE, que se insere no âmbito do contencioso eleitoral no plano nacional.

    66

    Este quadro regulamentar não permite concluir que o Parlamento dispõe de uma competência geral para apreciar a conformidade dos processos eleitorais dos Estados-Membros e a sua aplicação ao caso vertente à luz do direito comunitário. Daqui decorre que a competência do Parlamento se limita, no âmbito da verificação dos poderes dos seus membros, às prerrogativas claramente definidas pelas disposições pertinentes do Acto de 1976 (v., neste sentido, despacho Occhetto e Parlamento/Donnici, já referido, n.o 32).

    67

    Daqui resulta que uma interpretação do artigo 12.o do Acto de 1976 que estabelecesse, a favor do Parlamento, uma competência geral de fiscalização da proclamação oficial efectuada pelas autoridades dos Estados-Membros seria não só contrária à letra desse artigo mas também incompatível com o princípio consagrado nos artigos 5.o CE e 7.o CE, segundo os quais as competências da Comunidade e das suas instituições são competências de atribuição (v., neste sentido, acórdãos de 5 de Outubro de 2000, Alemanha/Parlamento e Conselho, C-376/98, Colect., p. I-8419, n.o 83, e de , Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C-402/05 P e C-415/05 P, Colect., p. I-6351, n.o 203 e jurisprudência aí referida).

    68

    Os argumentos avançados pelo Parlamento e apoiados por A. Occhetto, recordados nos n.os 35 a 37 do presente acórdão, não podem pôr em causa essa interpretação do artigo 12.o do Acto de 1976, que exclui inteiramente a competência do Parlamento no que se refere a desviar-se da proclamação efectuada pela comissão eleitoral italiana.

    69

    Deve ser afastado o argumento, avançado em primeiro lugar, segundo o qual, na falta de competência do Parlamento para fiscalizar os resultados proclamados pelos Estados-Membros à luz do direito comunitário, os poderes de verificação do Parlamento decorrentes do artigo 12.o do Acto de 1976 seriam esvaziados de conteúdo. Com efeito, há que sublinhar que o Parlamento mantém toda a sua competência para se pronunciar no âmbito do artigo 12.o do Acto de 1976 sobre a situação de um candidato eleito que possua uma das qualidades incompatíveis com a de membro do Parlamento, como enumeradas no artigo 7.o do Acto de 1976 (v. despacho Occhetto e Parlamento/Donnici, já referido, n.o 33).

    70

    Em segundo lugar, quanto ao argumento segundo o qual o Parlamento devia ter a possibilidade, para garantir um nível mínimo na nomeação dos seus membros, de recusar a proclamação efectuada pelas autoridades nacionais em flagrante oposição aos princípios fundamentais do Acto de 1976, importa recordar que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais decidir, se for caso disso após um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 234.o CE, sobre a legalidade das disposições e processos eleitorais nacionais (despacho de 15 de Novembro de 2007, Donnici/Parlamento, já referido, n.o 93).

    71

    No caso vertente, uma tal fiscalização jurisdicional teve efectivamente lugar nos órgãos jurisdicionais italianos competentes ao abrigo da Lei de 24 de Janeiro de 1979. Com efeito, as questões jurídicas relacionadas com a proclamação oficial dos resultados eleitorais foram definitivamente decididas, no plano nacional, pelo acórdão do Consiglio di Stato de que adquiriu força de caso julgado.

    72

    Por último, a redacção clara do artigo 12.o do Acto de 1976 e a repartição das competências por este operada na matéria opõem-se à conclusão de que existe uma lacuna na protecção dos direitos eleitorais dos candidatos às eleições ao Parlamento.

    73

    Por esta razão, também deve ser afastado o argumento do Parlamento segundo o qual a sua decisão sobre a verificação de poderes seria ela própria ferida de ilegalidade se fosse obrigado a basear a sua própria decisão num acto nacional ilegal, no caso a proclamação de B. Donnici pela comissão eleitoral italiana.

    74

    No caso vertente, as competências respectivas do Parlamento e das autoridades nacionais na verificação dos poderes dos membros do Parlamento estão, ao contrário do que defende o Parlamento ao remeter para o acórdão de 18 de Dezembro de 2007, Suécia/Comissão (C-64/05 P, Colect., p. I-11389), claramente repartidas entre as instâncias comunitárias e as autoridades nacionais. Nesta matéria, o Parlamento dispõe unicamente, nos termos do artigo 12.o do Acto de 1976, da competência para deliberar sobre as reclamações que possam eventualmente ser apresentadas com base nas disposições desse acto, com excepção das disposições para que ele remete, incumbindo às autoridades nacionais proclamar os resultados estabelecidos em aplicação das disposições nacionais conformes ao direito comunitário.

    75

    Resulta do que precede que o Parlamento estava obrigado, por força do artigo 12.o do Acto de 1976, a registar a proclamação efectuada pela comissão eleitoral italiana, não tendo competência para não aceitar essa proclamação em razão de alegadas irregularidades desse acto nacional. Ao declarar inválido o mandato de B. Donnici, contrariamente a essa proclamação, e ao confirmar o mandato de A. Occhetto, a decisão impugnada violou o artigo 12.o desse acto.

    76

    Tendo em conta tudo o que precede, a decisão impugnada deve ser anulada. Nestas condições, não é necessário que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre os outros fundamentos dos recursos da República Italiana e de B. Donnici. Assim, os pedidos de B. Donnici, formulados a título subsidiário, ficaram sem objecto.

    Quanto às despesas

    77

    Por força do disposto no artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a República Italiana e B. Donnici pedido a condenação do Parlamento e tendo este sido vencido, há que condená-lo nas despesas do presente processo. Por força do disposto no n.o 4, primeiro parágrafo, do mesmo artigo, os Estados-Membros que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas e, por força do terceiro parágrafo do mesmo número, o Tribunal de Justiça pode determinar que um interveniente, que não os mencionados nos parágrafos anteriores, suporte as respectivas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

     

    1)

    A Decisão 2007/2121 (REG) do Parlamento Europeu, de 24 de Maio de 2007, sobre a verificação dos poderes de Beniamino Donnici, é anulada.

     

    2)

    O Parlamento Europeu é condenado nas despesas efectuadas por B. Donnici e nas despesas efectuadas pela República Italiana na qualidade de recorrente.

     

    3)

    A República Italiana na qualidade de parte interveniente, a República da Letónia e A. Occhetto suportarão as suas próprias despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: italiano.

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