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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62006CJ0246

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 17 de Janeiro de 2008.
    Josefa Velasco Navarro contra Fondo de Garantía Salarial (Fogasa).
    Pedido de decisão prejudicial: Juzgado de lo Social Único de Algeciras - Espanha.
    Política social - Protecção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador - Directiva 80/987/CEE na redacção dada pela Directiva 2002/74/CE - Efeito directo - Indemnização por despedimento ilícito acordada em conciliação judicial - Pagamento assegurado pela instituição de garantia - Pagamento subordinado à prolação de uma decisão judicial.
    Processo C-246/06.

    Colectânea de Jurisprudência 2008 I-00105

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2008:19

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    17 de Janeiro de 2008 ( *1 )

    «Política social — Protecção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador — Directiva 80/987/CEE na redacção dada pela Directiva 2002/74/CE — Efeito directo — Indemnização por despedimento ilícito acordada em conciliação judicial — Pagamento assegurado pela instituição de garantia — Pagamento subordinado à prolação de uma decisão judicial»

    No processo C-246/06,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Juzgado de lo Social Único de Algeciras (Espanha), por decisão de 7 de Abril de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de Junho de 2006, no processo

    Josefa Velasco Navarro

    contra

    Fondo de Garantía Salarial (Fogasa),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, E. Juhász, J. Malenovský e T. von Danwitz (relator), juízes,

    advogado-geral: P. Mengozzi,

    secretário: R. Grass,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação do Governo esloveno, por M. Remic, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J. Enegren e R. Vidal Puig, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Directiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO L 283, p. 23), na redacção dada pela Directiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002 (JO L 270, p. 10, a seguir «Directiva 80/987»).

    2

    O pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre J. Velasco Navarro e o Fondo de Garantía Salarial (Fogasa) (Fundo de Garantia Salarial, a seguir «Fogasa») relativo ao facto de o segundo recusar pagar à primeira, a título de responsabilidade subsidiária, uma indemnização pelo despedimento ilícito de que foi objecto, tendo esse pagamento sido acordado em sede de conciliação judicial entre J. Velasco Navarro e o seu empregador.

    Quadro regulamentar

    Regulamentação comunitária

    3

    O artigo 1.o, n.o 1, da Directiva 80/987 dispõe que «[a] presente directiva [se] aplica[…] aos créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação aos empregadores que se encontrem em estado de insolvência na acepção do no 1.o do artigo 2.o».

    4

    O artigo 2.o, n.o 2, da referida directiva precisa que a mesma não prejudica o direito nacional no que se refere à definição dos termos «trabalhador assalariado», «empregador», «remuneração», «direito adquirido» e «direito em vias de aquisição».

    5

    O artigo 3.o, n.o 1, da Directiva 80/987, na sua versão inicial, previa:

    «Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que seja assegurado por instituições de garantia, sem prejuízo do disposto no artigo 4.o, o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho e tendo por objecto a remuneração referente ao período situado antes de determinada data.»

    6

    O artigo 3.o, n.o 1, da Directiva 80/987, na sua redacção inicial, passou a artigo 3.o, primeiro parágrafo, na redacção dada pela Directiva 2002/74, disposição essa que passou a ter a seguinte redacção:

    «Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que as instituições de garantia assegurem, sob reserva do artigo 4.o, o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação da relação de trabalho.»

    7

    O artigo 2.o, n.o 1, primeiro e segundo parágrafos, da Directiva 2002/74 dispõe:

    «Os Estados-Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva antes de 8 de Outubro de 2005 e informar imediatamente a Comissão desse facto.

    Os Estados-Membros devem aplicar as disposições a que se refere o primeiro parágrafo a todo e qualquer estado de insolvência de um empregador que ocorra após a data de entrada em vigor dessas disposições.»

    8

    Segundo o seu artigo 3.o, a Directiva 2002/74 entrou em vigor em 8 de Outubro de 2002.

    Legislação espanhola

    9

    O artigo 33.o, n.os 1 e 2, do Decreto Real legislativo 1/1995, de 24 de Março de 1995, que aprova o texto codificado do Estatuto dos Trabalhadores (Estatuto de los Trabajadores, BOE n.o 75, de 29 de Março de 1995, p. 9654), na versão resultante da Lei 60/1997, de 19 de Dezembro de 1997 (BOE n.o 304, de 20 de Dezembro de 1997, p. 37453, a seguir «Estatuto dos Trabalhadores»), dispõe:

    «1.   O Fundo de Garantia Salarial […] paga aos trabalhadores o montante das remunerações em dívida nos casos de insolvência, de suspensão de pagamentos, de falência ou de recuperação judicial dos empregadores.

    Para efeitos do parágrafo anterior, entende-se por remuneração o montante reconhecido como tal em conciliação ou por decisão judicial, a título de todos os elementos referidos no artigo 26.o, n.o 1, bem como a indemnização complementar a título de ‘salarios de tramitación’ [salários vencidos na pendência da acção] atribuída, sendo caso disso, pelo órgão jurisdicional competente […]

    2.   O Fundo de Garantia Salarial, nos casos previstos no número anterior, pagará as indemnizações reconhecidas por sentença ou decisão administrativa a favor dos trabalhadores, por motivo de despedimento ou rescisão do contrato, em conformidade com os artigos 50.o, 51.o e 52.o, alínea c), da presente lei, até ao limite máximo de uma anuidade, sem que a remuneração diária na base do cálculo possa exceder o dobro da remuneração mínima interprofissional.

    […]»

    10

    Entre as indemnizações a pagar pelo Fogasa figuram, por força do artigo 33.o, n.o 2, do Estatuto dos Trabalhadores, as indemnizações por despedimento ilícito previstas no artigo 56.o, n.o 1, do mesmo estatuto nas seguintes condições:

    «1.   Quando o despedimento for declarado ilícito, a entidade patronal, no prazo de cinco dias a contar da notificação da sentença, poderá optar pela reintegração do trabalhador, acompanhada do pagamento dos ‘salarios de tramitación’ previstos na alínea b) do presente número, ou pelo pagamento das seguintes somas, que deverão ser fixadas na sentença:

    a)

    uma indemnização equivalente a 45 dias de salário por ano de serviço, sendo os períodos inferiores a um ano contabilizados proporcionalmente, numa base mensal, até um máximo de 42 mensalidades;

    b)

    um montante igual à soma dos salários devidos a contar da data do despedimento até à notificação da sentença que declara a ilicitude do despedimento ou até que o trabalhador tenha encontrado um novo trabalho, se esta contratação for anterior à prolação da sentença e se a entidade patronal fizer a prova das somas pagas com vista à sua dedução dos salários vencidos na pendência da acção.

    A entidade patronal deverá manter a inscrição do trabalhador na segurança social durante o período correspondente aos salários acima previstos na alínea b).»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    11

    J. Velasco Navarro, demandante no processo principal, fez parte do pessoal da sociedade Camisas Leica SL (a seguir «Camisas Leica») entre 28 de Maio de 1998 e 27 de Dezembro de 2001, data em que foi despedida pela referida sociedade.

    12

    Em 13 de Maio de 2002, J. Velasco Navarro e a Camisas Leica celebraram um acordo judicial em virtude do qual esta sociedade, por um lado, reconheceu a ilicitude do despedimento de que J. Velasco Navarro foi objecto e, por outro, se comprometeu a pagar a esta última a indemnização por despedimento e os salários vencidos na pendência da acção previstos no artigo 56.o do Estatuto dos Trabalhadores.

    13

    Com base num despacho de insolvência provisória da Camisas Leica, proferido em 5 de Março de 2003 pelo mesmo tribunal a requerimento dessa sociedade, J. Velasco Navarro requereu ao Fogasa o pagamento da prestação correspondente à referida indemnização e aos salários vencidos na pendência da acção que o empregador não lhe tinha pago.

    14

    O Fogasa aceitou pagar à demandante no processo principal o montante de 3338,88 euros a título de salários vencidos na pendência da acção, considerando, porém, que J. Velasco Navarro não tinha direito ao montante de 2696,89 euros que pedia a título de indemnização pelo despedimento, com o fundamento de que esta não tinha sido reconhecida por sentença ou outra decisão judicial.

    15

    J. Velasco Navarro impugnou no Juzgado de lo Social Único de Algeciras a recusa do Fogasa de lhe pagar a referida indemnização por despedimento.

    16

    Segundo as explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional nacional na fundamentação da decisão de reenvio, o direito espanhol prevê, no artigo 33.o, n.o 2, do Estatuto dos Trabalhadores, o pagamento de indemnizações devidas a título da cessação da relação de trabalho, porém, apenas quando estas são reconhecidas por sentença ou decisão administrativa em favor dos trabalhadores por motivo de despedimento ou rescisão do contrato.

    17

    O órgão jurisdicional de reenvio considera que a referida disposição nacional é contrária ao princípio comunitário da igualdade como consagrado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e, designadamente, pelo n.o 30 do despacho de 13 de Dezembro de 2005, Guerrero Pecino (C-177/05, Colect., p. I-10887). Segundo essa jurisprudência, indemnizações da mesma natureza, fixadas em processo de conciliação judicial, devem igualmente ser consideradas indemnizações na acepção do artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Directiva 80/987.

    18

    Esse órgão jurisdicional salienta que a Directiva 2002/74 já se encontrava em vigor à data em que foi declarada a insolvência da Camisas Leica, a saber, em 5 de Março de 2003. Considera que, apesar de o prazo de transposição dessa directiva ter expirado em 8 de Outubro de 2005, o legislador espanhol permaneceu inactivo no que toca à sua aplicação, uma vez que está convencido de que a legislação interna espanhola, em vigor desde 21 de Dezembro de 1997, está em perfeita conformidade com a referida directiva.

    19

    O órgão jurisdicional nacional conclui deste facto que não se pode pois afirmar que, em 8 de Outubro de 2005, o Reino de Espanha já tinha transposto a Directiva 2002/74, visto que, precisamente, a legislação nacional estava incompleta.

    20

    O órgão jurisdicional de reenvio assinala ainda que, na audiência, o Fogasa esgrimiu em sua defesa que J. Velasco Navarro não pode invocar a Directiva 2002/74 nem a interpretação desta última resultante do despacho Guerrero Pecino, já referido, uma vez que o despacho de insolvência provisória da Camisas Leica, embora posterior à data da entrada em vigor dessa directiva, a saber, 8 de Outubro de 2002, é, seja como for, anterior à data em que os Estados-Membros deviam ter adoptado as medidas de transposição da mesma, ou seja, a 8 de Outubro de 2005.

    21

    Nestas condições, o Juzgado de lo Social Único de Algeciras decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Quando o juiz nacional verificar que a legislação interna, por ser incompleta, não está adaptada, com referência à data de 8 de Outubro de 2005, à Directiva 2002/74 e à interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal de Justiça (na perspectiva do princípio comunitário da igualdade) no seu despacho Guerrero Pecino, já referido, deve considerar-se que essa legislação interna produz efeito directo relativamente ao Fogasa, instituição estatal de garantia, a partir do dia seguinte (9 de Outubro de 2005)?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, deve o referido efeito directo da Directiva 2002/74 aplicar-se também, devido à sua natureza mais favorável ao trabalhador (e menos favorável ao Estado incumpridor), a uma situação de insolvência declarada — na sequência de uma conciliação judicial não prevista na referida legislação interna incompleta — entre a data de entrada em vigor da directiva (8 de Outubro de 2002) e a data-limite na qual o Estado espanhol devia ter posto em vigor as disposições legais, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento ao disposto na referida directiva (8 de Outubro de 2005)?»

    Quanto às questões prejudiciais

    22

    Através das duas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Directiva 80/987, não transposta ainda para a ordem jurídica de um Estado-Membro, tem efeito direito e, em caso de resposta afirmativa, a partir de que data essa disposição pode ser directamente invocada contra uma instituição como o Fogasa. Uma vez que estas duas questões visam saber, em substância, se a referida disposição é susceptível de produzir efeitos directos entre a data da sua entrada em vigor e a data do termo do prazo de transposição, importa analisá-las em conjunto.

    23

    O órgão jurisdicional de reenvio coloca estas duas questões com base no despacho Guerrero Pecino, já referido. Apesar de nesse despacho o Tribunal de Justiça ter interpretado a Directiva 80/987, a pedido do mesmo órgão jurisdicional de reenvio que se dirige ao Tribunal de Justiça no processo principal e a propósito do mesmo caso de insolvência, fê-lo, todavia, como precisou no n.o 23 desse despacho, unicamente com base no pressuposto de a directiva já ter sido transposta para a ordem jurídica nacional à data pertinente, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

    24

    No processo principal, os fundamentos da decisão de reenvio mostram que, segundo o referido órgão jurisdicional, a Directiva 2004/74 ainda não tinha sido transposta para a ordem jurídica nacional até ao termo do prazo de transposição dessa directiva, ou seja, em 8 de Outubro de 2005 (v., neste sentido, acórdão de 29 de Novembro de 2007, Comissão/Espanha,C-6/07, ainda não publicado na Colectânea).

    Quanto ao efeito directo do artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Directiva 80/987

    25

    Sem entrar no exame dos requisitos que devem ser preenchidos para que uma disposição de uma directiva que ainda não foi transposta ou que foi transposta de forma incorrecta possa ser invocada perante o juiz nacional (v. acórdãos de 11 de Julho de 2002, Marks & Spencer,C-62/00, Colect., p. I-6325, n.o 25, e de 8 de Junho de 2006, Feuerbestattungsverein Halle,C-430/04, Colect., p. I-4999, n.os 28 e 29), é jurisprudência assente que uma directiva só pode ter efeito directo após expirar o prazo fixado para a sua transposição na ordem jurídica dos Estados-Membros (acórdãos de 3 de Março de 1994, Vaneetveld,C-316/93, Colect., p. I-763, n.o 16, e de 14 de Setembro de 2000, Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira,C-348/98, Colect., p. I-6711, n.o 33).

    26

    No caso vertente, a data do termo do prazo de transposição corresponde, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Directiva 2002/74, a 8 de Outubro de 2005. No que respeita ao processo principal, importa verificar se o eventual efeito directo da directiva pode ser invocado, após essa data, em relação a factos ocorridos antes da mesma. Com efeito, a insolvência da Camisas Leica foi declarada em 5 de Março de 2003, isto é, antes da expiração do prazo de transposição dessa directiva, e a demandante no processo principal manteve, para lá dessa data, no Fogasa, o seu pedido relativo ao crédito que detém correspondente à indemnização por despedimento resultante dessa insolvência.

    27

    A esse respeito, é possível deduzir da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdãos de 10 de Novembro de 1992, Hansa Fleisch Ernst Mundt,C-156/91, Colect., p. I-5567, n.o 20, e Vaneetveld, já referido, n.o 18) que, se um Estado-Membro não tiver transposto a Directiva 2002/74 no prazo fixado, o eventual efeito directo da mesma só pode ser invocado, a contar de 8 de Outubro de 2005, em relação com uma situação de insolvência declarada após essa data, o que não se passa no processo principal.

    28

    A este propósito, há que observar que, apesar de ser verdade que os Estados-Membros têm a obrigação de conformar as suas disposições nacionais à Directiva 2002/74 antes de 8 de Outubro de 2005, não são obrigados, em virtude do artigo 2.o, n.o 1, segundo parágrafo, dessa directiva, a aplicar essas disposições apenas às situações de insolvência declaradas após a data da sua entrada em vigor.

    29

    Assim, só caem no âmbito de aplicação da Directiva 2002/74 as insolvências declaradas após a entrada em vigor da mesma, incluindo as anteriores ao termo do prazo de transposição e, em caso de não transposição, as insolvências declaradas após o termo desse prazo.

    30

    Por conseguinte, há que responder às questões colocadas que, em caso de não transposição da Directiva 2002/74 para o direito interno em 8 de Outubro de 2005, o eventual efeito directo do artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Directiva 80/987 não pode, de qualquer forma, ser invocado em relação a uma situação de insolvência declarada antes dessa data.

    Quanto à violação do princípio da igualdade

    31

    Embora as duas questões submetidas ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional de reenvio visem, pela sua formulação, apenas o efeito directo do artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Directiva 80/987, importa recordar, a propósito do período compreendido entre a data de entrada em vigor da Directiva 2002/74 e a data do termo do seu prazo de transposição, que, a partir do momento em que uma regulamentação nacional entra no campo de aplicação do direito comunitário, o Tribunal de Justiça, tendo-lhe sido dirigido um pedido de decisão a título prejudicial, deve fornecer todos os elementos de interpretação necessários para o tribunal nacional apreciar a conformidade de tal regulamentação com os direitos fundamentais cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdãos de 12 de Dezembro de 2002, Rodríguez Caballero,C-442/00, Colect., p. I-11915, n.o 31 e jurisprudência aí referida, e de 10 de Abril de 2003, Steffensen,C-276/01, Colect., p. I-3735, n.o 70).

    32

    Deste modo, apesar de os Estados-Membros terem a liberdade, no âmbito da Directiva 80/987, de não preverem, na sua ordem jurídica interna, uma garantia de pagamento de indemnizações devidas em caso de despedimento, já que, com efeito, o artigo 3.o, primeiro parágrafo, dessa directiva não prevê qualquer obrigação nesse sentido, uma regulamentação nacional que preveja tal garantia entra, todavia, a contar da data de entrada em vigor da Directiva 2002/74, a saber, 8 de Outubro de 2005, no âmbito de aplicação do direito comunitário no que respeita à sua aplicação a factos posteriores à referida data de entrada em vigor (v., neste sentido, acórdão de 7 de Setembro de 2006, Cordero Alonso,C-81/05, Colect., p. I-7569, n.os 31 e 32). Assim, após essa data, esta regulamentação está sujeita ao respeito dos princípios gerais e dos direitos fundamentais cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça, entre os quais figura, designadamente, o princípio geral da igualdade e da não discriminação (v. acórdão Rodríguez Caballero, já referido, n.os 31 e 32).

    33

    Importa recordar que o artigo 33.o, n.o 2, do Estatuto dos Trabalhadores prevê, em caso de insolvência do empregador, tal garantia de pagamento de determinadas indemnizações em razão do despedimento ou da rescisão do contrato de trabalho previstos por esse mesmo estatuto.

    34

    Por conseguinte, há que declarar que essa disposição nacional é abrangida, após a data da entrada em vigor da Directiva 2002/74, pelo artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Directiva 80/987 e, portanto, pelo âmbito de aplicação do direito comunitário. Assim, está sujeita, a partir dessa data, ao respeito dos princípios gerais e dos direitos fundamentais reconhecidos na ordem jurídica comunitária (v., neste sentido, acórdão de 7 de Setembro de 2006, Cordero Alonso,C-81/05, Colect., p. I-7569, n.o 37).

    35

    Consequentemente, incumbe ao órgão jurisdicional nacional interpretar a legislação nacional em causa no processo principal tendo em conta o respeito dos referidos princípios gerais e direitos fundamentais tal como interpretados pelo Tribunal de Justiça e, designadamente, o princípio da igualdade (v., neste sentido, despacho Guerrero Pecino, já referido, n.o 30, e acórdão Cordero Alonso, já referido, n.o 38).

    36

    No que toca a este último princípio, segundo o qual situações comparáveis não devem ser tratadas de maneira diferente, a menos que a diferenciação seja objectivamente justificada, o Tribunal de Justiça declarou, no que respeita à regulamentação em causa no processo principal, que os trabalhadores despedidos ilicitamente se encontram numa situação comparável na medida em que tenham direito a uma indemnização em caso de não reintegração (v. acórdãos Rodríguez Caballero, já referido, n.o 33, e de 16 de Dezembro de 2004, Olaso Valero,C-520/03, Colect., p. I-12065, n.os 34 e 35).

    37

    Ao constatar, na sequência do seu raciocínio, que não tinha sido apresentado nenhum argumento convincente para justificar a diferença de tratamento entre os créditos correspondentes a indemnizações por despedimento ilícito reconhecidos por sentença ou decisão administrativa e os créditos correspondentes a indemnizações por despedimento ilícito reconhecidos na sequência de um processo de conciliação judicial, o Tribunal de Justiça chegou à conclusão de que uma regulamentação como a que está em causa no processo principal é contrária ao princípio da igualdade quando exclui a possibilidade de a instituição de garantia assumir o encargo desses créditos (v., neste sentido, acórdão Olaso Valero, já referido, n.os 36 e 37).

    38

    Importa acrescentar que, em presença de tal discriminação, e até à transposição correcta da directiva pelo legislador nacional, o respeito do princípio da igualdade só pode ser assegurado concedendo-se às pessoas da categoria desfavorecida as mesmas vantagens de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada (acórdãos, já referidos, Rodríguez Caballero, n.o 42, e Cordero Alonso, n.o 45).

    39

    Resulta das considerações que precedem que, quando a legislação nacional se enquadra no âmbito de aplicação da Directiva 80/987, o juiz nacional deve, numa situação de insolvência declarada entre a data de entrada em vigor da Directiva 2002/74 e a data do termo do seu prazo de transposição, garantir uma aplicação dessa legislação nacional conforme ao princípio da não discriminação, como reconhecido pela ordem jurídica comunitária.

    Quanto às despesas

    40

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

     

    1)

    Em caso de não transposição para o direito interno, em 8 de Outubro de 2005, da Directiva 2002/74 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002, que altera a Directiva 80/987/CEE do Conselho, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, o eventual efeito directo do artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Directiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, na redacção dada pela Directiva 2002/74, não pode, de qualquer forma, ser invocado em relação a uma situação de insolvência declarada antes dessa data.

     

    2)

    Quando a legislação nacional se enquadra no âmbito de aplicação da Directiva 80/987, na redacção dada pela Directiva 2002/74, o juiz nacional deve, numa situação de insolvência declarada entre a data de entrada em vigor desta última directiva e a data do termo do seu prazo de transposição, garantir uma aplicação dessa legislação nacional conforme ao princípio da não discriminação, como reconhecido pela ordem jurídica comunitária.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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