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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62006CJ0306

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 3 de Abril de 2008.
    01051 Telecom GmbH contra Deutsche Telekom AG.
    Pedido de decisão prejudicial: Oberlandesgericht Köln - Alemanha.
    Directiva 2000/35/CE - Luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais - Artigo 3.º, n.º 1, alínea c), ii) - Atraso de pagamento - Transferência bancária - Data a partir da qual se deve considerar que o pagamento foi efectuado.
    Processo C-306/06.

    Colectânea de Jurisprudência 2008 I-01923

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2008:187

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    3 de Abril de 2008 ( *1 )

    «Directiva 2000/35/CE — Luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais — Artigo 3.o, n.o 1, alínea c), ii) — Atraso de pagamento — Transferência bancária — Data a partir da qual se deve considerar que o pagamento foi efectuado»

    No processo C-306/06,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Oberlandesgericht Köln (Alemanha), por decisão de 26 de Maio de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 14 de Julho de 2006, no processo

    01051 Telecom GmbH

    contra

    Deutsche Telekom AG,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: P. Jann, presidente de secção, A. Tizzano (relator), A. Borg Barthet, M. Ilešič e E. Levits, juízes,

    advogado-geral: M. Poiares Maduro,

    secretário: B. Fülöp, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 6 de Setembro de 2007,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da 01051 Telecom GmbH, por P. Schmitz, Rechtsanwalt,

    em representação da Deutsche Telekom AG, por M. Reuter, Rechtsanwalt,

    em representação do Governo alemão, por M. Lumma e A. Günther, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo checo, por T. Boček, na qualidade de agente,

    em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

    em representação do Governo finlandês, por A. Guimaraes-Purokoski, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por B. Schima, na qualidade de agente,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 18 de Outubro de 2007,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), ii), da Directiva 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais (JO L 200, p. 35).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a 01051 Telecom GmbH (a seguir «01051 Telecom») à Deutsche Telekom AG (a seguir «Deutsche Telekom») a propósito do pagamento de juros de mora reclamados devido a um alegado atraso de pagamento de facturas.

    Quadro jurídico

    Direito comunitário

    3

    A Directiva 2000/35 visa harmonizar certos aspectos das legislações dos Estados-Membros relativas à luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais.

    4

    O sétimo, nono, décimo e décimo sexto considerandos da referida directiva têm a seguinte redacção:

    «(7)

    Recaem sobre as empresas, particularmente as de pequena e média dimensão, pesados encargos administrativos e financeiros, em resultado de prazos de pagamento excessivamente longos e de atrasos de pagamento. Além disso, estes problemas são uma das principais causas de insolvência, ameaçando a sobrevivência das empresas e resultando na perda de numerosos postos de trabalho.

    […]

    (9)

    As diferenças entre as regras e práticas de pagamento nos Estados-Membros constituem um obstáculo ao adequado funcionamento do mercado interno.

    (10)

    Esse facto tem como consequência uma redução considerável das transacções comerciais entre Estados-Membros, o que está em contradição com o artigo 14.o do Tratado [CE], já que os empresários devem poder operar em todo o mercado interno em condições que lhes assegurem que as transacções transfronteiriças não envolvem maiores riscos que as operações nacionais. Verificar-se-iam distorções de concorrência, se fossem aplicadas regras substancialmente diferentes às transacções nacionais e às transacções transfronteiriças.

    […]

    (16)

    Os atrasos de pagamento constituem um incumprimento de contrato que se tornou financeiramente atraente para os devedores na maioria dos Estados-Membros, devido às baixas taxas de juro que se aplicam aos atrasos de pagamento e/ou à lentidão dos processos de indemnização. É necessária uma mudança decisiva, que inclua a compensação aos credores pelos custos incorridos, de modo a inverter esta tendência e garantir que as consequências dos atrasos de pagamento desincentivem os atrasos de pagamento.»

    5

    O artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) a c), da Directiva 2000/35 dispõe:

    «1.   Os Estados-Membros assegurarão que:

    a)

    Os juros calculados nos termos da alínea d) se vençam a partir do dia subsequente à data de pagamento, ou ao termo do prazo de pagamento, estipulados no contrato;

    b)

    Caso a data ou o prazo de pagamento não constem do contrato, os juros se vençam automaticamente, sem necessidade de novo aviso:

    i)

    30 dias após a data em que o devedor tiver recebido a factura ou um pedido equivalente de pagamento; ou

    ii)

    Se a data de recepção da factura ou do pedido equivalente de pagamento for incerta, 30 dias após a data de recepção dos bens ou da prestação dos serviços; ou

    iii)

    Se o devedor receber a factura ou o pedido equivalente de pagamento antes do fornecimento dos bens ou da prestação dos serviços, 30 dias após a recepção dos bens ou serviços; ou

    iv)

    Se na lei ou no contrato estiver previsto um processo de aceitação ou de verificação mediante o qual deva ser determinada a conformidade dos bens ou do serviço em relação ao contrato e se o devedor receber a factura ou o pedido equivalente de pagamento antes ou à data dessa aceitação ou verificação, 30 dias após a data dessa aceitação ou verificação;

    c)

    O credor tem direito a receber juros de mora desde que:

    i)

    Tenha cumprido as suas obrigações contratuais e legais; e

    ii)

    [não tenha recebido, à data do vencimento, o montante devido, a menos que] o atraso [não] seja imputável ao devedor».

    Direito nacional

    6

    O § 269 do Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch, a seguir «BGB») dispõe:

    «(1)   Quando o lugar da prestação não tiver sido determinado nem seja susceptível de o ser com base nas circunstâncias e, em especial, na natureza da obrigação, a prestação deve ser executada no lugar onde o devedor tinha domicílio ao tempo da constituição da dívida.

    (2)   Quando a obrigação se tenha constituído no âmbito do exercício de uma actividade comercial ou industrial do devedor e este tenha o seu estabelecimento comercial ou industrial em lugar diferente do seu domicílio, o lugar desse estabelecimento substitui o do domicílio.

    (3)   O facto de o devedor ter assumido as despesas de expedição não permite, por si só, concluir que o lugar para o qual a expedição deve ser realizada deva ser o da prestação.»

    7

    O § 270 do BGB tem a seguinte redacção:

    «(1)   Em caso de dúvida, o risco e as despesas efectuadas para entregar o dinheiro no domicílio do credor correm por conta do devedor.

    (2)   Quando o crédito se tiver constituído no âmbito de uma actividade comercial ou industrial do credor e este tenha o seu estabelecimento comercial ou industrial em lugar diferente do seu domicílio, o lugar desse estabelecimento substitui o do domicílio.

    (3)   Quando, na sequência de uma alteração de domicílio ou de estabelecimento comercial ou industrial pertencente ao credor, que tenha ocorrido após a constituição da dívida, aumentem as despesas ou os riscos de envio, o credor deve suportar as despesas a mais, no primeiro caso, e os riscos, no segundo.

    (4)   Mantêm-se inalteradas as disposições relativas ao lugar da execução da prestação.»

    8

    Na sua versão alterada a fim de transpor a Directiva 2000/35, o § 286 do BGB prevê:

    «(1)   Se o devedor não se liberar da sua obrigação após ter sido interpelado pelo credor para cumprir na sequência do vencimento desta, fica constituído em mora por efeito dessa interpelação. A propositura de uma acção destinada a obter a execução da prestação e a notificação de uma injunção de pagamento no âmbito do processo correspondente são equiparadas a essa interpelação.

    (2)   A interpelação é inútil quando

    1.

    a data da execução da prestação tiver sido fixada em função do calendário,

    2.

    a execução da prestação deva ser antecedida de um acontecimento preciso e tenha sido previsto um período adequado para realizar a prestação, de modo a que possa ser calculado em função do calendário a partir do referido acontecimento,

    3.

    o devedor se recuse séria e definitivamente a liberar-se da sua obrigação,

    4.

    a constituição em mora imediata se justifique por razões específicas e atendendo aos interesses das duas partes.

    (3)   O devedor de um crédito fica constituído em mora, o mais tardar, 30 dias após o vencimento e a recepção de uma factura ou de um pedido de pagamento equivalente, se não tiver pago anteriormente; isto só é válido para um devedor que também seja consumidor se a factura ou o pedido de pagamento contiver uma referência explícita a esta consequência. Se a data de recepção da factura ou do pedido de pagamento não for certa, o devedor, se não for consumidor, fica constituído em mora, o mais tardar, 30 dias após o vencimento e a recepção da contraprestação.

    (4)   O devedor não fica constituído em mora enquanto a prestação não for realizada devido a uma circunstância pela qual não é responsável.»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    9

    A 01051 Telecom e a Deutsche Telekom fornecem serviços de telecomunicações destinados ao público e aos exploradores de redes. A Deutsche Telekom oferece, além disso, serviços de facturação a outros operadores, como a 01051 Telecom.

    10

    Desde 1998, estas duas sociedades estão vinculadas por um acordo de interligação, em virtude do qual as partes se facturam reciprocamente as prestações fornecidas no âmbito desse acordo e calculam, com base no mesmo, os montantes devidos. Este acordo foi objecto de várias modificações. A versão de 26 de Junho de 2002 deste acordo, invocada por ambas as partes perante o órgão jurisdicional de reenvio, contém as cláusulas seguintes:

    «17.4 Vencimento

    Os créditos entre as partes contratantes vencem-se com a recepção da factura.

    O montante facturado deve ser transferido para a conta indicada na factura.

    17.5

    Atraso de pagamento

    O pagamento considera-se em atraso 30 dias após a data do vencimento e recepção da factura, caso ainda não tenha sido efectuada uma interpelação para pagar.

    Caso uma das partes contratantes se atrase no pagamento, é calculada a seguinte indemnização:

    juros de mora no valor de 8% sobre a taxa básica aplicável ao período do atraso de pagamento, nos termos do § 247 do [BGB];

    […]»

    11

    Em 2001, a 01051 Telecom e a Deutsche Telekom celebraram um contrato de facturação e cobrança dos créditos que prevê, no seu ponto 8, a cláusula seguinte:

    «A parte contratante pode, no dia 15 ou no último dia do mês civil, facturar à Deutsche Telekom os montantes líquidos reconhecidos como facturáveis pela Deutsche Telekom, acrescidos de [IVA], relativamente às prestações a esta fornecidas. O montante facturado deve ser creditado na conta indicada na factura ou compensado, o mais tardar, 30 dias após a recepção da mesma.»

    12

    No âmbito da acção que intentou em primeira instância no Landgericht Bonn, a 01051 Telecom defendeu a tese de que a cláusula constante do ponto 8 do contrato de facturação e cobrança dos créditos devia igualmente ser aplicada no âmbito do acordo de interligação. Por conseguinte, reclamou da Deutsche Telekom, para os casos em que continuava a ser devido um montante residual após a compensação realizada por esta última sociedade, o pagamento de juros de mora calculados relativamente a um período compreendido entre o trigésimo dia subsequente à recepção da factura em causa e a inscrição do montante devido na conta da 01051 Telecom.

    13

    O Landgericht Bonn julgou parcialmente procedente a acção referida, considerando que a prestação a cargo da Deutsche Telekom consistia não apenas em proceder à transferência do montante devido mas igualmente em creditá-lo na conta bancária da 01051 Telecom. Entendeu que esta conclusão decorre necessariamente do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), ii), da Directiva 2000/35, em virtude do qual o credor tem direito, em caso de atraso de pagamento, a exigir juros na medida em que «não tenha recebido» a tempo o montante devido. Contrariamente à interpretação predominante até aí na Alemanha, o que constitui um atraso de pagamento seria não a execução tardia da ordem de pagamento, mas o facto de o credor receber com atraso o montante devido.

    14

    A Deutsche Telekom recorreu da decisão do Landgericht Bonn para o Oberlandesgericht Köln, contestando a interpretação do tribunal de primeira instância. No seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, em princípio, segundo a interpretação jurisprudencial predominante na Alemanha, em caso de pagamento por transferência bancária, se considera que a prestação é realizada atempadamente quando, em primeiro lugar, a ordem de transferência tiver chegado ao estabelecimento financeiro do devedor antes do termo do prazo de pagamento, em segundo lugar, a conta do devedor tenha provisão ou disponha de uma linha de crédito em montante suficiente e, por último, esse estabelecimento financeiro aceitar a ordem de transferência no prazo referido.

    15

    O órgão jurisdicional de reenvio reconhece, todavia, que uma certa interpretação do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), ii), da Directiva 2000/35 pode conduzir a uma solução diferente. Em particular, a utilização nas versões alemã, inglesa e francesa desta directiva dos termos, respectivamente, «erhalten», «received» e «reçu» pode indicar que, para evitar um atraso de pagamento no sentido deste diploma, o montante devido deve ser inscrito na conta do credor antes do termo do prazo de pagamento.

    16

    Nestas circunstâncias, o Oberlandesgericht Köln decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Uma legislação nacional que estipula que, para que um pagamento efectuado por transferência bancária afaste a mora do devedor ou lhe ponha termo, não é determinante a data em que a quantia é creditada na conta bancária do credor, mas sim o momento em que a ordem de transferência foi dada pelo devedor, desde que o devedor disponha de saldo suficiente na conta ou de uma linha de crédito correspondente, e a ordem tenha sido aceite pelo banco, é compatível com o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), ii), da Directiva 2000/35[…]?»

    Quanto à questão prejudicial

    17

    Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, em que momento se pode considerar que um pagamento por transferência bancária foi efectuado atempadamente no âmbito de uma transacção comercial, excluindo assim que o crédito possa dar lugar à cobrança de juros de mora na acepção do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), ii), da Directiva 2000/35.

    18

    A 01051 Telecom, o Governo checo e a Comissão das Comunidades Europeias sustentam que resulta quer dos trabalhos preparatórios e da redacção da Directiva 2000/35 quer da finalidade desta última que há um atraso de pagamento quando o credor não recebeu o montante devido nos prazos fixados, isto é, em caso de transferência bancária, quando este montante não é inscrito na conta do credor ao expirar o prazo de pagamento. A data na qual o montante devido é creditado na conta do credor seria, portanto, o momento decisivo para determinar se este último tem o direito de exigir o pagamento de juros de mora.

    19

    Em contrapartida, a Deutsche Telekom assim como os Governos alemão, austríaco e finlandês alegam, principalmente, que a Directiva 2000/35 estabelece apenas exigências mínimas em matéria da luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, reconhecendo, no âmbito deste objectivo, uma importante margem de manobra às legislações dos Estados-Membros. Indicam que, em particular, o artigo 3.o desta directiva deixa ao cuidado destes últimos a determinação do momento em que se deve considerar que um pagamento por transferência bancária foi efectuado a tempo, prevendo apenas, na falta de acordo contratual, em que condições e em que prazos os juros de mora podem ser reclamados.

    20

    Neste contexto, uma interpretação que exija que o devedor efectue a sua transferência numa instituição financeira nos prazos previstos estabeleceria um equilíbrio adequado entre os interesses do credor e os do devedor, tendo designadamente em conta o facto de que o tempo necessário para a execução de uma ordem de transferência depende do tratamento da transacção pelos bancos e não da acção do devedor. Nestas condições, não seria razoável que a responsabilidade por eventuais atrasos devidos aos prazos de tratamento das transacções bancárias viesse a recair sobre um devedor que agiu de boa fé ao efectuar a sua transferência a tempo, ou seja, antes de expirar o prazo de pagamento.

    21

    A fim de responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, deve recordar-se, a título liminar, que, como assinalam a Deutsche Telekom assim como os Governos alemão, austríaco e finlandês, a directiva não procede a uma harmonização completa do conjunto das regras relativas aos atrasos de pagamento nas transacções comerciais, mas estabelece certas regras específicas na matéria. Entre elas figuram, como o Tribunal de Justiça já declarou, as regras relativas aos juros de mora (v., neste sentido, acórdão de 26 de Outubro de 2006, Comissão/Itália, C-302/05, Colect., p. I-10597, n.o 23).

    22

    A este respeito, após ter estabelecido, no artigo 3.o, n.o 1, alínea b), i), um prazo de pagamento de 30 dias aplicável na falta de acordo contratual, a Directiva 2000/35 prevê no mesmo número, alínea c), ii), que o credor tem direito a juros de mora desde que «[não tenha recebido, à data do vencimento, o montante devido, a menos que] o atraso [não] seja imputável ao devedor».

    23

    Assim, resulta explicitamente do teor desta última disposição que o pagamento do devedor é efectuado com atraso, para efeitos da exigibilidade de juros de mora, quando o credor não dispõe do montante devido à data do vencimento. Ora, em caso de pagamento efectuado por transferência bancária, apenas a inscrição do montante devido na conta do credor permitirá a este último dispor do referido montante.

    24

    Esta interpretação é corroborada pelas diferentes versões linguísticas da Directiva 2000/35, que se referem, de modo inequívoco, a uma recepção do montante devido no prazo de pagamento. Este é o caso, em particular, dos termos «erhalten», «received», «reçu» e «ricevuto», que figuram, respectivamente, nas versões em língua alemã, inglesa, francesa e italiana da Directiva 2000/35.

    25

    De resto, resulta claramente dos trabalhos preparatórios da referida directiva que a escolha do termo «reçu» não foi fortuita, mas resultou de uma decisão deliberada do legislador comunitário. Com efeito, como sublinha a Comissão, no decurso das discussões que precederam a adopção desta directiva no seio do Conselho da União Europeia, este termo foi finalmente escolhido entre várias outras expressões menos precisas para a determinação do momento a partir do qual um pagamento deve ser considerado como executado dentro dos prazos estabelecidos no âmbito de uma transacção comercial.

    26

    Além disso, a interpretação nos termos da qual a inscrição do montante devido na conta do credor é o critério determinante do pagamento, na medida em que toma por base o momento em que o montante devido é, de forma certa, colocado à disposição deste credor, é conforme com o principal objectivo prosseguido pela Directiva 2000/35, como resulta, em particular, do seu sétimo e décimo sexto considerandos, a saber, a protecção dos detentores de créditos financeiros.

    27

    Por último, importa acrescentar que esta leitura do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), ii), da referida directiva parece ser confirmada pela interpretação adoptada pelo Tribunal de Justiça noutros domínios do direito comunitário. Assim, como a 01051 Telecom assinala, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a inscrição na conta dos recursos próprios das Comunidades Europeias constitui o critério determinante para apurar se um Estado-Membro, que devia colocar à disposição da Comissão uma soma em dinheiro, não cumpriu as suas obrigações e se, por conseguinte, está obrigado a pagar juros de mora (v., neste sentido, acórdão de 12 de Junho de 2003, Comissão/Itália, C-363/00, Colect., p. I-5767, n.os 42, 43 e 46).

    28

    Portanto, o momento determinante para apreciar se, no âmbito de uma transacção comercial, se pode considerar que um pagamento por transferência bancária foi efectuado atempadamente, excluindo assim que o crédito possa dar lugar à cobrança de juros de mora no sentido da referida disposição, é a data em que o montante devido é inscrito na conta do credor.

    29

    Esta conclusão não é posta em causa pela argumentação aduzida, em particular, pelo Governo finlandês, de que tal interpretação do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), ii), da Directiva 2000/35 faz recair sobre o devedor, de forma não razoável, o risco relativo aos prazos de tratamento das transacções bancárias.

    30

    A este respeito, basta constatar que a referida disposição prevê precisamente, in fine, que o devedor não deve ser responsabilizado por atrasos que não lhe sejam imputáveis. Por outras palavras, a própria Directiva 2000/35 exclui o pagamento de juros de mora nos casos em que o atraso de pagamento não é consequência do comportamento do devedor, que cumpriu diligentemente os prazos normalmente necessários à execução de uma transferência bancária.

    31

    De resto, como observa o Governo checo, no âmbito das transacções comerciais é corrente que as disposições regulamentares ou contratuais fixem os prazos necessários à execução das transferências bancárias, de modo que um devedor está em condições de prever tais prazos e de evitar, deste modo, a aplicação de juros de mora.

    32

    Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), ii), da Directiva 2000/35 deve ser interpretado no sentido de que exige, para que um pagamento por transferência bancária evite ou ponha termo à aplicação de juros de mora, que o montante devido esteja inscrito na conta do credor à data do vencimento.

    Quanto às despesas

    33

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

     

    O artigo 3.o, n.o 1, alínea c), ii), da Directiva 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, deve ser interpretado no sentido de que exige, para que um pagamento por transferência bancária evite ou ponha termo à aplicação de juros de mora, que o montante devido esteja inscrito na conta do credor à data do vencimento.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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