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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62006CJ0507

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 21 de Fevereiro de 2008.
    Malina Klöppel contra Tiroler Gebietskrankenkasse.
    Pedido de decisão prejudicial: Oberlandesgericht Innsbruck - Áustria.
    Direito ao subsídio por licença parental austríaco - Períodos susceptíveis de conferir o direito a prestações familiares noutro Estado-Membro não tomados em consideração - Regulamento (CEE) n.º 1408/71.
    Processo C-507/06.

    Colectânea de Jurisprudência 2008 I-00943

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2008:110

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

    21 de Fevereiro de 2008 ( *1 )

    «Direito ao subsídio por licença parental austríaco — Períodos susceptíveis de conferir o direito a prestações familiares noutro Estado-Membro não tomados em consideração — Regulamento (CEE) n.o 1408/71»

    No processo C-507/06,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Oberlandesgericht Innsbruck (Áustria), por decisão de 30 de Novembro de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 13 de Dezembro de 2006, no processo

    Malina Klöppel

    contra

    Tiroler Gebietskrankenkasse,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

    composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, L. Bay Larsen, K. Schiemann (relator), P. Kūris e C. Toader, juízes,

    advogado-geral: P. Mengozzi,

    secretário: R. Grass,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de M. Klöppel, por D. Rief,

    em representação da Tiroler Gebietskrankenkasse, por A. Bramböck, na qualidade de agente,

    em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

    em representação do Governo italiano por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por W. Ferrante, avvocato dello Stato,

    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por V. Kreuschitz, na qualidade de agente,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 3.o e 72.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1386/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Junho de 2001 (JO L 187, p. 1, a seguir «Regulamento n.o 1408/71»), e do artigo 10.o-A do Regulamento (CEE) n.o 574/72 do Conselho, de 21 de Março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.o 1408/71, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento n.o 118/97, alterado pelo Regulamento (CE) n.o 410/2002 da Comissão, de 27 de Fevereiro de 2002 (JO L 62, p. 17, a seguir «Regulamento n.o 574/72»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe M. Klöppel à Tiroler Gebietskrankenkasse e que tem por objecto a duração do período durante o qual a interessada pode beneficiar, na Áustria, do subsídio por licença parental.

    Quadro jurídico

    Regulamentação comunitária

    3

    Nos termos do artigo 3.o do Regulamento n.o 1408/71, intitulado «Igualdade de tratamento»:

    «1.   As pessoas que residem no território de um dos Estados-Membros e às quais se aplicam as disposições do presente regulamento estão sujeitas às obrigações e beneficiam da legislação de qualquer Estado-Membro, nas mesmas condições que os nacionais deste Estado, sem prejuízo das disposições especiais constantes do presente regulamento.

    […]»

    4

    O artigo 4.o do Regulamento n.o 1408/71, intitulado «Âmbito de aplicação material», enuncia:

    «1.   O presente regulamento aplica-se a todas as legislações relativas aos ramos de segurança social que respeitam a:

    […]

    h)

    Prestações familiares.

    […]»

    5

    O artigo 72.o do Regulamento n.o 1408/71, intitulado «Totalização dos períodos de seguro, de emprego ou de residência», dispõe:

    «A instituição competente de um Estado-Membro cuja legislação subordine a aquisição do direito às prestações ao cumprimento de períodos de seguro, de emprego ou de actividade não assalariada terá em conta para este efeito, na medida do necessário, os períodos de seguro, de emprego ou de actividade não assalariada cumpridos no território de qualquer outro Estado-Membro, como se se tratasse de períodos cumpridos ao abrigo da legislação por ela aplicada.»

    6

    Nos termos do artigo 10.o-A do Regulamento n.o 574/72 intitulado «Regras aplicáveis quando [o] trabalhador assalariado ou não assalariado estiver sucessivamente sujeito à legislação de vários Estados-Membros no decurso de um mesmo período ou parte de um período»:

    «Se um trabalhador assalariado ou não assalariado tiver estado sucessivamente sujeito à legislação de dois Estados-Membros no decurso do período que separa dois vencimentos tais como estão previstos na legislação de um ou de dois Estados-Membros em causa para a concessão das prestações familiares ou abonos de família, são aplicáveis as seguintes regras:

    a)

    As prestações familiares que o interessado pode exigir em virtude de estar sujeito à legislação de cada um daqueles Estados correspondem ao número de prestações diárias devidas em aplicação da legislação considerada. Se essas legislações não previrem prestações diárias, as prestações familiares são concedidas na proporção da duração do período em que o interessado esteve sujeito à legislação de cada um dos Estados-Membros, em relação ao período fixado pela legislação em causa;

    b)

    Quando as prestações familiares tiverem sido concedidas por uma instituição durante um período em que deviam ter sido concedidas por outra instituição, procede-se à compensação entre estas instituições;

    […]»

    Legislação austríaca

    7

    O § 5 da Lei relativa ao subsídio por licença parental (Kinderbetreuungsgeldgesetz), de 8 de Agosto de 2001 (BGBl. I, 103/2001, a seguir «KBGG»), dispõe:

    «1.   O subsídio por licença parental é devido, no máximo, até o filho completar 36 meses de vida, salvo o disposto nos números seguintes.

    2.   Se apenas um dos progenitores recebe o subsídio por licença parental, este é devido, no máximo, até o filho completar 30 meses de vida. Se o segundo progenitor também recebe o subsídio por licença parental, o direito ao subsídio é prolongado para além do trigésimo mês de vida do filho até ser completado o período para o qual o segundo progenitor pede a atribuição desse subsídio, sem no entanto poder exceder os 36 meses de idade do filho.

    3.   O subsídio por licença parental pode ser recebido pelos dois progenitores alternadamente, podendo a troca ser efectuada duas vezes por filho. […]»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    8

    M. Klöppel, cidadã alemã e funcionária do Land da Renânia do Norte-Vestefália, reside na Áustria e trabalha como professora num liceu na Alemanha. Residiu na Alemanha até 18 de Agosto de 2004 onde, em 11 de Abril de 2004, nasceu a sua filha. C. Kraler, cidadão austríaco, companheiro de M. Klöppel e pai desta criança, passou a residir a partir de 1 de Março de 2004 no domicílio da interessada para lhe dar apoio antes do parto e para tomar conta da referida criança depois do seu nascimento. Para isso, foi-lhe concedida pela Universidade de Innsbruck, sua empregadora na Áustria, uma licença sem vencimento. Pelo seu lado, foi concedida a M. Klöppel uma licença a tempo completo e sem vencimento entre 22 de Julho de 2004 e 10 de Abril de 2007.

    9

    Após o nascimento da sua filha, foi atribuído a M. Klöppel e C. Kraler, que então viviam na Alemanha, um subsídio de educação pago por este Estado-Membro, tendo C. Kraler, por seu lado, recebido este subsídio durante o período compreendido entre 11 de Abril e 11 de Agosto de 2004.

    10

    Em 18 de Agosto de 2004, M. Klöppel e C. Kraler, acompanhados da sua filha, instalaram-se na Áustria onde C. Kraler retomou a sua actividade profissional.

    11

    A partir desta data e até 11 de Outubro de 2006, M. Klöppel beneficiou do subsídio por licença parental austríaco. O seu pedido de prorrogação deste direito até 10 de Abril de 2007 foi indeferido por decisão da Tiroler Gebietskrankenkasse de 3 de Maio de 2006. Este indeferimento baseou-se no § 5, n.o 2, da KBGG, que prevê que, quando um único progenitor recebe o subsídio por licença parental, este é devido no máximo durante os 30 meses que se seguem ao nascimento da criança em causa, mas que, se o segundo progenitor também receber este subsídio (ou o tiver recebido), o direito a este último pode ser reconhecido durante 36 meses, beneficiando os progenitores alternadamente do referido subsídio. O facto de C. Kraler ter recebido o subsídio de educação na Alemanha entre 11 de Abril e 11 de Agosto de 2004 não foi, no entanto, tomado em consideração na análise do direito de M. Klöppel ao subsídio por licença parental durante um período de 36 meses.

    12

    M. Klöppel interpôs recurso desta decisão.

    13

    O Landesgericht Innsbruck considerou procedente a argumentação da Tiroler Gebietskrankenkasse e negou provimento ao recurso de M. Klöppel, considerando que esta só tinha direito ao subsídio por licença parental durante 30 meses.

    14

    Tendo M. Klöppel interposto recurso desta decisão, o Oberlandesgericht Innsbruck decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «O artigo 72.o do Regulamento […] n.o 1408/71 […], conjugado com o artigo 3.o do mesmo regulamento e com o artigo 10.o-A do Regulamento […] n.o 574/72 […], deve ser interpretado no sentido de que os períodos em que são recebidas prestações familiares num Estado-Membro [neste caso na Alemanha, o subsidio para licença parental (Bundeserziehungsgeld)] devem ser tratados em pé de igualdade para efeitos da aquisição do direito a uma prestação comparável noutro Estado-Membro [neste caso a Áustria, o subsídio para licença parental (Kinderbetreuungsgeld)] e de que esses períodos devem, portanto, ser equiparados a períodos susceptíveis de conferir o direito à prestação no segundo Estado-Membro, no caso de os dois progenitores terem, durante esses períodos, a qualidade de trabalhadores assalariados, na acepção do artigo 1.o, alínea a), i), do Regulamento n.o 1408/71?»

    Quanto à questão prejudicial

    15

    O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, na situação de M. Klöppel, os períodos de referência tomados em consideração para a aquisição do direito ao subsídio por licença parental são apreciados de forma diversa consoante tenham sido cumpridos na Áustria ou noutro Estado-Membro. Deste modo, se C. Kraler tivesse assumido a guarda da sua filha na Áustria e tivesse recebido, a esse título, o subsídio por licença parental nesse Estado-Membro, M. Klöppel podia ter direito ao referido subsídio durante um período mais longo. É neste contexto e depois de ter constatado que a situação de M. Klöppel é abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1408/71 que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as disposições deste regulamento devem ser interpretadas no sentido de que os períodos em que são recebidos abonos de família na Alemanha devem ser equiparados aos períodos susceptíveis de conferir o direito às prestações comparáveis na Áustria.

    16

    A este respeito, há que salientar em primeiro lugar que, como alega o Governo austríaco, o direito comunitário não prejudica a competência dos Estados-Membros para organizarem os seus sistemas de segurança social e que, não havendo harmonização a nível comunitário, cabe à legislação de cada Estado-Membro determinar as condições de atribuição das prestações de segurança social e o montante e a duração da atribuição destas. No entanto, no exercício desta competência, os Estados-Membros devem respeitar o direito comunitário e, em especial, as disposição do Tratado CE relativas à livre circulação dos trabalhadores ou ainda à liberdade reconhecida a qualquer cidadão da União Europeia de circular e de permanecer no território dos Estados-Membros (acórdão de 23 de Novembro de 2000, Elsen, C-135/99, Colect., p. I-10409, n.o 33).

    17

    O princípio da não discriminação, nos termos em que se encontra consagrado no artigo 39.o, n.o 2, CE, concretizado em matéria de segurança social dos trabalhadores migrantes no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71, proíbe não só as discriminações ostensivas, baseadas na nacionalidade dos beneficiários dos regimes de segurança social, mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que, por aplicação de outros critérios de distinção, conduzem de facto ao mesmo resultado (v. acórdão de 18 de Janeiro de 2007, Celozzi, C-332/05, Colect., p. I-563, n.os 13 e 23).

    18

    Assim, devem ser consideradas indirectamente discriminatórias as condições do direito nacional que, ainda que aplicáveis independentemente da nacionalidade, afectem essencialmente ou na sua grande maioria os trabalhadores migrantes, bem como as condições indistintamente aplicáveis que possam ser mais facilmente preenchidas pelos trabalhadores nacionais do que pelos trabalhadores migrantes ou ainda que possam actuar particularmente em detrimento destes últimos (acórdão Celozzi, já referido, n.o 24).

    19

    Ora, a recusa de tomar em consideração, para efeitos da atribuição do subsídio por licença parental austríaco a M. Klöppel, o período durante o qual o companheiro da interessada, C. Kraler, beneficiou de uma prestação comparável na Alemanha é susceptível de conduzir a esse resultado quando, em regra geral, são os trabalhadores oriundos de outros Estados-Membros que beneficiavam, antes da sua mudança para a Áustria, de prestações familiares pagas nesses outros Estados.

    20

    Há que referir que o Tribunal de Justiça não dispõe de elementos que lhe permitam analisar a eventual justificação dessa diferença de tratamento em detrimento dos trabalhadores migrantes.

    21

    Na medida em que a interpretação do artigo 3.o do Regulamento n.o 1408/71 é suficiente, por si só, para fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio os elementos de resposta necessários para que este possa solucionar o litígio que lhe foi submetido, não é necessário que o Tribunal de Justiça interprete o artigo 72.o o do Regulamento n.o 1408/71 nem o artigo 10.o-A do Regulamento n.o 574/72.

    22

    Atendendo às considerações expostas, há que responder à questão colocada que o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71 se opõe a que um Estado-Membro não permita tomar em consideração, para efeitos da atribuição do direito a uma prestação familiar como o subsídio por licença parental austríaco, o período em que são recebidas prestações comparáveis noutro Estado-Membro como se esse período tivesse sido cumprido no seu próprio território.

    Quanto às despesas

    23

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

     

    O artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996, alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1386/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Junho de 2001, opõe-se a que um Estado-Membro não permita tomar em consideração, para efeitos da atribuição do direito a uma prestação familiar como o subsídio por licença parental austríaco, o período em que são recebidas prestações comparáveis noutro Estado-Membro como se este período tivesse sido cumprido no seu próprio território.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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