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Documento 62006CJ0080

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 7 de Junho de 2007.
    Carp Snc di L. Moleri e V. Corsi contra Ecorad Srl.
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunale ordinario di Novara - Itália.
    Directiva 89/106/CE - Produtos de construção - Processo de comprovação da conformidade - Decisão 1999/93/CE da Comissão - Efeito directo horizontal - Exclusão.
    Processo C-80/06.

    Colectânea de Jurisprudência 2007 I-04473

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2007:327

    Processo C‑80/06

    Carp Snc di L. Moleri e V. Corsi

    contra

    Ecorad Srl

    (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale ordinario di Novara)

    «Directiva 89/106/CE – Produtos de construção – Processo de comprovação da conformidade – Decisão 1999/93/CE da Comissão – Efeito directo horizontal – Exclusão»

    Conclusões da advogada‑geral C. Trstenjak apresentadas em 29 de Março de 2007 

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 7 de Junho de 2007 

    Sumário do acórdão

    Aproximação das legislações – Produtos de construção – Directiva 89/106

    (Artigo 249.° CE; Directiva 89/106 do Conselho, artigo 13.°, n.° 4; Decisão 1999/93 da Comissão, artigos 2.° a 4.° e anexos II e III)

    Um particular não pode invocar contra outro particular, no âmbito de um litígio em matéria de responsabilidade contratual, a violação das disposições dos artigos 2.° e 3.° e dos anexos II e III da Decisão 1999/93, relativa ao processo de comprovação da conformidade de produtos de construção, nos termos do artigo 20.°, n.° 2, da Directiva 89/106 no que respeita às portas, janelas, portadas, persianas, portões e respectivas ferragens.

    Com efeito, a Decisão 1999/93 foi adoptada com base no artigo 13.°, n.° 4, da Directiva 89/106 e é dirigida aos Estados‑Membros. Constitui um acto de alcance geral que especifica os tipos de processo de comprovação da conformidade aplicáveis às portas, janelas, portadas, persianas, portões e respectivas ferragens e confere poderes ao Comité Europeu de Normalização/Comité Europeu de Normalização Electrotécnica (CEN/Cenelec) para especificar o seu conteúdo nas normas harmonizadas pertinentes, que serão posteriormente transpostas pelos organismos de normalização de cada Estado‑Membro. Nos termos do artigo 249.° CE, a Decisão 1999/93 só é obrigatória para os Estados‑Membros que, por força do artigo 4.°, são os seus únicos destinatários.

    (cf. n.os 21, 22, disp.)







    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    7 de Junho de 2007 (*)

    «Directiva 89/106/CE – Produtos de construção – Processo de comprovação da conformidade – Decisão 1999/93/CE da Comissão – Efeito directo horizontal – Exclusão»

    No processo C‑80/06,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Tribunale ordinario di Novara (Itália), por decisão de 5 de Janeiro de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 10 de Fevereiro de 2006, no processo

    Carp Snc di L. Moleri e V. Corsi

    contra

    Ecorad Srl,

    sendo interveniente:

    Associazione Nazionale Artigiani Legno e Arredamento,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: A. Rosas, presidente de secção, J. N. Cunha Rodrigues, U. Lõhmus, A. Ó Caoimh e P. Lindh (relator), juízes,

    advogada‑geral: V. Trstenjak,

    secretário: L. Hewlett, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 25 de Janeiro de 2007,

    vistas as observações apresentadas:

    –       em representação da Carp Snc di L. Moleri e V. Corsi e da Associazione Nazionale Artigiani Legno e Arredamento, por F. Capelli e M. Ughetta, avvocati,

    –       em representação da Ecorad Srl, por E. Adobati, avvocato,

    –       em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

    –       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Recchia e D. Lawunmi, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 29 de Março de 2007,

    profere o presente

    Acórdão

    1       O pedido de decisão prejudicial diz respeito à interpretação, à invocabilidade e à validade dos artigos 2.° e 3.° e dos anexos II e III da Decisão 1999/93/CE da Comissão, de 25 de Janeiro de 1999, relativa ao processo de comprovação da conformidade de produtos de construção, nos termos do artigo 20.°, n.° 2, da Directiva 89/106/CEE do Conselho, no que respeita às portas, janelas, portadas, persianas, portões e respectivas ferragens (JO L 29, p. 51).

    2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Carp Snc di L. Moleri e V. Corsi (a seguir «Carp») à Ecorad Srl (a seguir «Ecorad»), relativo a um contrato de venda de portas equipadas de puxadores denominados «antipânico».

     Quadro jurídico

     Directiva 89/106/CEE

    3       A Directiva 89/106/CE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros no que respeita aos produtos de construção (JO 1989, L 40, p. 12), na redacção dada pela Directiva 93/68/CEE do Conselho, de 22 de Julho de 1993 (JO L 220, p. 1, a seguir «Directiva 89/106»), tem por objectivo, designadamente, eliminar os entraves à livre circulação dos produtos de construção. Por força do seu artigo 1.°, n.° 1, aplica‑se a produtos de construção na medida em que lhes digam respeito os requisitos essenciais a satisfazer pelas obras nos termos do n.° 1 do artigo 3.° da mesma directiva.

    4       O artigo 4.°, n.° 2, dessa directiva prevê que os Estados‑Membros presumirão que são aptos para o fim a que se destinam os produtos que permitam que as obras em que são utilizados satisfaçam os requisitos essenciais quando estejam munidos da marca CE. Essa marca indica a conformidade do produto com as normas nacionais que transpõem as normas harmonizadas, com uma aprovação técnica europeia e com as especificações técnicas nacionais referidas no n.° 3 do mesmo artigo, na medida em que não existam especificações harmonizadas.

    5       O artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 89/106 estabelece que os Estados‑Membros não podem levantar obstáculos à livre circulação, à introdução no mercado e à utilização no seu território de produtos que satisfaçam as disposições da referida directiva.

    6       Nos termos do artigo 13.°, n.° 1, da Directiva 89/106, o responsável pela certificação da conformidade de um produto com os requisitos de uma especificação técnica, na acepção do artigo 4.° da referida directiva, é o fabricante ou o seu mandatário estabelecido na Comunidade. O n.° 2 desse artigo prevê que os produtos que forem objecto de um certificado de conformidade beneficiarão da presunção da conformidade com as especificações técnicas. Esta conformidade é verificada através de ensaios ou outras provas com base nas especificações técnicas, nos termos do anexo III.

    7       O artigo 13.°, n.os 3 e 4, da Directiva 89/106 dispõe:

    «3. O certificado da conformidade de um produto pressupõe:

    a)      Que o fabricante disponha de um sistema de controlo de produção na fábrica, por forma a assegurar a conformidade da produção com as especificações técnicas pertinentes;

    ou

    b)      para além de um sistema de controlo de produção na fábrica, no caso de determinados produtos mencionados nas especificações técnicas pertinentes, a intervenção de um organismo de certificação aprovado na apreciação e vigilância do controlo de produção ou do próprio produto.

    4. A escolha do processo, na acepção do n.° 3, para um determinado produto ou família de produtos será especificada pela Comissão, após consulta ao comité previsto no artigo 19.°, de acordo com as especificidades previstas no anexo III, em função:

    a)      Da importância do produto no que se refere aos requisitos essenciais, em especial os relacionados com a saúde e segurança;

    b)      Da natureza do produto;

    c)      Da inflûencia da variação das características do produto na sua funcionalidade;

    d)      Das probabilidades de ocorrência de defeitos no fabrico do produto.

    Será sempre dada preferência ao processo menos oneroso compatível com a segurança.

    O processo assim escolhido deve ser indicado nos mandatos e nas especificações técnicas ou na respectiva publicação.»

    8       O artigo 14.° da Directiva 89/106 dispõe:

    «1. De acordo com o anexo III, os processos descritos darão origem:

    a)      No caso referido no n.° 3, alínea a), do artigo 13.°, à emissão de uma declaração da conformidade para o produto pelo fabricante, ou seu mandatário estabelecido na Comunidade;

    ou

    b)      No caso referido no n.° 3, alínea b), do artigo 13.°, à emissão por um organismo de certificação aprovado de um certificado da conformidade para um sistema de controlo e vigilância da produção ou para o próprio produto.

    As regras pormenorizadas para a aplicação dos processos de certificação da conformidade encontram‑se no anexo III.

    2. A declaração da conformidade do fabricante ou o certificado da conformidade autorizam o fabricante, ou o seu mandatário estabelecido na Comunidade, a apor a correspondente marca ‘CE’ no próprio produto, num rótulo aplicado ao produto, na sua embalagem, ou nos documentos comerciais que o acompanham. No anexo III encontram‑se o modelo da marca ‘CE’ e as regras para a sua utilização no caso dos diferentes processos de certificação da conformidade.»

     Decisão 1999/93

    9       A Comissão adoptou a Decisão 1999/93 para definir os processos de comprovação da conformidade das portas, janelas, portadas, persianas, portões e respectivas ferragens.

    10     Nos termos do artigo 1.° dessa decisão, os produtos e famílias de produtos referidos no seu anexo I são submetidos a um processo de comprovação da conformidade em que o fabricante é o único responsável por um sistema de controlo de produção na fábrica. O artigo 2.° dessa decisão estabelece que o processo de comprovação da conformidade dos produtos referidos no anexo II são considerados conformes através não só de um sistema de controlo mas também de um processo em que se verifique a intervenção de um organismo de certificação aprovado na avaliação e no acompanhamento do controlo de produção ou do próprio produto.

    11     O anexo II da Decisão 1999/93 abrange os seguintes produtos:

    «Portas e portões (incluindo ou não as respectivas ferragens):

    –       para utilização na compartimentação de confinamento de incêndios ou fumos e em caminhos de evacuação.

    [...]

    Ferragens para portas e portões:

    –       para utilização na compartimentação de confinamento de incêncios ou fumos e em caminhos de evacuação.»

    12     O artigo 3.° da Decisão 1999/93 estabelece que o processo de comprovação da conformidade, nos termos do disposto no anexo III da referida decisão, é indicado nos mandatos relativos às normas harmonizadas. Esse anexo III confere poderes ao Comité Europeu de Normalização/Comité Europeu de Normalização Electrotécnica (CEN/Cenelec) para especificar os sistemas de comprovação da conformidade nas normas harmonizadas pertinentes. Relativamente às portas, portões e respectivas ferragens destinadas à utilização na compartimentação de confinamento de incêndios ou fumos e em caminhos de evacuação, o anexo III da Decisão 1999/93 exige assim que se recorra ao processo de comprovação da conformidade por um organismo de certificação aprovado nos termos do n.° 2, alínea i) do anexo III da Directiva 89/106.

    13     É entendimento pacífico que, à data dos factos do litígio no processo principal, ainda não existia uma norma harmonizada relativa às portas exteriores susceptíveis de serem equipadas de puxadores antipânico.

     Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    14     Em Abril de 2005, a Ecorad confiou à Carp o fornecimento e a colocação de três portas exteriores equipadas de puxadores antipânico. Na sequência da instalação da primeira porta, a Ecorad considerou, em Maio de 2005, que o produto instalado não estava em conformidade com a regulamentação comunitária, dado que a Carp não dispunha de um certificado de conformidade emitido por um organismo de certificação aprovado referido na Decisão 1999/93 (ou «sistema de certificação n.° 1»). Por conseguinte, a Ecorad recusou cumprir as suas obrigações contratuais.

    15     A Carp intentou então uma acção perante o Tribunale ordinario di Novara para obter uma indemnização do prejuízo sofrido. No âmbito desse litígio, a Ecorad invoca a não conformidade do objecto vendido com a regulamentação comunitária e, a esse respeito, a violação pela Carp das disposições da Decisão 1999/93.

    16     No seu despacho, o Tribunale ordinario di Novara considera que o litígio requer a interpretação da Decisão 1999/93 e interroga‑se sobre a sua validade, no pressuposto de que é directamente aplicável.

    17     Nestas condições, o Tribunale ordinario di Novara decidiu sobrestar na decisão e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)      Os artigos 2.° e 3.° e os anexos II e III da Decisão 1999/93/CE devem ser interpretados no sentido de que excluem que as portas destinadas a ser equipadas com puxadores antipânico possam ser fabricadas por operadores (serralheiros) que não possuem os requisitos impostos pelo sistema de comprovação da conformidade n.° 1?

    2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, as disposições previstas nos artigos 2.° e 3.° e nos anexos II e III da Decisão 1999/93/CE, independentemente da adopção das normas técnicas pelo Comité Europeu de Normalização (CEN), são juridicamente vinculativas, a partir da data de entrada em vigor da referida decisão, no que se refere ao tipo de processo de comprovação da conformidade que deve ser observado pelos construtores (serralheiros) de portas destinadas a ser equipadas com puxadores antipânico?

    3)      Os artigos 2.° e 3.° e os anexos II e III da Decisão 1999/93/CE devem ser considerados nulos por violarem o princípio da proporcionalidade na medida em que obrigam todos os produtores a observar o processo de comprovação da conformidade n.° 1 para poderem apor a marca CE nas próprias portas equipadas com puxadores antipânico (atribuindo à CEN a incumbência de aprovar as normas técnicas correspondentes)?»

     Quanto às questões prejudiciais

    18     A análise das primeira e terceira questões, relativas, respectivamente, à interpretação e à validade da Decisão 1999/93, pressupõe uma resposta positiva à segunda questão, através da qual o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se essa decisão produz efeitos juridicamente vinculativos. Há, porém, que analisar se essa decisão pode ser invocada num litígio entre particulares.

    19     Quanto a este ponto, a Carp considera que a Decisão 1999/93 não produz actualmente efeitos que a vinculem juridicamente, uma vez que não é sua destinatária. A Ecorad considera, pelo contrário, que tem o direito de invocar essa decisão no litígio no processo principal.

    20     A este respeito, e sem que seja necessário analisar previamente a Decisão 1999/93, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, uma directiva não pode, por si só, criar obrigações para um particular e não pode, portanto, ser invocada, enquanto tal, contra ele. Daqui se conclui que mesmo uma disposição clara, precisa e incondicional de uma directiva que tem por objecto conferir direitos ou impor obrigações aos particulares não pode ser aplicada enquanto tal no âmbito de um litígio que envolva exclusivamente particulares (acórdãos de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall, 152/84, Colect., p. 723, n.° 48; de 14 de Julho de 1994, Faccini Dori, C‑91/92, Colect., p. I‑3325, n.° 20; de 7 de Março de 1996, El Corte Inglés, C‑192/94, Colect., p. I‑1281, n.os 6 e 17; de 7 de Janeiro de 2004, Wells, C‑201/02, Colect., p. I‑723, n.° 56; e de 5 de Outubro de 2004, Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, Colect., p. I‑8835, n.os 108 e 109).

    21     A Decisão 1999/93 foi adoptada com base no artigo 13.°, n.° 4, da Directiva 89/106 e é dirigida aos Estados‑Membros. Constitui um acto de alcance geral que especifica os tipos de processo de comprovação da conformidade aplicáveis às portas, janelas, portadas, persianas, portões e respectivas ferragens e confere poderes ao CEN/Cenelec para especificar o seu conteúdo nas normas harmonizadas pertinentes, que serão posteriormente transpostas pelos organismos de normalização de cada Estado‑Membro. Nos termos do artigo 249.° CE, a Decisão 1999/93 só é obrigatória para os Estados‑Membros que, por força do artigo 4.°, são os seus únicos destinatários. Nestas circunstâncias, as considerações tecidas pela jurisprudência recordada no número precedente a respeito das directivas aplicam‑se, mutatis mutandis, em relação à possibilidade de invocar a referida decisão contra um particular.

    22     Importa assim responder à segunda questão prejudicial que um particular não pode invocar contra outro particular, no âmbito de um litígio em matéria de responsabilidade contratual, a violação das disposições dos artigos 2.° e 3.° e dos anexos II e III da Decisão 1999/93.

    23     Tendo em conta esta resposta, não é necessário responder às primeira e terceira questões prejudiciais.

     Quanto às despesas

    24     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

    Um particular não pode invocar contra outro particular, no âmbito de um litígio em matéria de responsabilidade contratual, a violação das disposições dos artigos 2.° e 3.° e dos anexos II e III da Decisão 1999/93/CE da Comissão, de 25 de Janeiro de 1999, relativa ao processo de comprovação da conformidade de produtos de construção, nos termos do artigo 20.°, n.° 2, da Directiva 89/106/CEE do Conselho, no que respeita às portas, janelas, portadas, persianas, portões e respectivas ferragens.

    Assinaturas


    * Língua do processo: italiano.

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