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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62005CJ0254

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 7 de Junho de 2007.
    Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Bélgica.
    Incumprimento de Estado - Artigos 28.º CE e 30.º CE - Restrições quantitativas à importação - Medidas de efeito equivalente - Sistemas de detecção automática de incêndio por detector pontual - Exigência de conformidade com uma norma nacional - Procedimento nacional de aprovação.
    Processo C-254/05.

    Colectânea de Jurisprudência 2007 I-04269

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2007:319

    Processo C‑254/05

    Comissão das Comunidades Europeias

    contra

    Reino da Bélgica

    «Incumprimento de Estado – Artigos 28.° CE e 30.° CE – Restrições quantitativas à importação – Medidas de efeito equivalente – Sistemas de detecção automática de incêndio por detector pontual – Exigência de conformidade com uma norma nacional – Procedimento nacional de aprovação»

    Conclusões do advogado‑geral J. Mazák apresentadas em 8 de Fevereiro de 2007 

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 7 de Junho de 2007 

    Sumário do acórdão

    Livre circulação de mercadorias – Restrições quantitativas – Medidas de efeito equivalente

    (Artigos 28.° CE e 30.° CE)

    Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28.° CE um Estado‑Membro que exige que os sistemas de detecção automática de incêndio por detector pontual legalmente fabricados ou comercializados noutro Estado‑Membro e que não ostentem a marca CE

    – estejam em conformidade com uma norma nacional que prevê normas técnicas a que devem obedecer alguns componentes desses sistemas

    – sejam sujeitos a uma aprovação do organismo de certificação, sendo este entrave agravado pelas despesas desproporcionadas que gera essa aprovação, e

    – sejam submetidos a testes e verificações no âmbito dessa aprovação, que, no essencial, duplicam os controlos já efectuados no âmbito de outros procedimentos noutro Estado‑Membro.

    Embora indistintamente aplicável a todos os produtos, a exigência de conformidade com uma norma nacional entrava o comércio intracomunitário e constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, proibida pelo artigo 28.° CE, na medida em que pode ter o efeito de obrigar os operadores económicos dos outros Estados‑Membros a adaptarem os seus aparelhos e equipamentos aos requisitos das normas ou regulamentações técnicas do Estado‑Membro de importação e a suportar as despesas suplementares associadas a essa adaptação, ou mesmo de os dissuadir de comercializar os produtos em causa nesse Estado‑Membro.

    Por outro lado, a exigência de uma homologação prévia de um produto para atestar o seu carácter adequado a uma utilização determinada restringe o acesso ao mercado do Estado‑Membro de importação e deve, portanto, ser considerada uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação na acepção do artigo 28.° CE. Esta exigência é desproporcionada dado que o organismo de certificação não tem em conta, não existindo um acordo bilateral com o organismo de certificação do Estado‑Membro de origem de um produto, os controlos efectuados nesse outro Estado‑Membro. Quanto às despesas resultantes deste procedimento de aprovação, ligadas aos testes e verificações, devem ser consideradas desproporcionadas na medida em que este procedimento não exclui a necessidade de testes e de verificações já efectuados no Estado‑Membro de origem do produto em causa.

    Embora seja da competência dos Estados‑Membros, não existindo normas de harmonização, decidir do nível a que pretendem assegurar a protecção da saúde e da vida das pessoas, não é menos verdade que uma excepção ao princípio da livre circulação de mercadorias só pode ser justificada ao abrigo do artigo 30.° CE se as autoridades nacionais demonstrarem que essa excepção é necessária para realizar um ou vários objectivos nele mencionados e que está em conformidade com o princípio da proporcionalidade. A este respeito, as razões justificativas susceptíveis de ser invocadas por um Estado‑Membro devem ser acompanhadas das provas apropriadas ou de uma análise da oportunidade e da proporcionalidade da medida restritiva adoptada por esse Estado, bem como de elementos precisos que permitam sustentar a sua argumentação.

    (cf. n.os 29, 30, 32, 35, 36, 41, 42, 45, disp.)







    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    7 de Junho de 2007 (*)

    «Incumprimento de Estado – Artigos 28.° CE e 30.° CE – Restrições quantitativas à importação – Medidas de efeito equivalente – Sistemas de detecção automática de incêndio por detector pontual – Exigência de conformidade com uma norma nacional – Procedimento nacional de aprovação»

    No processo C‑254/05,

    que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 16 de Junho de 2005,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por B. Stromsky, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandante,

    contra

    Reino da Bélgica, representado por M. Wimmer, na qualidade de agente,

    demandado,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, E. Juhász, R. Silva de Lapuerta (relator), G. Arestis e J. Malenovský, juízes,

    advogado‑geral: J. Mazák,

    secretário: R. Grass,

    vistos os autos,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de Fevereiro de 2007,

    profere o presente

    Acórdão

    1       Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao exigir que os sistemas de detecção automática de incêndio por detector pontual legalmente fabricados ou comercializados noutro Estado‑Membro e que não ostentam a marca CE:

    –       sejam conformes com a norma belga NBN S 21‑100 relativa à concepção de sistemas generalizados de detecção automática de incêndio por detector pontual, de Setembro de 1986, na redacção dada pela sua adenda n.° 2, de Agosto de 1996 (a seguir «norma NBN S 21‑100»),

    –       sejam sujeitos a uma aprovação do BOSEC (Belgian Organisation for Security Certification), sendo este entrave agravado pelas despesas desproporcionadas que gera essa aprovação, e

    –       sejam submetidos a testes e verificações no âmbito dessa aprovação, que, no essencial, duplicam os controlos já efectuados no âmbito de outros procedimentos noutro Estado‑Membro,

    o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28.° CE.

     Quadro jurídico

    2       O artigo 2.° do Decreto do Governo da Comunidade Francesa de 24 de Dezembro de 1990, que estabelece as normas regulamentares e o procedimento a seguir para a obtenção do certificado de segurança dos estabelecimentos que fornecem alojamento existentes em 1 de Janeiro de 1991 e fixa os padrões de segurança em matéria de protecção contra incêndio aplicáveis a esses estabelecimentos que fornecem alojamento (Moniteur belge de 21 de Junho de 1991, p. 13999, a seguir «Decreto de 24 de Dezembro de 1990»), dispõe:

    «Um estabelecimento que forneça alojamento só pode iniciar a sua actividade após a emissão do respectivo certificado de segurança.»

    3       Por força do artigo 3.° do referido decreto, a emissão desse certificado depende da conformidade dos estabelecimentos que fornecem alojamento com os padrões de segurança em matéria de protecção contra incêndio, específicos aos referidos estabelecimentos, conforme fixados no anexo I do mesmo decreto.

    4       Segundo o ponto 7.4.4 do referido anexo, a instalação generalizada de equipamentos de detecção automática de incêndio por detector pontual deve ser executada e verificada de acordo com a norma NBN S 21‑100 e o equipamento deve ser sujeito à certificação da sua conformidade com esta norma.

    5       O artigo 158.° do Decreto da Região da Valónia de 18 de Dezembro de 2003, relativo aos estabelecimentos que fornecem alojamento turístico (Moniteur belge de 11 de Março de 2004, p. 13669), revogou, no que respeita à Região da Valónia, o Decreto de 24 de Dezembro de 1990. As disposições deste último permanecem aplicáveis na Região de Bruxelas.

    6       O artigo 27.° do Decreto do Governo da Valónia de 3 de Dezembro de 1998, que dá execução a um Decreto de 5 de Junho de 1997 relativo a casas de repouso, lares e centros de dia para a terceira idade e cria o Conselho da Valónia para a terceira idade (Moniteur belge de 27 de Janeiro de 1999, p. 2221, a seguir «Decreto de 3 de Dezembro de 1998»), prevê:

    «As normas relativas à protecção contra incêndio e as reacções de pânico fixadas no anexo I são aplicáveis às casas de repouso, lares e centros de dia para a terceira idade.

    […]»

    7       Nos termos do ponto 0.5 do anexo I do Decreto de 3 de Dezembro de 1998:

    «Se se demonstrar, através de documentos que o comprovem, que um produto cumpre as exigências do presente decreto segundo métodos de ensaio e de classificação equivalentes em vigor noutro Estado‑Membro da Comunidade Económica Europeia, considera‑se que esse produto satisfaz as especificações técnicas estabelecidas no presente anexo.»

    8       O ponto 7.7.1 do referido anexo enuncia:

    «Os sistemas generalizados de detecção automática devem ser verificados em conformidade com a norma belga NBN S 21‑100 ‘Concepção de sistemas de detecção automática de incêndio por detector pontual’. Porém, os controlos devem incidir sobre todos os componentes do sistema (detectores, centrais, painéis repetidores, dispositivos servomotores, etc.).»

    9       A norma NBN S 21‑100 descreve as regras de concepção dos sistemas generalizados de detecção automática de incêndio por detector pontual.

    10     O ponto 4.2 desta norma, intitulado «Descrição», tem a seguinte redacção:

    «Um sistema de detecção automática de incêndio deve compreender essencialmente:

    –       sensores, sensíveis a uma das características específicas da combustão, designados detectores,

    –       uma rede de fios e cabos eléctricos,

    –       um painel de controlo concebido para emitir um alarme, indicar a zona de detecção e a natureza do problema,

    –       fontes de alimentação.

    Este equipamento deve ser de tipo conforme com as especificações das normas europeias CEN ou das normas belgas e tanto o instalador como o sistema devem ser certificados pelo BOSEC. Todos os componentes de um sistema devem ser compatíveis.

    Podem ser adicionados ao sistema repetidores, dispositivos de aviso manuais ou quaisquer outros dispositivos servomotores, desde que preencham os requisitos desta norma.

    O corpo ou conector da base do detector deve ser equipado com um sistema de alerta óptico.»

    11     Nos termos do ponto 4.3.1 da referida norma, intitulada «Tipos de detectores»:

    «Qualquer tipo de detector deve estar em conformidade com as especificações das normas belgas.»

    12     Os pontos 4.4.6 e 4.4.8.2 da norma NBN S 21‑100, intitulados, respectivamente, «Fontes de alimentação» e «Cabos», estabelecem as características exigidas, por um lado, para a fonte de alimentação de reserva e, por outro, para os cabos dos sistemas de detecção automática de incêndio por detector pontual.

     Matéria de facto do litígio e fase pré‑contenciosa

    13     Informada das dificuldades sentidas por um agente económico britânico para comercializar, na Bélgica, equipamento de detecção de incêndio, a Comissão, por ofício de 21 de Janeiro de 2003, notificou o Reino da Bélgica para apresentar as suas observações sobre as normas de importação e de comercialização, nesse Estado‑Membro, de sistemas de detecção automática de incêndio por detector pontual.

    14     As autoridades belgas apresentaram as suas observações à Comissão por ofício de 9 de Setembro de 2003.

    15     Entendendo que o Reino da Bélgica tinha infringido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28.° CE, a Comissão enviou‑lhe, em 9 de Julho de 2004, um parecer fundamentado no qual a instava a tomar as medidas necessárias ao seu cumprimento dentro do prazo de dois meses após a respectiva notificação.

    16     As autoridades belgas responderam ao referido parecer fundamentado por ofício de 9 de Setembro de 2004.

    17     A Comissão, não tendo ficado satisfeita com a resposta dada pelas autoridades belgas, decidiu propor a presente acção.

     Quanto à acção

     Argumentos das partes

    18     A Comissão alega que os Decretos de 24 de Dezembro de 1990 e de 3 de Dezembro de 1998 restringem a livre circulação dos sistemas de detecção automática de incêndio por detector pontual legalmente fabricados ou comercializados noutro Estado‑Membro que não ostentem a marca CE.

    19     Com efeito, ao impor a conformidade com a norma NBN S 21‑100, a regulamentação belga exclui, numa parte do mercado belga, a utilização pelos estabelecimentos que fornecem alojamento e pelos lares de terceira idade dos sistemas em questão que não sejam conformes com a referida norma. Por conseguinte, os operadores económicos que fabricam ou comercializam esses produtos podem abster‑se de apresentar os seus produtos no mercado belga ou ser obrigados a adaptá‑los para ter acesso ao referido mercado.

    20     O mesmo acontece com regulamentos autárquicos relativos à protecção contra incêndio que, segundo as indicações das autoridades belgas, exigem que os detectores de incêndio estejam em conformidade com a norma NBN S 21‑100, bem como com a prática administrativa dos serviços de bombeiros que recorrem a esta norma quando determinam as medidas de prevenção de incêndio.

    21     A Comissão alega também que a obrigação de conformidade com a norma NBN S 21‑100 imposta pela regulamentação belga tem o efeito de submeter os referidos sistemas à aprovação do BOSEC.

    22     Ora, não apenas esse procedimento de aprovação constitui, por si só, uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, proibida pelo artigo 28.° CE, como, ainda, esse entrave é agravado pelo carácter desproporcionado dos prazos e custos associados a esse procedimento, bem como pelo facto de o BOSEC não ter em conta os testes e verificações já realizados no âmbito de outros procedimentos noutro Estado‑Membro.

    23     Sem discutir o facto de o respeito da norma NBN S 21‑100 decorrer tanto da regulamentação nacional mencionada pela Comissão como da prática dos serviços de bombeiros, o Reino da Bélgica considera que, atendendo às propostas de alteração que entre 30 de Março e 30 de Setembro de 2005 foram objecto de um inquérito público, designadamente a relativa à supressão da referência ao BOSEC enquanto autoridade de certificação, a norma NBN S 21‑100 é conforme com o artigo 28.° CE e deixou de introduzir obstáculos à livre circulação dos sistemas de detecção automática de incêndio por detector pontual legalmente fabricados ou comercializados noutro Estado‑Membro e que não ostentam a marca CE.

    24     Além disso, as autoridades belgas referem que esta norma está em conformidade com as normas europeias e não contém quaisquer requisitos adicionais que impliquem a adaptação ou modificação dos produtos que compõem os sistemas de detecção automática de incêndio. De facto, o controlo imposto pela referida norma não visa os componentes desses sistemas, mas unicamente o funcionamento desses sistemas como um todo.

    25     Em qualquer caso, esse controlo justifica‑se por razões de segurança pública e de protecção da saúde e da vida de pessoas e animais.

    26     A este respeito, as autoridades belgas alegam que as disposições da norma NBN S 21‑100 se aplicam indistintamente e que o controlo que impõem aos sistemas de detecção de incêndio é necessário e proporcional ao objectivo prosseguido.

     Apreciação do Tribunal de Justiça

    27     Em primeiro lugar, quanto à exigência de conformidade com a norma NBN S 21‑100 imposta pela regulamentação belga e pela prática administrativa de determinados serviços públicos belgas, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, qualquer medida comercial dos Estados‑Membros susceptível de entravar, directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário deve ser considerada uma medida de efeito equivalente a restrições quantitativas proibida pelo artigo 28.° CE (acórdãos de 11 de Julho de 1974, Dassonville, 8/74, Recueil, p. 837, n.° 5, Colect., p. 423, e de 5 de Fevereiro de 2004, Comissão/Itália, C‑270/02, Colect., p. I‑1559, n.° 18).

    28     Assim, na ausência de harmonização das legislações, os obstáculos à livre circulação de mercadorias resultantes da aplicação a mercadorias provenientes de outros Estados‑Membros, onde são legalmente fabricadas e comercializadas, de regras relativas às condições a que essas mercadorias devem obedecer, mesmo que essas regras sejam indistintamente aplicáveis a todos os produtos, constituem medidas de efeito equivalente proibidas pelo artigo 28.° CE (acórdãos de 24 de Novembro de 1993, Keck e Mithouard, C‑267/91 e C‑268/91, Colect., p. I‑6097, n.° 15, e de 16 de Novembro de 2000, Comissão/Bélgica, C‑217/99, Colect., p. I‑10251, n.° 16).

    29     Ora, no caso em apreço, resulta da própria redacção dos pontos 4.2, 4.3.1, 4.4.6 e 4.4.8.2 da norma NBN S 21‑100 que esta última inclui não apenas regras de controlo relativas ao funcionamento do conjunto dos sistemas de detecção automática de incêndio por detector pontual mas também normas técnicas a que devem obedecer alguns componentes desses sistemas.

    30     Daqui resulta que, a respeito da comercialização num Estado‑Membro de produtos ou componentes legalmente fabricados e comercializados noutro Estado‑Membro, e na falta de harmonização comunitária, a exigência de conformidade com a norma NBN S 21‑100 imposta pela regulamentação belga pode ter o efeito de obrigar os operadores económicos dos outros Estados‑Membros a adaptarem os seus aparelhos e equipamentos aos requisitos das normas ou regulamentações técnicas do Estado‑Membro de importação e a suportar as despesas suplementares associadas a essa adaptação (acórdãos Comissão/Bélgica, já referido, n.° 17; de 8 de Maio de 2003, ATRAL, C‑14/02, Colect., p. I‑4431, n.° 63; e Comissão/Itália, já referido, n.° 19), ou mesmo de os dissuadir de comercializar os produtos em causa na Bélgica (acórdão de 22 de Setembro de 1988, Comissão/Irlanda, 45/87, Colect., p. 4929, n.° 19, e acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.° 18).

    31     A este respeito, o argumento do Reino da Bélgica segundo o qual não existe qualquer necessidade de adaptar ao mercado belga os produtos legalmente fabricados ou comercializados noutros Estados‑Membros pelo facto de a norma NBN S 21‑100 se limitar a reproduzir as exigências técnicas que figuram nas normas europeias da série EN‑54 não pode ser acolhido uma vez que, como resulta claramente tanto do parecer fundamentado como da petição da Comissão, a presente acção respeita unicamente aos sistemas de detecção automática de incêndio por detector pontual que não ostentam a marca CE.

    32     Consequentemente, embora indistintamente aplicável a todos os produtos, a exigência de conformidade com uma norma nacional, como a norma NBN S 21‑100, entrava o comércio intracomunitário e constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, proibida pelo artigo 28.° CE.

    33     Estas medidas apenas podem ser justificadas por uma das razões de interesse geral enumeradas no artigo 30.° CE ou por uma das exigências imperativas consagradas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, na condição, nomeadamente, de que essas medidas sejam adequadas a garantir a realização do objectivo prosseguido e não vão para além do que é necessário para o atingir (acórdãos ATRAL, já referido, n.° 64, e de 10 de Novembro de 2005, Comissão/Portugal, C‑432/03, Colect., p. I‑9665, n.° 42).

    34     O Reino da Bélgica sustenta que a obrigação de conformidade com a norma NBN S 21‑100 se justifica por razões de segurança pública e de protecção da saúde e da vida das pessoas e dos animais.

    35     Ora, embora seja indiscutível que estas razões figuram entre as que, nos termos do artigo 30.° CE, podem ser invocadas por um Estado‑Membro para justificar esta obrigação e que, não existindo normas de harmonização, compete aos Estados‑Membros decidir do nível a que pretendem assegurar a protecção da saúde e da vida das pessoas (acórdãos de 27 de Junho de 1996, Brandsma, C‑293/94, Colect., p. I‑3159, n.° 11, e Comissão/Portugal, já referido, n.° 44), não é menos verdade que uma excepção ao princípio da livre circulação de mercadorias só pode ser justificada ao abrigo do referido artigo se as autoridades nacionais demonstrarem que essa excepção é necessária para realizar um ou vários objectivos nele mencionados e que está em conformidade com o princípio da proporcionalidade (acórdãos de 30 de Novembro de 1983, Van Bennekom, 227/82, Recueil, p. 3883, n.° 40; de 13 de Março de 1997, Morellato, C‑358/95, Colect., p. I‑1431, n.° 14; ATRAL, já referido, n.° 67; e Comissão/Itália, já referido, n.° 22).

    36     A este respeito, as razões justificativas susceptíveis de ser invocadas por um Estado‑Membro devem ser acompanhadas das provas apropriadas ou de uma análise da oportunidade e da proporcionalidade da medida restritiva adoptada por esse Estado, bem como de elementos precisos que permitam sustentar a sua argumentação (acórdãos de 13 de Novembro de 2003, Lindman, C‑42/02, Colect., p. I‑13519, n.° 25; de 18 de Março de 2004, Leichtle, C‑8/02, Colect., p. I‑2641, n.° 45; de 7 de Julho de 2005, Comissão/Áustria, C‑147/03, Colect., p. I‑5969, n.° 63; de 16 de Fevereiro de 2006, Rockler, C‑137/04, Colect., p. I‑1441, n.° 25, e Öberg, C‑185/04, Colect., p. I‑1453, n.° 22).

    37     No caso em apreço, deve concluir‑se que não foi feita esta demonstração. Com efeito, as autoridades belgas limitam‑se a afirmar que a obrigação em causa é indistintamente aplicável aos produtos nacionais e importados e que preenche os requisitos de necessidade e de proporcionalidade já referidos e a alegar que o objectivo da norma NBN S 21‑100 é verificar a correcta concepção do sistema e garantir o seu bom funcionamento.

    38     Em segundo lugar, quanto à sujeição dos sistemas de detecção automática de incêndio por detector pontual a uma aprovação do BOSEC, o Reino da Bélgica refere uma proposta de alteração da norma NBN S 21‑100 destinada a suprimir a referência a este organismo.

    39     A esse respeito, basta lembrar que, segundo jurisprudência assente, a existência do incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado e que as alterações posteriormente ocorridas não são tomadas em consideração pelo Tribunal (v., nomeadamente, acórdãos de 17 de Janeiro de 2002, Comissão/Bélgica, C‑423/00, Colect., p. I‑593, n.° 14, e de 14 de Julho de 2005, Comissão/Alemanha, C‑433/03, Colect., p. I‑6985, n.° 32).

    40     Ora, no caso em apreço, é certo que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, o Reino da Bélgica não tinha adoptado a proposta de alteração da norma NBN S 21‑100 relativa à supressão da referência ao BOSEC enquanto organismo de certificação para os sistemas de detecção automática de incêndio por detector pontual.

    41     Além disso, o Tribunal de Justiça já decidiu que a exigência de uma homologação prévia de um produto para atestar o seu carácter adequado a uma utilização determinada restringe o acesso ao mercado do Estado‑Membro de importação e deve, portanto, ser considerada medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação na acepção do artigo 28.° CE (acórdão Comissão/Portugal, já referido, n.° 41).

    42     Quanto ao carácter desproporcionado desta exigência, deve sublinhar‑se que, na fase pré‑contenciosa, o Reino da Bélgica admitiu, pelo menos no que respeita à data em causa na presente acção, que, no âmbito da aprovação nos termos da norma NBN S 21‑100, não existindo um acordo bilateral com o organismo de certificação do Estado‑Membro de origem de um produto, o BOSEC não tinha em consideração os controlos efectuados nesse outro Estado‑Membro. Ora, como refere a Comissão, o Reino da Bélgica não apresentou elementos que permitam concluir que esta prática foi abandonada.

    43     Quanto às despesas resultantes deste procedimento de aprovação, basta assinalar que, na medida em que este procedimento não exclui a necessidade de testes e de verificações já efectuados no Estado‑Membro de origem do produto em causa, as despesas associadas a esses testes e verificações devem ser consideradas desproporcionadas.

    44     Por conseguinte, a acção intentada pela Comissão deve ser considerada procedente.

    45     Consequentemente, deve concluir‑se que, ao exigir que os sistemas de detecção automática de incêndio por detector pontual legalmente fabricados ou comercializados noutro Estado‑Membro e que não ostentem a marca CE:

    –       sejam conformes com a norma NBN S 21‑100,

    –       sejam sujeitos a uma aprovação do BOSEC, sendo este entrave agravado pelas despesas desproporcionadas que gera essa aprovação, e

    –       sejam submetidos a testes e verificações no âmbito dessa aprovação, que, no essencial, duplicam os controlos já efectuados no âmbito de outros procedimentos noutro Estado‑Membro,

    o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28.° CE.

     Quanto às despesas

    46     Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino da Bélgica e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

    1)      Ao exigir que os sistemas de detecção automática de incêndio por detector pontual legalmente fabricados ou comercializados noutro Estado‑Membro e que não ostentem a marca CE:

    –       sejam conformes com a norma belga NBN S 21‑100 relativa à concepção de sistemas generalizados de detecção automática de incêndio por detector pontual, de Setembro de 1986, na redacção dada pela sua adenda n.° 2, de Agosto de 1996,

    –       sejam sujeitos a uma aprovação do BOSEC (Belgian Organisation for Security Certification), sendo este entrave agravado pelas despesas desproporcionadas que gera essa aprovação, e

    –       sejam submetidos a testes e verificações no âmbito dessa aprovação, que, no essencial, duplicam os controlos já efectuados no âmbito de outros procedimentos noutro Estado‑Membro,

    o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28.° CE.

    2)      O Reino da Bélgica é condenado nas despesas.

    Assinaturas


    * Língua do processo: francês.

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