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Documento 62003CJ0264

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 20 de Outubro de 2005.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa.
Incumprimento de Estado - Contratos públicos - Directiva 92/50/CEE - Procedimento de adjudicação de contratos públicos de serviços - Livre prestação de serviços - Mandato por delegação do dono da obra - Pessoas a quem pode ser confiada a missão de representação do dono da obra por delegação - Lista taxativa de pessoas colectivas de direito francês.
Processo C-264/03.

Colectânea de Jurisprudência 2005 I-08831

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2005:620

Processo C‑264/03

Comissão das Comunidades Europeias

contra

República Francesa

«Incumprimento de Estado – Contratos públicos – Directiva 92/50/CEE – Procedimento de adjudicação de contratos públicos de serviços – Livre prestação de serviços – Mandato por delegação do dono da obra – Pessoas a quem pode ser confiada a missão de representação do dono da obra por delegação – Lista taxativa de pessoas colectivas de direito francês»

Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro apresentadas em 24 de Novembro de 2004 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 20 de Outubro de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Livre prestação de serviços – Procedimentos de adjudicação de contratos públicos de serviços – Contratos excluídos do âmbito de aplicação da Directiva 92/50 – Obrigação de respeitar as regras fundamentais do Tratado

(Artigo 49.° CE; Directiva 92/50 do Conselho)

2.     Livre prestação de serviços – Procedimentos de adjudicação de contratos públicos de serviços – Directiva 92/50 – Legislação nacional que autoriza o dono da obra a delegar determinadas atribuições – Papel de mandatário reservado a pessoas colectivas de direito nacional taxativamente enumeradas – Inadmissibilidade

(Artigo 49.° CE; Directiva 92/50 do Conselho)

1.     As disposições do Tratado CE relativas à livre circulação devem aplicar‑se aos contratos públicos que escapam ao âmbito de aplicação da Directiva 92/50, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços. Com efeito, apesar de certos contratos estarem excluídos do âmbito de aplicação das directivas comunitárias no domínio dos contratos públicos, as entidades adjudicantes que os celebram estão, todavia, obrigadas a respeitar as regras fundamentais do Tratado e o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade em particular. É assim, designadamente, em relação aos contratos públicos de serviços cujo valor não atinge os limites fixados pela Directiva 92/50. O simples facto de o legislador comunitário ter considerado que os procedimentos específicos e rigorosos previstos nas directivas relativas aos contratos públicos não são apropriados, quando se trata de contratos públicos de baixo valor, não significa que estes últimos estejam excluídos do âmbito de aplicação do direito comunitário.

(cf. n.os 32‑33)

2.     Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 92/50, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, conforme alterada pela Directiva 97/52, bem como do artigo 49.° CE, relativamente aos contratos públicos de serviços não abrangidos pelo âmbito de aplicação da Directiva 92/50, um Estado‑Membro que reserva a missão de representação do dono da obra por delegação a uma lista taxativa de pessoas colectivas de direito nacional, através da qual a entidade adjudicante pode, por contrato celebrado por escrito e mediante remuneração, confiar a um mandatário o exercício, em seu nome e por sua conta, da totalidade ou parte de algumas das suas atribuições.

(cf. n.os 64, 71 e disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

20 de Outubro de 2005 (*)

«Incumprimento de Estado – Contratos públicos – Directiva 92/50/CEE – Procedimento de adjudicação de contratos públicos de serviços – Livre prestação de serviços – Mandato por delegação do dono da obra – Pessoas a quem pode ser confiada a missão de representação do dono da obra por delegação – Lista taxativa de pessoas colectivas de direito francês»

No processo C‑264/03,

que tem por objecto uma acção de incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 17 de Junho de 2003,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por B. Stromsky e K. Wiedner, bem como por F. Simonetti, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Francesa, representada por G. de Bergues e D. Petrausch, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas (relator), presidente de secção, J. Malenovský, J.‑P. Puissochet, A. Borg Barthet e U. Lõhmus, juízes,

advogado‑geral: M. Poiares Maduro,

secretário: K. Sztranc, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Outubro de 2004,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de Novembro de 2004,

profere o presente

Acórdão

1       Através da sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao reservar, no artigo 4.° da Lei n.° 85‑704, de 12 de Julho de 1985, relativa à titularidade de obra pública e às suas relações com a direcção privada da obra (JORF de 13 de Julho de 1985, p. 7914), conforme alterada pela Lei n.° 96‑987, de 14 de Novembro de 1996, relativa à execução do pacto de recuperação para a cidade (JORF de 15 de Novembro de 1996, p. 16656, a seguir «Lei n.° 85‑704»), a missão de representação do dono da obra por delegação a uma lista taxativa de pessoas colectivas de direito francês, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), conforme alterada pela Directiva 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1997 (JO L 328, p. 1, a seguir «Directiva 92/50»), mais particularmente dos seus artigos 8.° e 9.°, bem como do artigo 49.° CE.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

2       Nos termos do artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50, os «contratos públicos de serviços» são contratos a título oneroso celebrados por escrito entre um prestador de serviços e uma entidade adjudicante, com exclusão dos contratos enumerados na referida disposição, alíneas i) a ix). Em conformidade com o artigo 1.°, alínea b), da mesma directiva, são consideradas «entidades adjudicantes» «o Estado, as autarquias locais ou regionais, os organismos de direito público, as associações formadas por uma ou mais autarquias ou organismos de direito público». O artigo 1.°, alínea c), da referida directiva define como «prestadores de serviços» «qualquer pessoa singular ou colectiva, incluindo organismos de direito público, que ofereçam serviços».

3       O artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 92/50 dispõe que as entidades adjudicantes velam por que não se verifique qualquer discriminação entre os vários prestadores de serviços.

4       Nos termos do artigo 6.° da referida directiva, esta «não é aplicável à celebração de contratos públicos de serviços atribuídos a uma entidade que seja ela própria uma entidade adjudicante na acepção da alínea b) do artigo 1.°, com base num direito exclusivo estabelecido por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas publicadas, desde que essas disposições sejam compatíveis com o Tratado».

5       O artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da mesma directiva prevê que esta se aplica aos contratos públicos de serviços cujo valor estimado, sem imposto sobre o valor acrescentado, seja «igual ou superior a 200 000 [euros]».

6       Por força do artigo 8.° da Directiva 92/50, os contratos que tenham por objecto serviços que figuram no anexo I A desta devem ser adjudicados de acordo com o disposto nos títulos III a VI da referida directiva, ou seja, devem ser sujeitos a um concurso público e ser objecto de publicidade adequada.

7       A categoria 12 do anexo I A desta mesma directiva visa os «[s]erviços de arquitectura, serviços de engenharia e serviços de engenharia integrados. Planeamento urbano e serviços de arquitectura paisagística; serviços de consultoria científica e técnica afins. Serviços técnicos de ensaio e análise».

8       Nos termos do artigo 9.° da Directiva 92/50, os contratos que tenham por objecto serviços que figuram no seu anexo I B são adjudicados de acordo com o disposto nos artigos 14.° e 16.° da mesma directiva. O artigo 14.° é relativo às regras comuns no domínio técnico e o artigo 16.° aos avisos relativos aos resultados do procedimento de adjudicação.

9       As categorias 21 e 27 do anexo I B da Directiva 92/50 abrangem, respectivamente, os «serviços jurídicos» e os «outros serviços».

10     O artigo 10.° desta mesma directiva dispõe que «[o]s contratos que tenham simultaneamente por objecto serviços enumerados no anexo I A e serviços enumerados no anexo I B serão celebrados de acordo com o disposto nos títulos III a VI sempre que o valor dos serviços enumerados no anexo I A seja superior ao valor dos serviços enumerados no anexo I B. Caso contrário, serão celebrados de acordo com o disposto nos artigos 14.° e 16.°».

 Legislação nacional

11     As disposições da Lei n.° 85‑704 são aplicáveis, nos termos do artigo 1.° desta, à realização de todas as obras de construção de edifícios ou de infra‑estruturas, bem como dos equipamentos industriais destinados à sua exploração, cujos donos da obra sejam:

«1.°      O Estado e os seus estabelecimentos públicos;

2.°      As colectividades territoriais e respectivos estabelecimentos públicos, os estabelecimentos públicos de ordenamento urbano criados em aplicação do artigo L. 321‑1 do código do urbanismo e respectivos agrupamentos, bem como os sindicatos mistos, referidos no artigo L. 166‑1 do código das autarquias locais;

3.°      Os organismos privados mencionados no artigo L. 64 do código da Segurança Social e respectivas uniões e federações;

4.°      Os organismos privados de habitação de renda económica, mencionados no artigo L. 411‑2 do código da construção e da habitação, bem como as sociedades de economia mista, no que respeita aos alojamentos para arrendamento subsidiados pelo Estado e construídos por estes organismos e sociedades.»

12     O artigo 2.° da referida lei define o dono da obra como:

«[...] a pessoa colectiva, mencionada no artigo primeiro, para a qual a obra é construída. Responsável principal pela obra, desempenha nesse papel uma função de interesse geral de que não se pode demitir.

[...]

O dono da obra define no programa os objectivos da operação e as necessidades que deve satisfazer, bem como as restrições e exigências de carácter social, urbanístico, arquitectónico, funcional, técnico e económico, paisagístico e de protecção do ambiente, relativas à realização e à utilização da obra.

[…]»

13     O artigo 3.° da mesma lei dispõe:

«[…] o dono da obra pode confiar a um mandatário, nas condições definidas pela convenção mencionada no artigo 5.°, o exercício, em seu nome e por sua conta, da totalidade ou parte das atribuições seguintes da direcção da obra:

1.°      Definição das condições administrativas e técnicas a que obedecerão o estudo e a execução da obra;

2.°      Preparação da selecção da entidade a incumbir da direcção da obra, assinatura do contrato de direcção da obra após aprovação, pelo dono da obra, da selecção da entidade que dirigirá a obra, e gestão do contrato de direcção da obra;

3.°      Aprovação dos anteprojectos e dos acordos relativos ao projecto;

4.°      Preparação da selecção do empreiteiro, assinatura do contrato de empreitada após aprovação da selecção do empreiteiro pelo dono da obra, e gestão do contrato de empreitada;

5.°      Pagamento da remuneração da missão de direcção da obra e de execução da obra;

6.°      Recepção da obra, e cumprimento de todos os actos relativos às atribuições supramencionadas.

O mandatário apenas está obrigado perante o dono da obra pela boa execução das atribuições de que foi pessoalmente incumbido por este.

O mandatário representa o dono da obra perante terceiros no exercício das atribuições que lhe foram confiadas até que o dono da obra dê por concluída a sua missão nas condições definidas pela convenção mencionada no artigo 5.° O mandatário pode agir judicialmente.»

14     Nos termos do artigo 4.° da Lei n.° 85‑704:

«As atribuições definidas no artigo precedente apenas podem ser confiadas, nos limites das suas competências, às seguintes entidades:

a)      As pessoas colectivas indicadas nos n.os 1 e 2 do artigo 1.° da presente lei, com excepção dos estabelecimentos públicos sanitários e sociais, os quais só poderão ser mandatários de outros estabelecimentos públicos sanitários e sociais;

b)      As pessoas colectivas cujo capital é detido, pelo menos em metade, directamente ou por interposta pessoa, pelas pessoas colectivas indicadas nos n.os 1 e 2 do artigo 1.° e cuja missão é prestar assistência ao dono da obra, na condição de não exercerem uma actividade de direcção de obras ou de empreiteiro por conta de terceiros;

c)      Os organismos privados de habitação de renda económica indicados no artigo L. 411‑2 do código da construção e da habitação, mas unicamente para outros organismos de habitação de renda económica, bem como relativamente a obras ligadas a operações subsidiadas de alojamento;

d)      As sociedades locais de economia mista reguladas pela Lei n.° 83‑597, de 7 de Julho de 1983, relativa às sociedades locais de economia mista;

e)      Os estabelecimentos públicos constituídos em aplicação do artigo L. 321‑1 do código do urbanismo, bem como as associações imobiliárias urbanas autorizadas ou constituídas oficiosamente em aplicação dos artigos L. 322‑1 e seguintes do código do urbanismo;

f)      As sociedades constituídas em aplicação do artigo 9.° da Lei n.° 51‑592, de 24 de Maio de 1951, relativa às contas especiais do Tesouro para o ano de 1951, modificado pelo artigo 28.° da Lei n.° 62‑933, de 8 de Agosto de 1962, que complementa a lei relativa à orientação agrícola;

g)      Qualquer entidade pública ou privada à qual esteja confiada a realização de uma zona de ordenamento concertado ou de um loteamento [...];

h)      As sociedades que celebrem o contrato previsto no artigo L. 122‑1 do código da construção e da habitação para a realização de operações de reestruturação urbana de grandes aglomerados e bairros de habitação degradada [...].

Essas colectividades, estabelecimentos e organismos são sujeitos às disposições da presente lei no exercício das atribuições que, em aplicação do presente artigo, lhes são confiadas pelo dono da obra.

As regras de adjudicação dos contratos assinados pelo mandatário são as regras aplicáveis ao dono da obra, sem prejuízo das adaptações eventualmente necessárias a que se proceda por decreto para tomar em consideração a intervenção do mandatário.»

15     O artigo 5.° da Lei n.° 85‑704 prevê:

«As relações entre o dono da obra e as pessoas colectivas mencionadas no artigo 4.° são definidas por convenção que prevê, sob pena de nulidade:

a)      A obra que constitui o objecto da convenção, as atribuições confiadas ao mandatário, as condições em que o dono da obra dá por concluída a missão do mandatário, as modalidades de remuneração deste último, as sanções que lhe são aplicáveis em caso de incumprimento das suas obrigações e as condições de rescisão da convenção;

[…]»

 Procedimento pré‑contencioso

16     Considerando que determinadas disposições da Lei n.° 85‑704, designadamente as relativas às condições em que o dono da obra pode recorrer à intervenção de um condutor de operações e confiar o exercício de algumas das suas atribuições a um mandatário de dono de obra, eram contrárias, por um lado, às disposições da Directiva 92/50 e, por outro, às do artigo 49.° CE, a Comissão, por carta de 25 de Julho de 2001, notificou a República Francesa para apresentar as suas observações.

17     Por carta de 8 de Março de 2002, as autoridades francesas contestaram as acusações feitas pela Comissão, com excepção das relativas à condução de operações regulada pelo artigo 6.° da Lei n.° 85‑704. Admitiram, a este respeito, que a missão de coordenação da obra é uma prestação de serviços na acepção do direito comunitário e indicaram que passava a estar sujeita ao novo código dos contratos públicos francês.

18     Não tendo ficado satisfeita com esta resposta, a Comissão, em 27 de Junho de 2002, dirigiu um parecer fundamentado à República Francesa, convidando‑a a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento a esse parecer no prazo de dois meses a contar da sua notificação.

19     Por carta de 14 de Outubro de 2002, a República Francesa comunicou à Comissão que mantinha os pontos de vista desenvolvidos na sua carta de 8 de Março de 2002.

20     Considerando que o incumprimento se mantinha relativamente à representação por delegação do dono da obra, a Comissão decidiu intentar a presente acção.

21     Depois da propositura da acção por incumprimento, as autoridades francesas adoptaram o Despacho n.° 2004‑566, de 17 de Junho de 2004, que altera a Lei n.° 85‑704 (JORF de 19 de Junho de 2004, p. 11020), que modifica a referida lei autorizando que o mandato por delegação do dono da obra passe a ser confiado a qualquer entidade pública ou privada, suprimindo assim a exigência de que se trate de uma pessoa colectiva de direito francês, sem prejuízo, todavia, da observância de certas regras de incompatibilidade destinadas a prevenir os conflitos de interesses. Segundo o Governo francês, a referida modificação não é consequência da presente acção e em nada altera a questão de direito que ele defende no contexto desta.

 Quanto à acção

 Argumentos das partes

22     A Comissão sustenta que, ao reservar, no artigo 4.° da Lei n.° 85 704, a categorias de pessoas colectivas de direito francês taxativamente enumeradas a missão de representação do dono da obra por delegação, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 92/50, mais particularmente dos seus artigos 8.° e 9.°, bem como do artigo 49.° CE.

23     Segundo a Comissão, o mandato por delegação do dono da obra é um contrato público de serviços na acepção do artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50. As missões objecto do mandato são abrangidas pela categoria 12 do anexo I A dessa directiva, com excepção das missões de representação, pelo que as disposições da Lei n.° 85‑704 não respeitam o artigo 8.° da referida directiva. No que diz respeito aos mandatos exclusiva ou principalmente relativos a missões de representação, estes são abrangidos pelo anexo I B da Directiva 92/50, pelo que a referida lei também não respeita o artigo 9.° desta mesma directiva.

24     Além disso, a Comissão alega que, no que diz respeito aos mandatos de representação do dono da obra de valor inferior aos limites fixados pela Directiva 92/50, bem como aos mandatos exclusiva ou principalmente relativos aos serviços visados no seu anexo I B, o artigo 4.° da Lei n.° 85‑704 constitui uma restrição ao princípio da livre prestação de serviços consagrado no artigo 49.° CE. Tal restrição não pode justificar‑se nem pelos artigos 45.° CE e 55.° CE, na medida em que as missões em causa não comportam uma participação, mesmo a título ocasional, no exercício da autoridade pública, nem pelos artigos 46.° CE e 55.° CE, uma vez que as razões de ordem pública, de segurança pública e de saúde pública não são aplicáveis nas circunstâncias do caso vertente.

25     O Governo francês sustenta que o contrato de mandato por delegação do dono da obra previsto na Lei n.° 85‑704 não é um contrato de tipo comercial e não está abrangido pelo âmbito de aplicação da Directiva 92/50. O mandatário participa numa missão de interesse geral e não pode ser considerado um prestador de serviços. Representa o dono da obra, o que constitui, por natureza, a função do mandato. Neste contexto, beneficia de uma transferência de atribuições acompanhada de um poder de decisão. A função de representação é inseparável de todas as acções levadas a cabo pelo mandatário por conta do mandante. Ao exercer as suas competências, que são efectivamente as de uma entidade adjudicante, o mandatário está sujeito às directivas comunitárias relativas aos contratos públicos.

26     O Governo francês invoca, por outro lado, o acórdão de 12 de Julho de 2001, Ordine degli Architetti e o. (C‑399/98, Colect., p. I‑5409), que se refere à aplicação da Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54). Decorre do raciocínio do Tribunal de Justiça nesse acórdão, aplicável por analogia nas circunstâncias do caso vertente, que um contrato a título oneroso, quando é constitutivo de um mandato, pode escapar às directivas comunitárias relativas aos contratos públicos. Basta que o mandatário esteja ele próprio sujeito às obrigações decorrentes das referidas directivas. Ora, a Lei n.° 85‑704 sujeita os contratos celebrados pelo mandatário às mesmas obrigações a que os sujeitaria se fossem celebrados pelo dono da obra.

27     Uma vez que o contrato de mandato por delegação do dono da obra apresenta, segundo o Governo francês, características tais que não poderia ser assemelhado a um contrato de prestações de serviços, o artigo 4.° da Lei n.° 85‑704 não é contrário ao artigo 49.° CE.

 Apreciação do Tribunal

 Observações preliminares

28     O artigo 3.° da Lei n.° 85‑704 prevê que o dono da obra pode confiar a um mandatário, nas condições definidas pela convenção mencionada no artigo 5.° dessa mesma lei, o exercício, em seu nome e por sua conta, da totalidade ou parte de determinadas das suas das atribuições. O artigo 4.° da referida lei reserva a missão de representação do dono da obra por delegação a categorias de pessoas taxativamente enumeradas. O Governo francês não contestou que essas pessoas devem ser, como sustenta a Comissão, pessoas colectivas de direito francês.

29     É certo que, depois da propositura da presente acção, as autoridades francesas modificaram a Lei n.° 85‑704 autorizando que o mandato por delegação do dono da obra passe a ser confiado a qualquer entidade pública ou privada, suprimindo assim o requisito de que se trate de uma pessoa colectiva de direito francês. Há, no entanto, que observar que a existência de incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (v., designadamente, acórdãos de 16 de Janeiro de 2003, Comissão/Reino Unido, C‑63/02, Colect., p. I‑821, n.° 11, e de 16 de Dezembro de 2004, Comissão/Itália, C‑313/03, Colect., p. I‑0000, n.° 9). As alterações ocorridas posteriormente não podem ser tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdãos de 18 de Novembro de 2004, Comissão/Irlanda, C‑482/03, Colect., p. I‑0000, n.° 11, e de 14 de Abril de 2005, Comissão/Alemanha, C‑341/02, Colect., p. I‑0000, n.° 33).

30     Em tais condições, há que examinar se o artigo 4.° da Lei n.° 85‑704 é conforme, por um lado, com as disposições da Directiva 92/50 e, por outro, com o princípio da livre prestação de serviços consagrado no artigo 49.° CE.

31     No que diz respeito à alegada violação da Directiva 92/50, há que verificar, num primeiro tempo, se e em que medida o contrato de mandato por delegação do dono da obra, como definido na Lei n.° 85‑704, é abrangido pelo âmbito de aplicação dessa directiva. A este respeito, há que recordar que a referida directiva não se aplica aos contratos de valor inferior ao limite estabelecido por esta.

32     Quanto à acusação relativa à violação do artigo 49.° CE, há que observar que as disposições do Tratado CE relativas à livre circulação devem aplicar‑se aos contratos públicos que escapam ao âmbito de aplicação da Directiva 92/50. Com efeito, apesar de certos contratos estarem excluídos do âmbito de aplicação das directivas comunitárias no domínio dos contratos públicos, as entidades adjudicantes que os celebram estão, todavia, obrigadas a respeitar as regras fundamentais do Tratado e o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade em particular (v., neste sentido, acórdãos de 7 de Dezembro de 2000, Telaustria e Telefonadress, C‑324/98, Colect., p. I‑10745, n.° 60, e de 18 de Junho de 2002, HI, C‑92/00, Colect., p. I‑5553, n.° 47, assim como despacho de 3 de Dezembro de 2001, Vestergaard, C‑59/00, Colect., p. I‑9505, n.° 20).

33     É assim, designadamente, em relação aos contratos públicos de serviços cujo valor não atinge os limites fixados pela Directiva 92/50. O simples facto de o legislador comunitário ter considerado que os procedimentos específicos e rigorosos previstos nas directivas relativas aos contratos públicos não são apropriados, quando se trata de contratos públicos de baixo valor, não significa que estes últimos estejam excluídos do âmbito de aplicação do direito comunitário (v. despacho Vestergaard, já referido, n.° 19). Do mesmo modo, os contratos não abrangidos pelo âmbito de aplicação da Directiva 92/50, como os contratos de concessão, continuam sujeitos à regras gerais do Tratado (v., neste sentido, acórdão de 21 de Julho de 2005, Coname, C‑231/03, Colect., p. I-0000, n.° 16).

34     Por último, há que recordar que não entram no âmbito de aplicação do artigo 49.° CE, por força dos artigos 45.°, primeiro parágrafo, CE e 55.° CE, no que respeita ao Estado‑Membro interessado, as actividades que, nesse Estado‑Membro, estejam ligadas, mesmo ocasionalmente, ao exercício da autoridade pública.

 Quanto à acusação relativa à violação da Directiva 92/50

35     O conceito de «contratos públicos de serviços» está definido no artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50. Esta disposição prevê que os referidos contratos são contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um prestador de serviços e uma entidade adjudicante.

36     Para determinar se o contrato de mandato por delegação do dono da obra na acepção da Lei n.° 85‑704 é abrangido pelo âmbito de aplicação da Directiva 92/50, há que examinar se os critérios estabelecidos no artigo 1.°, alínea a), desta última estão preenchidos. Não contendo esta disposição nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance, não há que procurar a qualificação que o direito francês dá ao referido contrato.

37     No caso concreto, verifica‑se que os referidos critérios estão preenchidos.

38     Em primeiro lugar, o artigo 5.° da Lei n.° 85‑704 prevê que as relações entre, por um lado, o dono da obra e, por outro, o mandatário do dono da obra por delegação são definidas por convenção, celebrada entre eles por escrito. Além disso, resulta da mesma disposição que o mandatário do dono da obra por delegação recebe uma remuneração. Assim sendo, a referida convenção pode ser considerada um contrato a título oneroso, celebrado por escrito.

39     Em seguida, no que diz respeito ao conceito de «entidades adjudicantes», são definidos como tais, nos termos do artigo 1.°, alínea b), da Directiva 92/50, «o Estado, as autarquias locais ou regionais, os organismos de direito público, as associações formadas por uma ou mais autarquias ou organismos de direito público».

40     Ora, o artigo 1.° da Lei n.° 85‑704 prevê as pessoas que podem exercer as funções de dono da obra são o Estado e os seus estabelecimentos públicos, as colectividades territoriais e respectivos estabelecimentos públicos, os estabelecimentos públicos de ordenamento urbano de cidades novas e respectivos agrupamentos, bem como os sindicatos mistos. Podem igualmente celebrar contratos de mandato por delegação do dono da obra, em aplicação da referida lei, os organismos privados mencionados no artigo L. 64 do código da segurança social e respectivas uniões e federações, bem como os organismos privados de habitações de renda económica e as sociedades de economia mista, no que respeita aos alojamentos para arrendamento subsidiados pelo Estado e construídos por estes organismos e sociedades.

41     No caso vertente, não é contestado que essas pessoas podem constituir entidades adjudicantes na acepção do artigo 1.°, alínea b), da Directiva 92/50.

42     Por último, o artigo 1.°, alínea c), da referida directiva define como «prestadores de serviços» «qualquer pessoa singular ou colectiva, incluindo organismos de direito público, que ofereçam serviços». O artigo 50.° CE qualifica de «serviços» «as prestações realizadas normalmente mediante remuneração, na medida em que não sejam reguladas pelas disposições relativas à livre circulação de mercadorias, de capitais e de pessoas». Os contratos que têm por objecto serviços referidos no anexo I A da Directiva 92/50 são adjudicados em conformidade com as disposições dos seus títulos III a VI e os referidos no anexo I B em conformidade com os artigos 14.° e 16.° dessa mesma directiva.

43     As pessoas a quem podem ser confiadas as atribuições de mandatário do dono da obra por delegação estão enumeradas no artigo 4.° da Lei n.° 85‑704. Há que observar que algumas dessas pessoas podem, elas próprias, constituir entidades adjudicantes na acepção do artigo 1.°, alínea b), da Directiva 92/50. Embora seja verdade que o artigo 6.° da referida directiva exclui do seu âmbito de aplicação os contratos públicos de serviços atribuídos a uma entidade que é ela própria uma entidade adjudicante com base num direito exclusivo de que beneficia nos termos de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas publicadas, não é menos verdade que essas condições não estão preenchidas nas circunstâncias do caso vertente.

44     As pessoas a quem podem ser confiadas as atribuições de mandatário do dono da obra por delegação podem ser consideradas «prestadores de serviços» na medida em que as atribuições que lhes são confiadas pelo contrato de mandato por delegação do dono da obra, em aplicação do artigo 3.° da Lei n.° 85‑704, correspondem à execução das prestações de serviços na acepção do direito comunitário.

45     A este respeito, a argumentação desenvolvida pelo Governo francês para demonstrar que o mandatário não efectua prestações de serviços não pode ser acolhida.

46     Resulta do artigo 3.° da Lei n.° 85‑704, que enumera as atribuições que o dono da obra pode confiar a um mandatário, que o contrato de mandato por delegação do dono da obra não é apenas um contrato através do qual o mandatário se compromete a representar o dono da obra. As referidas atribuições comportam diversas missões que correspondem, por um lado, a prestações de assistência de carácter administrativo e técnico e, por outro, a tarefas que têm por objecto a representação do dono da obra.

47     Em primeiro lugar, no que diz respeito à questão de saber se a função de representação é inseparável de todas as acções levadas a cabo pelo mandatário por conta do mandante, como sustenta o Governo francês, há que observar que é perfeitamente concebível dissociar essas diferentes missões. Com efeito, o dono da obra pode confiar a um mandatário, em aplicação do artigo 3.° da Lei n.° 85‑704, o exercício da totalidade ou de parte das atribuições enumeradas na referida disposição. Importa igualmente observar que, como afirmou correctamente o advogado‑geral no n.° 37 das suas conclusões, nada impede que essas missões estejam eventualmente sujeitas a regimes diferentes.

48     Em seguida, quanto à natureza das referidas atribuições, há que observar que a questão de saber se o mandatário contribui para o exercício de uma missão de interesse geral não é decisiva para determinar se ele efectua ou não prestações de serviços. Com efeito, não é raro, no domínio dos contratos públicos, que a entidade adjudicante confie a um terceiro uma missão económica destinada a satisfazer uma necessidade de interesse geral. Esta observação é corroborada, designadamente, pelo facto de a Directiva 92/50 se aplicar, com algumas excepções, aos contratos públicos de serviços adjudicados por entidades adjudicantes no domínio da defesa.

49     Por último, há que determinar se o contrato de mandato por delegação do dono da obra procede a uma transferência da autoridade pública, como pretende o Governo francês. O exame desta questão pressupõe que o exercício das atribuições em causa comporte, para o dono da obra, uma participação directa no exercício da autoridade pública.

50     A este respeito, o Governo francês não alegou a existência de circunstâncias em que a entidade adjudicante tem a seu cargo uma estrutura de gestão «interna» de um serviço público na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdãos de 18 de Novembro de 1999, Teckal, C‑107/98, Colect., p. I‑8121, n.° 50, e Coname, já referido, n.° 26). Com efeito, nada permite supor que o mandante exerce sobre o mandatário um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e que o mandatário realiza o essencial da sua actividade com a ou as autoridades públicas que o detêm (v., neste sentido, acórdão de 11 de Janeiro de 2005, Stadt Halle e RPL Lochau, C‑26/03, Colect., p. I‑1, n.° 49).

51     No que diz respeito às missões de assistência administrativa e técnica, como a definição das condições administrativas e técnicas a que obedecerão o estudo e a execução da obra, verifica‑se que se trata de prestações de serviços na acepção do artigo 8.° e do anexo I A da Directiva 92/50 e que o mandatário não participa no exercício da autoridade pública.

52     Quanto aos contratos de mandato por delegação do dono da obra que têm por objecto missões que comportam uma função de representação, importa observar desde já que a circunstância de uma prestação ser efectuada em execução de tal contrato não é suficiente para o excluir do âmbito de aplicação da Directiva 92/50. Esta observação é corroborada pelo facto de, como refere a título de exemplo a Comissão, os contratos de mandato celebrados entre uma entidade adjudicante e o seu advogado estarem abrangidos pelo âmbito de aplicação dos artigos 14.° e 16.° da referida directiva, em aplicação do artigo 9.° e do ponto 21 do anexo I B desta.

53     Nos termos do artigo 3.° da Lei n.° 85‑704, podem ser confiadas ao mandatário diversas missões que comportem uma função de representação do dono da obra. É assim, designadamente, no que diz respeito à assinatura do contrato de direcção de obra e do contrato de empreitada, assim como quando o mandatário paga aos prestadores e aos empreiteiros a respectiva remuneração.

54     Como correctamente observa o advogado‑geral no n.° 41 das suas conclusões, ainda que o mandatário esteja autorizado a assinar os contratos de direcção de obra e de empreitada em nome do dono da obra, não tem autonomia suficiente no cumprimento dos seus actos a ponto de se poder considerar que é beneficiário de uma transferência de autoridade pública. Com efeito, nos termos do artigo 2.° da Lei n.° 85‑704, o dono da obra, responsável principal por esta, desempenha nesse papel uma função de interesse geral de que não se pode demitir. Além disso, o mandatário só pode agir depois da aprovação do dono da obra. No que diz respeito ao pagamento da remuneração aos prestadores e aos empreiteiros, o financiamento é garantido pelo dono da obra, de modo que, neste domínio, o mandatário também não possui qualquer margem de manobra. Limita‑se a adiantar fundos que lhe são reembolsados pelo dono da obra.

55     Em tais circunstâncias, os contratos de mandato por delegação do dono da obra que têm por objecto missões que comportam uma função de representação do dono da obra são abrangidos pelo artigo 9.° e pelo anexo I B da Directiva 92/50.

56     O raciocínio seguido pelo Tribunal de Justiça no n.° 100 do acórdão Ordine degli Architetti e o., já referido, relativo à aplicação da Directiva 93/37, não é susceptível de infirmar esta conclusão. O Tribunal de Justiça observou, quanto ao respeito da referida directiva em caso de realização de uma obra de equipamento em circunstâncias como as que lhe estavam submetidas, que não era necessário que a administração autárquica aplicasse ela própria os procedimentos de adjudicação de contratos previstos nessa disposição. O efeito útil da referida directiva seria do mesmo modo respeitado se a legislação nacional permitisse à administração autárquica obrigar o titular do loteamento titular da licença de construção a realizar as obras acordadas através do recurso aos referidos procedimentos.

57     Esta apreciação foi feita no contexto de uma regulamentação específica em matéria de urbanismo, segundo a qual a concessão de uma licença de construção implicava o pagamento, pelo seu titular, de uma contribuição para as despesas de equipamento ocasionadas pelo seu projecto. Todavia, este último podia comprometer‑se a realizar directamente as obras de equipamento, deduzindo total ou parcialmente o seu custo ao montante devido. Nesta última hipótese, o Tribunal de Justiça concluiu que se tratava de um contrato público de obras na acepção da Directiva 93/37. Não tendo a autarquia, no entanto, a faculdade de escolher a pessoa encarregada de executar as obras de equipamento, uma vez que essa pessoa é designada pela lei na sua qualidade de proprietário dos terrenos objecto de loteamento e titular da licença de construção, era legítimo concluir que os procedimentos de adjudicação podiam ser aplicados, em vez da autarquia, pelo titular da licença, única pessoa apta, nos termos da lei, a executar as obras, como alternativa ao pagamento à autarquia de uma contribuição para os encargos de equipamento. Esta situação distingue‑se da que é regulada pela Lei n.° 85‑704, que deixa ao dono da obra a escolha do mandatário e não prevê obrigações prévias, relativamente às quais a remuneração daquele constitui uma contrapartida.

58     À luz das considerações precedentes, há que concluir que o contrato de mandato, como é definido pela Lei n.° 85‑704, é um contrato público de serviços na acepção do artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50 e está abrangido pelo âmbito de aplicação desta.

59     Por conseguinte, há que examinar se o artigo 4.° da Lei n.° 85‑704, que reserva o papel de mandatário a categorias de pessoas colectivas de direito francês taxativamente enumeradas, é conforme com as disposições da Directiva 92/50.

60     A este respeito, importa recordar que a referida directiva visa melhorar o acesso dos prestadores de serviços aos processos de adjudicação dos contratos públicos para eliminar as práticas que restringem a concorrência em geral e a participação nos contratos dos nacionais de outros Estados‑Membros em particular. Estes princípios são retomados no artigo 3.°, n.° 2, dessa mesma directiva, que proíbe a discriminação entre os diferentes prestadores de serviços.

61     Não se pode deixar de observar que o artigo 4.° da Lei n.° 85‑704 não é conforme com o princípio da igualdade de tratamento entre os diferentes prestadores de serviços, na medida em que esta disposição reserva a missão de representação do dono da obra por delegação a categorias de pessoas colectivas de direito francês taxativamente enumeradas.

62     Além disso, sem que seja sequer necessário determinar as prestações de serviços abrangidas pelo anexo I A da Directiva 92/50 e as abrangidas pelo anexo I B dessa mesma directiva, assim como, neste contexto, a incidência que pode ter a aplicação do seu artigo 10.°, está demonstrado que a Lei n.° 85‑704 não prevê nenhum procedimento de abertura à concorrência para a escolha do mandatário.

63     Nestas condições, a acusação relativa à violação da Directiva 92/50 é procedente.

 Quanto à acusação relativa à violação do artigo 49.° CE

64     Relativamente aos contratos públicos de serviços não abrangidos pelo âmbito de aplicação da Directiva 92/50, há que determinar se o artigo 4.° da Lei n.° 85‑704 é conforme com o princípio da livre prestação de serviços consagrado no artigo 49.° CE.

65     Há que observar desde já que, como resulta dos n.os 49 a 55 do presente acórdão, o contrato de mandato por delegação do dono da obra, como definido pela Lei n.° 85‑704, não confere ao mandatário missões abrangidas pelo exercício da autoridade pública, seja para as missões de assistência administrativa ou técnica ou de representação que lhe são confiadas. Por conseguinte, a excepção prevista nos artigos 45.° CE e 55.° CE não é aplicável no presente processo.

66     O artigo 49.° CE proíbe as restrições à livre prestação de serviços no interior da Comunidade Europeia em relação aos nacionais dos Estados‑Membros estabelecidos num país da Comunidade diferente do país do destinatário da prestação. Além disso, é jurisprudência assente que esta disposição exige a supressão de qualquer restrição, mesmo que esta restrição se aplique indistintamente aos prestadores nacionais e aos de outros Estados‑Membros, quando seja susceptível de impedir ou perturbar as actividades do prestador estabelecido noutro Estado‑Membro, no qual ele presta legalmente serviços análogos (v., designadamente, acórdãos de 13 de Julho de 2004, Comissão/França, C‑262/02, Colect., p. I‑6569, n.° 22, e Bacardi France, C‑429/02, Colect., p. I‑6613, n.° 31, e jurisprudência aí referida).

67     Em especial, um Estado‑Membro não pode subordinar a realização da prestação de serviços no seu território ao preenchimento de todas as condições exigidas para um estabelecimento, sob pena de privar de qualquer efeito útil as disposições do Tratado destinadas a assegurar a livre prestação de serviços (v. acórdão de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/Itália, C‑180/89, Colect., p. I‑709, n.° 15).

68     No caso vertente, há que concluir que o artigo 4.° da Lei n.° 85‑704 constitui um entrave à livre prestação de serviços na acepção do artigo 49.° CE, na medida em que tem por resultado reservar a missão de representação do dono da obra por delegação a uma lista taxativa de pessoas colectivas de direito francês.

69     Todavia, o artigo 46.° CE, lido em conjugação com o artigo 55.° CE, admite restrições à livre prestação de serviços justificadas por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. O exame dos autos não permitiu, no entanto, demonstrar a existência de tal justificação.

70     Nestas condições, a acusação relativa à violação do artigo 49.° CE é procedente.

71     Tendo em conta as considerações precedentes, há que concluir que, ao reservar, no artigo 4.° da Lei n.° 85‑704, a missão de representação do dono da obra por delegação a uma lista taxativa de pessoas colectivas de direito francês, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 92/50, bem como do artigo 49.° CE.

 Quanto às despesas

72     Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Francesa, e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

Ao reservar, no artigo 4.° da Lei n.° 85‑704, de 12 de Julho de 1985, relativa à titularidade de obra pública e às suas relações com a direcção privada da obra, conforme alterada pela Lei n.° 96‑987, de 14 de Novembro de 1996, relativa à execução do pacto de recuperação para a cidade, a missão de representação do dono da obra por delegação a uma lista taxativa de pessoas colectivas de direito francês, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, conforme alterada pela Directiva 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1997, bem como do artigo 49.° CE.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.

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