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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62003CJ0537

    Acórdão do Tribunal (Primeira Secção) de 30 de Junho de 2005.
    Katja Candolin, Jari-Antero Viljaniemi e Veli-Matti Paananen contra Vahinkovakuutusosakeyhtiö Pohjola e Jarno Ruokoranta.
    Pedido de decisão prejudicial: Korkein oikeus - Finlândia.
    Seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel - Directivas 84/5/CEE e 90/232/CEE - Regime de responsabilidade civil - Contribuição do passageiro para a produção do dano - Exclusão ou limitação do direito a uma indemnização.
    Processo C-537/03.

    Colectânea de Jurisprudência 2005 I-05745

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2005:417

    Processo C‑537/03

    Katja Candolin e o.

    contra

    Vahinkovakuutusosakeyhtiö Pohjola e Jarno Ruokoranta

    (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein oikeus)

    «Seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel – Directivas 84/5/CEE e 90/232/CEE – Regime de responsabilidade civil – Contribuição do passageiro para a produção do dano – Exclusão ou limitação do direito a uma indemnização»

    Conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed apresentadas em 10 de Março de 2005 

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 30 de Junho de 2005 

    Sumário do acórdão

    Aproximação das legislações – Seguro de responsabilidade civil automóvel – Directivas 72/166, 84/5 e 90/232 – Determinação do regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação dos veículos – Condições da limitação do direito a indemnização pelo seguro automóvel obrigatório baseada na contribuição para a produção do dano do passageiro vítima de um acidente – Competência dos Estados‑Membros – Limites – Relevância da qualidade de «proprietário do veiculo» do passageiro em causa – Ausência

    (Directivas do Conselho 72/166, artigo 3.°, n.° 1, 84/5, artigo 2.°, n.° 1, e 90/232, artigo 1.°)

    Decorre do objecto das Directivas 72/166, 84/5 e 90/232, relativas à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, bem como do teor das suas disposições, que as mesmas não visam harmonizar os regimes de responsabilidade civil dos Estados‑Membros e que, no estado actual do direito comunitário, os Estados‑Membros continuam livres de determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação dos veículos e, designadamente, as condições da limitação do direito a uma indemnização coberta pelo seguro automóvel obrigatório em função da contribuição para a produção do dano do passageiro vítima de acidente.

    Os Estados‑Membros são, contudo, obrigados a exercer as suas competências no respeito do direito comunitário, especialmente dos artigos 3.°, n.° 1, da Directiva 72/166, 2.°, n.° 1, da Directiva 84/5 e 1.° da Directiva 90/232, cujo objectivo consiste em garantir que o seguro automóvel obrigatório permitirá que todos os passageiros vítimas de um acidente causado por um veículo sejam indemnizados pelos danos que sofreram. As disposições nacionais que regulam as indemnizações devidas por sinistros resultantes da circulação de veículos não podem, assim, privar as referidas disposições do seu efeito útil.

    Seria esse nomeadamente o caso se, apenas com fundamento na contribuição do passageiro para a produção do dano, uma legislação nacional, definida com base em critérios gerais e abstractos, recusasse ao passageiro o direito a ser indemnizado pelo seguro automóvel obrigatório ou limitasse esse direito de modo desproporcionado. O facto de o passageiro em causa ser o proprietário do veículo cujo condutor provocou o acidente é, para esse efeito, irrelevante.

    (cf. n.os 24, 27‑29, 31, 35, disp.)




    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    30 de Junho de 2005 (*)

    «Seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel – Directivas 84/5/CEE e 90/232/CEE – Regime de responsabilidade civil – Contribuição do passageiro para a produção do dano – Exclusão ou limitação do direito a uma indemnização»

    No processo C‑537/03,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Korkein oikeus (Finlândia), por decisão de 19 de Dezembro de 2003, entrado no Tribunal de Justiça em 22 de Dezembro de 2003, no processo

    Katja Candolin,

    Jari‑Antero Viljaniemi,

    Veli‑Matti Paananen

    contra

    Vahinkovakuutusosakeyhtiö Pohjola,

    Jarno Ruokoranta,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: P. Jann, presidente de secção, K. Lenaerts, J. N. Cunha Rodrigues (relator), E. Juhász e M. Ilešič juízes,

    advogado‑geral: L. A. Geelhoed,

    secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

    vistos os autos e após a audiência de 19 de Janeiro de 2005,

    vistas as observações apresentadas:

    –       em representação de V.‑M. Paananen, por M. Hunnakko, asianajaja,

    –       em representação da Vahinkovakuutusosakeyhtiö Pohjola, por M. Mäkelä, na qualidade de agente,

    –       em representação do Governo finlandês, por T. Pynnä, na qualidade de agente,

    –       em representação do Governo alemão, por M. Lumma, na qualidade de agente,

    –       em representação do Governo austríaco, por E. Riedl, na qualidade de agente,

    –       em representação do Governo sueco, por K. Norman, na qualidade de agente,

    –       em representação do Governo norueguês, por I. Djupvik, na qualidade de agente, assistida por T. Nordby, advocate,

    –       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Traversa e M. Huttunen, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 10 de Março de 2005,

    profere o presente

    Acórdão

    1       O pedido de decisão prejudicial respeita à interpretação da Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis (JO 1984, L 8, p. 17; EE 13 F15 p. 244; a seguir «Segunda Directiva»), e da Terceira Directiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis (JO L 129, p. 33, a seguir «Terceira Directiva»).

    2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe K. Candolin, J.‑A. Viljaniemi e V.‑M. Paananen à companhia de seguros Vahinkovakuutusosakeyhtiö Pohjola (a seguir «Pohjola») e a J. Ruokoranta, a propósito das indemnizações que lhes devem ser pagas na sequência de um acidente de viação.

     Quadro jurídico

     Direito comunitário

    3       Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO L 103, p. 1; EE 13 F2 p. 113; a seguir «Primeira Directiva»):

    «Cada Estado‑Membro […] adopta todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro. Essas medidas devem determinar o âmbito da cobertura e as modalidades de seguro.»

    4       Os sétimo e nono considerandos da Segunda Directiva têm o seguinte teor:

    «Considerando que é do interesse das vítimas que os efeitos de certas cláusulas de exclusão sejam limitados às relações entre a seguradora e o responsável pelo acidente; […]

    […]

    Considerando que é conveniente conceder aos membros da família do tomador do seguro, do condutor ou de toda e qualquer outra pessoa responsável, uma protecção comparável à de outros terceiros vítimas, pelo menos no que respeita aos danos corporais».

    5       O artigo 2.°, n.° 1, da mesma directiva prevê:

    «Cada Estado‑Membro tomará as medidas adequadas para que qualquer disposição legal ou cláusula contratual contida numa apólice de seguro, emitida em conformidade com o n.° 1 do artigo 3.° da Directiva 72/166/CEE, que exclua do seguro a utilização ou a condução de veículos por:

    –       pessoas que não estejam expressa ou implicitamente autorizadas para o fazer;

    ou

    –       pessoas que não sejam titulares de uma carta de condução que lhes permita conduzir o veículo em causa;

    ou

    –       pessoas que não cumpram as obrigações legais de carácter técnico relativamente ao estado e condições de segurança do veículo em causa,

    seja, por aplicação do n.° 1 do artigo 3.° da Directiva 72/166/CEE, considerada sem efeito no que se refere ao recurso de terceiros vítimas de um sinistro.

    Todavia, a disposição ou a cláusula a que se refere o primeiro travessão do n.° 1 pode ser oponível às pessoas que, por sua livre vontade se encontrassem no veículo causador do sinistro, sempre que a seguradora possa provar que elas tinham conhecimento de que o veículo tinha sido roubado.

    […]»

    6       O artigo 1.° da Terceira Directiva dispõe:

    «Sem prejuízo do n.° 1, segundo parágrafo, do artigo 2.° da Directiva 84/5/CEE, o seguro referido no n.° 1 do artigo 3.° da Directiva 72/166/CEE cobrirá a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, além do condutor, resultantes da circulação de um veículo.

    […]»

     Legislação nacional

    7       À data em que ocorreram os factos do processo principal, o § 7, n.os 1 e 3, da lei do seguro dos veículos automóveis [liikennevakuutuslaki (279/1959)], de 26 de Junho de 1959, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 656/1994, tinha o seguinte teor:

    «1.      Quando o próprio lesado num acidente de viação tiver concorrido para a sua produção, a indemnização pelos danos que sofreu, que não físicos, pode ser-lhe recusada ou sofrer uma redução, consoante o seu grau de culpa, a forma como conduzia o veículo e as demais circunstâncias que levaram à produção dos danos. Se os danos físicos sofridos forem imputáveis ao próprio lesado, que actuou com dolo ou culpa grave, este só será indemnizado se e na medida em que outras circunstâncias tiverem contribuído para a produção dos danos.

    […]

    3.      Se os danos físicos sofridos forem imputáveis ao próprio lesado por, quando conduzia ou imediatamente após, a sua taxa de álcool no sangue ser de, pelo menos, 1,2 por mil ou a sua taxa de álcool por litro de ar expirado ser de, pelo menos, 0,6 miligramas, ou por conduzir o veículo sob a influência do álcool ou de estupefacientes ou sob a influência conjunta do álcool e de estupefacientes, estando por isso a sua capacidade de actuar sem cometer erros consideravelmente diminuída, só há obrigação de a seguradora indemnizar caso existam razões atendíveis. O disposto relativamente ao direito do condutor à indemnização é igualmente aplicável aos passageiros que se encontravam no interior do veículo quando da produção dos danos, desde que conhecessem ou devessem conhecer o estado em que se encontrava o condutor.»

    8       Na sequência de um parecer fundamentado que a Comissão das Comunidades Europeias enviou à República da Finlândia em 20 de Março de 2002, o segundo período do § 7, n.º 3, foi alterado pela Lei 548/2202. Nos termos desta nova disposição:

    «A indemnização do passageiro que, quando da produção dos danos, se encontrava no interior de um veículo cujo condutor se encontrava no estado descrito no presente número pode ser consideravelmente reduzida devido à sua própria contribuição para a produção dos danos.»

    9       A partir da entrada em vigor, em 1 de Fevereiro de 2003, da Lei 1144/2002, o § 7, n.º 1, da lei do seguro dos veículos automóveis passou a ter a seguinte redacção:

    «Quando alguém tenha dolosamente contribuído para a produção dos danos físicos que sofreu, só será indemnizado se e na medida em que outras circunstâncias tiverem contribuído para a produção dos danos. Quando alguém, por culpa grave, tenha contribuído para a produção dos danos físicos que sofreu, a indemnização poderá ser-lhe recusada ou sofrer uma redução caso, tendo em conta as circunstâncias, isso se afigure equitativo.»

     Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    10     Em 21 de Abril de 1997, T. Candolin, mãe de K. Candolin, bem como J.‑A. Viljaniemi e V.‑M. Paananen viajavam no veículo deste último, então conduzido por J. Ruokoranta. Nessa viagem, ocorreu um acidente de viação, que provocou a morte de T. Candolin, bem como ferimentos graves nos outros passageiros.

    11     Resulta da decisão de reenvio que o condutor e todos os restantes passageiros se encontravam em estado de embriaguez.

    12     O Porin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Pori) condenou J. Ruokoranta numa pena de prisão e no pagamento de indemnizações a K. Candolin, a J.‑A. Viljaniemi e a V.‑M. Paananen. No tocante à questão do pagamento das indemnizações pela Pohjola, este orgão jurisdicional, considerando que os passageiros se deveriam ter apercebido do estado de embriaguez do condutor, decidiu que nenhum deles, em princípio, tinha o direito, por força do § 7, n.º 3, da lei do seguro dos veículos automóveis, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 656/1994, de ser indemnizado pela referida companhia de seguros. Se existissem, todavia, «razões atendíveis» para o pagamento da indemnização, na acepção dessa disposição, a Pohjola podia ser obrigada a proceder ao seu pagamento. Considerando as graves lesões sofridas por V.‑M. Paananen e o facto de J. Ruokoranta, muito provavelmente, atenta a sua situação financeira, não ter condições para o indemnizar, o Porin käräjäoikeus determinou que a mesma indemnização fosse paga pela Pohjola. Em contrapartida, quanto a K. Candolin e J.‑A. Viljaniemi, o Porin käräjäoikeus entendeu que não existiam «razões atendíveis» que pudessem ser invocadas.

    13     Em sede de recurso, o Turun hovioikeus (Tribunal de Segunda Instância de Turku) considerou que a indemnização que J. Ruokoranta devia pagar a V.‑M. Paananen não tinha que ser suportada pela Pohjola.

    14     K. Candolin, J.‑A. Viljaniemi e V.‑M. Paananen interpuseram recurso do acórdão do Turun hovioikeus para o Korkein oikeus (Supremo Tribunal de Justiça). Pedem que as indemnizações que lhes foram atribuídas sejam suportadas pela companhia de seguros, com base no contrato de seguro. A Pohjola considera não estar obrigada à reparação, uma vez que, quando um passageiro entra num veículo sabendo que corre um risco mais elevado do que é habitual de sofrer um dano, deve responder pelas consequências dos seus actos.

    15     Considerando que as disposições legislativas em vigor à data dos factos devem ser interpretadas em conformidade com o direito comunitário, o Korkein oikeus decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)      O artigo 1.° da Terceira Directiva […], nos termos do qual o seguro cobre a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, excepto os do condutor, resultantes da circulação de um veículo, ou qualquer outra disposição ou princípio do direito comunitário impõem restrições à apreciação, em direito interno, da importância da contribuição do passageiro para a produção dos danos sofridos, no âmbito do seu direito à indemnização pelo seguro automóvel obrigatório?

    2)      É conforme com o direito comunitário, em qualquer outra situação para além da referida no artigo 2.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Segunda Directiva […], recusar ou limitar, com fundamento no comportamento do passageiro do veículo, o seu direito à indemnização pelo seguro automóvel obrigatório relativamente aos danos sofridos em consequência do acidente? Verifica-se um comportamento desse tipo quando, por exemplo, a pessoa tenha tomado lugar no veículo apesar de ter podido aperceber-se de que o risco de acidente e de sofrer danos era mais elevado do que o habitual?

    3)      O direito comunitário obsta a que se considere como elemento a tomar em conta o estado de embriaguez do condutor, que tem influência sobre a sua capacidade para a condução de um veículo automóvel com toda a segurança?

    4)      O direito comunitário obsta a que o direito de o proprietário de um veículo, que nele viajou como passageiro, a ser indemnizado pelo seguro automóvel obrigatório pelos danos corporais sofridos seja apreciado de forma mais rigorosa do que o direito dos demais passageiros, por ter permitido que uma pessoa em estado de embriaguez conduzisse o veículo?»

     Quanto às questões prejudiciais

    16     Com as suas questões, que há que analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se os artigos 2.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Segunda Directiva e 1.° da Terceira Directiva se opõem a uma regulamentação nacional que permita que se exclua ou limite, com base na contribuição do passageiro para a produção dos danos que sofreu, a indemnização paga pelo seguro automóvel obrigatório e se a resposta será diferente no caso de o passageiro ser também proprietário do veículo.

    17     A título preliminar, há que recordar que as Primeira, Segunda e Terceira Directivas têm como objectivo, por um lado, garantir a livre circulação tanto dos veículos que habitualmente circulam no território da Comunidade como das pessoas que neles viajam e, por outro, assegurar que as vítimas dos acidentes causados por esses veículos receberão tratamento idêntico, independentemente do local do território da Comunidade em que o acidente tenha ocorrido (acórdão de 28 de Março de 1996, Ruiz Bernáldez, C‑129/94, Colect., p. I‑1829, n.° 13).

    18     Foi à luz do objectivo de protecção das vítimas que o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Directiva se opõe a que a seguradora possa invocar disposições legais ou cláusulas convencionais para recusar indemnizar os terceiros vítimas de um acidente causado pelo veículo segurado (acórdão Ruiz Bernáldez, já referido, n.° 20).

    19     O Tribunal declarou igualmente que o artigo 2.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Segunda Directiva mais não faz do que evocar esta obrigação no que respeita às disposições ou às cláusulas de uma apólice que exclua do seguro a utilização ou a condução de veículos em situações especiais (pessoas não autorizadas a conduzir o veículo, pessoas não titulares de carta de condução ou pessoas que não preenchem as obrigações legais de ordem técnica relativamente ao estado e à segurança do veículo) (acórdão Ruiz Bernáldez, já referido, n.° 21).

    20     Em derrogação dessa obrigação, o segundo parágrafo do referido artigo 2.°, n.° 1, prevê que certas vítimas poderão não ser indemnizadas pela seguradora, tendo em conta a situação que elas próprias tenham criado (pessoas ocupantes de um veículo que sabiam ter sido furtado) (acórdão Ruiz Bernáldez, já referido, n.° 21).

    21     Todavia, tratando-se de uma disposição derrogatória de uma regra geral, o artigo 2.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Segunda Directiva deve ser objecto de interpretação estrita.

    22     Como correctamente salienta o advogado‑geral no n.° 42 das suas conclusões, qualquer outra interpretação teria por consequência permitir aos Estados‑Membros limitar a indemnização dos terceiros vítimas de um acidente de viação a certos casos, situação que as directivas têm precisamente como objectivo evitar.

    23     Conclui-se que o artigo 2, n.° 1, segundo parágrafo, da Segunda Directiva deve ser interpretado no sentido de que uma disposição legal ou cláusula contratual constante de uma apólice de seguro que exclua do seguro a utilização ou a condução de veículos só é oponível aos terceiros, vítimas de um acidente de viação, se a seguradora provar que as pessoas que de livre vontade se encontravam no veículo causador do dano sabiam que o mesmo tinha sido roubado.

    24     No que diz respeito à exclusão ou limitação do direito a uma indemnização coberta pelo seguro automóvel obrigatório com fundamento na contribuição do passageiro vítima de uma acidente para a produção do dano, resulta do objecto das Primeira, Segunda e Terceira Directivas, bem como do teor das suas disposições, que as mesmas não visam harmonizar os regimes de responsabilidade civil dos Estados‑Membros e que, no estado actual do direito comunitário, os Estados‑Membros continuam livres de determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação dos veículos (acórdão de 14 de Setembro de 2000, Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira, C‑348/98, Colect., p. I‑6711, n.os 23 e 29).

    25     A este respeito, a Pohjola bem como os Governos finlandês, alemão, austríaco e norueguês entendem que o direito comunitário não impõe qualquer restrição à apreciação, no âmbito do direito nacional da responsabilidade civil, da importância da contribuição do passageiro para a produção dos danos que sofreu.

    26     Este argumento não pode ser acolhido.

    27     Os Estados‑Membros são obrigados a exercer as suas competências no respeito do direito comunitário, especialmente dos artigos 3.°, n.° 1, da Primeira Directiva, 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva e 1.° da Terceira Directiva, cujo objectivo consiste em garantir que o seguro automóvel obrigatório permitirá que todos os passageiros vítimas de um acidente causado por um veículo sejam indemnizados pelos danos que sofreram.

    28     As disposições nacionais que regulam as indemnizações devidas por sinistros resultantes da circulação de veículos não podem, assim, privar as referidas disposições do seu efeito útil.

    29     Seria esse nomeadamente o caso se, apenas com fundamento na contribuição do passageiro para a produção do dano, uma legislação nacional, definida com base em critérios gerais e abstractos, recusasse ao passageiro o direito a ser indemnizado pelo seguro automóvel obrigatório ou limitasse esse direito de modo desproporcionado.

    30     Apenas em circunstâncias excepcionais se poderá limitar a extensão da indemnização da vítima, com base numa apreciação individual da sua conduta.

    31     No contexto da apreciação da existência dessas circunstâncias e do carácter proporcionado da limitação da indemnização, que incumbe ao órgão jurisdicional, o facto de o passageiro em causa ser o proprietário do veículo cujo condutor provocou o acidente é irrelevante.

    32     Com efeito, ao prever que o seguro de responsabilidade civil relativo à circulação dos veículos automóveis cobre a responsabilidade pelos danos físicos de todos os passageiros, que não os do condutor, o artigo 1.° da Terceira Directiva estabelece apenas uma distinção entre o condutor e os outros passageiros.

    33     Além disso, os objectivos de protecção recordados nos n.os 18 a 20 do presente acórdão impõem que a situação jurídica do proprietário do veículo que nele viajava no momento do acidente, não como condutor, mas como passageiro, seja equiparada à de qualquer outro passageiro vítima do acidente.

    34     Esta interpretação é corroborada pela evolução do direito comunitário. O sétimo considerando da Segunda Directiva dispõe que é do interesse das vítimas que os efeitos de certas cláusulas de exclusão sejam limitados às relações entre a seguradora e o responsável pelo acidente. Com o objectivo de lhes conceder uma protecção comparável à de outros terceiros vítimas, conforme resulta do nono considerando da mesma directiva, o artigo 3.° desta última estendeu a cobertura do seguro aos membros da família do tomador do seguro, do condutor ou de qualquer outro responsável. O artigo 1.° da Terceira Directiva consagra uma fórmula ainda mais ampla, ao prever a indemnização dos danos pessoais de todos os passageiros, além do condutor. Por conseguinte, o proprietário do veículo, enquanto passageiro, tem direito a ser indemnizado.

    35     Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões colocadas que, em circunstâncias como as do processo principal, os artigos 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva e 1.° da Terceira Directiva opõem‑se a uma regulamentação nacional que permita excluir ou limitar de modo desproporcionado, com fundamento na contribuição de um passageiro para a produção do dano que sofreu, a indemnização coberta pelo seguro automóvel obrigatório. O facto de o passageiro em causa ser o proprietário do veículo cujo condutor provocou o acidente é irrelevante.

     Quanto às despesas

    36     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

    Em circunstâncias como as do processo principal, os artigos 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, e 1.° da Terceira Directiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, opõem‑se a uma regulamentação nacional que permita excluir ou limitar de modo desproporcionado, com fundamento na contribuição de um passageiro para a produção do dano que sofreu, a indemnização coberta pelo seguro automóvel obrigatório. O facto de o passageiro em causa ser o proprietário do veículo cujo condutor provocou o acidente é irrelevante.

    Assinaturas


    * Língua do processo: finlandês.

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