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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62004CC0200

Conclusões do advogado-geral Poiares Maduro apresentadas em 16 de Junho de 2005.
Finanzamt Heidelberg contra ISt internationale Sprach- und Studienreisen GmbH.
Pedido de decisão prejudicial: Bundesfinanzhof - Alemanha.
Sexta Directiva IVA - Regime especial das agências de viagens e dos organizadores de circuitos turísticos - Artigo 26.º, n.º 1 - Âmbito de aplicação - Preço global que inclui o transporte para o Estado de destino e/ou a estadia neste Estado bem como o ensino de línguas - Prestação principal e prestações acessórias - Conceito - Directiva 90/314/CEE relativa a viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados.
Processo C-200/04.

Colectânea de Jurisprudência 2005 I-08691

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2005:394

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

M. Poiares Maduro

apresentadas em 16 de Junho de 2005 (1)

Processo C-200/04

Finanzamt Heidelberg

contra

iSt internationale Sprach- und Studienreisen GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha)]

«IVA – Regime especial das agências de viagens – Organização de viagens de estudo internacionais»





1.     Pelo presente pedido de decisão prejudicial, o Bundesfinanzhof (Alemanha) coloca ao Tribunal de Justiça a questão de saber se o regime especial das agências de viagens previsto no artigo 26.º da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (2) (a seguir «Sexta Directiva»), abrange as operações de organizadores de programas de estudos, designadamente de línguas, no estrangeiro.

I –    Factos do processo principal, disposições relevantes de direito comunitário e de direito nacional e questão submetida ao Tribunal de Justiça

2.     A iSt internationale Sprach- und Studienreisen GmbH (a seguir «demandante» ou «iSt») é uma sociedade de responsabilidade limitada que organiza viagens internacionais de estudo e de aprendizagem de línguas, propondo, entre outros, programas denominados «High School» e «College».

3.     Os programas «High School» destinam-se a alunos com idades compreendidas entre 15 e 18 anos, que pretendem frequentar uma «High School» ou um estabelecimento escolar equiparado no estrangeiro – em primeira linha, em países anglófonos –, durante três, cinco ou dez meses. Os candidatos a um programa deste tipo enviam um formulário de candidatura à demandante, que, após uma entrevista, decide sobre a aceitação da candidatura.

4.     A demandante compromete-se a assegurar aos participantes um lugar no estabelecimento escolar escolhido, onde são encaminhados para um mentor (um professor de confiança) que lhes proporciona aconselhamento e apoio. Durante a estadia, os alunos participantes são alojados em famílias de acolhimento. A escolha de famílias de acolhimento idóneas é efectuada com a colaboração de uma organização local associada à demandante. Uma pessoa designada por essa organização encontra-se à disposição do aluno, servindo igualmente de interlocutor tanto no local do estabelecimento escolar como no de residência da família de acolhimento. É também através da organização local parceira, que o aluno pode realizar um circuito de autocarro ou de avião, para visitar locais de interesse durante a estada no país de acolhimento.

5.     O preço global de um programa «High School» nos Estados Unidos da América, por exemplo, incluía voo de ida a partir de Frankfurt am Main para os EUA e voo de regresso, com guia, voos de ligação no interior da Alemanha, voos de ligação no interior dos EUA até ao local de destino e voos de regresso, alojamento e alimentação fornecidos pela família de acolhimento, aulas na «High School», assistência a prestar pela organização parceira e pelos seus colaboradores locais durante a estada, reuniões preparatórias, material de apoio e seguro de anulação de viagem. O preço global não incluía, no entanto, dinheiro para despesas pessoais, seguro de doença, seguro de responsabilidade civil e seguro contra acidentes nem a taxa de concessão de visto de entrada nos EUA e a participação num seminário de preparação.

6.     Quanto aos programas «College», estes destinam-se a alunos que concluíram o ensino secundário. A organização parceira local garante lugar aos participantes no «College», assegurando a sua admissão ao «College» por um a três trimestres. Compete também à organização parceira pagar ao «College» as propinas com as contribuições que recebe da demandante para custear os serviços. No programa «College», os participantes são alojados e alimentados no próprio estabelecimento de ensino. Também o voo de ida e volta obedece a regras diferentes das que se aplicam ao «High School Programme». Os voos são reservados pelo próprio participante.

7.     O Finanzamt Heidelberg (a seguir «Finanzamt») qualificou inicialmente as operações da demandante como prestações de viagem abrangidas pelo § 25 da Umsatzsteuergesetz 1993 (lei do imposto sobre o volume de negócios de 1993, a seguir «UStG»), que estabelece o regime de tributação das prestações de viagem. Mais tarde, porém, após uma auditoria, o Finanzamt entendeu que não existiam prestações de viagem, mas antes o fornecimento de outras prestações, isentas na acepção do § 4, n.º 23, da UStG.

8.     Nos termos deste último preceito, estão isentos de IVA «[o] fornecimento de serviços de alojamento, alimentação e das prestações em espécie habituais, efectuado por pessoas e instituições, quando estas acolhem sobretudo jovens, para fins educativos, de formação ou de formação complementar ou para fins de assistência neonatal, desde que as prestações sejam fornecidas aos jovens ou às pessoas que se dedicam à sua educação, formação, formação complementar ou assistência […]».

9.     Por seu turno, de acordo com o § 25 da UStG, relativo à tributação das prestações de viagem:

«(1) As disposições seguintes são aplicáveis às prestações de viagem de um empresário, que não se destinam à empresa do destinatário da prestação, na medida em que o empresário, ao prestar esses serviços, actue em nome próprio relativamente ao destinatário da prestação e utilize, para a realização da viagem, prestações intermediárias. A prestação do empresário é considerada uma outra prestação. Se, no âmbito de uma viagem, o empresário fornece ao destinatário da prestação várias prestações deste tipo, estas são consideradas como outra prestação única. O local desta outra prestação é determinado nos termos do § 3a, n.° 1. As prestações intermediárias de viagem são fornecimentos e outros serviços prestados por terceiros, que aproveitam directamente ao viajante.

(2) A outra prestação está isenta de imposto, desde que as prestações intermediárias de viagem relativas a essa outra prestação sejam fornecidas no território de países terceiros. [...]

(3) A outra prestação é calculada com base na diferença entre o montante que o destinatário da prestação paga para obter a prestação e o montante que o empresário paga pelas prestações intermediárias de viagem. [...]

(4) Em derrogação do § 15, n.° 1, o empresário não está autorizado a deduzir como imposto pago a montante os impostos que lhe são facturados à parte pelas prestações intermediárias de viagem. Quanto ao mais, não é afectada a aplicação do § 15. [...]»

10.   O § 25 da UStG visa transpor o artigo 26.° da Sexta Directiva, que consagra o «[r]egime especial das agências de viagens» e que estabelece para o efeito que:

«1.      Os Estados-Membros aplicarão o imposto sobre o valor acrescentado às operações das agências de viagens, nos termos do presente artigo, quando as agências actuarem em nome próprio perante o cliente e sempre que utilizem, para a realização da viagem, entregas e serviços de outros sujeitos passivos. O presente artigo não se aplica às agências de viagens que actuem unicamente na qualidade de intermediário às quais é aplicável o disposto em A), 3, c), do artigo 11.º

Para efeitos do disposto no presente artigo, são igualmente consideradas agências de viagens os organizadores de circuitos turísticos.

2.      As operações efectuadas por uma agência de viagens para a realização de uma viagem são consideradas como uma única prestação de serviços realizada pela agência de viagens ao viajante. Esta prestação de serviços será tributada no Estado-Membro em que a agência de viagens tem a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual é efectuada a prestação de serviços. Considera‑se matéria colectável e preço líquido de imposto desta prestação de serviços, na acepção do n.º 3, alínea b), do artigo 22.º, a margem da agência de viagens, isto é, a diferença entre o montante total líquido de imposto sobre o valor acrescentado pago pelo viajante e o custo efectivo suportado pela agência de viagens relativo às entregas e às prestações de serviços de outros sujeitos passivos, na medida em que tais operações se efectuem em benefício directo do viajante.

3.      Se as operações relativamente às quais a agência de viagens recorre a outros sujeitos passivos forem efectuadas por estes fora da Comunidade, a prestação de serviços da agência é equiparada a uma actividade de intermediário, isenta por força do n.º 14 do artigo 15.º Se estas operações forem efectuadas tanto na Comunidade, como fora dela, só deve ser considerada isenta a parte da prestação de serviços da agência de viagens respeitante às operações efectuadas fora da Comunidade.

4.      O imposto sobre o valor acrescentado debitado à agência de viagens por outros sujeitos passivos relativamente às operações referidas no n.º 2 efectuadas em benefício directo do viajante não é dedutível nem reembolsável em nenhum Estado-Membro.»

11.   O artigo 13.º, A, n.º 1, da Sexta Directiva estabelece, por seu turno, que:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas, com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

[…]

i)      A educação da infância e da juventude, o ensino escolar ou universitário, a formação ou a reciclagem profissional, e bem assim as prestações de serviços e as entregas de bens com elas estreitamente conexas, efectuadas por organismos de direito público prosseguindo o mesmo fim e por outros organismos que o Estado-Membro em causa considere prosseguirem fins análogos;

[…]»

12.   Na sequência da recusa por parte do Finanzamt de tributar a margem, nos termos do § 25 da UStG, em favor da classificação das actividades da demandante como operações isentas nos termos do § 4, n.º 23, da UStG, que não permite qualquer dedução de imposto pago a montante, o Finanzamt reduziu o imposto pago em excesso declarado para os anos de 1995 a 1997.

13.   A demandante recorreu desta decisão para o Finanzgericht, que, por sua vez, acolheu o pedido. O Finanzamt interpôs recurso de revista da sentença proferida pelo Finanzgericht para o Bundesfinanzhof, tendo este decidido suspender o processo de revista e submeter ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias a seguinte questão:

«O regime especial das agências de viagens, constante do artigo 26.° da Directiva 77/388/CEE, é igualmente aplicável às operações de um organizador dos chamados ‘High School Programme’ e ‘College Programme’, que incluem uma estada no estrangeiro de três a dez meses, que são propostos aos participantes pelo organizador em nome próprio e para a realização dos quais sejam utilizados serviços prestados por outros sujeitos passivos?»

II – Análise

14.   O artigo 26.º da Sexta Directiva estabelece o regime especial do IVA aplicável às agências de viagens e aos organizadores de circuitos turísticos, sobre o qual o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se pronunciar, designadamente para definir o âmbito de aplicação deste regime e determinar quais os operadores económicos que a ele estão sujeitos (3).

15.   A inclusão, na Sexta Directiva, deste regime especial de tributação resulta do facto de os serviços prestados por agências de viagens e por organizadores de circuitos turísticos serem geralmente constituídos por prestações múltiplas (por exemplo, transporte e alojamento) realizadas quer no Estado-Membro onde uma empresa tem a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável quer fora dele. Neste sentido, a aplicação das regras normais relativas ao local de tributação, à matéria colectável e à dedução do imposto pago a montante colocaria dificuldades de ordem prática a essas empresas, que veriam as suas actividades entravadas quer em razão da multiplicidade quer da localização das prestações fornecidas (4).

16.   O artigo 26.º visa, por conseguinte, adaptar as regras aplicáveis em matéria de IVA à natureza específica da actividade das agências de viagens (5). Estabelece, para este efeito, um regime especial de tributação que permite uma tributação adequada das prestações de viagem e que não configura, de modo algum, um regime de isenção.

17.   É assim que, para os não iniciados no sistema comum do IVA e, em particular, menos atentos às subtilezas do regime das deduções de imposto, este caso reserva, à partida, uma surpresa. De modo contra‑intuitivo é, com efeito, o Governo alemão, em sintonia com o Finanzamt, que defende que a actividade da iSt deve ser submetida ao regime de isenção de IVA. O sujeito passivo, pelo contrário, recusa esse entendimento, considerando que as operações que realiza estão sujeitas a IVA nos termos do artigo 26.º

18.   Na análise que passo a desenvolver, penso que o entendimento do Governo alemão é indefensável, tendo em conta, desde logo, a interpretação do artigo 26.º seguida pelo Tribunal de Justiça, em especial nos acórdãos Van Ginkel e Madgett e Baldwin.

19.   Certamente que o artigo 26.º, ao estabelecer um regime especial de tributação diferente do regime normal da Sexta Directiva, só deve ser aplicado quando seja necessário para alcançar os objectivos que visa prosseguir (6).

20.   Ora, no processo Van Ginkel, numa interpretação assente na ratio já descrita do artigo 26.º (7), entendeu-se que a circunstância de uma empresa não assegurar o transporte do viajante, mas apenas se limitar a fornecer-lhe o alojamento, não exclui as prestações fornecidas por essa empresa do âmbito de aplicação do artigo 26.º (8). A interpretação do artigo 26.º nestes moldes decorre, segundo o Tribunal, dos objectivos prosseguidos por este preceito (9).

21.   Também nesta linha interpretativa o Tribunal afirmou expressamente, no processo Madgett e Baldwin, que o regime especial dos agentes de viagens não se pode limitar apenas aos operadores que tenham a qualificação formal de «agentes de viagens» ou de «organizadores de circuitos turísticos». Considerou-se então que o regime em causa se aplica ao proprietário de um hotel que, mediante o pagamento de uma determinada quantia, propõe habitualmente aos seus clientes, além do alojamento, o transporte de ida e volta para o hotel a partir de certos pontos de recolha distantes, bem como excursões em autocarro durante a estadia no hotel (10).

22.   Segundo esta jurisprudência, qualquer sujeito passivo que venda prestações de viagem em seu próprio nome, utilizando para o efeito fornecimentos e serviços de outros sujeitos passivos, deve ficar abrangido pelo artigo 26.º da Sexta Directiva. Diferentemente, quando um operador económico actua unicamente na qualidade de intermediário, este regime especial do artigo 26.º não se aplica, devendo os serviços prestados ser tributados de acordo com as regras normais em matéria de IVA, aplicáveis à tributação dos serviços prestados por intermediários (11).

23.   Importa certamente saber qual o critério que permitirá determinar se um operador económico que fornece, em nome próprio, serviços relacionados com viagens, juntamente com outros serviços que não constituem à partida prestações de viagem, como, por exemplo, serviços de educação, se deve considerar submetido ao regime previsto no artigo 26.º da Sexta Directiva.

24.   Para este efeito, o critério decisivo adoptado no acórdão Madgett e Baldwin que segue expressamente a orientação desenvolvida pelo advogado-geral P. Léger nas conclusões que apresentou nesse caso, consiste na distinção entre prestações acessórias e prestações principais do operador ou equivalentes a estas últimas (12).

25.   Na realidade, o Tribunal destaca a existência de operadores que fornecem serviços relacionados com viagens, utilizando para o efeito prestações adquiridas a terceiros, mas em que essas prestações têm carácter meramente acessório. A este respeito, afirma expressamente o advogado-geral P. Léger nas suas conclusões, num ponto para o qual o acórdão remete expressamente (13), que uma «[…] prestação é acessória quando, por um lado, contribua para a boa execução da prestação principal e, por outro, represente uma parte marginal do valor do pacote, relativamente à prestação principal. Não constitui um fim para a clientela, ou um serviço procurado por ele próprio, mas sim a forma de beneficiar do serviço principal em melhores condições» (14). Será esse precisamente «o caso, por exemplo, do transporte facultado por um hotel, localmente, para conduzir os seus clientes a destinos próximos» (15).

26.   Não serão, em contrapartida, acessórios os serviços relacionados com viagens que os operadores também fornecem habitualmente em nome próprio, recorrendo para o efeito a prestações adquiridas a terceiros, mas que assumem um peso significativo no valor global a pagar pelo viajante, além de, aos olhos da clientela, o seu objecto não poder ser considerado meramente acessório (16).

27.   Seguindo este critério, o Tribunal afirmou no acórdão Madgett e Baldwin que, «quando um hoteleiro proponha aos seus clientes, de forma habitual, para além do alojamento, prestações que não integram as que tradicionalmente fornece e cuja realização não pode deixar de ter repercussões sensíveis no preço praticado, como a viagem até ao hotel a partir de pontos afastados de recolha de passageiros, essas prestações não podem ser equiparadas a prestações de serviços puramente acessórias» (17). Consequentemente, o artigo 26.º da Sexta Directiva é aplicável a um empresário hoteleiro que «[…] contra o pagamento de um preço global previamente fixado, propõe de forma habitual aos seus clientes, para além do alojamento, o transporte de ida e volta entre o hotel e determinados pontos afastados de recolha de passageiros e uma excursão em autocarro durante a estada, serviços de transporte esses que são adquiridos a terceiros» (18).

28.   À luz deste critério de qualificação adoptado no acórdão Madgett e Baldwin, a iSt deve ser qualificada como uma agência de viagens na acepção do artigo 26.º da Sexta Directiva. Com efeito, mesmo assumindo que a iSt fornece efectivamente serviços de educação aos seus clientes, a prestação de viagem não pode deixar de ter «repercussões sensíveis no preço praticado» a pagar pelo cliente segundo o critério seguido no acórdão Madgett e Baldwin. Assim sendo, é evidente que a viagem propriamente dita, incluindo transporte e estadia organizada no país de destino, não poderá ser encarada pela clientela como uma prestação acessória, com peso simplesmente marginal em relação ao alegado serviço educativo igualmente prestado pela iSt aos seus clientes.

29.   Importa referir, aliás, que as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio quanto à aplicabilidade do artigo 26.º ao caso em apreço decorrem, no essencial, da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa aos programas de intercâmbio escolar no quadro da Directiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de Junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados (19). A questão que se coloca é, portanto, a de saber se a determinação, nos termos já descritos, das actividades submetidas ao regime do artigo 26.º da Sexta Directiva deve sofrer alguma alteração à luz da jurisprudência recente do Tribunal neste outro domínio paralelo, em especial do acórdão AFS Intercultural Programs Finland (20).

30.   Neste acórdão, o Tribunal considerou que viagens que consistem em intercâmbios escolares com uma duração aproximada de um semestre ou um ano, com o objectivo de o aluno frequentar um estabelecimento escolar no país de acolhimento, a fim de se familiarizar com o seu povo e a sua cultura, e durante as quais o aluno reside com uma família, que o acolhe gratuitamente, como se dela fizesse parte, não constituem viagens organizadas na acepção da Directiva 90/314 (21).

31.   É evidente que esta jurisprudência não apresenta qualquer utilidade para responder à questão central no caso em apreço, que é, como já sublinhei, simplesmente, a de saber se no quadro da actividade da iSt a prestação de serviços de viagem assume carácter meramente acessório em relação a outras prestações por ela realizadas.

32.   A isto acresce, subsidiariamente, que o artigo 26.º visa a realização de finalidades bem diferentes das que orientam a Directiva 90/314, em particular a de evitar que o sistema comum do IVA entrave o exercício das actividades das agências de viagens.

33.   Não se justifica, por conseguinte, a realização de uma interpretação restritiva do artigo 26.º no sentido de que este se aplique apenas aos operadores económicos que forneçam em seu nome próprio «viagens» na acepção da Directiva 90/314 (22). Sublinho, a este respeito, que tal interpretação do artigo 26.º seria incompatível com o acórdão Van Ginkel, onde o Tribunal entendeu que o artigo 26.º é aplicável mesmo quando não há, por parte do operador, sequer a oferta de um serviço de viagem propriamente dito – isto é, que inclua o transporte dos clientes –, mas tão-somente de alojamento (23).

34.   Igualmente sem pertinência para a qualificação da demandante como agente de viagens na acepção do artigo 26.º, se afigura, a meu ver, a consideração da finalidade e da duração das viagens que o operador organiza e propõe em nome próprio, recorrendo para o efeito a prestações fornecidas por terceiros. A circunstância de o objectivo da estadia no estrangeiro, como no caso em apreço, ser afinal o estudo, designadamente da língua inglesa, não deve influir na qualificação da iSt como agente de viagens na acepção do artigo 26.º Isto contrariamente ao que sugere o Governo alemão, para quem a iSt exerce uma actividade sui generis que não deve caber no âmbito do artigo 26.º em virtude da finalidade educativa e da duração das viagens que propõe aos seus clientes.

35.   Distinguir operadores económicos que organizam viagens, e se encontram sujeitos ao regime do artigo 26.º, de outros aos quais esse regime não se aplica, consoante a finalidade e a duração das viagens, parece-me manifestamente desaconselhável. Há uma enorme variedade de viagens conforme os seus objectivos, a par das viagens de puro lazer. Basta imaginar, a este respeito, além das viagens para aprendizagem da língua e da cultura locais, as viagens organizadas para estadas de prática desportiva, de tratamento termal ou anti-stress, de cursos de culinária e de prova de vinhos, ou para integrar um grupo de músicos durante um período mais ou menos longo para interpretação de certo repertório. Se a duração e os objectivos das viagens e estadias organizadas no estrangeiro fossem decisivos, seria introduzida uma enorme dose de incerteza quanto à determinação do âmbito da noção de agência de viagens na acepção do artigo 26.º da Sexta Directiva.

36.   A adopção de tal critério seria não só completamente estranha ao texto do artigo 26.º (que não faz qualquer referência à duração e à finalidade das viagens) como também incompatível com os objectivos visados pelo regime especial aí estabelecido. Afinal não é fácil conciliar a consideração das finalidades e da duração da viagem com a ideia de simplificação que preside à adopção do regime do artigo 26.º Bem pelo contrário, se considerarmos os objectivos de simplificação decorrentes do carácter plurilocalizado da actividade desenvolvida pelas agências de viagens que justificam a adopção do regime de tributação da margem previsto no artigo 26.º, estes são precisamente assegurados, no caso em apreço, através da qualificação da iSt como submetida ao regime deste artigo 26.º (24).

37.   Uma delimitação do âmbito da noção de agência de viagens, na acepção do artigo 26.º, de acordo com a finalidade das prestações de viagens fornecidas seria, em qualquer caso, incompatível com a análise pautada por critérios objectivos, que claramente se impõem no quadro de um imposto com carácter marcadamente objectivo, como é o caso do IVA (25).

38.   Ora apenas através de uma interpretação autónoma e não restritiva da noção de agência de viagens, com base num critério objectivo como o consagrado explicitamente pelo Tribunal no acórdão Madgett e Baldwin, que não assente na consideração das finalidades da viagem e da sua duração, é que se poderão evitar distorções de concorrência entre operadores e assegurar uma aplicação uniforme da Sexta Directiva (26).

39.   Recordo, para terminar, que o artigo 26.º estabelece uma tributação adequada das prestações de viagem. Trata-se de um regime especial em relação ao regime normal de tributação, mas não de um regime de isenção de IVA.

40.   Tendo isto em conta, a interpretação proposta pelo Governo alemão no sentido de que a actividade da iSt seja integrada no quadro de prestações isentas segundo o artigo 13.º, A, n.º 1, alínea i), da Sexta Directiva é incompatível com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativa à interpretação das disposições da Sexta Directiva que estabelecem isenções.

41.   A iSt é, na realidade, uma sociedade comercial, e não parece ser, de todo, um «organismo de direito público» ou que goze de um estatuto análogo conforme determina o artigo 13.º, A, n.º 1, alínea i), da Sexta Directiva. A sua sujeição ao benefício deste regime de isenção implicaria, por conseguinte, uma interpretação desse regime incompatível, à partida, com a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual «os termos utilizados para designar as isenções visadas pelo artigo 13.º da Sexta Directiva devem ser interpretados estritamente, dado que constituem derrogações ao princípio geral de que o imposto sobre o volume de negócios é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo» (27).

III – Conclusão

42.   À luz das considerações expostas, proponho que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma à questão colocada pelo Bundesfinanzhof:

«O artigo 26.º da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, deve ser interpretado no sentido de que é igualmente aplicável às operações de um organizador de programas designados ‘High School’ e ‘College’, que incluem uma estada no estrangeiro de três a dez meses, que são propostos aos participantes pelo organizador em nome próprio e para a realização dos quais são utilizados serviços prestados por outros sujeitos passivos.»


1 – Língua original: português.


2 – JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54.


3 – V., em especial, os acórdãos de 12 de Novembro de 1992, Van Ginkel (C-163/91, Colect., p. I-5723), e de 22 de Outubro de 1998, Madgett e Baldwin (C‑308/96 e C‑94/97, Colect., p. I-6229).


4 – V. acórdãos Van Ginkel, já referido, n.os 13 e 14; Madgett e Baldwin, já referido, n.º 18; e acórdão de 19 de Junho de 2003, First Choice Holidays (C-149/01, Colect., p. I‑6289, n.os 23 e 24).


5 – Acórdãos Van Ginkel, já referido, n.os  15 e 23; Madgett e Baldwin, já referido, n.º 18; e First Choice Holidays, já referido, n.º 23.


6 – Acórdão First Choice Holidays, já referido, n.º 22, e Madgett e Baldwin, já referido, n.º 34.


7 – V., supra, n.os 15 e 16.


8 – Acórdão Van Ginkel, já referido, n.º 27.


9 – Conforme refere o Tribunal de Justiça no acórdão Van Ginkel, já referido, n.º 23, «[…] [a] exclusão do âmbito de aplicação do artigo 26.º da Sexta Directiva das prestações fornecidas por uma agência de viagens com o fundamento de as mesmas apenas incluírem o alojamento e não o transporte do viajante conduziriam a um regime fiscal complexo, no qual as regras aplicáveis em matéria de IVA dependeriam dos elementos constitutivos das prestações fornecidas a cada viajante. Tal regime fiscal violaria os objectivos da directiva».


10 – Acórdão Madgett e Baldwin, já referido, n.º 20: «[…] [I]mporta observar que as razões subjacentes ao regime especial aplicável às agências de viagens e aos organizadores de circuitos turísticos são igualmente válidas quando o operador económico não é uma agência de viagens ou um organizador de circuitos turísticos, na acepção geralmente atribuída a esses termos, mas efectua operações idênticas no quadro de outra actividade, como a actividade hoteleira.»


11 – V., igualmente, neste sentido, a exposição de motivos da Comissão na Proposta de directiva do Conselho que altera a Directiva 77/388/CEE no que respeita ao regime especial das agências de viagens (COM/2002/0064 final, JO 2002, C 126 E, p. 390). Esta ideia é reafirmada claramente na nova proposta de directiva apresentada pela Comissão em 8 de Fevereiro de 2002. A Comissão propõe que ao actual artigo 26.º, onde se estabelece que «[…] são igualmente considerados agências de viagens os organizadores de circuitos turísticos», se acrescente «bem como quaisquer outros sujeitos passivos que prestem serviços de viagens do mesmo modo».


12 – V. conclusões do advogado-geral P. Léger no processo Madgett e Baldwin, já referido, n.os 34 a 38.


13 – Madgett e Baldwin, já referido, n.º 24.


14 – Conclusões do advogado-geral P. Léger no processo Madgett e Baldwin, já referido, n.º 36.


15 – Ibidem, n.º 37.


16 – Ibidem, n.º 38.


17 – Madgett e Baldwin, já referido, n.º 26. O sublinhado é meu.


18 – Ibidem, n.º 27.


19 – JO L 158, p. 59.


20 – Acórdão de 11 de Fevereiro de 1999, AFS Intercultural Programs Finland (C‑237/97, Colect., p. I‑825).


21 – Ibidem, n.º 33 e dispositivo.


22 – Não penso, em todo o caso, que se seja possível deduzir do acórdão AFS a conclusão de que a iSt deve ser qualificada como não efectuando operações de viagens na acepção da directiva 90/314/CEE. Como justamente sublinha a demandante nas suas observações escritas, contrariamente ao que sucede com a associação em causa no acórdão AFS Intercultural Programs Finland, a iSt não é uma associação sem fins lucrativos.


23 – V., supra, n.º 24.


24 – Segundo a decisão de reenvio, a iSt organiza viagens que oferece aos seus clientes em nome próprio, incluindo o transporte até ao destino, bem como o acolhimento nos estabelecimentos de ensino e nas famílias. A iSt não actua como intermediário das companhias aéreas nem da organização parceira no país de destino, havendo, por outro lado, uma diversidade de locais onde as operações relevantes efectuadas se desenvolvem, o que, à luz da ratio subjacente ao artigo 26.º, justifica plenamente a sua aplicação.


25 – Um dos princípios reguladores do sistema do IVA é o da eliminação de factores susceptíveis de provocar distorções da concorrência a nível nacional e comunitário. Ora, como refere precisamente o advogado-geral P. Léger no n.º 32 das suas conclusões no processo Madgett e Baldwin, já referido, para o qual o acórdão expressamente remete no n.º 22, «[…] [e]ssas distorções podem ser evitadas mediante uma leitura do artigo 26.º que englobe actividades comparáveis de acordo com critérios objectivos, e não em função da classificação predeterminada de um operador económico em certa categoria profissional, embora este dedique uma parte importante da sua actividade a prestar serviços que integram outra categoria». O sublinhado é meu.


26 – V., a este respeito, o acórdão Madgett e Baldwin, já referido, n.º 22, e as conclusões do advogado-geral P. Léger nesse processo, n.º 32.


27 – Acórdãos de 15 de Junho de 1989, Stichting Uitvoering Financiële Acties (348/87, Colect., p. 1737, n.º 13), de 5 de Junho de 1997, SDC (C-2/95, Colect., p. I-3017, n.º 20), e, recentemente, de 3 de Março de 2005, Arthur Andersen (C‑472/03, ainda não publicado na Colectânea, n. º 24).

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