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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62003CJ0415

    Acórdão do Tribunal (Segunda Secção) de 12 de Maio de 2005.
    Comissão das Comunidades Europeias contra República Helénica.
    Auxílios de Estado - Obrigação de recuperação - Impossibilidade absoluta de execução - Inexistência.
    Processo C-415/03.

    Colectânea de Jurisprudência 2005 I-03875

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2005:287

    Processo C‑415/03

    Comissão das Comunidades Europeias

    contra

    República Helénica

    «Auxílios de Estado – Obrigação de recuperação – Impossibilidade absoluta de execução – Inexistência»

    Conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed apresentadas em 1 de Fevereiro de 2005 

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 12 de Maio de 2005 

    Sumário do acórdão

    1.     Acção por incumprimento – Não respeito da obrigação de recuperar os auxílios concedidos – Fundamentos de defesa – Impossibilidade absoluta de execução – Critérios de apreciação – Dificuldades de execução – Obrigação de cooperação da Comissão e do Estado‑Membro para encontrarem uma solução respeitando o Tratado

    (Artigos 10.° CE e 88.°, n.° 2, CE)

    2.     Acção por incumprimento – Inobservância de uma decisão da Comissão relativa a um auxílio de Estado – Fundamentos de defesa – Impugnação da legalidade da decisão – Inadmissibilidade

    3.     Auxílios concedidos pelos Estados – Decisão da Comissão que declara a incompatibilidade de um auxílio com o mercado comum e ordena a sua restituição – Possibilidade de a Comissão deixar às autoridades nacionais a tarefa de calcular o montante exacto a restituir

    1.     O único fundamento de defesa susceptível de ser invocado por um Estado‑Membro numa acção por incumprimento intentada pela Comissão nos termos do artigo 88.°, n.° 2, CE é a impossibilidade absoluta de executar correctamente a decisão que ordenou a recuperação do auxílio em causa.

    A condição de uma impossibilidade absoluta de execução não está preenchida, tratando‑se de uma decisão da Comissão relativa a um auxílio de Estado, quando o governo demandado se limita a comunicar à Comissão dificuldades jurídicas, políticas ou práticas que a execução da decisão apresenta, sem efectuar uma verdadeira diligência junto das empresas em causa para recuperar o auxílio e sem propor à Comissão formas alternativas de aplicação dessa decisão que permitissem superar essas dificuldades. Quando a execução dessa decisão enfrenta apenas determinadas dificuldades de ordem interna, a Comissão e o Estado‑Membro devem, por força do princípio que impõe aos Estados‑Membros e às instituições comunitárias deveres recíprocos de cooperação leal, que inspira, nomeadamente, o artigo 10.° CE, colaborar de boa fé, com vista a superar as dificuldades, respeitando plenamente as disposições do Tratado, nomeadamente as relativas aos auxílios de Estado.

    (cf. n.os 35, 42, 43)

    2.     Numa acção, que tem por objecto o incumprimento da execução de uma decisão sobre auxílios de Estado que não foi submetida ao Tribunal de Justiça pelo Estado‑Membro dela destinatário, este não pode validamente contestar a legalidade de semelhante decisão.

    (cf. n.° 38)

    3.     Nenhuma disposição do direito comunitário exige que a Comissão, quando ordena a restituição de um auxílio declarado incompatível com o mercado comum, fixe o montante exacto do auxílio a restituir. Com efeito, basta que a decisão da Comissão contenha indicações que permitam ao seu destinatário determinar por si próprio, sem dificuldades excessivas, este montante. A Comissão pode legitimamente limitar‑se a declarar a obrigação de restituição dos auxílios em questão e deixar às autoridades nacionais a tarefa de calcular o montante preciso dos auxílios a restituir. Além disso, sendo o dispositivo de uma decisão relativa a auxílios de Estado indissociável da sua fundamentação, deve ser interpretada, se for necessário, tendo em conta os motivos que levaram à sua adopção e os montantes a reembolsar em cumprimento da decisão da Comissão podem ser deduzidos da leitura conjugada da sua fundamentação.

    (cf. n.os 39‑41)




    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

    12 de Maio de 2005 (*)

    «Auxílios de Estado – Obrigação de recuperação – Impossibilidade absoluta de execução – Inexistência»

    No processo C‑415/03,

    que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 88.°, n.° 2, CE, entrada em 25 de Setembro de 2003,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por D. Triantafyllou e J. Buendía Sierra, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandante,

    contra

    República Helénica, representada por A. Samoni‑Rantou, bem como por P. Mylonopoulos, F. Spathopoulos e P. Anestis, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandada,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

    composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), R. Schintgen, G. Arestis e J. Klučka, juízes,

    advogado‑geral: L. A. Geelhoed,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 8 de Dezembro de 2004,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 1 de Fevereiro de 2005,

    profere o presente

    Acórdão

    1       Na presente acção, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República Helénica, ao não tomar, no prazo fixado, todas as medidas necessárias para obter a restituição dos auxílios declarados ilegais e incompatíveis com o mercado comum – com exclusão dos referentes às contribuições para o organismo nacional de segurança social (a seguir «IKA») –, em conformidade com o artigo 3.° da Decisão 2003/372/CE da Comissão, de 11 de Dezembro de 2002, relativa aos auxílios concedidos pela Grécia à companhia Olympic Airways (JO 2003, L 132, p. 1), ou, de qualquer forma, ao não lhe comunicar as medidas tomadas em aplicação do artigo 4.° dessa decisão, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 3.° e 4.° da referida decisão e do Tratado CE.

     Antecedentes do litígio

    2       Em 1996, a Comissão deu início, contra a República Helénica, ao procedimento previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado CE (actual artigo 88.°, n.° 2, CE), que conduziu à adopção da Decisão 1999/332/CE da Comissão, de 14 de Agosto de 1998, relativa à concessão de um auxílio pela Grécia à Olympic Airways (JO 1999, L 128, p. 1, a seguir «decisão de aprovação»), decisão esta que diz respeito às garantias, à redução e à conversão em capital de dívidas aprovadas em 1994, bem como a outras garantias e injecções de capital no montante total de 40 800 milhões de GRD, a pagar em três parcelas de 19 000, 14 000 e 7 800 milhões de GRD, respectivamente. A concessão destes auxílios foi acompanhada de um plano de reestruturação revisto para o período compreendido entre 1998 e 2002 e subordinada ao cumprimento de condições específicas.

    3       Na sequência de novas queixas relativamente à concessão de auxílios à Olympic Airways, a Comissão, por decisão de 6 de Março de 2002, deu início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, com base no facto de o plano de reestruturação da referida companhia não ter sido aplicado e de certas condições previstas pela decisão de aprovação não terem sido respeitadas. Esta decisão continha uma injunção à República Helénica para prestar informações à Comissão, em aplicação do artigo 10.° do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88].° CE (JO L 83, p. 1).

    4       Em 9 de Agosto de 2002, a Comissão dirigiu à República Helénica uma nova injunção para prestar as informações solicitadas anteriormente, exigindo‑lhe, designadamente, a apresentação dos balanços e dos montantes relativos ao pagamento dos custos de exploração ao Estado. As respostas fornecidas pelas autoridades gregas a este respeito foram consideradas insuficientes pela Comissão.

    5       Em 11 de Dezembro de 2002, a Comissão aprovou a Decisão 2003/372, baseada, nomeadamente, na conclusão de que a maioria dos objectivos do plano de reestruturação da Olympic Airways não tinha sido alcançada, que as condições impostas na decisão de aprovação não tinham sido integralmente cumpridas e que esta última decisão foi abusivamente aplicada. Além disso, refere a existência de novos auxílios operacionais que consistem essencialmente em o Estado grego tolerar o não pagamento ou a prorrogação dos prazos de pagamento das contribuições para a segurança social relativas aos meses de Outubro a Dezembro de 2001, do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») sobre os combustíveis e as peças sobressalentes, das rendas devidas aos aeroportos relativamente ao período compreendido entre 1998 e 2001, das taxas aeroportuárias e de um imposto cobrado aos passageiros à partida dos aeroportos gregos, denominado «spatosimo».

    6       O dispositivo da Decisão 2003/372 tem a seguinte redacção:

    «Artigo 1.°

    O auxílio à reestruturação concedido pelo Estado grego à Olympic Airways sob a forma de

    a)      Garantias de empréstimo concedidas até 7 de Outubro de 1994 à companhia nos termos do artigo 6.° da Lei grega n.° 96/75, de 26 de Junho de 1975;

    b)      Novas garantias de empréstimo até um limite de 378 milhões de dólares dos EUA relativas a empréstimos a contrair até 31 de Março de 2001 para a aquisição de novos aparelhos e o investimento necessário à transferência da Olympic Airways para o novo aeroporto de Spata;

    c)      Cancelamento da dívida da [Olympic Airways] até um limite de 427 000 milhões de dracmas;

    d)      Conversão da dívida da companhia em capital num montante de 64 000 milhões de dracmas;

    e)      Injecção de capital no valor de 54 000 milhões de dracmas, reduzida para 40 800 milhões, em três parcelas de 19 000, 14 000 e 7 800 milhões, respectivamente em 1995, 1998 e 1999,

    é considerado incompatível com o mercado comum na acepção do n.° 1 do artigo 87.° do Tratado, dado que as seguintes condições, sob as quais foi concedida a autorização inicial do auxílio, deixaram de ser satisfeitas:

    a)      Aplicação integral do plano de reestruturação destinado a garantir a viabilidade da companhia a longo prazo;

    b)      Observância dos 24 compromissos específicos associados à autorização do auxílio e;

    c)      Acompanhamento regular da aplicação do auxílio à reestruturação.

    Artigo 2.°

    O auxílio estatal que a Grécia concedeu sob a forma de tolerância face ao persistente não pagamento das contribuições para a segurança social, do IVA sobre o combustível e as peças sobressalentes pela Olympic Aviation, de alugueres em diversos aeroportos, de taxas aeroportuárias ao aeroporto internacional de Atenas e a outros aeroportos e do imposto Spatosimo, é incompatível com o mercado comum.

    Artigo 3.°

    1.      A Grécia deverá tomar as medidas necessárias para recuperar do beneficiário o auxílio de 14 000 milhões de dracmas (41 milhões de euros) mencionado no artigo 1.°, o qual não é compatível com o Tratado, e o auxílio referido no artigo 2.° e ilegalmente concedido ao beneficiário.

    2.      A recuperação será efectuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional, desde que estas permitam uma execução imediata e efectiva da decisão. O auxílio a recuperar incluirá juros desde a data em que foi colocado à disposição do beneficiário até ao momento da sua recuperação efectiva. Os juros serão calculados com base na taxa de referência utilizada para o cálculo do equivalente‑subvenção no âmbito dos auxílios regionais.

    Artigo 4.°

    A Grécia comunicará à Comissão, no prazo de dois meses a contar da data de notificação da presente decisão, as medidas que irá tomar para lhe dar cumprimento.

    […]»

    7       Em 11 de Fevereiro de 2003, o Governo grego informou a Comissão que tinha incumbido um perito independente de verificar se a Olympic Airways tinha dívidas pendentes para com o Estado e se tinha beneficiado de um tratamento privilegiado. Com base nas indicações assim recebidas, o referido governo declarou que não aplicaria os artigos 3.° e 4.° da Decisão 2003/372.

    8       Em 6 de Março de 2003, a Comissão fez saber ao referido governo que estava obrigado a dar cumprimento à Decisão 2003/372. Em 12 de Maio de 2003, a Comissão dirigiu a este último uma comunicação com explicações suplementares relativas à quantificação dos novos auxílios, pedindo informações detalhadas sobre a execução do reembolso de 41 milhões de EUR, os quais constituíram a segunda parcela da operação de injecção de capital, bem como as provas do pagamento, pela Olympic Airways, das dívidas a que se refere o artigo 2.° da mencionada decisão.

    9       As autoridades gregas responderam por carta de 26 de Junho de 2003. No que respeita ao reembolso do montante de 41 milhões de EUR, indicaram, por um lado, que pretendiam tomar uma decisão de recuperação deste auxílio antes do fim do mês de Agosto de 2003 e, por outro, que os efeitos jurídicos da Decisão 2003/372 e o procedimento seguido pela Comissão para a adoptar estavam a ser «analisados». Também referiram que a Olympic Airlines estava prestes a pagar a sua dívida no montante de 2,46 milhões de EUR a título das rendas devidas aos aeroportos gregos.

    10     No que respeita à dívida no montante total de 27,4 milhões de EUR ao IKA, as referidas autoridades invocaram um acordo celebrado entre a Olympic Airways e esse organismo e o pagamento de 5,28 milhões de EUR a este último, pelo que não está em causa uma «tolerância da dívida» em benefício daquela companhia.

    11     Quanto à dívida de 33,9 milhões de EUR a título de taxas aeroportuárias devidas ao aeroporto de Spata, as autoridades gregas sustentaram que não eram competentes, em razão do modo de administração desse aeroporto. No entanto, referiram um pagamento de 4,83 milhões de EUR efectuado com base num acordo celebrado a esse respeito, tendo facultado uma prova do pagamento desse montante pela Olympic Airways. O dito acordo previa, de resto, o pagamento da dívida em doze prestações trimestrais. Indicaram que o montante total da dívida ficará reembolsado em Abril de 2005.

    12     No que toca à dívida no montante de 61 milhões de EUR, correspondente ao imposto «spatosimo», as autoridades gregas alegaram que tinha sido efectuado um pagamento de 22,8 milhões de EUR com base em acordos celebrados a esse respeito. Apresentaram comprovativos do pagamento deste montante, bem como de outros pagamentos. No que respeita à dívida de 28,9 milhões de EUR a ministérios e instituições públicas, as referidas autoridades invocaram a falta de precisão das obrigações de reembolso, por não haver dados concretos relativos aos bilhetes de avião emitidos a favor dos funcionários desses ministérios.

    13     Por não considerar satisfatórias as explicações dadas pela República Helénica, a Comissão intentou a presente acção.

     Quanto à acção

     Argumentos das partes

    14     A Comissão observa, quanto à segunda parcela da operação de injecção de capital de 41 milhões de EUR, aprovada em 1998, que as autoridades gregas não recuperaram esse montante junto da Olympic Airways.

    15     A Comissão alega que as autoridades gregas não invocaram uma impossibilidade absoluta de execução da Decisão 2003/372. Limitaram‑se a proceder à emissão de uma ordem de pagamento e à notificação desta ordem, bem como a emitir uma declaração segundo a qual esses actos tinham sido objecto de impugnação com pedido de suspensão da sua execução, o que significa que a restituição não teve lugar.

    16     A Comissão conclui que, não obstante a adopção da Decisão 2003/372, as medidas tomadas permitiram a transferência, sem qualquer contrapartida, não só do pessoal da Olympic Airways mas também dos activos mais rentáveis e livres de dívidas desta companhia para uma nova sociedade, denominada «Olympic Airlines», sem que seja possível recuperar as dívidas da antiga companhia junto desta nova sociedade. Esta sociedade, para a qual não foi transferido o passivo da Olympic Airways, foi, pois, colocada sob um regime de protecção especial face aos credores desta última.

    17     Segundo a Comissão, através desta operação de transferência, as autoridades helénicas impediram a recuperação dos auxílios, dado que a Olympic Airways conserva principalmente o passivo, sem dispor de activos suficientes para liquidar as dívidas correspondentes.

    18     A Comissão alega, quanto às taxas aeroportuárias devidas, que o calendário previsto para o pagamento destas constitui uma nova facilidade financeira e um protelamento não autorizado da execução da Decisão 2003/372. Acrescenta que o calendário também não foi cumprido. Com efeito, o primeiro pagamento foi efectuado com um atraso de cinco meses e representa apenas uma parte do montante devido. Além disso, o montante pago no mês de Junho de 2003 não corresponde aos quatro pagamentos trimestrais previstos até ao mês de Abril de 2003.

    19     Segundo a Comissão, não lhe foi dada nenhuma informação sobre o pagamento do IVA sobre o combustível e as peças sobressalentes.

    20     No que respeita ao imposto «spatosimo», a Comissão sustenta que a concessão, para o pagamento deste, de facilidades que se alargam por um período adicional de quatro anos proporciona uma nova vantagem financeira à Olympic Airways e excede os limites da execução da Decisão 2003/372 nos prazos fixados por esta última.

    21     A Comissão sublinha que, salvo raras excepções relativas a determinados montantes, a maioria dos auxílios a reembolsar continua na posse da companhia beneficiária. Por outro lado, eventuais dificuldades jurídicas, como as relativas à inscrição de dívidas no orçamento correspondente ou às exigências do código das receitas do Estado, não podem constituir fundamento para uma incapacidade absoluta de executar a Decisão 2003/372.

    22     Por último, a Comissão rejeita a argumentação relativa à tolerância que um investidor privado teria manifestado perante o persistente não pagamento das dívidas em causa. De facto, na Decisão 2003/372, que aplica esse critério e leva em conta os múltiplos pagamentos de auxílios efectuados desde há dez anos, considerou‑se, com justeza, que um credor privado não teria tolerado esse persistente não pagamento das dívidas em causa.

    23     O Governo grego considera, a título preliminar, que os elementos apresentados pela Comissão, relativos à transferência não só do pessoal mas também dos activos mais rentáveis da antiga companhia Olympic Airways para a nova sociedade Olympic Airlines, constituem uma argumentação inadmissível no quadro da presente acção, devido à existência de um procedimento de investigação sobre a mesma operação, iniciado por uma decisão da Comissão de 16 de Março de 2004.

    24     Quanto à dívida da Olympic Airways ao Estado, no montante de 41 milhões de EUR, o Governo grego considera ter cumprido o artigo 3.° da Decisão 2003/372. Com efeito, o serviço fiscal competente emitiu, em cumprimento desta decisão, uma declaração na qual certificava o montante da referida dívida, acrescido de juros. Esta declaração constitui o título executivo necessário à recuperação do montante em dívida, pelo que as autoridades gregas cumpriram as exigências da referida decisão ao recorrer a todos os meios existentes na ordem jurídica nacional para recuperar esse montante.

    25     Quanto às outras intervenções financeiras, o Governo grego alega que a Decisão 2003/372 não esclarece se os montantes nela referidos constituem os montantes definitivos do auxílio de Estado a recuperar e que, quanto a prestações ou facilidades, essa decisão também não determina de forma expressa e clara os montantes em causa.

    26     O Governo grego observa que a recuperação dos montantes que a Comissão considerou serem auxílios de Estado a favor da Olympic Airways deve ser efectuada de acordo com as disposições nacionais relativas ao processo de cobrança de dívidas públicas. De acordo com essas disposições, a recuperação, junto de particulares e empresas, de créditos do Estado exige que os montantes devidos tenham sido previamente apurados com precisão.

    27     O referido governo alega que o artigo 2.° da Decisão 2003/372 não indica os montantes correspondentes aos novos auxílios de Estado pagos à Olympic Airways, descritos como incompatíveis com o mercado comum. Quanto aos detalhes relativos a tais montantes, só são referidos na fundamentação da referida decisão, de forma obscura e fragmentada, sem que seja, contudo, esclarecido se constituem o montante definitivo do auxílio de Estado a recuperar.

    28     De qualquer forma, segundo o Governo grego, os diferentes montantes que constam dos balanços da Olympic Airways como dívidas e encargos desta não entram no conceito de auxílio. Daqui resulta que a determinação do auxílio de Estado nos casos de dívidas vencidas e não liquidadas exige a avaliação do montante concreto da vantagem decorrente de uma eventual tolerância em relação ao não pagamento.

    29     Segundo o Governo grego, as rendas devidas aos aeroportos gregos são objecto de uma acção declarativa intentada pelo serviço fiscal, para que o processo de recuperação possa ter início. O IVA respeitante às peças sobressalentes e ao combustível deve ser pago, acrescido dos juros e coimas legais, no quadro da declaração de liquidação do IVA referente ao ano de 2003.

    30     Quanto às taxas devidas ao aeroporto de Spata, o Governo grego sustenta que não tem competência para ordenar a recuperação do montante em questão junto da Olympic Airways. Com efeito, o aeroporto de Spata foi constituído sob a forma de sociedade de direito privado e, não obstante o Estado controlar 55% do seu capital, esta sociedade está sujeita ao enquadramento jurídico definido nos seus estatutos e na convenção de desenvolvimento desse aeroporto. De acordo com este enquadramento jurídico, são da exclusiva responsabilidade da direcção desta sociedade as decisões relativas à liquidação das taxas devidas e à celebração de acordos de liquidação de dívidas.

    31     Quanto ao imposto denominado «spatosimo», o Governo grego referiu um determinado número de pagamentos e um acordo de liquidação de dívidas.

     Apreciação do Tribunal

    32     No que respeita à obrigação enunciada no artigo 3.°, n.° 1, da Decisão 2003/372, relativa à recuperação, junto da companhia beneficiária, do montante de 41 milhões de EUR, e tendo em conta as reservas expressas pela República Helénica quanto à admissibilidade da argumentação da Comissão de que a operação de transferência, para a nova sociedade Olympic Airlines, não só do pessoal mas também dos activos mais rentáveis da companhia Olympic Airways tornou mais difícil a recuperação dos auxílios pagos, importa sublinhar que, como o advogado‑geral observa, com razão, nos n.os 27 e 28 das conclusões, o facto de essa operação ser objecto de outro procedimento de investigação quanto à sua natureza de auxílio de Estado é irrelevante para a questão de saber se semelhante operação constitui um obstáculo à recuperação de auxílios anteriormente pagos. Com efeito, no âmbito do presente litígio, trata‑se apenas de determinar se essa transferência cria obstáculos à execução da referida decisão.

    33     A este respeito, verifica‑se que, como resulta das informações dadas pela Comissão e não contestadas pelo Governo grego, a transferência em causa abrangia todos os activos da companhia Olympic Airways, livres de toda e qualquer dívida, para a nova sociedade Olympic Airlines. Acresce que esta operação estava estruturada de forma a tornar impossível, nos termos do direito nacional, a recuperação das dívidas da antiga companhia Olympic Airways junto da nova sociedade Olympic Airlines.

    34     Nestas circunstâncias, a referida operação criou um obstáculo à execução eficaz da Decisão 2003/372 e à recuperação dos auxílios através dos quais o Estado grego apoiou as actividades comerciais dessa companhia. Por este motivo, o objectivo da referida decisão, de restabelecer uma situação de concorrência não falseada no sector da aviação civil, ficou seriamente comprometido.

    35     Acresce que os actos praticados pelas autoridades gregas, nomeadamente, a adopção de uma decisão de proceder à recuperação da dívida de 41 milhões de EUR da Olympic Airways, não produziram qualquer efeito concreto no que respeita ao efectivo reembolso do referido montante por esta última. Por outro lado, o Governo grego não deu qualquer explicação no sentido de demonstrar a existência de uma eventual impossibilidade absoluta de proceder à recuperação da dívida. Ora, segundo jurisprudência assente, o único fundamento de defesa susceptível de ser invocado por um Estado‑Membro numa acção por incumprimento intentada pela Comissão nos termos do artigo 88.°, n.° 2, CE é a impossibilidade absoluta de executar correctamente a decisão que ordenou a recuperação (v., nomeadamente, acórdãos de 29 de Janeiro de 1998, Comissão/Itália, C‑280/95, Colect., p. I‑259, n.° 13, e de 3 de Julho de 2001, Comissão/Bélgica, C‑378/98, Colect., p. I‑5107, n.° 30).

    36     Nestes termos, conclui‑se que a República Helénica não cumpriu a obrigação de recuperar o montante referido no artigo 3.°, n.° 1, da Decisão 2003/372.

    37     Quanto à obrigação relativa à recuperação dos outros montantes do auxílio declarado incompatível com o mercado comum, referidos no artigo 2.° da Decisão 2003/372, importa sublinhar desde já que as diversas categorias de prestação financeira em questão, bem como as suas características técnicas, foram precisadas nos n.os 206 a 208 da fundamentação da referida decisão. Trata‑se, nomeadamente, de taxas aeroportuárias, de obrigações de pagamento a título de IVA, de obrigações contratuais relativas a rendas devidas aos aeroportos assim como de impostos cujo não pagamento ou cuja prorrogação dos prazos de pagamento foram tolerados pelas autoridades gregas.

    38     Quanto à argumentação da República Helénica no tocante à inexistência de uma vantagem financeira subsequente à tolerância que um investidor privado teria demonstrado relativamente ao persistente não pagamento de determinados montantes, refira‑se que essa argumentação equivale a pôr em causa a legalidade da Decisão 2003/372. Ora, na presente acção, que tem por objecto o incumprimento da execução de uma decisão sobre auxílios de Estado e que não foi submetida ao Tribunal de Justiça pelo Estado‑Membro dela destinatário, este não pode validamente contestar a legalidade de semelhante decisão (v., nomeadamente, acórdãos de 27 de Junho de 2000, Comissão/Portugal, C‑404/97, Colect., p. I‑4897, n.° 34, e de 22 de Março de 2001, Comissão/França, C‑261/99, Colect., p. I‑2537, n.° 18). Por conseguinte, a qualificação, na Decisão 2003/372, do persistente não pagamento de diversas dívidas da Olympic Airways como auxílios de Estado não pode ser posta em causa na presente acção.

    39     No que respeita ao argumento da República Helénica de que, quanto às diversas categorias de prestação financeira referidas no artigo 2.° da Decisão 2003/372, esta última não é susceptível de execução por falta de indicações precisas quanto aos montantes a recuperar, importa recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nenhuma disposição do direito comunitário exige que a Comissão, quando ordena a restituição de um auxílio declarado incompatível com o mercado comum, fixe o montante exacto do auxílio a restituir. Com efeito, basta que a decisão da Comissão contenha indicações que permitam ao seu destinatário determinar por si próprio, sem dificuldades excessivas, este montante (v., nomeadamente, acórdão de 12 de Outubro de 2000, Espanha/Comissão, C‑480/98, Colect., p. I‑8717, n.° 25).

    40     Por conseguinte, a Comissão podia legitimamente limitar‑se a declarar a obrigação de restituição dos auxílios em questão e deixar às autoridades nacionais a tarefa de calcular o montante preciso dos auxílios a restituir.

    41     Acresce que, conforme a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual o dispositivo de uma decisão relativa a auxílios de Estado é indissociável da sua fundamentação, de modo que deve ser interpretada, se necessário, tendo em conta os motivos que levaram à sua adopção (v., nomeadamente, acórdão de 15 de Maio de 1997, TWD/Comissão, C‑355/95 P, Colect., p. I‑2549, n.° 21), os montantes a reembolsar em cumprimento da Decisão 2003/372 podem ser deduzidos da leitura conjugada do seu artigo 2.° e dos n.os 206 a 208 da sua fundamentação.

    42     No que respeita ao argumento da República Helénica de que a execução da Decisão 2003/372 esbarrou contra determinadas dificuldades de ordem interna, importa recordar que, em tal situação, por força do princípio que impõe aos Estados‑Membros e às instituições comunitárias deveres recíprocos de cooperação leal, que inspira, nomeadamente, o artigo 10.° CE, a Comissão e o Estado‑Membro devem colaborar de boa fé, com vista a superar as dificuldades, respeitando plenamente as disposições do Tratado, nomeadamente as relativas aos auxílios de Estado (v. acórdãos de 4 de Abril de 1995, Comissão/Itália, C‑348/93, Colect., p. I‑673, n.° 17, e Comissão/França, já referido, n.° 24). Ora, tal não sucedeu no caso em apreço.

    43     Acresce que a República Helénica tão‑pouco invocou uma impossibilidade absoluta de proceder a uma execução diligente das obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.° e 3.° da Decisão 2003/372. Ora, é jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que a condição de uma impossibilidade absoluta de execução não está preenchida quando o governo demandado se limita a comunicar à Comissão dificuldades jurídicas, políticas ou práticas que a execução da decisão apresenta, sem efectuar uma verdadeira diligência junto das empresas em causa para recuperar o auxílio e sem propor à Comissão formas alternativas de aplicação dessa decisão, que teriam permitido superar essas dificuldades (v., nomeadamente, acórdãos de 2 de Fevereiro de 1989, Comissão/Alemanha, 94/87, Colect., p. 175, n.° 10, e de 2 de Julho de 2002, Comissão/Espanha, C‑499/99, Colect., p. I‑6031, n.° 25).

    44     Além disso, decorre das afirmações da República Helénica relativas aos esforços envidados pelas autoridades nacionais para recuperar os auxílios referidos nos artigos 2.° e 3.°, n.° 1, da Decisão 2003/372 que essas autoridades se limitaram a determinadas diligências processuais e administrativas, a acordos parciais de liquidação de dívidas e a operações de compensação. Estas iniciativas que, por outro lado, foram tardias, incompletas ou não são coercivas e que, de qualquer das formas, não levaram à efectiva recuperação dos montantes devidos pela Olympic Airways, não podem ser consideradas consentâneas com as obrigações dos Estados‑Membros em matéria de recuperação dos auxílios de Estado.

    45     Pelo exposto, há que julgar procedente a acção intentada pela Comissão.

    46     Consequentemente, há que declarar que a República Helénica, ao não tomar, no prazo fixado, todas as medidas necessárias para obter a restituição dos auxílios declarados ilegais e incompatíveis com o mercado comum – com exclusão dos referentes às contribuições para o IKA –, em conformidade com o artigo 3.° da Decisão 2003/372, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do referido artigo 3.°

     Quanto às despesas

    47     Por força do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Helénica e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

    1)      A República Helénica, ao não tomar, no prazo fixado, todas as medidas necessárias para obter a restituição dos auxílios declarados ilegais e incompatíveis com o mercado comum – com exclusão dos referentes às contribuições para o organismo nacional de segurança social –, em conformidade com o artigo 3.° da Decisão 2003/372/CE da Comissão, de 11 de Dezembro de 2002, relativa aos auxílios concedidos pela Grécia à companhia Olympic Airways, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do referido artigo 3.°

    2)      A República Helénica é condenada nas despesas.

    Assinaturas


    * Língua do processo: grego.

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